Mulheres na STEM

A inserção de meninas e mulheres na área das exatas, em qualquer estágio do ensino – seja no médio técnico ou superior – (ainda) é muito pequena, principalmente porque é associado às ciências a racionalidade, enquanto às mulheres por meio de alegorias de gênero são estereotipadas como sentimentais demais, emotivas demais. Some um fato ao outro e o resultado é: As ciências não são para as mulheres.

Repensar as práticas escolares com foco em equidade, de acordo com a professora e física Katemari Rosa, do Instituto de física da UFBA (Universidade Federal da Bahia), também passa pela construção de ações afirmativas que garantam maior representatividade na ciência. “As mulheres mais excluídas do processo científico no país são as mulheres negras”, diz a docente, ao mencionar que o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) só adicionou o box raça no currículo Lattes em 2013. O que temos? A falta de dados sobre quantas mulheres negras estão fazendo ciências.  

Existe uma naturalização das desigualdades de oportunidades, incentivos e perspectivas entre homens e mulheres que por muitas vezes, a consequência é a falta e a negação das mulheres em quererem partilhar esses espaços. Depois de formadas, essas mulheres tem que lidar com atitudes de menosprezo, desconfiança das suas capacidades e ainda o diferença salarial para o mesmo serviço prestado, quando homens cientistas costumam ganhar até R$2.000 a mais do que as mulheres que ocupam o mesmo cargo.

São esses alguns dos motivos que levam as mulheres a desistirem da carreira, mesmo depois de passarem pelos percalços nada fáceis para se formarem em uma área que o tempo todo, parece salientar que elas estão ocupando um espaço que não às pertence.

Uma das questões mais recorrentes quando apontamos uma perspectiva de gênero e racial a falta de mulheres, em especial de mulheres negras dentro das ciências, é: Qual a importância disso?

A resposta não requer grandes elaborações, já que foi comprovado que a inserção de mulheres nas áreas em que geralmente elas não são bem vindas é uma questão de direitos humanos e justiça social e resulta em espaços e empresas mais diversas e portanto mais lucrativas. Diversidade nos espaços de poder, resulta na geração de uma melhor ciência, que pode ser entendida como: outras formas de produção de conhecimento e multiplicidade dos pontos de vista.  

” Valorizamos o que medimos, mas nem sempre medimos o que valorizamos”, pesquisas setorizadas do Capes e do CNPq não possuem dados sobre gênero e menos ainda sobre raça na STEM (acrônimo em inglês para Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática).

“Nós precisamos de dados. Não apenas dados do governo, mas das escolas. Temos que saber a quantidade de diretoras, professoras de física e alunos que ganharam prêmios”, exemplifica a pesquisadora brasileira Márcia Barbosa, professora titular da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e integrante da Academia Brasileira de Ciências, a pesquisadora defendeu que as escolas precisam repensar a forma como trabalham seus conteúdos. “A construção social que determina que o cientista é um homem barbudo, de jaleco branco e com uma caneta no bolso não tem nada a ver com a construção do conhecimento. Temos que mudar tudo.”

Há dois fatores em comum entre todas as grandes empresas: a falta de liderança feminina, apenas 9% das CEOs do mundo são mulheres e uma grande disparidade entre mulheres em cargos iniciais e aquelas que chegam no topo.

O funil vai ficando cada vez menor, por uma série de fatores que já são bastante conhecidos: divisão desigual de afazeres domésticos e cuidados com a família, o que dificulta e muito a conciliação de carreira e responsabilidades familiares; a questão da maternidade, que ainda torna a contratação de mulheres menos vantajosas aos olhos de muitos empregadores; e não menos importantes que esses dois primeiros pontos, temos os viéses inconscientes, as chamadas “crenças” que influenciam os processos de seleção, avaliação e promoção dentro das organizações, tais quais: o pensamento cultural que faz com que mulheres e homens acreditem que existem atividades e funções ‘para eles’ e ‘para elas’.

Alice de Paiva Abreu, professora emérita da UFRJ (Universidade Federal do rio de Janeiro) e diretora do GenderInSITE, um programa internacional que estuda STEM (acrônimo em inglês para Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática) e equidade de gênero, afirma que: “Se os países não puderem aproveitar todos os seus talentos, certamente eles sofrerão em termos de desenvolvimento econômico.” e alerta para o fato de estamos pautando em 2018 a mesma agenda de mudanças que foi construída em 1995 e até o presente momento segue com as mesmas demandas:
1. Equidade de gênero na educação científica e tecnológica.
2. Remover obstáculos nas carreiras científicas e tecnológicas de mulheres.
3. Tornar a ciência receptiva às necessidades da sociedade.
4. Fazer com que o processo decisório de ciência e tecnologia seja mais atento à questão de gênero.
5. Ter um melhor relacionamento com sistemas de conhecimento locais.
6. Enfrentar questões éticas em ciências e tecnologia.
7. Melhorar a coleta de dados desagregados por sexo para os tomadores de decisão.
8. Promover igualdade de oportunidades nos grandes sistemas de ciência, tecnologia, engenharia, matemática e inovação.

Katemari Rosa enfatiza a importância de políticas públicas que incentivem as meninas negras (políticas públicas focalizadas que se desdobrem em ações afirmativas), “Nós precisamos de políticas públicas de inserção de mulheres e de pessoas negras nas ciências. Precisamos de políticas públicas para se garantir que as pessoas desses grupos sub-representados consigam permanecer quando entrarem nas universidades e tenham sucesso nos cursos. Políticas também para que esses grupos tenham sucesso nas suas carreiras profissionais, tenham possibilidade de ascensão profissional. Não basta nós ampliarmos o acesso de mulheres negras, de pessoas indígenas, dos grupos que estão sub-representados na ciência de maneira geral, a gente precisa trabalhar também pela permanência e pela ascensão”

Suelaine Carneiro, socióloga e coordenadora do programa de educação do Geledés Instituto da Mulher Negra, reiterou o apagamento dos saberes negros nas ciências ( no ensino fundamental e médio) e de como isso se solidifica na “Falta de possibilidades de sonhar”, se não se sabe que é possível chegar, como almejar estar lá?

O Fórum Econômico Mundial estipulou no seu relatório de 2016, The Future of Jobs, que empregos na área de informática e matemática terão um aumento de 3,21% até 2020, influenciada principalmente pela urbanização, pelo crescimento de países em desenvolvimento e por avanços tecnológicos. Para esse fenômeno, ele deu o nome de Quarta Revolução Industrial.

Como estamos preparando, estimulando e incentivando as meninas e mulheres negras a seguirem no caminho das STEM (acrônimo em inglês para Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática) para estarem aptas as vagas que surgirão em 2020? Como diminuir esse gap de gênero?

Hoje já existem algumas iniciativas, comunidades e programas para mulheres em tecnologia, dentre eles:

PrograMaria: Atua em São Paulo e oferece curso de introdução à programação com foco em desenvolvimento web
PretaLab: iniciativa do Rio de Janeiro que atua no protagonismo das meninas e mulheres negras e indígenas nos campos da inovação e tecnologia
Reprograma: atua em São Paulo inspirando, empoderando e educando mulheres, por meio de conhecimentos de computação e ferramentas de capacitação profissional
MariaLab: coletivo em São Paulo que tem como objetivo encorajar, empoderar e unir mulheres através do interesse pela cultura hacker
PyLadies: comunidade mundial que foi trazida ao Brasil com o propósito de instigar mais mulheres a entrarem na área tecnológica
Django Girls: comunidade que oferece workshops de desenvolvimento web para mulheres iniciantes
Meninas Digitais: programa que apresenta as áreas de TI para alunas do ensino médio/tecnológico
Mulheres na Tecnologia: organização sem fins lucrativos que contribui para o protagonismo feminino na era digital

Fontes:
Parte das falas das mulheres nessa matéria foram colhidas durante o Seminário Elas nas Exatas, realizado pelo Fundo Elas, no Rio de janeiro no mês de março.

http://porvir.org/referencias-na-escola-sao-importantes-para-trazer-mais-mulheres-paras-as-exatas/

https://www.napratica.org.br/carreira-em-tecnologia-para-mulheres/

https://www.napratica.org.br/como-e-carreira-para-mulheres-em-ciencias-tecnologia-engenharia-e-matematica/

http://www.cienciaecultura.ufba.br/agenciadenoticias/entrevistas/katemari-rosa/

Cotas

Após muita luta das Organizações do Movimento Negro, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), uma das mais elitistas do país, anunciou no final de maio que irá começar a adotar o sistema de cotas para ingresso de alunos negros e vagas para o SISU no vestibular de 2019. O texto debatido, votado e aprovado por unanimidade pelos 59 integrantes do Conselho Universitário (Consu), especificou que 50% dos estudantes devem ser oriundos de rede pública,tendo como meta alcançar 37,5% de candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas.

Segundo Carolina Pinho, Doutora em educação pela Universidade e fundadora do núcleo de consciência negra, em entrevista a página Justificando: “ A Unicamp é extremamente conservadora e surgiu durante a ditadura militar com um projeto de ciências para a disputa entre as nações e para além disso, existe a história da cidade de Campinas, que foi a última cidade do país a abolir a escravidão, ou seja, a última cidade do último país do mundo a abolir a escravidão. Essa vitória – a adoção de sistema de cotas na universidade – é do movimento negro, protagonizada por jovens do movimento negro, organizados em suas próprias organizações políticas, isso é uma vitória gigantesca num quadro desse, ainda mais quando temos um ataque nacional aos nossos direitos, não posso deixar de contextualizar isso também”.
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https://goo.gl/OayZLX )

Além do sistema de cotas, a Unicamp garantiu também a criação de uma Secretaria de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade cujo objetivo é a formulação, implementação, gestão e acompanhamento das políticas de ação afirmativa, bem como o combate a quaisquer formas de preconceitos.

E logo depois da Unicamp e pela primeira vez em mais de 100 anos de história, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), pela primeira vez em mais de 100 anos de história, vai aplicar uma política de cotas raciais para os ingressantes no curso de graduação em medicina mais prestigiado do país. No final de mês de junho, a Congregação da faculdade (órgão máximo de decisão da FMUSP) aprovou a adesão parcial ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que usa a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para selecionar estudantes.

50 das 175 vagas de medicina em 2018 serão selecionadas via Sisu/Enem e 125 continuarão oferecidas pela Fuvest e de acordo com o diretor da FMUSP, o professor José Otávio Costa Auler Júnior, os demais cursos da faculdade (fonoaudiologia, fisioterapia e terapia ocupacional) também terão uma parte das vagas destinadas ao Sisu.

Desde de 2015, às unidades da Universidade de São Paulo possuem autonomia para aderir ou não ao Sisu (https://goo.gl/jSE412) . No primeiro ano, 85 dos 143 cursos de graduação da USP decidiram aderir ao Enem parcialmente. Os outros 58 decidiram manter 100% das vagas no processo seletivo da Fuvest – incluindo a Faculdade de Medicina de São Paulo, que aderiu ao Sisu, agora em 2017.

Mas o que são as cotas raciais e por que elas são importantes?
As cotas raciais são ações afirmativas que tem como principal função a reparação de desigualdades econômicas, sociais e educacionais no Brasil, tais reparações são efetuadas por meio de políticas públicas ou privadas retributivas e no caso das cotas raciais nas universidades, é feita uma reserva de vagas para o ingresso de cidadãos autodeclarados pretos, pardos e indígenas. Em uma sociedade que historicamente privilegia um grupo social e onde outros foram oprimidos, as cotas surgem como um importante meio de atuação contra a desigualdade social e a favor da democracia e da cidadania.  

A desigualdade no Brasil abrange o âmbito econômico e social com relevante impacto na educação e no acesso a oportunidades. Negros representam 53,6% da população brasileira e, mesmo sendo maioria, apenas 5% ocupam cargos de chefia de empresas. Apenas 25% da população negra têm ensino superior. Entre os brancos, o número é 31%. Segundo dados de 2015 do IBGE, o salário da população negra equivale a 59,2% da população branca. Em se tratando da mulher negra: seu salário equivale a 35% ao de um homem branco, segundo dados do PNAD 2014. Além da escolaridade, o racismo estrutural explicam essa discrepância.
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https://goo.gl/KO6FZT )

reserva de vagas cotas

imagem: http://portal.mec.gov.br/cotas/sobre-sistema.html

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2016, embora o acesso de negros na universidade tenha crescido, a maioria ainda é branca. Os Indicadores Sociais apontam que: em 2004, 16,7% dos alunos pretos e pardos estavam em uma faculdade; em 2014 esse percentual saltou para 45,5% e no caso dos alunos brancos, em 2004, 47,2% frequentavam o ensino superior; dez anos depois, essa parcela passou para 71,4%.

De 2005 a 2015, o número de jovens negros no Ensino Superior cresceu de 5,5% para 12,8%, cabendo ressaltar que, em 1997, apenas 1,8% dos jovens entre 18 e 24 anos que se declaravam negros frequentavam a universidade. (https://goo.gl/4IkcZn )

E qual é o cenário atual das cotas no Brasil?
Em 2000, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ), estipulou a reserva de 50% das vagas dos cursos de graduação para alunos da rede pública de ensino e 12 anos depois a questão chegou no  Supremo Tribunal Federal sendo votada por unanimidade como constitucional. Naquele momento, o Movimento Negro já reivindicava políticas públicas em torno do direito universal de acesso ao ensino superior. A UERJ adota o critério cor/raça em 2003.

Em 2004, a Universidade de Brasília (UnB) aprovou as políticas afirmativas para negros nos vestibulares, sendo a primeira universidade do país a adotar tal sistema. Outras universidades adotaram sistemas de ações afirmativas e hoje todas as universidades federais e 30 das 38 universidades estaduais aderem as cotas raciais nos seus vestibulares.
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https://goo.gl/C14gxo )

A lei fluminense expira em 2018 e deve passar por avaliação da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, que deve melhorá-la e propor a renovação por mais uma década. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal determinou por unanimidade que as cotas raciais são constitucionais e necessárias para corrigir o histórico racista, escravocrata e excludente do Brasil. “As ações afirmativas não são a melhor opção, mas são uma etapa. O melhor seria que todos fossem iguais e livres”, disse na ocasião a ministra Cármen Lúcia.
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https://goo.gl/OGMxGn )

Mais do que somente a entrada nas Universidades, a permanência é pauta nas mais variadas discussões e seminários. Segundo a professora da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) no Mato Grosso do Sul, Eugênia Portela de Siqueira, a partir da implementação das cotas, a universidade passa a ser co-responsável pelo sucesso desses acadêmicos, uma vez que que a política não tem como objetivo apenas dar vagas para determinados grupos sociais, mas sim fazer com que pretos, pardos e indígenas tenham acesso a um nível de ensino do qual, ao longo da história do Brasil, foram excluídos, “ A gestão universitária agora está diante do desafio de garantir a permanência desses alunos, uma vez que eles conquistaram o acesso à universidade”, defende a professora. Eugênia Portela de Siqueira, se refere à permanência como uma inserção plena no ambiente acadêmico, propiciando não apenas condições para que esses estudantes sejam aprovados nas disciplinas em que estão matriculados, mas que participem de iniciação científica, de eventos dentro e fora de sua universidade, de atividades de cultura e lazer, “Precisamos pensar a permanência em dois  aspectos: material e simbólica. A permanência material é comum a todos os estudantes, todos precisam de livros, xerox, transporte, restaurante, laboratórios, computadores. A permanência simbólica é mais subjetiva”, explica a docente.
( https://goo.gl/xhgQrz )