O Empreendedorismo como Caminho da Dignidade na Vida de Pessoas Negras LGBTQIA+

Por Ingrid Ferreira

No dia 28 de junho comemora-se uma data de extrema importância para que a sociedade seja democrática e trate com respeito às especificidades de cada ser humano: o Dia do Orgulho LGBTQIA+. Apesar de ter um dia dedicado, às comemorações se estendem pelo mês todo, o evento mais conhecido e com maior número de frequentadores é a Parada LGBTQIA+ de São Paulo.

O Fundo Baobá,um fundo voltado exclusivamente para apoiar iniciativas de promoção da equidade racial para pessoas negras, reconhece as intersecções entre raça, gênero, território e sexualidades. No Brasil e em outros países onde existe racismo, pessoas pretas LGBTQIA+ enfrentam desafios ainda mais complexos para viver com dignidade, respeito e com seus direitos efetivados.

O intuito do Fundo é contribuir para que  as pessoas negras cuja identidades de gênero não são heteronormativas  estejam próximas e acessem as oportunidades que a instituição oferece seja no campo da educação, comunicação e memória, saúde, enfrentamento à todas as formas de violência, empreendedorismo. 

Em um país onde as oportunidades de trabalho, emprego e renda são escassas, o número de pessoas negras que empreendem em busca de  autonomia financeira cresce todos os dias. 

Como afirma Akuenda Translésbicha, dona da Erzulie Igbalê, apoiada pelo Fundo Baobá no edital Negros, Negócios e Alimentação – Recife e Região Metropolitana: “Eu já vendi várias coisas de diferentes ramos, gêneros e serviços, mas comida é algo que até na guerra conseguimos fazer dinheiro, pois é uma necessidade vital, foi base da colonização e base da economia, está na história de libertação do nosso povo e também é uma forma de consolidar expressões culturais e cosmovisões. Meu negócio entendeu a alimentação como um campo estratégico para propagar uma vivência radical e dissidente, provocando afirmação política, isso faz o diferencial na nossa cozinha.”. 

Akuenda Translésbicha, proprietária do empreendimento Erzulie Lgbalê – Recife- PE

Akuenda também fala sobre a sensação de ter seu empreendimento selecionado em um edital do Fundo Baobá: “Senti que meu negócio é reconhecido por especialistas e que foi avaliado com potencialidade de prosperar, além de que ter outras pessoas acreditando nele, o que me motiva e me faz olhar pra trás e perceber o início dificultoso, mas me sentir recompensada pelo trabalho feito até aqui. Quero sentir essa mesma sensação no futuro, para continuar nesse movimento de construção, alimentando possibilidades de mudança social e pessoal para além das dificuldades com sabor de revolta”.

O donatário Aleff Souza, dono do empreendimento Delícias do Alleff, selecionado também no edital Negros, Negócios e Alimentação – Recife e Região Metropolitana também falou um pouco sobre a sua experiência como empreendedor: “Como dono do meu próprio negócio nesses anos eu não tive nenhum problema referente a discriminação, além de livre me sinto realizado e privilegiado por criar uma rede de contatos que me respeita. Diferente dos meus empregos anteriores,  onde sofri situações de racismo e homofobia. Isso também foi um ponto crucial na decisão de trabalhar pra mim mesmo, pra não ter que passar por certas situações traumatizantes”.

Aleff Souza, proprietário do empreendimento Delícias do Alleff – Recife- PE

Aleff fala como participar do edital tem fortalecido as suas potencialidades emocionais e de sua equipe: “Sem sombra de dúvidas, fazer parte desse edital me fez enxergar o quão  bom eu e minha equipe somos no que exercemos. E sendo um negro, de periferia e homossexual,  me sinto fortalecido estando à frente de um negócio, onde nenhum tipo de racismo ou discriminação é tolerado e na medida em que for crescendo, será um espaço onde todos, todas e todes terão oportunidades de exercerem suas funções e reafirmarem suas identidades sem nenhuma restrição”.

As falas de Akuenda e Aleff provam como empreender pode significar criar um ambiente de trabalho mais digno para pessoas LGBTQIA+ negras. Além de conversar com a donatária e o donatário, o Baobá também conversou com o Flip Couto,  que é um homem negro, gay, produtor cultural e engajado tanto nas pautas do movimento LGBTQIA+ quanto nas pautas raciais, e há pouco tempo colaborou na organização de um evento do Programa Já É: Educação e Equidade Racial.

Flip Couto – Produtor, ativista, artista e militante do movimento negro e LGBTQIAP+ – SP

Ao ser questionado se ele dentro das suas particularidades se sente representado pelo Fundo Baobá, Flip diz que: “Desde que conheci o Fundo Baobá em 2017 através dos editais, eu sempre olhei a organização com admiração pela coerência entre seus projetos e seus fundamentos. Através do movimento pró saúde da população negra, eu me aproximei de Fernanda Lopes (Diretora de Programa do Fundo Baobá) e em 2020 tive a oportunidade de colaborar com o Projeto Já É. Esse processo me fez conhecer as pessoas geniais que semeiam as ações do Fundo Baobá e entendi o diferencial na forma cuidadosa,  trazendo olhares amplos em suas ações; além de todo o legado em colaboração com importantes nomes do ativismo negro no Brasil.”

Também foi perguntado a Flip como ele acha que o Fundo Baobá pode ter mais visibilidade entre a população negra LGBTQIA+, e ele respondeu o seguinte: “Infelizmente,  pessoas negras LGBTQIAP+ seguem com poucas referências de pertencimento, pois durante décadas nossas histórias foram apagadas e silenciadas. Criar encruzilhadas entre a orientação sexual, diversidade de gênero e negritudes nos abre um leque de possibilidades de diálogo. E penso que é nessas aberturas de diálogo que o Fundo Baobá pode gerar mais visibilidade e aproximações com pessoas negras LGBTQIAP+ de diferentes gerações e esse é um importante processo de equidade racial, pois nos faz refletir sobre a pluralidade dentro de nossa comunidade negra.”

Flip também comentou que como produtor, ativista e artista, o Fundo Baobá é uma grande referência para ele por mostrar possibilidades de fortalecimento da comunidade sem se distanciar de suas bases.

População negra está, sim, entre as principais vítimas do novo coronavírus

Zélia Profeta, diretora da Fiocruz Minas, falou sobre a pandemia para o Boletim do Fundo Baobá. Formada em farmácia pela Universidade Federal de Minas Gerais, ela é mestre em Biologia Celular e Molecular pela Fundação Oswaldo Cruz e doutora em Parasitologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Nesta entrevista, Zélia explica a necessidade do Brasil investir em ciência, fala da situação dos negros no país e enumera as lições que a doença vai deixar. Acompanhe:

* Toda doença traz aprendizados. Na sua opinião, qual a grande lição que essa pandemia vai deixar como legado?
Acho que um dos aprendizados é ter mais fortalecido, por toda a sociedade, o entendimento da importância das políticas públicas para a população, especialmente para as pessoas que mais precisam, garantidas por um Estado forte. Além disso, espero que também saiamos dessa pandemia entendendo a importância de termos mais investimentos para a ciência, para a indústria nacional de medicamentos, insumos para vacinas, testes, diagnóstico, instrumentos hospitalares etc. Outro legado importante é o entendimento da importância de cidades com mais infraestrutura, saneamento; cidades melhor planejadas para que as pessoas possam ter vida digna. E entendermos que não se pode economizar na saúde. O  financiamento do SUS é fundamental para a sua consolidação e para fortalecimento do acesso. Fico pensando ainda que um dos legados que essa pandemia poderia nos deixar é o de nos organizarmos para lutar pela revogação da EC-95 ( Emenda Constitucional número 95, já aprovada pelo Congresso Nacional, que prevê congelamento de gastos. Com isso, os investimentos em saúde e educação podem ficar congelados por mais seis anos).

Zélia Profeta (Diretora da Fiocruz Minas)

* Dados do Ministério da Saúde mostram que 1 a cada 3 negros morrem por Covid-19. Por que o coronavírus é mais letal entre os negros? E o que efetivamente essa pandemia nos mostra com relação aos negros?
No Brasil, os negros são a maioria da população. São também a maioria dos que não têm emprego ou estão em situação de subocupação. A maior parte dos negros está entre as vítimas de homicídio no país e quando falamos de população carcerária os negros são a maior parte. Os negros também são os que mais sofrem com a informalidade, que vem crescendo no Brasil, nos últimos anos. Dizem que o vírus é democrático porque infecta qualquer pessoa. Mas o que estamos vendo é que as populações mais vulneráveis, que vivem em locais mais adensados, mais pobres e sem infraestrutura é que vão ficar mais doentes. Além disso, essas populações mais vulnerabilizadas possuem mais comorbidades que vão favorecer a maior letalidade.

* Muitos profissionais e pesquisadores da saúde defendem a atuação do agente de saúde, alegando que, por conhecer a comunidade e estar na linha de frente, pode identificar potenciais vítimas do vírus para evitar que aumentem as estatísticas. A senhora concorda com essa visão? 
Sim, concordo. Os agentes de saúde fazem parte da atenção básica. Conhecem a população, acompanham os pacientes. São fundamentais no território. Estão em contato permanente com as famílias, desenvolvem ações educativas para promoção da saúde e prevenção das doenças. Mantém informada a equipe de saúde, principalmente a respeito das situações de risco.  Portanto, podem ajudar muito!  Mas, claro, numa situação como a que estamos vivendo (na verdade, em qualquer situação) é fundamental que os agentes trabalhem com todos os cuidados de proteção para também não adoecerem.

*  A campanha “Se liga no corona” nasceu da necessidade de informar e, assim, tentar reduzir a velocidade de avanço do vírus nas comunidades e periferias?
A Fiocruz está fazendo uma série de ações para enfrentar essa pandemia, como, por exemplo, produção de kits para o diagnóstico, assistência, pesquisas e muito material informativo que é fundamental para esclarecer toda a sociedade. O Se liga no Corona é, sim, voltado para as comunidades e periferias para ajudar no enfrentamento da Covid-19 e tentar reduzir a velocidade de transmissão do vírus.

* Pela sua experiência,  a senhora acredita que ações coordenadas de comunicar e informar, em que conseguimos unir conhecimento (corpo técnico) e disposição (comunidade), são a alternativa para tentar reduzir o avanço da doença?
Acho que essa é uma importante ação e que as ações neste enfrentamento do vírus devem ser coordenadas na perspectiva de unir informação e disposição para tentar reduzir o avanço da doença. Acho, sim, que esta campanha vai propiciar uma boa interação entre nós, que somos profissionais da Fiocruz, com as comunidades nos diferentes estados. É fundamental estar atento e fazer chegar a informação correta nos diferentes territórios. O Brasil é um país muito grande, com muitas diferenças nos seus territórios e é um país muito desigual. Como diz a nossa presidente Nísia Trindade Lima, com todos os esforços que a Fiocruz vem fazendo nós esperamos cumprir o papel da instituição que vem sendo desempenhado há 120 anos: o de promover a saúde pública para toda população.

Seleção de Projetos Negras Potências

É com muita felicidade, que anunciamos o resultado do Edital Negras Potências!
Ao todo, foram selecionados 16 projetos de impacto de diversas regiões do Brasil.

O canal Negras Potências é uma parceria entre Fundo Baobá e Benfeitoria, com apoio de Coca-Cola Brasil e Movimento Coletivo. Juntos, reunimos projetos de impacto que contribuem para o empoderamento de meninas e mulheres negras que agora vão contar com a sua contribuição!

Lista de Projetos selecionados:

Afreektech

O projeto desenvolverá ações voltadas para a transmissão de conhecimento de ferramentas de gestão e alavancagem de negócios como Marketing Digital e Modelagem de Negócios com foco em mulheres negras.

Afrolab

O projeto buscará fortalecer as habilidades empresariais de mulheres negras a partir de um processo de autoconhecimento voltado para aprimoramento da sua capacidade decisória.

Afroricas

O projeto desenvolverá material audiovisual voltado para a difusão de informações relevantes para o desenvolvimento das mulheres negras no mercado de trabalho.

Amora

Tem como proposta a inserção da identidade étnica e racial, de maneira positiva, no universo infantil feminino através de brinquedos, bonecas, que reflitam a estética negra. Em 2017 ganhou o Prêmio Laureate Brasil Jovem Empreendedor Social.

Casa das pretas

Através de atividades como oficinas de fomento à economia solidária; rodas de estudo e leitura sobre feminismo negro; cursos para desenvolvimento acadêmico (acesso a mestrado e doutorado); cursos de dança e percussão; todos voltados para o público feminino negro, o projeto tem por objetivo o fortalecimento político e econômico das mulheres negras a fim de impactar na redução das violências de gênero e situação de desigualdade econômica por elas experenciadas.

Circuladô de oya

Tem por objetivo fomentar a divulgação e discussão da discriminação interseccional de gênero, raça e classe que atinge as mulheres negras a partir do fomento à participação deste público em espaços de formação e atuação política junto a comunidades, instituições e em redes sociais. As ações terão núcleos de Educação Popular como lócus de desenvolvimento e propagação.

Cores Femininas

O projeto tem por objetivo o empoderamento de mulheres negras através de ações culturais – grafite e hip hop – a serem realizadas de maneira colaborativa e comunitária. A troca de experiências, conscientização para enfrentamento das várias formas de violência bem como autonomia financeira também estão presentes em seus objetivos. O recurso arrecadado durante a campanha de crowdfunding será utilizado, principalmente, para a compra de materiais.

Corpos Invisíveis

O projeto tem por objetivo principal a realização de longa metragem no qual serão discutidos temas como racismo, seu aspecto estruturante das relações sociais no Brasil, da invisibilização e inviabilização das mulheres negras em uma sociedade machista.

Costurando redes

O objetivo principal centra-se na realização de oficinas de costura buscando o fortalecimento econômico de mulheres negras e seu empoderamento, autoestima e autonomia de maneira que sejam instrumentalizadas para lidar com questões cotidianas como a violência doméstica e a desigualdade de acesso a oportunidades profissionais e de renda.

Costurando sonhos

O projeto tem por objetivo o fomento de capacidades técnicas que possibilitem a inserção de mulheres negras no mercado de trabalho através de oficinas na área de costura.

Doula a quem quiser

O projeto tem por objetivo promover o acesso à informação de qualidade sobre gestação, parto e puerpério, salientando a questão da violência obstétrica vivenciada por mulheres. O acompanhamento presencial por doulas para mulheres em situação de privação de liberdade também está presente nas ações a serem realizadas.

Editora Nasurdina

O projeto objetiva a consolidação de uma editora que potencialize jovens autoras negras, independentes, oferecendo-lhes infraestrutura para criação e produção de material.

Investiga Menina

O projeto tem por objetivo, através da articulação com professoras e pesquisadoras negras, brasileiras, fomentar o interesse de meninas negras pelas áreas das ciências exatas no campo do conhecimento tendo em vista esta carecer de representatividade negra, feminina.

Revista Arquitetas Negras Vol.1

O projeto tem por objetivo a produção de publicação (revista) especializada em arquitetura e urbanismo a fim de dar visibilidade ao trabalho e o contexto social no qual se dá o trabalho de mulheres negras que atuam na profissão.

Sororidade
Uma nova forma de relação

O projeto pretende realizar a montagem de espetáculo artístico, circo-teatro, a ser apresentado em escolas públicas de ensino médio na periferia da cidade de Recife com o objetivo de mobilizar mulheres jovens articulando-as para que enfrentem as violências experienciadas por este público naquela região.

Sou Negra e quero falar

O projeto tem como objetivo principal o fomento da discussão de temas como racismo, combate ao machismo, violência de gênero, direitos reprodutivos, descriminalização do aborto, feminismo negro por mulheres negras, blogueiras. A proposta é a realização de workshop cujo conteúdo centra-se em subsidiar tecnicamente jovens negras, produtoras de conteúdo em meios alternativos, para que propaguem a discussão destes temas.

Esses são os 16 projetos selecionados. Nosso muito obrigada a todas que enviaram suas iniciativas.

Negras Potências – Nós Podemos

“Ensine a sua menina que papéis de gênero são totalmente absurdos. Nunca lhe diga para fazer ou deixar de fazer alguma coisa ‘porque você é menina’. ‘Porque você é menina’ nunca é razão para nada. Jamais”
Chimamanda Ngozi Adichie

 

A população brasileira, segundo dados do último censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010, ultrapassou o total de 207,7 milhões de pessoas. Mais da metade deste total (53,6%) é composto por pessoas que se autodeclaram negras e neste grupo metade são mulheres.

Contudo, fazer parte do grupo racial quantitativamente majoritário da população não significa, para homens e mulheres negras, igualdade de acesso a direitos. Da mesma forma que a paridade proporcional entre os gêneros no interior deste grupo não impede que as mulheres negras ocupem a base da pirâmide no que se refere a rendimentos no mercado de trabalho ou recebam atendimento de saúde qualitativamente inferior ao disponibilizado às mulheres brancas nos postos do Sistema Único de Saúde (SUS).

Dados do Ministério da Saúde revelam que o percentual de mortalidade materna entre as mulheres negras no SUS chega a 60%. Entre as mulheres brancas este índice é de 34% e enquanto o atendimento pré natal alcança 74,5% nesse grupo, para as mulheres negras o percentual é de 55,7% no sistema de saúde público. Outro dado que compõe este quadro de desigualdade se refere aos níveis de mortalidade de crianças negras e brancas, cuja assimetria passou de 21% para 40% nos últimos vinte anos.

Em se tratando de distribuição de renda, segundo dados do IBGE divulgados em 2015, dentre os 10% mais pobres no Brasil, 76% são negros o que significa que de cada quatro pessoas que se encontram nesta categoria econômica três são negras. Por outro lado na faixa dos 1% mais ricos, 79% são brancos.

Ao voltar o olhar para o mercado de trabalho, a “Pesquisa Mulheres e Trabalho: breve análise do período 2004-2014” realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) aprofunda a informação acerca de rendimentos ao revelar que as mulheres negras recebem a menor remuneração em comparação com a do grupo homens brancos: menos de 40% da renda média calculada em R$ 2.393,00. Ainda de acordo com a mesma pesquisa citada, o desemprego também atinge de maneira proporcionalmente maior as mulheres negras em comparação com os homens brancos tendo alcançado o nível de 10,2% em 2014 para o primeiro grupo frente 4,5% para o segundo.

As trabalhadoras negras são maioria no mercado de trabalho informal,  atuando em atividades reconhecidas como autônomas, além de corresponderem a 39,08% da força de trabalho empregada na execução de atividades laborais consideradas precárias.

No acesso ao ensino as assimetrias permanecem, apesar dos avanços e conquistas resultantes das Políticas de Ação Afirmativas que vêm sendo implementadas nos país nos últimos cinco anos. O percentual de pessoas brancas com 25 anos (ou mais) com menos de um ano de estudo é de 7,4%, negras 14,4%. O percentual de analfabetos negros ultrapassa os 4% ao passo que as pessoas brancas somam 1,8%.

As pessoas negras correspondem a 78,9% dentre os 10% da população com maiores chances de serem vítimas de homicídios e possuem 23,5% mais chances de sofrer assassinato em comparação aos indivíduos brancos. A cada cem (100) pessoas assassinadas no Brasil, setenta e uma (71) são negras.

Esses dados são resultado de séculos de acúmulo de desigualdades que se iniciaram ainda no período da escravidão e se mantiveram com a ausência de políticas públicas para inserir a população negra como parte fundamental para o desenvolvimento do país, seja por uma perspectiva humanitária ou econômica.

Todos esses dados juntos apontam para um fato no tocante econômico: Somente em 2089, daqui a pelo menos 71 anos, negros e brancos terão uma renda equivalente no país. Essa conta é feita com base em dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), considerando rendimentos como salários, benefícios sociais, aposentadoria, aluguel de imóveis e aplicações financeiras, entre outros.

Ilustração Talita Marques


Mulheres trabalham em média
7,5 horas a mais do que os homens por semana.No carnaval do Rio de Janeiro de 2017, uma mulher foi agredida a cada quatro minutos. Meninas passam mais tempo nos afazeres domésticos do que meninos. Uma pesquisa realizada por algumas universidades americanas aponta que a partir dos seis anos, a menina introjeta a desigualdade de gênero e passa a entender que somente meninos podem ser gênios. Pesquisas apontam que o Brasil é um dos piores países da América do Sul para ser menina.

Esses dados são indicativos assustadores de uma realidade urgente, a necessidade de se discutir a igualdade de gênero desde criança, a discriminação contra a menina hoje é a violência contra a mulher de amanhã, e perpetua um ciclo que fortalece o agressor – seja ele o homem, o Estado que não protege a mulher ou a política que deslegitima – e desune as próprias mulheres, vítimas primeiras de um pensamento social e historicamente construído de que ser mulher é ser menos.

E é aqui que entra o empoderamento das mulheres e meninas negras como forma de mudança dessa realidade, como meio para transformar quem é número de estatística em agente da mudança, quem é vista como problema em peça fundamental da resolução.

O educador Paulo Freire foi o pioneiro no uso do termo “Empoderamento” no Brasil, ele fez a tradução da palavra criada em 1977 pelo psicólogo americano Julian Rappaport, que transformou o verbo “to empower” (dar poder) no substantivo “empowerment”.

O uso do termo foi crescendo desde então e ganhou forças em 2013 com o boom das causas sociais na internet e fazendo uma busca rápida no Google, o termo aparece em mais de 5 milhões de resultados em português e mais de 84 milhões de resultados se a pesquisa for pelo termo em inglês.

Empoderamento: É a ação social coletiva de participar de debates que visam potencializar a conscientização civil sobre os direitos sociais e civis. Essa consciência possibilita a aquisição da emancipação individual e também da consciência coletiva necessária para a superação da dependência social e dominação política. O empoderamento devolve poder, dignidade e principalmente liberdade de decidir e controlar seu próprio destino, com responsabilidade e respeito ao outro.  

Empoderamento feminino: Consiste na concepção do poder das mulheres como forma de exigir equidade de gênero nos variados tipos de atividades sociais, de modo democrático e responsável, é um desafio às relações patriarcais, em relação ao poder dominante do homem e a manutenção dos seus privilégios de gênero e a autonomia no que se refere ao controle dos corpos femininos, das sexualidades e das liberdades.

Empoderamento é então a consciência coletiva que se expressa por meio de ações concretas para fortalecer as mulheres e alcançar a equidade de gênero.  

Muito se discute o empoderamento pelo viés estético/imagético, a partir principalmente da aceitação dos seus traços capilares, ampliando para o vestuário, os acessórios, ou seja, a forma como o mundo enxerga mulheres e meninas negras, afinal, se reconhecer como um ser humano pleno – não feio e subalternizado – está ligado diretamente a autoestima e orgulho e quando se tem orgulho de quem se é, é mais fácil impactar e influenciar os seus pares e muito mais fácil entender as amarras das estruturas racistas.

O termo empoderamento é muita vezes mal interpretado, visto como algo individual e como a continuação da perpetuação das opressões, porém bell hooks o define como algo com significado coletivo, pois trata-se de empoderar a si e aos outros e colocar as mulheres negras como sujeitos ativos de mudança, diz respeito a mudanças sociais numa perspectiva anti racista, anti elitista e anti sexista através de mudanças das instituições sociais e consciência individuais, sendo necessário criar estratégias de empoderamento no cotidiano, em experiências habituais no sentido de reivindicar direito a humanidade.

É necessário o apontamento de que quando falamos de empoderamento de mulheres e meninas negras estamos falando em luta pela equidade, em fortalecer mulheres negras com o objetivo de promover uma sociedade mais justa, afinal a conquista de uma mulher negra não pode ser descolada de seu papel político como exemplo e espelho para diversas outras mulheres. Empoderar aqui, significa tomar consciência dos problemas que afligem as mulheres e meninas negras e criar mecanismos para combatê-los.

Mulheres e meninas negras empoderadas são referências para outras mulheres, são líderes políticas, agentes de transformação, são emblemáticas no desenvolvimento de suas comunidades, na defesa de direitos, na manutenção das tradições culturais e religiosas e se tornam mulheres e meninas negras fortes, engajadas, preparadas para levantar questões, apontar problemas, propor alternativas, liderar processos e se empenhar nas mudanças que são urgentes para alterar os alarmantes dados que assolam a comunidade negra.

Criar novos modelos de projetos colaborativos e participativos, possibilitar a movimentação na estrutura social e econômica em contextos locais, explorar as possibilidades de parceria com as demais organizações, facilitar a mobilização política de mais mulheres, intervir na negociação de interesses, engajar uma articulação coletiva. Esses são apenas alguns dos passos que uma mulher e uma menina negra podem dar ao adquirirem consciência das suas potencialidades, ao se empoderar.

Então, não. Quando falamos de mulheres negras e, principalmente de meninas negras, não estamos falando de algo no campo individual, estamos falando de mudanças na coletividade e consequentemente na sociedade.

Empoderar-se também é tomar pra si o poder da palavra, é quebrar a barreira do silêncio e sobretudo sair do lugar de silenciada. Audre Lorde é categórica quando afirma que “Temos medo, porque a transformação do silêncio em linguagem de ação é um ato de auto revelação e isso sempre parece estar cheio de perigos… No silêncio, cada uma de nós desvia o olhar de seus próprios medos – medo do desprezo, da censura, do julgamento, ou do reconhecimento, do desafio, do aniquilamento. Mas antes de mais nada acredito que tememos a visibilidade, sem a qual entretanto não podemos viver, não podemos viver verdadeiramente. Nesse país em que a diferença racial cria uma constante – ainda que não seja explícita – distorção da visão, as mulheres negras têm sido visíveis por um lado, enquanto que por outro lado nos fizeram invisíveis pela despersonalização do racismo. Ainda dentro de movimento de mulheres tivemos que lutar, e seguimos lutando, para recuperar essa visibilidade que ao mesmo tempo nos faz mais vulneráveis: a de ser negras. porque para sobreviver nesta boca de dragão que chamamos de América, tivemos que aprender esta primeira lição, a mais vital, e não se supunha que fossemos sobreviver. Não como seres humanos. E essa visibilidade que nos faz tão vulneráveis é também a fonte de nossa maior fortaleza. Porque a máquina vai tratar de nos triturar de qualquer maneira, tenhamos falado ou não. Podemos nos sentar num canto e emudecer para sempre enquanto nossas irmãs e nossas iguais são desprezadas, enquanto nossos filhos são deformados e destruídos, enquanto nossa terra está sendo envenenada, podemos ficar quietas em nossos cantos seguros, caladas como se engarrafadas, e ainda assim seguiremos tendo medo”.

E seguindo os ensinamentos de Audre Lorde, que façamos mais tentativas de quebrar o silêncio por entender que é ele que nos imobiliza e ainda restam muitos silêncios para romper!

Negras Potências – nosso edital que está no ar – é a busca por iniciativas e soluções de impacto que contribuam para o empoderamento de meninas e mulheres negras, que ajudem na visibilidade dos múltiplos fazeres que as agentes da sociedade civil estão pensando e produzindo para a mudança no cenário nacional, quando falamos de desigualdades raciais e sociais.
Acesse e saiba mais: https://benfeitoria.com/canal/negraspotencias

Tem Mulher negra fazendo tecnologia e inovação sim!

Lorenna Vilas Boas tem um sonho. A jovem baiana de 19 anos, estudante de engenharia elétrica da Universidade Federal da Bahia (UFBA), sonha que mais meninas tenham acesso à ciência e a tecnologia e usem essas duas ferramentas como forma de empoderamento.

Estudando na UFBA, Lorenna quer desenvolver um aplicativo de tecnologia assistiva para ajudar pessoas cegas.

Ela faz parte dos 12,8% de jovens negros que tiveram acesso ao ensino superior e essa estatística é um lembrete diário para a jovem:
“Me sinto mal vendo a realidade que preciso enfrentar. Quando descobri que posso contribuir levando esse problema à tona, participando de programas como o G(irls)20, entendi que é uma oportunidade de dizer para o mundo a situação que a gente vive no Brasil. O País é de maioria negra, mas onde estão as mulheres negras? O meu projeto atual é desenvolver tecnologias voltadas para pessoas – o que a gente chama de engenharia pessoal”. https://goo.gl/zTW1jE

O sonho da Lorenna é possível porque com projetos como a PretaLab, por exemplo, a possibilidade de mais meninas negras perceberem que o que elas já fazem no seu dia-a-dia é tecnologia, é inovação e é possível e portanto muito importante, pela possibilidade de ver outras meninas e mulheres negras como espelhos positivos.

A PretaLab é uma iniciativa do Olabi – Um espaço/laboratório dedicado a apropriação de novas tecnologias – que acredita no protagonismo das meninas e mulheres negras e indígenas nos campos da inovação e tecnologia como forma de reduzir as desigualdades sociais do país. O objetivo da iniciativa é fazer um levantamento para coletar as histórias e desafios que essas mulheres enfrentam, tornando visíveis as suas trajetórias e estimulando que outras mulheres considerem esse universo como uma possibilidade.

E porque a PretaLab considera que falar sobre mulheres negras e indígenas na tecnologia é importante? Porque esses são os dados levantados por elas após pesquisa inicial:

– 19 mulheres foram citadas na história da ciência no Brasil pelo CNPq, nenhuma é negra.
– 4% é a quantidade de mulheres negras entre as fundadoras de startups de tecnologia comandadas por mulheres nos Estados Unidos.
– 10 é o número de mulheres negras que às Escola Politécnica da USP formou em 120 anos, segundo levantamento do Poligen de 2013.

De acordo com Silvana Bahia, Diretora de Projetos do Olabi, “ A PretaLab nasce com o intuito de estimular outras meninas a desenvolver tecnologias. A gente entende que é preciso criar os nossos espaços mas também estar nos espaços que já existem, se não cadê a diversidade?”.

“O que a gente quer mesmo no fundo é democratizar esse acessos”, afirma Silvana Bahia que juntou um time incrível para gravar uma série de 10 vídeos, sobre as mulheres negras que são destaques nos campos de tecnologia e inovação e que servem de exemplo positivo para tantas outras mulheress seguirem caminhos similares.

Os primeiros vídeos da série, já lançados, contam com a participação de Monique Evelle – Fundadora do Desabafo Social, Ana Carolina da Hora – Estudante de Ciência da Computação e estagiária do Olabi, Viviane Gomes – Jornalista e Ciberativista da ONG Criola, Gabi Oliveira – Comunicóloga e Youtuber e Maria Eloisa – Pesquisadora do Laboratório de Design Next PUC-Rio e tecnologista em produção de vestuário.

Os vídeos podem ser vistos aqui: https://goo.gl/y8FbHh

Katemari Rosa é professora de física na Universidade federal de Campina Grande (UFCG), mestra em Ensino, Filosofia e História das Ciências e Doutora em Science Education e está à frente do projeto “Contando nossa história: Negras e negros nas ciências, tecnologias e engenharias no Brasil”, que pretende resgatar a história de cientistas negros brasileiros.

Segundo Katemari, “a participação das mulheres nas ciências das tecnologias é extremamente baixa e quando falamos de mulheres negras simplesmente não existem dados”.

Para mudar esse cenário de falta e invisibilidade existe o MINAS PROGRAMAM, um projeto que desconstrói a noção de que homens são mais aptos a programar, que entende que a quantidade de mulheres nas ciências, tecnologias e engenharias afeta diretamente a maneira com que as mulheres e as suas ideias são representadas. Enquanto o número de mulheres que sabem programar continuar tão pequeno, será muito difícil garantir pautas mais inclusivas na produção.   
Para se ter uma ideia do cenário de tecnologias, os dados levantados inicialmente pelo projeto são:

– Dos 1.683 engenheiros da computação formados em 2010, apenas 161, ou seja 9,5% eram mulheres, segundo o INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais).
– Dos 7.339 formados em ciências da computação no mesmo ano, 1.091 (14,8%) eram programadoras.
– Em 2015, um total de 330 ingressantes dos cursos de Computação da USP, apenas 38 (11,5%) eram mulheres.
– Dos 300 mil profissionais registrados pelo CREA-SP (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia de SP), apenas 49 mil (16,3%) são mulheres.
– A participação das mulheres na ciência da computação caiu quase 37% em meados dos anos 80, para 17% atualmente. (http://minasprogramam.com/ )

Esses dados não levam em conta o recorte racial, o que só comprova a fala da Doutora Katemari quanto a inexistência de dados quando falamos de mulheres negras.

Outra iniciativa que chega para mudar esses números é O OxenTi Menina, um grupo formado por meninas entusiastas e apaixonadas pela fomentação da tecnologia que foi criado com o propósito de reunir meninas do ensino fundamental e médio para participar do Technovation (programa que oferece a meninas em todo o mundo a oportunidade de aprender as habilidades necessárias para se tornarem empresárias de tecnologias e líderes. Meninas com idade entre 10 e 18 anos, que identificando um problema local, criam uma solução através de um aplicativo móvel, para resolvê-lo).

Depois da participação no Technovation, o grupo se manteve e tomou para si o nome OxenTi Menina, que tem como objetivo inicial a promoção da ideia na inserção da tecnologia e empreendedorismo para adolescentes, levando a filosofia de criar novas tecnologias para resolver o problema do contexto social de cada uma, promovendo assim a motivação para adentrar o mundo da tecnologia como desenvolvedoras e não somente como usuárias.

O grupo possui metodologia de trabalho e ensino próprias, realiza oficinas em escolas públicas e particulares inicialmente na lógica de programação e possui como meta final o empoderamento da mulher nas exatas e na tecnologia. (http://oxentimenina.com.br/ )

Seja ainda no ensino fundamental ou após adentrar ao ensino superior, aumentar o leque de alternativas e ampliar o acesso das mulheres, especialmente das mulheres negras, às ciências e tecnologias é possível com projetos como a PretaLab ou o OxenTi Menina, assim o sonho de Lorenna Vilas Boas, poderá ser o sonho de mais e mais meninas.

“Sozinhas vamos mais rápido, juntas vamos mais longe!”

#JulhodasPretas ou As histórias que as mulheres negras contam em primeira pessoa

Diva Guimarães e Conceição Evaristo  por Walter Craveiro/El País

“Então um dia
Outras mulheres negras
Das mesmas fileiras que nós
Nos ensinaram que tudo que tínhamos aprendido
Era uma grande farsa.
Foi quando aprendemos a lutar.”

Desensinamentos, de Jenyffer Nascimento.


Conseguimos neste julho sair da invisibilidade imposta e sair também do lugar de protagonizar o ano somente em dois meses específicos: maio por conta das comemorações da abolição da escravatura e novembro, por conta do dia 20, dia nacional da consciência negra.

Julho foi farto, intenso e um mês marcado por iniciativas que marcaram a vida das mulheres negras em todo o país e que ficou conhecido como #JulhodasPretas.

A começar pelo dia 25 de julho, data que se comemora o Dia Internacional da Mulher Negra Latina Americana e Caribenha e Dia Nacional de Tereza de Benguela, e para adquirirmos cada vez mais visibilidade, começamos a história com Tereza de Benguela, uma das maiores heroínas negras do Brasil.

“Rainha Tereza”, como ficou conhecida em seu tempo, viveu na década de XVIII no Vale do Guaporé, no Mato Grosso. Ela liderou o Quilombo de Quariterê após a morte de seu companheiro, José Piolho, morto por soldados. Segundo documentos da época, o lugar abrigava mais de 100 pessoas, com aproximadamente 79 negros e 30 índios. O quilombo resistiu da década de 1730 ao final do século. Tereza foi morta após ser capturada por soldados em 1770 – alguns dizem que a causa foi suicídio; outros, execução ou doença.    

Sua liderança se destacou com a criação de uma espécie de Parlamento e de um sistema de defesa. Ali, era cultivado o algodão, que servia posteriormente para a produção de tecidos. Havia também plantações de milho, feijão, mandioca, banana, entre outros.

Após ser capturada em 1770, o documento afirma: “em poucos dias expirou de pasmo. Morta ela, se lhe cortou a cabeça e se pôs no meio da praça daquele quilombo, em um alto poste, onde ficou para memória e exemplo dos que a vissem”. Alguns quilombolas conseguiram fugir ao ataque e o reconstruíram – mesmo assim, em 1777 foi novamente atacado pelo exército, sendo finalmente extinto em 1795. (https://goo.gl/n3QYZi )

 

Flip Preta


A grande e mais enegrecida de todas as suas edições, a 15ª FLIP (Feira Internacional de Literatura de Paraty) de 2017 foi fruto da luta e da reivindicação das mulheres negras na edição anterior, quando embora homenageando a poeta Ana Cristina Cesar e de ter 17 mulheres entre os 39 escritores de sua programação, não tinha nenhuma pessoa negra entre esses 39 nomes.

Na edição anterior, as escritoras Ana Maria Gonçalves e Conceição Evaristo tiveram falas bastante contundentes.sobre essa ausência. Conceição Evaristo questionou:
“Em 2008, na Alemanha, a então ministra da cultura Marta Suplicy, comentando sobre o baixo número de negros na comitiva do Brasil, respondeu a um repórter alemão que não existiam escritores negros brasileiros à altura daquele evento internacional. Neste ano, em Paris, na delegação brasileira, entre 42 pessoas, tinham apenas 3 negros. Era a cota para exemplificar a diversidade brasileira”.

Ana Maria Gonçalves foi ainda mais enfática sobre a importância da postura de luta para ser tratada como igual: “Faço literatura engajada, sobre política e gênero. É muito difícil para a gente ser respeitada como autora. Temos que brigar por nosso espaço, para sair desse lugar de personagem exótico. Precisamos mostrar nossa qualidade, outro ponto de vista. Ainda tenho a visão utópica da arte como instrumento de mudança da sociedade. É necessário abandonar modelos e estruturas obsoletas, como nossa política”, reitera. (https://goo.gl/GXD2qj )

Em 2017, a curadoria da Flip mudou. A jornalista cultural e historiadora Joselia Aguiar  assumiu a direção do empreitada e com isso parece que as mudanças foram de fato significativas, como a homenagem ao autor negro Lima Barreto e a presença de 10 escritoras e escritores negros entre 42 convidados: Conceição Evaristo, Ana Maria Gonçalves, Djaimilia Pereira de Almeida, Edimilson de Almeida Pereira, Grace Passô, Marlon James, Scholastique Mukasonga, Ricardo Aleixo, Paul Beatty e Lázaro Ramos.

A mesa de maior repercussão do evento, sob o tema A pele que habito, ficou por conta do ator e escritor Lázaro Ramos que optou por ler um capítulo que ficou de fora do seu recém lançado livro, “Na minha pele” – o título mais vendido da história da feira. Falou ainda sobre a importância de encararmos a grande problemática do Brasil hoje: o genocídio dos jovens negros, e foi enérgico ao afirmar que o próximo passo na discussão sobre racismo no país é a vergonha na cara.

Mas a grande surpresa foi Diva Guimarães, a grande estrela do evento, que não por acaso, nessa mesma mesa, teve todos os holofotes lançados para si ao emocionar as pessoas que ali estavam e todas as outras que puderam assistir ao seu vídeo que teve até o presente momento mais de 12 milhões de visualizações.

A professora Diva Guimarães é o retrato de uma geração de mulheres negras que foram caladas por muito tempo, que tiveram seus saberes negados por serem orais, por não virem respaldados por uma instituição acadêmica. Todas as mulheres negras têm ou já tiveram uma “Diva” dentro de suas casas.

Catálogo Intelectuais Negras Visíveis

Essa ausência de escritoras negras e negros na edição de 2016 da FLIP, teve como resposta uma carta aberta (https://goo.gl/HQFwiv ) aos organizadores da Feira, escrita pelas integrantes do Grupo de Estudos e Pesquisas Intelectuais Negras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A carta assinada pela coordenadora do Grupo, a professora Giovana Xavier, questionava essa ausência e elencava uma série de escritoras negras que poderiam perfeitamente figurar entre as autoras convidadas: “Esse silenciamento do nosso existir em uma feira que se reivindica como cosmopolita, mas está mais para Arraiá da Branquidade, insere-se no passado-presente de escravidão, no qual a mulher negra é representada, vista e tratada como um corpo a ser dissecado. Um pedaço de carne que está no mundo para servir. Um objeto a ser estudado e narrado pelo outro branco. Foi assim com Maria Firmina dos Reis, mulher negra do Maranhão, autora de Úrsula, o primeiro romance abolicionista da história do Brasil, datado de 1859 e que, embora reeditado pela Editora Mulheres em 2004, mantém-se desconhecido da maioria das pessoas”.

Essa carta aberta foi o pontapé inicial para uma iniciativa inédita de mapeamento de mulheres negras e suas áreas de especialização, organizado pelo Grupo de Estudos e Pesquisas Intelectuais Negras. O catálogo intitulado Intelectuais Negras Visíveis reflete o lema usado pelo Grupo Intelectuais Negras em suas ações: “Você pode substituir mulheres negras como objeto de estudo por mulheres negras contando a sua própria história”.

A publicação conta com projeto gráfico de Maria Júlia Ferreira, foi coordenada por Giovana Xavier, feita por Amanda Sanches, Conceição Seixas, Janete Ribeiro e Núbia Oliveira e editada em parceria com a Editora Malê. Os trabalhos das 153 profissionais negras listadas estão apresentados nas categorias: Academia e Pesquisa, Afroempreendedorismo, Artes (Cinema, Dança, Música, Teatro e TV), Artes Visuais, Coletivo de Mulheres Negras, Comunicação e Mídias, Direitos Humanos, Intelectuais Públicas, Literatura, Professoras de Educação Básica e Saúde.

 

Angela Davis na UFBA


E no dia em que é comemorado o dia da Mulher Negra Latina Americana e Caribenha, a professora e filósofa estadunidense Angela Davis, lotou o salão nobre da reitoria da Universidade Federal da Bahia, com a conferência “Atravessando o tempo e construindo o futuro da luta contra o racismo”. O evento foi organizado pela UFBA em parceria com o Instituto Odara, o Coletivo Angela Davis, o Núcleo de Estudos Interdisciplinar da Mulher (NEIM) e a Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB).

Angela Davis é ativista, filósofa e feminista negra, mundialmente conhecida por sua trajetória de contribuição política nos Estados Unidos pelos direitos civis das pessoas negras, a luta pela liberdade dos corpos das mulheres negras, contra o encarceramento em massa do povo preto, e pelo mundo sustentável.

A ativista afirmou ser “indescritível” a sensação de viver num país liderado por Trump. “Nós resistiremos. Em todos os dias da administração Trump, resistiremos. Resistiremos ao racismo, à exploração capitalista, ao hetero-patriarcado, à islamofobia e ao preconceito contra pessoas com deficiência. Defenderemos o meio ambiente dos ataques insistentes e predatórios do capital.”

Angela Davis fez menção ao movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), que, nos Estados Unidos, vem ganhando destaque nos últimos anos pela luta contra a violência policial que atinge mais incisiva e cotidianamente a população negra. “Nós sabemos que as transformações históricas sempre começam pelas pessoas. Essa é a mensagem do movimento Black Lives Matter. Quando as vidas negras começarem a realmente importar, significará que todas as vidas têm importância. Quando a vida das mulheres negras importar, o mundo será transformado e saberemos, com certeza, que todas as vidas importam”, destacou a ativista.

Angela Davis também denunciou a política de encarceramento em massa, que também se desdobra em racismo institucional, já que afeta desmedidamente a população negra. Destacou a necessidade de se combater as formas institucionais e individuais de violência e cerceamento de liberdades dessas populações, mas sem esbarrar em uma perspectiva de vingança.

“Esta é a chamada feminista negra por formas de justiça que não sejam vingativas. Mulheres negras representam o futuro. Mulheres negras são a esperança de liberdade. Não reivindicamos inclusão numa sociedade racista, misógina, patriarcal e capitalista. Afirmamos o feminismo abolicionista”, afirmou.

Outro ponto alto da fala foi  a política de cotas nas universidades brasileiras, elogiada pela ativista, que disse que os Estados Unidos, embora tentem há décadas implantar algo parecido, jamais conseguiram. “Admito que estou muito mais impactada com o sistema educacional brasileiro que com o norte-americano. Me lembro bem quando no Brasil começaram os debates e na Bahia já vejo ações concretas. Vi isso principalmente em Cachoeira, na Universidade do Recôncavo. Isso nos prova que é mesmo possível garantir acesso à educação formal à população que havia sido excluída historicamente”, defendeu.


Festival Latinidades


Dos dias 27/07 a 30/07 Brasília foi sede do Festival Latinidades – O maior festival de Mulheres Negras da América Latina – que comemorou 10 anos de existência. Foram 4 dias de debates, mesas, workshops e shows que contou com a presença de grandes mulheres negras como a cineasta Viviane Ferreira, a artista plástica Rosana Paulino, a artevista Erica Malunguinho, a afrotransfeminista Maria Clara Araújo dos Passos, a socióloga Vilma Reis, a Youtuber Nátaly Neri, a empresária Ana Paula Xongani, dentre tantas outras.

Com o tema – Horizontes de liberdade: afrofuturismo nas asas da Sankofa, o Latinidades colocou em pauta que tipo de sociedade que estamos construindo hoje.
O festival levantou, na primeira mesa, com o nome “Memórias de Visionárias”, a importância de disputar narrativas sobre a representação e a imagem dos negros nas artes, sejam elas plásticas ou visuais. A artista plástica Rosana Paulino foi enfática ao afirmar: “ É na escola que começa o bombardeio de imagens negativas. Nós temos que fazer o movimento contrário, o processo de substituição, o processo questionador, de livramento de peso, a proposição de novas narrativas e novas imagens”.

A segunda mesa de debates levantou o tema “Miragens do Futuro no Presente”.
A artevista Erica Malunguinho trouxe para a discussão o significado do adinkra Sankofa (que significa voltar no passado para ressignificar o presente) dizendo que:” Nós não somos Resistência, somos Existência! Temos que lembrar que não somos recorte, nós somos fundamento!”

A cineasta Viviane Ferreira, na mesa cujo título era “Afrontosas: agir para Transformar”, trouxe toda a potência de mulher negra do audiovisual com uma fala poderosa sob a necessidade imperiosa de ocupar os espaços hegemônicos: “Estamos em guerra há muito tempo e o audiovisual é o meu front de batalha, o que eu escolhi para guerrear pela disputa simbólica na imagem dos corpos negros. Quando eu digo que estamos em guerra é porque quando dizemos que somos cineastas negras, estamos batendo de frente com a hegemonia e eu digo: eu não abro mão da minha subjetividade para fazer cinema”.

Na mesma mesa, a socióloga Vilma Reis, ovacionada de pé pela plateia, destacou a relevância de ser negro e estar disputando os espaços acadêmicos: “Nas universidades não podemos ser um ponto preto no meio da festa branca, estar na universidade sendo uma pessoa negra consciente, pressupõe realizar tarefas. Nossos diplomas de graduação, mestrado e doutorado não são um fim em si mesmo. Eles não servem para nada, se não libertarem o nosso povo”.

A empresária Ana Paula Xongani falou sobre os processos de construção de sua marca, a Xongani, na mesa “Moda Preta: Poder, lacre e transformação”, e sobre como esses processos incidem na produção e no consumo de uma moda mais consciente: “Sobre processo, o meu start foi observar a minha comunidade e traduzir em peças o que ela está pensando, para que as pessoas saibam o que a gente está falando com essa linguagem não-verbal. Comprar moda afro consciente é mais caro. Mais do que produtores conscientes, precisamos de consumidores conscientes, pois isso é retroalimentado. Quem vai ser empregada é a sua filha, quem vai costurar é a sua tia, ou seja, quem é tá ganhando se não a gente? E tem mais, ser consciente na moda é mais do que consumir pouco, consumir moda vegana, é saber dos processos de transparência, é saber que todas as peças que estão no seu corpo não tem mãos negras escravizadas”.

O Festival Latinidades fechou a sua 10ª edição com um stand up da jornalista baiana Maíra Azevedo mais conhecida como Tia Má, que lotou o auditório do Museu Nacional e com o show da duo americano Oshun.  

Marcha das Mulheres Negras

E no último domingo de julho e fechando o #JulhodasPretas, o Rio de Janeiro sediou a III Marcha das Mulheres Negras, na Avenida Atlântica, na orla de Copacabana, Zona Sul. A marcha, que foi realizada em outras cidades como Salvador e São Paulo durante a semana, teve como objetivo chamar a atenção para a desigualdade e a discriminação racial vividas diariamente por mulheres negras em todo o País.

De acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano passado, entre 2005 e 2015, o percentual de negros e negras universitários saltou de 5,5% para 12,8%. No entanto, esse o crescimento positivo não é igual quando a análise é a ocupação de vagas no mercado formal de trabalho. Mesmo tendo aumentado o número de graduados, os negros continuam com baixa representatividade nas empresas.

Nas organizações, a desigualdade entre brancos e negros aparece de forma gritante. Segundo dados de uma pesquisa do Instituto Ethos, realizada no último ano, pessoas negras ocupam apenas 6,3% de cargos na gerência e 4,7% no quadro executivo, embora representem mais da metade da população brasileira.

Neste contexto, a presença de mulheres negras, em comparação aos homens, é ainda mais desfavorável: elas preenchem apenas 1,6% das posições na gerência e 0,4% no quadro executivo. A situação só se inverte nas vagas de início de carreira ou com baixa exigência de profissional, como em nível de aprendizes (57,5%) e trainees (58,2%).

Outro desafio da população negra é a disparidade salarial. Ainda que tenha diminuído nos últimos anos, os dados sobre desigualdade de renda continuam a registrar um desequilíbrio considerável entre brancos e negros no Brasil.

A Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE indica isso. No início de sua série histórica, em 2003, um negro não ganhava nem metade do salário de um branco (48%). Atualmente, pouca coisa melhorou. Fazendo a mesma comparação, em 2015, um negro passou a ganhar pouco mais da metade dos rendimentos de um branco (59%).

Segundo uma das organizadoras da marcha, a psicóloga, professora e vice-presidente do Centro de Tradições Afro-Brasileiras (Cetrab), Dolores Lima, em entrevista à agência brasil (https://goo.gl/CTWL2N ), o espaço escolar segue como um dos lugares onde mais se tem recorrência de casos de racismo: “É uma escola do século 19, professores do século 20 e alunos do século 21. Imagina isso reforçado pelo racismo, que coloca essas crianças fora desse sistema, porque não se enxergam e não se colocam ali dentro. Passam por um processo de discriminação, em que a própria instituição não prepara os profissionais para a discussão do racismo”.  

Que os passos das mulheres negras em julho sigam reverberando, indo por caminhos abertos pelas ancestrais, pavimentando os caminhos para as mulheres negras do futuro e fazendo de todas as mulheres negras, mulheres potentes e visíveis. Não nós esqueçamos das palavras de Azoilda Loreta da Trindade: “A invisibilidade é a morte em vida”. Vivamos.

O empreendedorismo Negro é um dos caminhos

Imagem: versatil rp

A definição da palavra empreendedorismo está ligada a capacidade de identificar oportunidades, solucionar problemas, agregar valores e contribuir para a sociedade de maneira inovadora. No âmbito empresarial, normalmente têm o objetivo de criar novas empresas ou produtos e trazer mudanças em setores específicos ou remodelá-los por inteiro.

“O afro-empreendedorismo, além de carregar esse aspecto do empreendedorismo, também contém em sua essência uma ideologia e como proposta um engajamento que alcança o público, e que reafirma sua raiz. Outro fator interessante, é que ele serve como canal para gerar discussões sobre assuntos de extrema relevância como a inserção social, o racismo e o empoderamento”, afirma Laís Mathias, social mídia da Clave de Fá.

Empreender. A troca e a venda de mercadorias se faz presente desde sempre entre os povos africanos e a antropóloga e contadora de histórias Nathalia Grilo explica como tudo começou:

No início da sociedade humana, em África, cada família possuía uma determinada habilidade: pesca, agricultura, forja do ferro, artesanato etc.
Aos poucos, essas famílias perceberam que poderiam estocar seus produtos e assim trocá-los com outras famílias. Todos saiam satisfeitos e nada faltava aos povoados locais.
Se tratava de troca de habilidades, de dons e de experiências.
Assim nasceu a feira livre!
Com o tempo, as cidades cresceram e uma quantidade de pessoas de outras bandas da terra ali chegaram tornando a comunicação e a negociação muito complicada já que vinham de outras culturas e falavam outras línguas.
Surge então a moeda! Ela nasce pra equilibrar as trocas, criando uma linguagem universal. O comércio se espalhou pelo mundo e assim, feiras de todos os tipos em todos os lugares começaram a surgir.
Em África, na região Yorubá as mulheres tiveram e têm ainda hoje papel crucial na organização das cidades, já que é a partir do ambiente dos mercados populares (lugares exclusivos das mulheres) que ali a vida acontecia.
Diálogo, oralidade, barganha, negociação, olho no olho era assim a vida nas feiras; muito diferente dos supermercados e dos shoppings de hoje em dia, lugares de alienação, impessoalidade e frieza”.


Entre a vida livre no Continente Africano e a vinda através de sequestro para o Brasil, transformados em coisa para justificar a escravidão, são roubadas das pessoas negras a liberdade, a autonomia e o direito de conhecer as próprias histórias. A luta para sair do lugar de subalternidade, da informalidade e de minoria econômica e social se dá há muito tempo e um dos caminhos encontrados é através do empreendedorismo.

Um dos caminhos encontrados, não o único. Em consulta a fontes para a construção desse texto, nos deparamos com um levantamento feito pelo Sebrae com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), onde foi encontrado que, 50% dos donos de negócio são afrodescendentes, 49% são brancos e 1% pertencem a outros grupos populacionais (https://goo.gl/wzDgdg ). Porém, de acordo com Pedro Borges do Alma Preta (https://goo.gl/TChnvH ) quando falamos de empreendedores, as diferenças entre o empreendedorismo negro e branco são gritantes, quando tratamos dos empresários negros, “estamos falando de cabeleireiros, de pessoas que montam uma pequena oficina de costura ou distribuidora de produtos para cabelo, e que muitas vezes precisam se virar sozinhas. Já o empreendedor branco em geral, por ter uma questão econômica e social mais elevada, já começa seu negócio em condição mais favorável e em pouco tempo poderá crescer, contratar funcionários e investir mais. Esta é a grande diferença”.

No relatório da pesquisa sobre o perfil étnico-racial do empreendedor brasileiro, o Sebrae faz uma distinção entre o empresário por “conta-própria” e o “empregador”. O primeiro seria o sujeito que trabalha sozinho, ou tem a ajuda de um sócio. O segundo disponibiliza de uma melhor infraestrutura e pode então contratar funcionários. Entre os negros, 91% são empreendedores por conta própria e apenas 9% são empregadores. Já entre os brancos, os números são de 78% e 22%, respectivamente.

É importante discutirmos esses números para fazermos uma comparação crítica entre os trabalhadores que o Sebrae coloca como empreendedores, sabendo que existe uma hiato grande entre o trabalhador negro formal portador do MEI que não emprega outra pessoa e o microempresário branco que já começa sua startup com subsídios governamentais e crédito bancário.

A Feira Preta é um exemplo de afroempreendedorismo bem sucedido que realizou seu 15º evento, criada em 2002 pela Gestora de Eventos Adriana Barbosa, o objetivo da Feira Preta é mostrar à sociedade o que está sendo produzido pelo o segmento negro em termos de produtos e serviços, incentivar o desenvolvimento sustentável das micro e pequenas empresas e gerar emprego e renda, além de reunir, em um único espaço, todas as linguagens artísticas para difundir a cultura negra. A Feira tem caráter anual e envolve empreendedores e artistas, negros ou não, cuja produção seja voltada aos negros ou tenha a ver com as culturas africanas e afro-brasileira.

Fortalecimento econômico é também a criação de ferramentas específicas e a possibilidade de contato  entre o empresariado negro e os seus potenciais clientes, nicho de atuação da  a Afrobusiness (http://www.afrobusiness.com.br/), uma instituição sem fins econômicos que tem como objetivo a criação de mecanismos que promovam a interação entre empreendedores e profissionais liberais fortalecendo o processo de inclusão social e econômica da população negra.

Fernanda Leôncio, Relações Institucionais do AfroBussiness Brasil respondeu algumas de nossas perguntas:

O que é o Afrobusiness?

A Afrobusiness é uma associação sem fins lucrativos. O nosso principal objetivo é promover a capacitação e integração entre empreendedores, intraempreendedores e profissionais liberais, fortalecendo o processo de inclusão econômica da população negra

Como e quando surgiu? E de quem foi a ideia inicial?

O projeto nasceu há dois anos. A Afrobusiness começou com uma relação comercial frutífera entre os outros dois fundadores, um publicitário e o outro profissional liberal. Eles foram apresentados por um terceiro profissional (não negro) e aconteceu uma identificação muito grande e resolvemos aumentar a escala destas transações entre empresários negros. O desejo por gerar negócios entre empresários negros, era mútuo. Pois nós três acreditávamos que esta era uma forma de fortalecer os empreendimentos dentro da nossa comunidade, assim promovendo de alguma forma o fortalecimento econômico do povo negro. Seguindo um modelo já existente em outras comunidades, como por exemplo, os judeus.

 O que a Afrobusiness espera alcançar? E como espera estar no futuro?

A Afrobusiness basicamente deseja ser um ator (Não é nosso objetivo reinventar a roda) no ecossistema empreendedor.

Desejamos disponibilizar novas tecnologias à serviço dos empreendedores, fortalecer redes de apoio integradas à outras instituições, utilizar ferramentas financeiras pensadas para atender as necessidades da população negra e materializar o Black Money. Queremos ajudar no processo de reescrita dos dados relacionados à população negra.

Quais são as maiores dificuldades?

Empreender têm suas dores e sabores e cada estágio do negócio apresenta desafios específicos. Quando um negro empreende encontra os desafios naturais e os impostos pelas desigualdades étnicas, o racismo é a principal delas, porque com ele surgem “barreiras invisíveis”, que atrapalham o desenvolvimento destes negócios.

Como associação, por exemplo, tivemos muita dificuldade para abertura de uma conta bancária. Hoje, também por conta dos escândalos relacionados à corrupção, existe uma marginalização das associações/ongs e etc. Alguns bancos associam essas instituições à lavagem de dinheiro, colocando entraves desnecessários em alguns processos.

 Qual é o alcance?

Hoje atuamos com 4 principais pilares:

1- Networking: Através das redes de relacionamento, onde intermediamos negócios entre os empresários. Ferramentas de comunicação onde compartilhamos cases de empreendedores negros e seus desafios.

2- Eventos: Encontros presenciais entre empresários

3- Educação: Capacitação de empreendedores, atualmente estamos promovendo a inclusão destes empresários no mercado digital, popularizando a venda dos produtos via internet.

4- Ferramentas Financeiras: Promover a inclusão destes empresários, muitas vezes marginalizados pelas instituições bancárias. A partir do segundo semestre vamos disponibilizar essas ferramentas.

Como foi fundar e como é manter uma empresa desse porte, sendo uma mulher negra?

Participar deste processo de criação, sendo uma mulher negra é algo empoderador e ao mesmo tempo político. Gosto de participar dos processos e comemorar cada conquista e novos desafios que vão surgindo, finaliza Fernanda Leôncio.


O empreendedorismo negro tem uma conexão direta com a autonomia financeira e consequentemente com a inserção social, e essa inserção confere às pessoas negras, de modo geral, a noção de pertencimento. E essa noção é muito valiosa a população negra em razão do racismo estrutural que temos no país.

Reiterando o dito no começo do texto, o empreendedorismo negro é um dos caminhos para a correção dos processos históricos que marginalizam e estigmatizam a população negra e vinculado a outras iniciativas, como às políticas públicas específicas, por exemplo, esse caminho fica muito mais forte.

Nota de esclarecimento sobre o edital “Cultura Negra em Foco”

O Baobá – Fundo para Equidade Racial, em parceria com a Coca-Cola Brasil, lançou o edital “Cultura Negra em Foco” em janeiro de 2016 com o objetivo de selecionar organizações com ou sem fins lucrativos que desenvolvam projetos inovadores na divulgação da cultura e da identidade negras no Brasil. Esse edital, financiado pela Coca-Cola Brasil, foi estipulado que seriam destinados até R$ 400 mil que seriam divididos entre 10 instituições que receberiam até, no máximo, R$ 40 mil cada.

Para a escolha dos projetos, foi composta a Comissão de Seleção, formada por representantes indicados pela Coca-Cola Brasil e pelo Fundo Baobá. Além disso, a apuração contou com assessoria de uma consultoria especializada e verificação documental dos pré-aprovados antes da divulgação final.

Os critérios técnicos que foram utilizados para a seleção dos projetos foram: capacidade de promover a cultura e a identidade negra; a presença de afrodescendentes na coordenação e no desenvolvimento dos projetos; o alcance do impacto dos recursos; inovação; e sustentabilidade.

O edital foi divulgado em todas as mídias possíveis, como Facebook e saiu em mais de 30 sites como GIFE, Instituto Ethos e Prulare. O Fundo Baobá preza pela transparência e sua equipe notou apenas agora que o montante total não foi colocado dentro do edital e nem deixou claro quantas organizações seriam contempladas com o prêmio de, no máximo, R$ 40 mil no próprio edital. Deste modo foi aberto espaço para que as organizações participantes pensassem que poderiam haver mais de 10 projetos contemplados.

O Fundo Baobá esclarece a todos e todas a dubiedade gerada em relação a esse ponto no edital e se compromete a ser mais específico n a criação dos próximos editais. O Fundo Baobá preza pela transparência e acredita que ela é fundamental para a construção de uma sociedade mais equânime e justa. Além disso, a alta participação da população que superou as expectativas, motiva o Fundo Baobá a continuar com seu trabalho e buscar novas parcerias para que editais possam beneficiar mais pessoas.

Para eventuais dúvidas, por gentileza, contatar a equipe Baobá pelo e-mail baoba@baoba.org.br, pelo site ou pelo Facebook.