Existem débitos históricos com a população negra que a filantropia ainda não equacionou

As relações de poder que, direta ou indiretamente, sustentam o racismo estrutural fizeram parte dos temas mais comentados pelos(as) palestrantes da mesa “Filantropia e relações raciais: presente e futuro”. Esse painel fez parte do webinário Investimentos Filantrópicos para a promoção da equidade racial, organizado pelo J.P. Morgan e o Fundo Baobá, em 28 de outubro.

Alejandra Garduno Martinez, diretora da Fundação Kellogg para a América Latina, relembrou que a Covid-19 expôs, de forma contundente, as profundas desigualdades da sociedade com relação à justiça social e à equidade. Lembrou que o racismo se expressa de muitas formas, algumas invisíveis, mas a pandemia as tornou evidentes. 

Alejandra Garduno Martinez – Diretora da Fundação Kellogg para América Latina

Átila Roque, Diretor Regional da Fundação Ford no Brasil, lembrou que o racismo está estruturado em uma consistente ideia,  construída por séculos, de supremacia branca. “O mundo ocidental é tributário do racismo e o Brasil, historicamente, se colocou no centro desse processo. Basta olhar os números. Do total de 11 milhões de negros trazidos para a América e o Caribe, quase 5 milhões, algo em torno de 46%, vieram para o Brasil. Não dá para desconsiderar essa memória e a dívida que temos.” 

O diretor da Fundação Ford destacou que o grau de dedicação e de investimento da filantropia brasileira é desproporcional ao imperativo ético que é a questão antirracista. “Não há nada mais central do que essa agenda”. Logo, o padrão de desigualdade não é sustentável nem rentável para o país. Por isso, é primordial reconhecer o papel de cada instituição e olhar com franqueza para o quanto cada uma é tributária da ideia de progresso ancorada no legado do colonialismo ou da supremacia branca. 

Átila Roque – Diretor Executivo da Fundação Ford para Brasil e América Latina

Respondendo à pergunta da mediadora Fernanda Lopes, diretora de Programa do Fundo Baobá, Alejandra Garduno Martinez ressaltou que a filantropia avançou nos últimos anos, embora questões antigas continuem latentes, como a intolerância que se agrava frente às posições mais conservadoras de poder, como as que estão em curso na América Latina e Caribe. “Avançamos, sim, nesses indicadores, mas não o necessário. Ainda temos cenários políticos que, em seu conservadorismo, fortalecem discursos pró-racismo”, afirmou. 

Dessa forma, reconhecer a existência do racismo estrutural e dar visibilidade a essa questão é um dos principais desafios da filantropia. “Precisamos gerar maior número de parcerias entre nós e com outros setores, junto a organizações filantrópicas diversas, mas é essencial avaliar como nos associamos, com quem nos associamos e quais as causas sociais que nos permitem aspirar bons modos de vida para todos.”

Embora na última década tenham sido implementados esforços para promover justiça social por meio da filantropia, segundo a diretora falta olhar se as entidades doadoras estão, efetivamente, voltadas para quem precisa, como as organizações negras e as que trabalham pela equidade.

“Na Kellogg, tínhamos essa preocupação desde 1968. Em 2007, iniciamos processo para estabelecer compromisso com uma declaração realmente antirracista, contribuindo para erradicar o racismo moderno”, afirmou. Nessa época, consolidou-se a ideia do Fundo Baobá, criado em 2008, inicialmente como um mecanismo. “Temos que ser claros, explícitos até, na forma como impulsionamos o acesso a um fundo que procura investir, a longo prazo, em modelos que promovam mudanças estruturais sistêmicas.” 

Para Átila Roque, eventos que reunissem fundações, empresas privadas e um grande banco seriam impensáveis há alguns anos, quando a filantropia dava seus primeiros passos no país. “Dificilmente, teríamos essa tela diante de nós. Avançamos, sem dúvida, mas avançamos pouco e tardiamente.”

André Degenszajn, diretor-presidente do Instituto Ibirapitanga, também concorda que houve progresso da filantropia no Brasil, principalmente porque os debates não se restringem mais aos pequenos círculos. Hoje, ocupam também jornais e discussões em família. Mas é preciso avançar mais. “Quando olhamos as estatísticas em qualquer dimensão, como educação, renda, violência, o quadro é assustador. E a ausência de pessoas negras em lugares de poder e não só na política, mas em escolas, por exemplo, é acintosa.” 

Andre Degenszajn – Presidente Instituto Ibirapitanga

Para Degenszajn, é fundamental as organizações buscarem coerência entre seus investimentos para fortalecer o movimento negro e sua constituição, inserindo, por exemplo, pessoas negras na equipe. “Muitos avanços foram alcançados por esses movimentos, como a Lei de Cotas e a Lei Caó. Essas instituições não estão apartadas do racismo estrutural quando se fala do acesso delas a fontes de financiamento. Assim, existe a necessidade de construir caminhos para que isso aconteça”, acrescentou. 

“Temos que ver o quanto nossos mecanismos e critérios de doação servem realmente para permitir o acesso de organizações negras,  de forma que seja cada vez mais acessível empoderar atores que precisam ser promovidos”, afirmou Átila. Um ponto essencial levantado pelo diretor da Fundação Ford é a dúvida que está no DNA da população em decorrência do histórico da colonização, sobre a capacidade dessas organizações serem protagonistas quando beneficiadas com apoio de longo prazo. “Volto a dizer que não existe fórmula, mas temos que olhar onde alocamos os recursos e fazer essa pergunta constantemente. É preciso estimular a dúvida e promover, sem medo, o protagonismo negro.”

Ágora da Abrasco discute avanço da pandemia de Covid-19 em regiões vulneráveis

No dia 8 de maio, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) realizou mais uma edição da Ágora, um espaço livre de diálogo, com a participação de pessoas de diversos setores públicos e movimentos sociais. O tema debatido foi a pandemia, que na época do evento já havia feito 9 mil vítimas fatais no país. Hoje, o número se aproxima dos 30 mil mortos no Brasil. Na ocasião, o país também chorava a morte do músico e compositor Aldir Blanc, em 4 de maio, também vítima da Covid-19. O evento contou com homenagens que reverenciavam o seu legado para a cultura brasileira.

Com a mediação do professor Luís Eduardo Batista, coordenador do GT Racismo e Saúde da Abrasco, o encontro virtual, que foi transmitido em tempo real pelo YouTube, contou com a presença da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB/RJ), do senador Rogério Carvalho (PT/SE), de Richarlls Martins, coordenador da Rede Brasileira de População e Desenvolvimento do Rio de Janeiro, e de Fernanda Lopes, diretora de Programa do Fundo Baobá. Estiveram presentes os membros da Abrasco: Gulnar Azevedo, presidente dessa entidade, Eli Iola Gurgel, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, e Cristiani Vieira Machado, vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Luís Eduardo Batista, Coordenador do GT Racismo e Saúde da Abrasco

Fernanda Lopes, do Fundo Baobá para Equidade Racial, falou da atuação da organização no combate ao coronavírus por meio do edital Doações Emergenciais, que recebeu demandas de apoio para ações de combate à Covid-19. “Nós ficamos com edital aberto por duas semanas e recebemos, nesse período, 1.037 inscrições, sendo 650 de indivíduos e 387 de organizações”, disse. 

Para Fernanda, o recorde de números reflete o problema da desigualdade no país. “Isso foi um dos indicadores mais precisos dessa relação da filantropia e justiça social, com um problema  que é estrutural. Dentro do contexto da pandemia, não estamos lidando com uma situação que é nova porque as desigualdades sempre existiram. Esse caminho que o coronavírus toma, rumo a maior letalidade de pessoas que estão em situação de pobreza e em condições de vulnerabilidade socioeconômica, é um percurso comum das doenças no Brasil, dado que a saúde e a doença não são fatalidades nem obras do destino.” 

Fernanda Lopes, Diretora de Programa do Fundo Baobá

A proliferação do coronavírus em lugares mais vulneráveis é o que pauta a atuação do Fundo Baobá no trabalho de promoção da equidade, oferecendo a oportunidade de viver com dignidade, um dos eixos trabalhados pela organização. “Quando a gente olha para a cidade de São Paulo, que concentra um enorme número de casos de Covid-19, vemos que, para cada óbito em Moema, bairro com menos pessoas negras, são quatro óbitos na Brasilândia, um bairro periférico e um dos mais negros em São Paulo”, revelou. “Então, é também sobre isso que estamos falando e sobre as intersecções entre raça, pobreza, gênero. A nossa ação vem como uma resposta imediata para essa demanda urgente.”

Demanda urgente que também fez Fernanda relembrar um ponto simbólico na história do Brasil. “Esse edital de apoio é uma marca simbólica do nosso compromisso de resgate ao ideal da filantropia negra, porque quando as irmandades começaram a atuar no Brasil foi exatamente em uma situação de calamidade, porque a escravidão negra também foi uma situação de calamidade, e as irmandades se reuniam e angariavam recursos para apoiar sepultamentos e funerais com dignidade”, relembrou. “Agora, os nossos investimentos são para que haja menos mortes no país.”

Jandira Feghali, que além de deputada federal é médica,  falou da sua atuação parlamentar no enfrentamento da doença e dos desafios dessa ação.  “No Congresso nacional, enfrentamos hoje três crises: sanitária, econômica e política, sendo que essa dá saltos cada vez maiores. Mesmo assim, a gente tenta pautar projetos no campo da saúde, mas também no campo econômico, tentando superar essa amistosidade que há entre a saúde e a defesa da vida, com o emprego e a defesa da renda, até porque a economia tem que estar a serviço das pessoas”. Entre os projetos votados citados pela parlamentar estão o decreto de calamidade e o auxílio emergencial no valor 600 reais, além da aprovação do orçamento citado por ela como Orçamento de Guerra. 

Jandira Feghali, Deputada Federal – PCdoB/RJ

“Há projetos também como a MP 936, pela proteção do emprego, que a gente está tentando avançar. Nós estamos tentando responder. Mas, do ponto de vista do Congresso Nacional, o nosso problema está no Executivo, que confronta o Supremo e Congresso, rompendo permanentemente a constituição brasileira e estimulando a ruptura democrática de forma permanente. Mas o esforço é grande”, finalizou a deputada.

O mesmo desafio também enfrenta o também médico e  senador Rogério Carvalho. Entre as ações realizadas estão o cancelamento da MP 905, que permitia o rompimento de contrato de trabalhadores por seis meses, durante a pandemia. “Conseguimos derrubar, pois seria um absurdo aprovar uma reforma trabalhista em meio a todo esse contexto. A gente também conseguiu melhorar o recurso de R$ 50 bilhões para os estados do país, que têm a maior responsabilidade assistencial, mas sem tirar dinheiro dos municípios, garantindo que  houvesse suspensão de pagamentos de débitos previdenciários. Então, agregamos em torno de R$ 10 bilhões a mais no auxílio emergencial a estados e municípios.”

Rogério Carvalho, Senador – PT/SE

Na esfera social, Richarlls Martins, professor da UFRJ e doutorando em saúde coletiva, conta como foi coordenar o processo de  elaboração do Plano de Ação Coletiva ao Covid-19 nas Favelas do Rio de Janeiro. “Tudo começou quando um grupo de pesquisadores da UFRJ, da UERJ, da PUC-RJ e da Fiocruz se reuniu com articuladores dos territórios moradores das favelas do Rio de Janeiro, como a Cidade de Deus, Rocinha, Dona Marta, Maré e Alemão, para pensar a construção de um plano de ação ideal para o enfrentamento da pandemia nesses locais”. Esse trabalho foi realizado durante dez dias, durante os quais foi elaborado um plano de ação que dialoga com três grandes eixos cooperativos com medidas preventivas, sendo que um deles se relaciona diretamente com pólos de atendimento nas favelas e ações de apoio social.

“Para a nossa surpresa, conseguimos reunir, em tempo recorde, as principais autoridades públicas do Rio de Janeiro, para a entrega desse Plano, juntamente com a participação da Abrasco, do sindicato dos médicos, das enfermeiras e os agentes comunitários de saúde. Entregamos para o subsecretário de saúde e também para o de infraestrutura municipal e estadual do Rio de Janeiro”, disse Richarlls. 

Richarlls Martins, Coordenador da Rede Brasileira de População e Desenvolvimento

Apenas um dia depois desse encontro, Richarlls Martins foi convidado pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro para entregar o mesmo Plano para os deputados e deputadas. “O principal encaminhamento dessa reunião foi a aprovação do recurso emergencial do enfrentamento à Covid-19 para ação integral do Plano. Saímos de lá com o compromisso de orçar esse Plano para rápida implementação”, afirmou.

Assim como destacado por  Fernanda Lopes, do Fundo Baobá, para Richarlls Martins a pandemia tem um curso marcado fortemente pela desigualdade social. “Analisando os dados da infecção, em especial na zona oeste do Rio de Janeiro, estão os bairros com os maiores níveis de contágio e de letalidade, em comparação a outros bairros. Se ações emergenciais não forem feitas neste momento, as favelas do Rio de Janeiro serão os lugares com os mais altos índices de mortes por coronavírus”, finalizou.

Para a Deputada Jandira Feghalli, o trabalho realizado pelo Fundo Baobá e pela Rede Brasileira de População e Desenvolvimento é importantíssimo para a sociedade. “As desigualdades se expressam com muita força neste momento, por isso são necessárias essas ações emergenciais.”

Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial

Data relembra massacre na África do Sul e pauta discussões sobre o abismo que ainda existe entre brancos e negros

O dia 21 de março ficou marcado na história por um episódio emblemático de racismo e violência contra a população negra. Nesta data, em 1960, 69 negros que marchavam em uma manifestação pacífica contra o regime segregacionista do apartheid foram massacrados na comunidade de Sharpeville, Johanesburgo, na África do Sul.

Em uma ação extremamente violenta, a polícia atirou contra 20 mil manifestantes que protestavam contra as discriminatórias leis do passe, impostas pelo regime sul-africano. O resultado foi o assassinato dessas pessoas e centenas de feridos, entre mulheres e crianças. 

Massacre de Sharpeville

Seis anos depois a Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou 21 de março Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial. Foi uma maneira de a Assembleia Geral não apenas honrar a memória das vítimas do racismo e da intolerância, mas também condenar o racismo e a discriminação que estão na base de tantas ações violentas mundo afora.

A lei do passe foi apenas uma das muitas impostas aos negros daquele país. Durante todo o período em que vigorou (1948 a 1994), o apartheid foi marcado pela violência e exclusão da dessa população – que teve direitos civis totalmente desprezados.

Racismo no mundo e no Brasil – Embora o apartheid tenha sido o episódio mais cruel do relacionamento entre negros e brancos, a situação de discriminação permanece insustentável em muitos países. Em função disso, a ONU instituiu o período entre 2015-2024 como a Década dos Afrodescendentes e, nesse sentido, a entidade não medirá esforços para promover o reconhecimento, a justiça e o desenvolvimento dessa população (veja os objetivos em https://bit.ly/2TKQ28P).

No caso do Brasil, o país é, reconhecidamente, o que tem a maior população afrodescendente do mundo. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2018, a população preta ou parda representa 55,8% do total de brasileiros (43,1% declararam-se como sendo brancos).

Quando os números são analisados detalhadamente, o que se percebe é que as diferenças continuam abissais. De acordo com o mesmo levantamento do IBGE, 32,9% das pessoas abaixo da linha da pobreza (ganham menos de US$ 5,50/dia) são pretas ou pardas (os brancos nesta faixa são 15,4%). Entre os que ganham menos de US$ 1,90/dia, há 8,8% de negros e pardos contra 3,6% de brancos. 

Na política, dos deputados federais eleitos 24,4% são pretos ou pardos, enquanto 75,6% são brancos. Pela primeira vez, a Câmara Federal tem uma parlamentar que se auto-classifica indígena. Mas o perfil continua majoritariamente branco. No Senado, nas eleições de 2014, nenhum senador havia se identificado como negro. Atualmente, são três.

Com relação à violência, entre jovens de 15 a 29 anos, as taxas de homicídio são maiores entre os pretos e pardos. Entre brancos, a proporção de vítimas é de 34% enquanto para negros é de 98,5%.

Esses dados são extremamente importantes. Revelam a necessidade urgente de criar iniciativas que capacitem e insiram a população no mercado de trabalho por uma questão de equidade e também para fazer jus a esta que é a década internacional dos afrodescendentes

Programa Marielle Franco de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras

Apresentando o Programa
Na contribuição da construção de uma sociedade mais justa e equânime para todas e todos, o Fundo Baobá em parceria com a Ford Foundation, Open Society Foundations, Instituto Ibirapitanga e a W.K. Kellogg Foundation, apresenta as diretivas do Programa  Marielle Franco de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras.

O “Programa Marielle Franco de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras”, foi concebido para ampliar a participação e consolidar mulheres negras em posições de poder e influência, através de investimento em suas formações políticas e técnicas.

Os resultados imediatos esperados pelo Programa são em duas frentes:
1- Organizações, coletivos e grupos de mulheres fortalecidos em suas capacidades, atuando em redes e potencializando a liderança de mulheres negras;
2- Lideranças negras fortalecidas em suas capacidades políticas e técnicas e atuando em espaços de poder na sociedade civil organizada, no setor privado ou público governamental.

Para que os resultados sejam alcançados, o Programa empenhará esforços técnicos, políticos e financeiros para ampliar e aprimorar capacidades, conhecimentos e habilidades individuais ou institucionais, priorizando os investimentos em:
1- Reforço de capacidades das organizações, coletivos e grupos de mulheres negras;
2- Formação política e técnica de lideranças femininas negras que já atuam em diferentes áreas, setores e territórios, de modo institucionalizado ou não.

O Programa terá 5 anos de duração e suas principais proposições são:
1- Acelerar o desenvolvimento político e técnico de lideranças femininas negras de diferentes idades, orientações sexuais e identidades de gênero, residentes em diferentes estados da federação, nas zonas urbanas e rurais, nas periferias ou nas regiões centrais, e que atuem em diferentes áreas e setores;
2- Fomentar atividades de educação entre pares e atividades colaborativas conduzidas pelas lideranças apoiadas pelo Programa, para compartilhamento de conhecimentos, boas práticas e lições aprendidas
3- Contribuir para que essas mulheres líderes sejam reconhecidas como agentes de mudança;
4- Inserir lideranças com perfil técnico em posições de influência ou tomada de decisão;
5- Fortalecer capacidades de organizações, coletivos e grupos de diferentes regiões do país;
6- Instituir espaços permanentes para intercâmbio;
7- Estimular as ações em rede;
8- Realizar ações de comunicação e mobilização social.

Das lideranças femininas negras apoiadas pelo Programa, espera-se que elas desenvolvam ou aprimorem:
1- a percepção do momento histórico, a consciência e criticidade para ler as circunstâncias, os contextos e dinâmicas territoriais em que vivem;
2-  habilidades extras de relacionamento que levem a persuasão de um amplo grupo, com vistas a efetivação de transformações políticas, econômicas e sociais;
3- a desenvoltura política que lhes permitam ocupar espaços estratégicos em organizações de grande e pequeno portes, locais, nacionais ou internacionais, no setor privado, em instituições públicas governamentais atuando de modo diferente, ousado, criativo e inovador, em busca de objetivos coletivos e explorando da melhor forma suas capacidades técnicas e de liderança.

A sociedade brasileira ainda não reconhece a mulher negra como agente de desenvolvimento social, político, econômico, científico, cultural e ambiental, sendo assim, o principal desafio a ser enfrentado pelo Programa é contribuir para que as mulheres negras, em sua diversidade, consolidem-se como lideranças políticas e ocupem espaços e posições de poder simbólico e material seja em espaços comunitários, sindicatos, associações, coletivos não governamentais organizados; no setor privado; ou mesmo nas estruturas formais do Estado (poderes Executivo, Legislativo, Judiciário), em diferentes setores e áreas de atuação.

Números e estatísticas que justificam o Programa
O último censo demográfico, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010, revelou que a população negra (pessoas autodeclaradas pretas ou pardas) residente no país é de 50,7% (7,6% pretas e 43,1% pardas) e dentro desse número, 53% é composto por mulheres negras.

Nas estatísticas de gênero do IBGE, as desigualdades raciais existem e persistem, onde a taxa de conclusão do ensino superior na faixa etária de 27 a 30 anos foi de 26,5/1000 para homens brancos, 31,6/1000 para mulheres brancas, 9,4/1000 para homens negros e 14,6/1000 para mulheres negras.

No universo acadêmico a proporção de bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que se identificou como negra não chegou a 30%, no período de 2013 a 2017. 35% das bolsas concedidas nas Ciências Exatas e da Terra ou Engenharias são destinadas às mulheres, dentre as bolsistas, somente 26% são negras. Mulheres Negras com doutorado correspondem a 3% do total de docentes da pós graduação. Já as mulheres brancas com a mesma escolaridade na docência da pós são pouco mais de 10 mil ou 19% do total de 53.995 professores nos cursos de doutorado, mestrado e especialização.

Ainda segundo o IBGE, em 2016 a participação proporcional de mulheres em cargos gerenciais correspondia a 39,1% do total, entre as 3.527.000 mulheres que ocupavam estes cargos, 2.511.000 eram brancas e 962.000 eram negras. Em 2017 contabilizou-se 28 cargos ministeriais no governo, dos quais 7,1% eram ocupados por mulheres.

Quando o tema é participação política, das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados, 54 eram ocupadas por mulheres e no Senado eram 13, num universo de 81.

De acordo com levantamento feito pela plataforma Mulheres Negras Decidem, em 2014, apenas 2,5% das despesas de todos os candidatos ao legislativo estava relacionada a candidaturas de mulheres negras, como consequência direta a elegibilidade total neste grupo foi de apenas 1,6%.

A disparidade é tão contundente que somente em 2016, o Senado brasileiro construiu o primeiro banheiro feminino do plenário, até a data, as parlamentares usavam o do restaurante anexo disponível desde 1979, quando a primeira senadora foi eleita. Esse “detalhe” é somente um indicativo de que o local e  – logo, a política – não eram pensados para as mulheres os ocupassem.

O setor privado não apresenta números diferentes. Segundo levantamento do Instituto Ethos feito junto às 500 maiores empresas que atuam no país, apenas 4,7% dos cargos executivos são ocupados por negros; 6,3% dos gerenciais; e 35,7% da folha funcional. Dentre estes, a minoria quase absoluta é composta por mulheres. A revista Forbes, em sua edição de novembro de 2017 elegeu 40 mulheres poderosas, seja por terem recuperado grandes organizações, porque as administram ou porque formam opiniões, ditam moda e inspiram atitudes, dentre elas apenas 1 era negra.

Na Revista Fortune de 2018, dos 500 CEOs eleitos, apenas 24 eram mulheres, ou seja, menos de 5% da lista, das 24 mulheres, somente 2 eram não-brancas e na lista não há nenhuma mulher negra.

De acordo com dados divulgados durante o Fórum Econômico Mundial (2018), existe uma diferença econômica de 58% entre homens e mulheres e vai levar 217 anos para que mulheres tenham o mesmo salário que os homens e alcancem assim representatividade igualitária no mercado de trabalho. O cálculo é feito medindo a quantidade de homens e mulheres que participam da força de trabalho, seus rendimentos e o progresso no trabalho de acordo com os dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), do Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e da Organização Mundial da Saúde (OMS).   

As mulheres negras lutam desde as primeiras décadas por plena participação política, pelo direito de votar e pela efetividade ao direito de ser a ser votada, como fazia questão de destacar Antonieta de Barros, primeira mulher negra eleita como deputada, na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (1934/1937).

O que começou com Antonieta de Barros, certamente não se encerrou em Marielle Franco, ao ter sua vida arrancada de forma extremamente violenta. Nas eleições de 2018, foram eleitas, as mulheres negras: Benedita da Silva (Deputada Federal pelo Rio de Janeiro); Leci Brandão (Deputada Estadual por São Paulo); Olivia Santana (Deputada Estadual pela Bahia); Renata Souza (Deputada Estadual pelo Rio de Janeiro); Dani Monteiro (Deputada Estadual pelo Rio de Janeiro); Mônica Francisco (Deputada Estadual pelo Rio de Janeiro); Talíria Petrone (Deputada Federal pelo Rio de Janeiro); Áurea Carolina (Deputada Federal por Minas Gerais); Leninha (Deputada Estadual por Minas Gerais); Érica Malunguinho (primeira mulher trans Deputada Estadual por São Paulo); Robeyoncé Lima (primeira mulher trans Deputada Estadual por Pernambuco) e Andreia de Jesus (Deputada Estadual por Minas Gerais).

O Programa Marielle Franco de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras é a busca de uma paridade real, em todos os lugares, instituições, organizações, sindicatos, empresas privadas e públicas, organismos internacionais, estruturas formais do Estado (Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário) e coletivos, para que cada vez mais, as vozes, as falas, e a produção intelectual das mulheres negras em papel de liderança sejam ouvidas, percebidas e reconhecidas nos espaços onde o poder simbólico e material é exercido.

O Programa foi concebido e será implementado para que mais mulheres negras quebrem o “teto de vidro” e possam fazer das suas capacidades de organização e liderança pontes para que cada vez menos mulheres negras fiquem para trás.

 “Das mulheres negras apoiadas pelo Programa espera-se que a busca pela equidade racial seja primazia em todo e qualquer lugar que venham ocupar, sendo o Programa não um formador, mas sim um otimizador na aceleração do desenvolvimento e ampliação de suas capacidades. Em suas comunidades, organizações, coletivos, grupos, movimentos e instituições, estas mulheres já lideram. Nosso esforço é para e que elas possam ir além”, destaca Fernanda Lopes, Diretora de Programa do Fundo Baobá.

O cronograma com as principais atividades do ano 1 do Programa serão apresentados ainda no mês de março de 2019, e as ações propriamente ditas terão início no segundo semestre.

Em parceria, o Instituto Ibirapitanga, Ford Foundation  e Open Society Foundation doaram o total de recursos financeiros  que correspondem a U$ 3,000,000, para a realização do Programa Marielle Franco de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras. Este recurso foi potencializado em função da nossa parceria estabelecida com a W.K. Kellogg Foundation, que prevê a obtenção de contrapartidas para recursos arrecadados pelo Fundo Baobá, onde haverá contrapartida conhecida como matchfunding (3 para 1 em caso de doações nacionais e 2 para 1 em caso de doações internacionais). Neste caso a alavancagem total foi de U$ 7.000,00, sendo que, 50% ou seja U$ 3,500,000, serão aplicados no desenvolvimento do Programa  e operacionalização institucional e  a outra metade dos recursos doados pela W.K. Kellogg Foundation que correspondem a U$ 3,500,000, irão compor o fundo patrimonial da instituição, visando a formação de um mecanismo financeiro que gere sustentabilidade em médio e longo prazos.

“Essa é uma parceria importantíssima. A coalizão de 4 fundações na luta em prol da equidade racial é uma resposta contundente, acerca da relevância e urgência para a pauta da equidade racial no Brasil. Ver a mobilização de novos atores para o campo das relações raciais, a fim de contribuir para a eliminação do racismo e iniquidades históricas que afetam majoritariamente a população negra, nos dá a certeza que este movimento de parceria será observado como uma boa prática e irá gerar novos doadores interessados em se aliar ao Fundo Baobá, para juntos construirmos um país mais justo e equânime”, afirma Selma Moreira, Diretora executiva do Fundo Baobá.

Quem foi Marielle Franco
Marielle Francisco da Silva (Marielle Franco) era mulher negra, mãe, socióloga formada pela PUC-Rio, onde ingressou através do Programa Universidade para Todos (Prouni), com mestrado em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense(UFF) com o tema “UPP: a redução da favela em três letras”, em sua primeira disputa eleitoral foi a quinta vereadora mais votada do Rio de Janeiro em 2016, com 46.502 votos, coordenava a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj, presidiu a Comissão permanente de Defesa da Mulher também na Alerj, era uma dos quatro relatores da comissão que monitorava a intervenção federal na segurança pública do estado, trabalhou em organizações da sociedade civil como a Brasil Foundation e o Centro de Ações Solidárias da Maré (Ceasm),  com temas de cultura e educação através de três eixos: raça, gênero e cidade.

Iniciou sua militância em Direitos Humanos após ingressar no pré vestibular comunitário e perder uma amiga, vítima de bala perdida, na ‘guerra às drogas’ no Complexo da Maré.

Era mãe de Luyara dos Santos, 19 anos e esposa de Mônica Benício.

Marielle Franco foi assassinada aos 38 anos, dentro do seu carro, na noite de 14 de março de 2018 no bairro do Estácio, no Rio de Janeiro, após sair de encontro de mulheres negras intitulado “Jovens Negras Movendo as Estruturas”. Além da vereadora, Anderson Pedro Gomes, motorista do veículo, também foi baleado e veio a falecer.

Para além de toda a repercussão nacional, o assassinato de Marielle Franco ganhou eco fora do Brasil, jornais como The New York Time, The Washington Post, The Guardian e a rede ABC News noticiaram o caso.

Até a data presente (08/02/2019), quase 11 meses após o seu assassinato, os culpados ainda não foram apontados.

A Resistência como prática diária

O 20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra – nos mostra que resistências se constroem de forma diária.

Para chegarmos nesse dia, milhões de negros e negras se insurgiram, quebraram correntes e fizeram de seus corpos e almas territórios de liberdade. Alguns são conhecidos, como Zumbi dos Palmares e sua companheira Dandara. Outros, não tiveram seus nomes escritos na história, mas como coletividade, deram suporte para que esses guerreiros e guerreiras conseguissem ganhar essa batalha e fossem lembrados no tempo presente.

A Militância e o ativismo de hoje estão sob ataque.
Mas sabemos que a vida é uma intensa e contínua luta para o povo negro, todos os dias. Angela Davis afirma que direitos são conquistas e precisamos lutar por eles. Nada está posto, e em especial a liberdade, direito conquistado às custas de muito sangue derramado.

A onda de conservadorismo que assola a sociedade brasileira também reverbera em países como  Estados Unidos, França, Alemanha e Itália, por exemplo, soa como uma resposta ao cansaço generalizado das denúncias de crimes de corrupção política que se arrastam por anos, sem uma penalidade aos corruptores, mas acima de tudo, é uma resposta de quem não quer abrir mãos de seus privilégios com o contínuo avanço das conquistas dos ditos grupos minoritários: negros, Lgbtqi+ e mulheres.

A tal resistência, que é necessária a cada dia mais, é construída por exemplos cotidianos como esses:

Absolvição de Babiy Quirino

A estudante e modelo negra Bárbara Querino, 20 anos, foi acusada de um suposto roubo, em setembro de 2017, sendo que ela foi  “reconhecida pelos cabelos” por uma das vítimas. No entanto, na data do crime, ela se encontrava a trabalho no Guarujá e tem como prova fotos e vídeos.
Bárbara Querino, conhecida como Babiy  foi absolvida de um dos processos pelo qual foi acusada. De acordo com a defesa, a Justiça inocentou a modelo de um suposto roubo de carro de luxo e objetos de valor.

Saiba mais sobre o caso aqui.

Conceição Evaristo como homenageada do Enem 2018

A escritora mineira Conceição Evaristo foi a homenageada no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2018. Trechos de sua obra foram selecionados e impressos nas provas do Enem. Uma das responsabilidades do participante no Enem é transcrever a frase apresentada na capa do Caderno de Questões para o Cartão-Resposta. Cada tipo de prova – são quatro cores diferentes, além das provas acessíveis – tem uma frase diferente. Uma das frases usadas na prova do Enem é: “E não há quem ponha um ponto final na história”.

Eloá e Maria das Graças e a importância da educação
A estudante Eloá Oliveira Rosa, 13 anos, participava de uma sarau literário com pais e alunos em sua escola, quando foi chamada para receber o certificado de destaque de desempenho escolar, emocionando assim sua mãe, Maria das Graças, que não esperava ver a filha entre os alunos selecionados para receber a honraria.

Leia mais sobre aqui.

A youtuber Nátaly Neri lança a série Negritudes Brasileiras

Negritudes Brasileiras, é um documentário de longa-metragem sobre identidades raciais brasileiras que estreou dia 12 de novembro no YouTube. A série foi idealizada por Nátaly Neri, produzido pela Gleba do Pêssego e conta com a participação da historiadora Giovana Xavier, da arquiteta Joice Berth e dos jornalistas Alê Santos e Aline Ramos.
“O ideário da democracia racial recusa o conflito”, afirma Nátaly

Escolinha Maria Felipa

A Escola Afro-Brasileira Maria Felipa surgiu da ideia de jovens negras e negros que, na busca por educarem suas filhas e filhos a partir de outros marcos civilizatórios, pensaram em uma escola que valorizasse as constituições ancestrais não apenas europeias, mas que reconhecesse a forte influência ameríndia e fundamentalmente africana na formação sociocultural brasileira. A escola possui educação infantil bilíngue e está localizada no bairro da Federação em Salvador, Bahia.

Conheça mais sobre a Escolinha aqui.

Selo Sueli Carneiro

Começou na semana passada a pré-venda do novo livro de Sueli Carneiro: Escritos de uma vida.
O livro tem apresentação de Djamila Ribeiro, prefácio de Conceição Evaristo e texto de orelha de Átila Roque, o livro reúne uma série de artigos publicados por Sueli ao longo de sua vida, com textos que abordam temáticas imprescindíveis para refletir sobre a sociedade e moldar o pensamento contemporâneo. A publicação é a primeira do selo que homenageia Sueli Carneiro levando o seu nome.

É preciso Esperançar.
E esses exemplos de lutas diárias feitas no presente, mostram que as conquistas e vitórias de outras pessoas negras, que fortalecem toda a coletividade, podem fazer com que enxerguemos para além das perdas cotidianas que incluem o campo da política.

É preciso manter o fio da esperança conectado às práticas diárias. Se conectar com outras pessoas que potencializam ações para o amanhã. É preciso fazer das margens o centro. Refletir e continuar lutando pelas conquistas de quem veio antes e não tirar os olhos do horizonte de possibilidades ao colocar a coletividade negra como fonte primeira das ações que nos afastam de um passado de precariedade e nos impulsionam para um presente de movimentos e um futuro de abundância.

Que esse 20 de novembro nos lembre disso.

Créditos:
Imagem destaque: dazzle jam/nappy

A Politização da Imagem

As imagens não são inocentes.
Elas não são meramente ilustrações, elas produzem conteúdos, elas informam.

As imagens precisam ser politizadas e precisamos, enquanto agentes, nos perguntar a cada imagem vista: O que ela quer dizer? Quem a produziu, fez com qual intuito? Qual mensagem ela quer passar?

As imagens produzem memória e como sabemos, um povo sem memória é um povo sem história. E um povo sem história é aquele que desconhece seus valores, suas glórias e as lutas pelas quais seus ancestrais passaram, logo essas pessoas não tem do que se orgulhar, não tem onde se inspirar e acabam engolindo como verdade, muitas falácias que são ditas, produzidas e disseminadas por quem está na hegemonia.

Há duas semanas atrás, foi ao ar um comercial do dia dos pais feito por uma grande rede de cosméticos e perfumes. O comercial era simples: Um pai que através de tentativas divertidas, quer se inserir na “turma” dos filhos, demonstrando que é por meio de erros e acertos que se faz necessária a presença paterna na criação dos filhos.

O comercial possui 30 segundos, foi vinculado no youtube e até o presente momento (15 de agosto) esses são os resultados:
Mais de 10 milhões de visualizações
11 mil comentários
128 mil likes
18 mil dislikes


O número alto de negativações se deu por um motivo: A família retratada no comercial é negra. Todos os integrantes, mãe, pai e 3 filhos.

A título de comparação, no comercial de dia dos pais de 2016, composto por uma família toda branca, o número de dislikes foi de pouco mais de 3 mil.

O comercial incomodou tanto porque se propôs a ser inovador, ao trazer como família tradicional uma família composta por pessoas negras. O que não é comum quando falamos de mídias televisivas, onde somente pessoas não negras são retratadas em comerciais de creme dental e aqueles clássicos de café da manhã.

Estendamos um pouco mais a questão de poder da imagem. Quantas famílias negras foram retratadas em novelas, séries, comerciais, filmes, propagandas, fora da questão racial, só existindo, em toda a sua complexidade e situações cotidianas?

Mesmo quando determinada produção televisiva se passa na Bahia, por exemplo, que conta com a maior população de maioria negra fora do Continente Africano, o casting é composto quase que exclusivamente de pessoas não negras.

Chiquinha Gonzaga, que era uma compositora negra, foi interpretada por uma atriz branca.
Machado de Assis, um escritor negro, teve sua imagem num comercial de um grande banco, totalmente embranquecida.

As pessoas negras vêm tendo as suas imagens vinculadas, durante décadas nas mídias em geral, a estereótipos negativos, a famílias desestruturadas, a comportamentos criminosos, a atitudes irresponsáveis.

Isso por si só constitui um imaginário coletivo que afirma que todas as pessoas negras são, agem, pensam e se comportam da forma como as mídias as retratam.

As imagens contam histórias, reforçam padrões, convencionam comportamentos.
Precisamos estar atentas a elas.

Seleção de Projetos Negras Potências

É com muita felicidade, que anunciamos o resultado do Edital Negras Potências!
Ao todo, foram selecionados 16 projetos de impacto de diversas regiões do Brasil.

O canal Negras Potências é uma parceria entre Fundo Baobá e Benfeitoria, com apoio de Coca-Cola Brasil e Movimento Coletivo. Juntos, reunimos projetos de impacto que contribuem para o empoderamento de meninas e mulheres negras que agora vão contar com a sua contribuição!

Lista de Projetos selecionados:

Afreektech

O projeto desenvolverá ações voltadas para a transmissão de conhecimento de ferramentas de gestão e alavancagem de negócios como Marketing Digital e Modelagem de Negócios com foco em mulheres negras.

Afrolab

O projeto buscará fortalecer as habilidades empresariais de mulheres negras a partir de um processo de autoconhecimento voltado para aprimoramento da sua capacidade decisória.

Afroricas

O projeto desenvolverá material audiovisual voltado para a difusão de informações relevantes para o desenvolvimento das mulheres negras no mercado de trabalho.

Amora

Tem como proposta a inserção da identidade étnica e racial, de maneira positiva, no universo infantil feminino através de brinquedos, bonecas, que reflitam a estética negra. Em 2017 ganhou o Prêmio Laureate Brasil Jovem Empreendedor Social.

Casa das pretas

Através de atividades como oficinas de fomento à economia solidária; rodas de estudo e leitura sobre feminismo negro; cursos para desenvolvimento acadêmico (acesso a mestrado e doutorado); cursos de dança e percussão; todos voltados para o público feminino negro, o projeto tem por objetivo o fortalecimento político e econômico das mulheres negras a fim de impactar na redução das violências de gênero e situação de desigualdade econômica por elas experenciadas.

Circuladô de oya

Tem por objetivo fomentar a divulgação e discussão da discriminação interseccional de gênero, raça e classe que atinge as mulheres negras a partir do fomento à participação deste público em espaços de formação e atuação política junto a comunidades, instituições e em redes sociais. As ações terão núcleos de Educação Popular como lócus de desenvolvimento e propagação.

Cores Femininas

O projeto tem por objetivo o empoderamento de mulheres negras através de ações culturais – grafite e hip hop – a serem realizadas de maneira colaborativa e comunitária. A troca de experiências, conscientização para enfrentamento das várias formas de violência bem como autonomia financeira também estão presentes em seus objetivos. O recurso arrecadado durante a campanha de crowdfunding será utilizado, principalmente, para a compra de materiais.

Corpos Invisíveis

O projeto tem por objetivo principal a realização de longa metragem no qual serão discutidos temas como racismo, seu aspecto estruturante das relações sociais no Brasil, da invisibilização e inviabilização das mulheres negras em uma sociedade machista.

Costurando redes

O objetivo principal centra-se na realização de oficinas de costura buscando o fortalecimento econômico de mulheres negras e seu empoderamento, autoestima e autonomia de maneira que sejam instrumentalizadas para lidar com questões cotidianas como a violência doméstica e a desigualdade de acesso a oportunidades profissionais e de renda.

Costurando sonhos

O projeto tem por objetivo o fomento de capacidades técnicas que possibilitem a inserção de mulheres negras no mercado de trabalho através de oficinas na área de costura.

Doula a quem quiser

O projeto tem por objetivo promover o acesso à informação de qualidade sobre gestação, parto e puerpério, salientando a questão da violência obstétrica vivenciada por mulheres. O acompanhamento presencial por doulas para mulheres em situação de privação de liberdade também está presente nas ações a serem realizadas.

Editora Nasurdina

O projeto objetiva a consolidação de uma editora que potencialize jovens autoras negras, independentes, oferecendo-lhes infraestrutura para criação e produção de material.

Investiga Menina

O projeto tem por objetivo, através da articulação com professoras e pesquisadoras negras, brasileiras, fomentar o interesse de meninas negras pelas áreas das ciências exatas no campo do conhecimento tendo em vista esta carecer de representatividade negra, feminina.

Revista Arquitetas Negras Vol.1

O projeto tem por objetivo a produção de publicação (revista) especializada em arquitetura e urbanismo a fim de dar visibilidade ao trabalho e o contexto social no qual se dá o trabalho de mulheres negras que atuam na profissão.

Sororidade
Uma nova forma de relação

O projeto pretende realizar a montagem de espetáculo artístico, circo-teatro, a ser apresentado em escolas públicas de ensino médio na periferia da cidade de Recife com o objetivo de mobilizar mulheres jovens articulando-as para que enfrentem as violências experienciadas por este público naquela região.

Sou Negra e quero falar

O projeto tem como objetivo principal o fomento da discussão de temas como racismo, combate ao machismo, violência de gênero, direitos reprodutivos, descriminalização do aborto, feminismo negro por mulheres negras, blogueiras. A proposta é a realização de workshop cujo conteúdo centra-se em subsidiar tecnicamente jovens negras, produtoras de conteúdo em meios alternativos, para que propaguem a discussão destes temas.

Esses são os 16 projetos selecionados. Nosso muito obrigada a todas que enviaram suas iniciativas.

130 anos da falsa abolição

O último domingo, 13 de maio de 2018, foi lembrado como a data de 130 anos de abolição da escravatura, quando foi assinada a Lei Áurea.

O que pouca gente sabe é que quando a lei foi assinada – por pressão econômica internacional inglesa (e que, como solução o governo monárquico criou a Lei Eusébio de Queirós, em 1850, que extinguiu definitivamente o tráfico negreiro) e não por benevolência –  a quantidade de pessoas negras mantida escravizadas eram menor do que se apregoava, pois apesar da data ser conhecida como uma marco – na ocasião – as revoltas organizadas por pessoas negras que estavam libertas, já tinham garantido a liberdade de muitas outras.

Em 1871, foi decretada a Lei do Ventre Livre, que estabelecia que todos os filhos de escravizados a partir daquele ano seriam considerados livres. Com as leis de extinção do tráfico negreiro e a abolição gradual através da lei do Ventre Livre, o trabalho cativo estava fadado a acabar.

Isso pra dizer que não. Não foi concessão, não foi canetada de uma pessoa branca salvadora, mas sim luta e várias micro revoluções de um povo que nunca se deixou abater ou deixou de lutar, através da recusa ao trabalho, de rebeliões, fugas em massa, formação de Quilombos e das lutas abolicionistas.

De acordo com o Censo de 1872 a população total de estrangeiros no Brasil era de 382.132, separando os brancos por origem: 125.876 portugueses, 40.056 alemães e 8.222 italianos, entre outras nacionalidades. Os negros eram considerados todos do mesmo grupo: africanos, esses eram 176.057 vivendo no país, porém, divididos apenas entre escravizados:138.358 e alforriados: 37.699.

A política de embranquecimento se faz mais notável nesse período com a chegada dos primeiros grupos de imigrantes europeus, já que em 350 anos de tráfico negreiro, foram trazidos à força, através de sequestro e cárcere, cerca de 4 milhões de africanos e entre os anos de 1870 e 1930 vieram morar no país praticamente 4 milhões de imigrantes europeus.   

O jornalista e escritor negro José do Patrocínio, dedicou sua vida à causa abolicionista, não se limitando a lutar por escrito contra a escravidão, mas realizando conferências públicas, ajudando na fuga de muitas pessoas escravizadas e organizando núcleos abolicionistas, militando ativamente até o triunfo da causa, em 13 de maio de 1888.

O engenheiro negro André Rebouças, se juntou a José do Patrocínio e ajudou a criar a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, participando também da Confederação Abolicionista e redigindo os estatutos da Associação Central Emancipadora.

O advogado negro Luís Gama, conseguiu libertar mais de 500 pessoas escravizadas, desenvolvendo intensa atividade abolicionista no jornalismo.

O Brasil, no entanto carrega o fardo histórico de ter sido um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão, perdendo somente para a Mauritânia, que fica no noroeste do Continente Africano e aboliu o sistema escravocrata em 1981.

De acordo com o levantamento feito pelo site slavevoyages.org, entre os séculos XVI e XIX, cerca de 4,8 milhões de escravizados foram trazidos à força para o Brasil e investigadores brasileiros descobriram alguns nomes dados aos navios, que desvelaram a natureza cínica e perversa dos escravocratas. Segundo Daniel Domingues da Silva, um dos historiadores responsáveis, os nomes dos navios eram escolhidos pelos donos dos barcos que “pensavam que estavam ajudando a resgatar a alma dos africanos para o reino de Deus, ou seja, trazendo os escravos de uma terra onde o paganismo imperava para a cristandade”.

O historiador listou oito dos barcos descobertos:

1. Amável Donzela (1788 a 1806)
Travessias realizadas: 11
Escravizados transportados: 3.838
Escravizados mortos durante a viagem: 298

2. Boa Intenção (1798 a 1802)
Travessias realizadas: 02
Escravizados transportados: 845
Escravizados mortos durante a viagem: 76

3. Brinquedo dos Meninos (1800 a 1826)
Travessias realizadas: 11
Escravizados transportados: 3.179
Escravizados mortos durante a viagem: 220

4. Caridade (1799 a 1836)
Travessias realizadas: 20
Escravizados transportados: 6.263
Escravizados mortos durante a viagem: 392

5. Feliz Destino (1818 a 1821)
Travessias realizadas: 03
Escravizados transportados: 1.139
Escravizados mortos durante a viagem: 104

6. Feliz Dias a Pobrezinhos (1882)
Travessias realizadas: 01
Escravizados transportados: 355
Escravizados mortos durante a viagem:120

7. Graciosa Vingativa (1840 a 1845)
Travessias realizadas: 10
Escravizados transportados: 1.257
Escravizados mortos durante a viagem: 125

8. Regeneradora (1823 a 1825)
Travessias realizadas: 07
Escravizados transportados: 1.959
Escravizados mortos durante a viagem: 159

Os impactos de 14 de maio continuam presentes na sociedade brasileira – a contínua desassistência por parte do Estado – pois não foram implementadas medidas de ajustes sociais e econômicos de inserção da população negra, como por exemplo, viabilidade ao acesso a terra e à moradia, políticas de saúde, educação e trabalho.

O que se vive (ainda) hoje é uma reconstrução do racismo estrutural, é a continuidade de uma dívida que tem se mostrado histórica.

É lembrar para não esquecer, mas não celebrar.

Fontes: Palmares.gov.br; Uol educação; slavevoyages.org;.
Ilustração Angola Janga – Marcelo D’Salete.

Veja o resultado Edital “Cultura Negra em Foco”, parceria do Fundo Baobá com a Coca-Cola Brasil!

Edital “Cultura Negra em Foco” recebeu 900 propostas entre os mais variados temas.

 

Lançado em janeiro deste ano, o Edital “Cultura Negra em Foco” teve como objetivo selecionar organizações com ou sem fins lucrativos que desenvolvam projetos inovadores na divulgação da cultura e da identidade negras no Brasil.

Ao todo serão destinados R$ 400 mil a dez iniciativas escolhidas pela Comissão de Seleção, formada por representantes indicados pela Coca-Cola Brasil e pelo Fundo Baobá, com base em critérios como: capacidade de promover a cultura e a identidade negra, a presença de afrodescendentes na coordenação e no desenvolvimento dos projetos, o alcance do impacto dos recursos, inovação e sustentabilidade.

O tema que mais recebeu proposta foi Audiovisual. Já os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia foram os que tiveram o maior número de propostas inscritas.

As organizações selecionadas no Edital “Cultura Negra em Foco” foram:

 

Associação Artística Nóis de Teatro – CE

Associação Burlantins – MG

Associação Comunitária Assentamento Gurugi II – PB

Associação Move Cultura – MG

Casa Preta – PA

Crespinhos S.A.– RJ

Bantu Cultural – SP

Black Brazil Art – RS

Fazendo Milagres Cineclube – PE

Kbra Produções Artísticas – RJ

 

Parabéns! O Fundo Baobá entrará em contato com as organizações.

Ao longo do mês de julho falaremos sobre cada projeto para que todos e todas possam conhecer um pouco mais cada iniciativa.

E fiquem de olho nas notícias de nosso site e em nossas redes sociais.

Adiamento do resultado do edital

O Fundo Baobá e a Coca-Cola Brasil agradecem a todos e a todas que demonstraram interesse e enviaram propostas ao edital “Cultura Negra em Foco”.

A chamada foi um enorme sucesso que resultou no recebimento de mais de 900 propostas. Como prezamos por um processo seletivo rigoroso, precisaremos dedicar um tempo maior do que o previsto para a análise do conjunto de propostas recebidas.

Diante disso, o resultado do processo seletivo será adiado para o dia 30 de junho de 2016. As organizações selecionadas serão contatadas por e-mail ou telefone e seus nomes serão divulgados nas mídias sociais do Fundo Baobá.