Foto: Lula Marques/ Agência PT
Ao longo de toda a história do Brasil, o país foi impactado por inúmeras crises que não possuíam como prioridade o aspecto social, mas sim, o mercadológico. Nos anos 90, houve uma profunda crise econômica, onde viveu-se com o capital estagnado e o temor do fantasma da hiperinflação era constante. Os países latino-americanos estavam em frente a um enorme endividamento e o Brasil chegou a ponto de ter 70% de dívida estatal, e a partir desse momento, o gasto público se torna desequilibrado.
Para escapar desse cenário, resgatou-se a reforma que havia se iniciado nos anos 70, que previa a reestruturação da administração pública a fim de estabilizar o crescimento da economia, defendendo o ponto de que o problema seria do Estado e que por isso seria preciso reduzir o gasto do Estado com as políticas públicas, o que não se difere de hoje.
O Estado passou a se somente regulador, reduzindo os gastos na área social e transferindo os gastos para o setor privado e para a sociedade civil.
Foi no governo do Presidente Collor que as privatizações tomaram forma, onde se entregou uma parcela significativa do patrimônio público ao capital estrangeiro, principalmente a grupos norte-americanos. É a partir da reforma do Estado que o mercado ficou entendido como primeiro setor, o Estado seria o segundo setor e a junção do Estado com a sociedade civil seria o terceiro setor, além de ONGs executando políticas públicas através de trabalho voluntário e ações sociais.
Os Direitos Sociais (garantidos pela Constituição Federal de 88) são uma conquista que se obteve ao longo do desenvolvimento social, com o objetivo de garantir condições mínimas aos indivíduos, eles tiveram seu ápice no século XX, e trata-se de uma regulação que permite resolver os conflitos sociais com o objetivo de corrigir desigualdades entre as classes sociais.
A Constituição Federal de 1988 assegura ao indivíduo o básico necessário para a sua existência digna, onde a maior parte dos Direitos Sociais depende da atuação do Estado. Na Constituição os Direitos Sociais são garantidos no CAPÍTULO II, dos artigos 6º ao 11º.
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Brasil, 1988).
A constituição Federal de 1988 introduz no seu artigo 194, o parágrafo único que diz:
Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade com base nos objetivos de: universalidade de cobertura e do atendimento; uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; seletividade e distribuição das prestações dos benefícios e serviços; irredutibilidade do valor dos benefícios; equidade das formas de participação no custeio; diversidade da base de financiamento; caráter democrático e descentralização da gestão administrativa com participação da comunidade, em especial, de trabalhadores, empresários e aposentados. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988 apud CABRAL, 1995, pag. 124).
Também foram introduzidas modificações nos planos de benefícios, incorporando novos direitos e recompondo valores. Dentre as alterações, destaca-se: licença maternidade de 120 dias, extensiva aos rurais e domésticos; direito à pensão para maridos e companheiros; redução do limite de idade – 60 anos para homens e 55 para mulheres; aposentadoria proporcional para as mulheres aos 25 anos de serviço; direito de contribuição independente do exercício de atividade; recomposição das aposentadorias e pensões pelo número de salários mínimos da época da concessão; integralidade do 13º salário, e correção das últimas 36 contribuições para efeito de cálculo do salário de benefício.
A tríade da Seguridade Social no Brasil é composta por: Saúde, Assistência e Previdência. Sendo a Previdência Social uma seguradora social do Governo Federal, em regime contributivo, portanto, para ter direitos aos benefícios, o trabalhador precisa estar inscrito e manter o pagamento das contribuições em dia.
Proposições do Governo Temer e rebatimentos nos direitos sociais
No final do ano passado com 53 votos a favor e 16 contra, o Senado aprovou em segundo turno, o texto base da Proposta de Emenda à Constituição do Teto de Gastos (PEC 55, PEC 241 ou PEC do Fim do Mundo), que congela todos os gastos públicos para os próximos 20 anos. A medida já vinha tramitando desde o início do governo do presidente Michel Temer (PMDB).
O caráter elitista do congelamento de gastos ocorre pelo esvaziamento da concretização de direitos sociais previstos na Constituição Federal e segundo o Defensor Público Federal, Fernando Antonio Holanda Pereira Junior, “os direitos sociais, a exemplo da saúde, educação, moradia, previdência social, entre outros expressos ou não no texto constitucional, por constituírem ações positivas do Estado, carecem para a sua concretização, de dispêndio de recursos financeiros. Acontece que as principais medidas de austeridade divulgadas pelo Governo, encabeçadas pela PEC 55, são direcionadas à redução do papel assistencial do Estado, imprescindível à manutenção da teia de segurança da população mais carente, dependente do bom e regular financiamento das políticas sociais não usufruídas na mesma escala pelos entusiastas do ajuste fiscal”.
As consequências para os trabalhadores serão sentidas também no desmonte da Justiça do Trabalho promovida pela PEC, a Juíza do Trabalho, Valdete Souto Severo afirma que ao contrário do que nos dizem, o objetivo da PEC 55 não é conter gastos e com isso enfrentar a crise. Trata-se de um movimento de desmonte do Estado Social. O que a aprovação da PEC 55 propiciará concretamente, será o fechamento da Justiça do Trabalho, dos hospitais públicos, das escolas e faculdades.
Segundo matéria escrita por Gil Alessi e publicada pelo Jornal El País:
“A proposta também inclui um mecanismo que pode levar ao congelamento do valor do salário mínimo, que seria reajustado apenas segundo a inflação. O texto prevê que, se o Estado não cumprir o teto de gastos da PEC, fica vetado a dar aumento acima da inflação com impacto nas despesas obrigatórias. Como o salário mínimo está vinculado atualmente a benefícios da Previdência, o aumento real ficaria proibido. O Governo tem dito que na prática nada deve mudar até 2019, data formal em que fica valendo a regra atual para o cálculo deste valor, soma a inflação à variação (percentual de crescimento real) do PIB de dois anos antes. A regra em vigor possibilitou aumento real (acima da inflação), um fator que ajudou a reduzir o nível de desigualdade dos últimos anos”.
A PEC 55 colocará limite em gastos que historicamente crescem todos os anos em um ritmo acima da inflação, como educação e saúde. Além disso, gastos com programas sociais também podem ser afetados pelo congelamento. A medida prejudicará o alcance e a qualidade dos serviços públicos oferecidos e aumentará a problemática no cumprimento dos mecanismos já em vigor, como os investimentos do Plano Nacional de Educação. Aprovado em 2014, o PNE tem metas de universalização da educação e cria um plano de carreira para professores da rede pública, uma das categorias mais mal pagas do País. A medida também sucateará o Sistema Único de Saúde (SUS), utilizado principalmente pela população de baixa renda que não dispõe de plano de saúde.
Subfinanciado desde a sua criação, o SUS já tinha a sua sustentabilidade ameaçada pelas transformações que o País passa: um acelerado envelhecimento da população, acompanhado do aumento da prevalência de doenças crônicas, a demandar tratamentos prolongados e dispendiosos. De acordo com o médico José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde do governo Lula, a PEC 241 apenas agrava o problema, com a perspectiva de perda real de recursos.
Temporão afirma que “a decisão do Congresso é uma condenação de morte para milhares de brasileiros que terão a saúde impactada por essa medida irresponsável”, para o ex-ministro, o País renuncia ao seu futuro ao sacrificar a saúde e a educação no ajuste fiscal: “Estamos falando de fechamento de leitos hospitalares, de encerramento de serviços de saúde, de demissões de profissionais, de redução de acesso, de aumento da demora no atendimento. Se existe um problema macroeconômico a ser enfrentado, do ponto de vista dos gastos públicos, há outros caminhos. Mas este governo não parece disposto a enfrentar a questão da reforma tributária. Temos uma estrutura tributária regressiva no Brasil, que penaliza os trabalhadores assalariados e a classe média, enquanto os ricos permanecem com seus privilégios intocados”.
De acordo com o australiano Philip Alston, relator especial da Organização das Nações Unidas para a Pobreza Extrema e os Direitos Humanos, a aprovação da PEC 55 é um erro histórico e que provocará um retrocesso social: “Eu acredito que quando mudanças dramáticas são propostas, é essencial que haja um debate público, com a as informações detalhadas a respeito das consequências dessas medidas. Eu não acho apropriado acelerar essa discussão no Congresso e acho particularmente inapropriado que um governo que não foi eleito proponha medidas tão radicais e imutáveis nas políticas econômicas e sociais”.
Outra medida que provoca um duro golpe nos direitos sociais conquistados é a PEC 287 ou PEC da Reforma da Previdência, que prevê, entre outras propostas, o estabelecimento de idade mínima de 65 anos para os contribuintes homens e 62 anos para contribuintes mulheres, reivindicarem aposentadorias. As novas regras irão atingir os trabalhadores dos setores público e privado e de acordo com o governo, a única categoria que não será afetada pelas novas normas previdenciárias é a dos militares. Pelas regras propostas pela gestão Temer, o trabalhador que desejar se aposentar recebendo a aposentadoria integral deverá contribuir por 49 anos.
O estudo do Ipea “Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça” divulgado no início de março, tendo como base os indicadores extraídos da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, relativos ao período de 1995 a 2015, comprovam que a desigualdade de gênero é histórica e pode se agravar, tendo em vista o cenário de redução de direitos e de políticas públicas no atual governo Além das mulheres trabalharem mais em atividades precarizadas e acumular com funções domésticas, outros dados que chamam atenção são: a proporção de mulheres que chefiam os domicílios aumentou de 24,8% para 43% nos últimos 20 anos; e mulheres negras possuem o menor rendimento em relação a homens brancos e negros e mulheres brancas, variando entre
R$ 1.027,5 a R$ 2.509,7.
De acordo com Jucimeri Isolda Silveira, coordenadora do núcleo de Direitos Humanos e professora do Curso de Serviço Social e do Mestrado em Direitos Humanos e Políticas Públicas da PUCPR, “ as políticas pontuais e meritocráticas fracassaram no Brasil desde a década de 1930. Do mesmo modo, as ilusões neoliberais que apostam na capacidade do mercado de reduzir desigualdade se mostram ineficazes. Não há outra forma de reduzir vulnerabilidades e violações de direitos que não sejam por políticas públicas universais, integradas, redistributivas, afirmativas e de qualidade, associadas às políticas econômicas que gerem emprego e renda, e que promovam desenvolvimento territorial. A redução de direitos e de políticas públicas tem sido a medida adotada pelo governo Temer como justificativa para o ajuste fiscal. A lógica é simples e trágica: menos direitos e políticas sociais, mais pobreza e desigualdade. O cenário será de aumento da pobreza que afeta especialmente as mulheres negras, a infância e a juventude, com aprofundamento da desigualdade social, racial e de gênero no Brasil”.
As desigualdades aumentam e aprofundam os riscos de violência. 59,4% dos registros de violência doméstica na Central de Atendimento à Violência – Ligue 180 são de mulheres negras (2013). 62,8% das vítimas de morte materna são negras, uma situação que poderia ser perfeitamente evitada com acesso à informação e atenção no pré-natal e parto. (SIM/Ministério da Saúde, 2012). As maioria das mulheres que afirmam ter passado por algum tipo de violência obstétrica também são mulheres negras, compondo 65, 9% dos dados (2014). Ainda, as mulheres negras têm duas vezes mais chances de serem assassinadas do que as mulheres brancas (Ministério da Justiça/2015), entre 2002 e 2013 houve um aumento de 54,2% dos homicídios de mulheres negras (ONU Mulheres e SPM/2015) e entre 2000 e 2014 houve crescimento de 567% da população carcerária feminina, sendo 68% de mulheres negras e em situação de prisão por crimes que poderiam, sem dúvidas, ter utilizadas alternativas penais que não o cárcere (Ministério da Justiça/2015).
E no dia 28 de abril o País parou, quando o povo decidiu que mostraria sua insatisfação a esse pacote de retrocessos com a Greve Geral nas ruas. Com transportes públicos parados, estradas e avenidas bloqueadas, 26 estados mais o Distrito Federal, cruzaram os braços numa união para muitos inédita do sindicalismo brasileiro e dos movimentos sociais, junto aos setores significativos da igreja católica e outros segmentos. Essa união produziu um movimento que não se tem notícia desde 1917, quando ocorreu a primeira Greve Geral no Brasil.
O presidente interino possui a rejeição de 92% dos brasileiros e isso foi comprovado nas ruas com a Greve Geral, através de marchas, piquetes, bloqueios de rodovias e atos culturais em todo o País.
A PEC 241 e a PEC 287 rasgam a Constituição Federal de 1988 e consolidam a perda de direitos duramente conquistados pelos trabalhadores durante décadas, quando colocam em curso pacotes de medidas irresponsáveis que visam para manutenção de privilégios dos mais abastados e promoção do status quo, a retirada de benefícios que foram conquistados a duras penas pela classe que é colocada à margem e que sustenta esse país nas costas. As PECs citadas acima ou o Pacote da Maldade é um período marcado pelo retrocesso, pelo conservadorismo e pela ganância desmedida daqueles que com o poder nas mãos, usam dele para enriquecer a custa da educação, saúde e por fim, da vida do povo que foi posto na base da pirâmide econômica e social do país.
Referências Bibliográficas:
BOSCHETTI, I; SALVADOR, E. da S. Orçamento da seguridade social e política econômica: perversa alquimia. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, v.87, p.25-57, 2003
CABRAL,M.S.R. As políticas brasileiras de seguridade social. Previdência Social. 1995
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/10/politica/1476125574_221053.html
http://g1.globo.com/economia/noticia/veja-as-mudancas-que-o-governo-propoe-com-a-reforma-da-previdencia.ghtml
https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2017/O-destino-das-mulheres-pobres-e-negras-no-Brasil-de-Temer
http://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2017/04/greve-geral-de-28-de-abril-ja-esta-na-historia-mas-promete-desdobramentos