Literatura e afeto como alimento na pandemia

Especialista em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça, bacharel em Ciência Política e também em Comunicação, Leandro Vilas Verde Cunha, tem 39 anos, e há 20 dedica-se ao trabalho voluntário.  Com o anúncio da pandemia, pela Organização Mundial da Saúde, ele sentiu-se intimado a doar seu tempo e seus conhecimentos a quem precisa.

“Neste tempo todo de atuação social tenho me inquietado em identificar como as desigualdades raciais são perpetuadas. Sabemos que a educação é um eixo importante dessa estrutura. Nesse quesito, um dos pontos importantes de reprodução das distâncias entre negros e não-negros é a idade em que as crianças têm acesso às primeiras ações pedagógicas, a exemplo da leitura. Na pandemia, essa desigualdade ficou mais acentuada, quando as escolas de crianças brancas implementaram rapidamente metodologias de ensino à distância, inclusive para as séries iniciais, enquanto as escolas públicas, acessadas por maioria negra, não conseguiu até então dar conta de forma razoável desse desafio”, pondera.

Projeto de Leandro Vilas Verde Cunha, Coletivo Ibomin – Salvador, Lauro de Freitas e São Francisco do Conde (BA)

“Eu participo de um coletivo que mantém uma biblioteca especializada em literatura afrocentrada. Fiquei me perguntando sobre o impacto da falta de acesso das crianças a esses livros com o espaço fechado, em decorrência das medidas de distanciamento social. Daí surgiu a ideia de levar a biblioteca, de forma qualificada, até as crianças, envolvendo as famílias e suas relações comunitárias no processo de responsabilização pelo incentivo à leitura”.

Depois veio o que faltava: recursos para colocar o pensamento em prática, através do edital Primeira Infância –iniciativa do Fundo Baobá, da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Porticus América Latina e Imaginable Futures. A proposta de Leandro era mobilizar uma rede de cuidados para crianças de até 6 anos, durante a epidemia de Covid-19, usando o universo da leitura como estratégia.

Projeto de Leandro Vilas Verde Cunha, Coletivo Ibomin – Salvador, Lauro de Freitas e São Francisco do Conde (BA)

Para isso elaborou três práticas: entrega de livros, jogos da memória e outros materiais educativos aos participantes; criação de um grupo no WhatsAppp para trocas de experiências entre as famílias e o envio de vídeos já disponíveis na internet, com leituras de livros infantis afrocentrados, e, por fim, mobilização de outros adultos para atuarem como padrinhos ou madrinhas de leitura.

“As ações são realizadas junto a famílias frequentadoras do Ilê Axé Odé YeyÊ Ibomin, e que residem em três municípios da região metropolitana: Salvador, Lauro de Freitas e São Francisco do Conde. Algumas famílias aproveitam visitas ao Ilê para pegar os itens, mas a maioria recebe em casa. Para isso, contratamos um serviço de entrega de um membro do terreiro. As demais ações são feitas remotamente, por telefone, whatsapp e outras redes sociais. Dessa forma, vamos fortalecendo uma rede de cuidado à primeira infância de famílias negras frequentadoras de nosso Ilê”.  Leandro alcançou 13 crianças e 24 adultos com o projeto:

“Ouvimos muito elogios, pessoas dizendo que nunca viram ação tão linda quanto essa, que as crianças adoraram as atividades com os livros, que mesmo as mais novinhas se divertiram com as figuras e com as contações de história. A principal lição que fica é a de que nossa salvação vem de nós mesmos. A ideia do nós por nós, do Ubuntu, é realmente o caminho e podemos promover ainda mais espaços de cuidado para nossas crianças negras.”

Projeto de Leandro Vilas Verde Cunha, Coletivo Ibomin – Salvador, Lauro de Freitas e São Francisco do Conde (BA)

Confira o Instagram do Coletivo Ibomin

A busca pela equidade racial move Jonatas Aparecido Silva, 38, outro brasileiro comprometido com a literatura e militância negras.

“Sou bacharel em Comunicação Social pela Metrocamp, educador social e agente afro cultural. Tenho experiência com trabalho social pela rede socioassistencial de Campinas, dialogando com juventudes periféricas afrodiaspóricas. Amigos me indicaram o edital do Fundo Baobá, justamente por saberem do meu ativismo antirracista e da minha participação no Coletivo Mil Tambores, que realizou uma revista chamada Tamborim.”

Coletivo Mil Tambores – Projeto de Jonatas Aparecido Silva, Campinas (SP)

A ideia da publicação surgiu a partir de uma ação social da Central Única das Favelas, na periferia de Campinas, em São Paulo:

“A CUFA estava distribuindo livros junto das cestas de alimentos, no entanto eram livros e histórias euro referenciadas. Pensamos então em produzir conteúdos afro referenciados que contemplassem a nossa diversidade e gerassem a identificação das famílias. Na mesma época eu fui informado do chamado do Fundo Baobá”.

A revista Tamborim é o ponto central das atividades propostas ao Edital Primeira Infância. O plano inicial de trabalhar com uma garotada de 7 a 12 anos, mais vulnerável à evasão escolar, precisou mudar: o coletivo abriu o público-alvo para crianças a partir de 5 anos, buscando maior interação dos pais com os filhos na idade da primeira infância, a partir da leitura e das práticas indicadas na revista.

Nas 20 páginas ilustradas os leitores acompanham as aventuras dos irmãos Inza e Akin, durante um final de semana ensolarado na casa dos avós, na Região Metropolitana de Campinas. Sem sair de lá, a dupla viaja no tempo, aprende um pouco sobre as histórias do rádio e do Samba, e referências. Os leitores vão junto e são desafiados com jogos educativos e brincadeiras como a das 5 Marias, trazida ao Brasil por escravos moçambicanos.

Revista Tamborim – Projeto de Jonatas Aparecido Silva, Campinas (SP)

Com a revista foram entregues retalhos de pano e um tutorial para a montagem de bonecas Abayomi, símbolos de alegria e felicidade.

Ocorreram alguns contratempos na reta final do projeto, que foram contornados com um rede de apoio:

“Nós fechamos parceria com a CUFA para incluir a Tamborim nas cestas deles, e com o Quilombo Urbano OMG, para utilizar o espaço da sede durante a nossa distribuição. Porém, quando os 100 exemplares da revista ficaram prontos a CUFA já havia encerrado a entrega de cestas básicas e a sede do Quilombo Urbano entrou em reforma. Foi preciso reunir outros parceiros, batemos de porta em porta, usamos os Correios. Chegamos a doar 30 exemplares como material pedagógico para a EMEF Oziel Alves Pereira, que tem um projeto chamado Africanidades”, conta.

Projeto de Jonatas Aparecido Silva, Coletivo Mil Tambores, Campinas (SP)

“Enquanto educadores, pesquisadores, agentes culturais e ativistas a gente viu que a revista deu certo e queremos continuar. Essa é nossa luta, o sentido da nossa existência e nossa contribuição para um mundo melhor. Queremos continuar, ouvir os leitores e chegar a mil leitores. A segunda edição já está no forno”.

Confira o Instagram do Coletivo Mil Tambores

Na cidade de Assu, no Rio Grande do Norte, o jovem Paulo Henrique do Nascimento, 27, escolheu aplicar os seus conhecimentos em Nutrição para abrandar o sofrimento de 50 conterrâneos (mães e cuidadores de crianças de 0 a 6 anos) praticamente desassistidos pelo poder público durante a pandemia.

“O edital oportunizou pessoas vulneráveis a acessarem, mesmo que de forma remota, ações que salvaram suas vidas”.

Projeto do Paulo Henrique do Nascimento, Assu (RN)

Paulo reuniu 20 voluntários, entre professores, pedagogos, educadores físicos e artistas locais, na produção e compartilhamento (via redes sociais e aplicativos de mensagem) de peças informativas e vídeos com dicas de higiene pessoal e alimentação. Uma ação social encerrou o projeto com a distribuição de itens de limpeza e proteção pessoal contra o novo coronavirus e atividades para crianças nas comunidades.

“Como nutricionista poder promover a alimentação saudável para as crianças é algo fantástico. Sinto a missão cumprida”.

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