Acreditando que o ambiente doméstico mais do que nunca deve estar livre de qualquer tipo de violência ou negligência, a psicóloga Anny Waleska Saldanha Torres, de 48 anos, investiu tempo, amor e recursos -captados junto ao Edital Primeira Infância do Fundo Baobá -, para levar informação aos lares de 15 famílias do Distrito Maria Quitéria, na Zona Rural de Feira de Santana, na Bahia.
“Trabalho há sete anos e sete meses no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) São José, com uma comunidade negra e quilombola, então me sensibilizo por suas causas. Eu quis apresentar às famílias conteúdos pertinentes ao bom desenvolvimento na primeira infância: as consequências da violência; os benefícios do afeto, do cuidado e dos estímulos diversos para a construção da identidade e para o desenvolvimento cognitivo em aspectos como linguagem, atenção e memória”, descreve Anny Waleska que também é especialista em Neuropsicologia.
“A busca ativa das famílias para o projeto foi presencial, através de contatos pessoais com famílias que procuravam espontaneamente o CRAS, e via WhatsApp, através dos cadastros do CRAS e outros repassados por uma visitadora do Programa Criança Feliz. Na etapa de cadastramento, recolhemos dados referentes à composição familiar, endereço, raça, escolaridade, situação financeira/ocupacional, gestação e parto, desenvolvimento da criança etc”.
As atividades giraram em torno da produção e do envio de vídeos pelo mesmo aplicativo de mensagens. Os assuntos variavam de legislações (Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto da Igualdade Racial, Estatuto da Pessoa Idosa, Lei Maria da Penha e direitos socioassistenciais) a desenvolvimento infantil (aspectos psicológicos e neuropsicológicos), passando por cuidados com o excesso de mimos, a importância da afetividade e do brincar. Com base nos ensinamentos repassados, os pais foram estimulados a contar histórias para os filhos, praticar brincadeiras no quintal e jogos que estimulassem a memória e a criatividade. No final, eles compartilharam vídeos dessas atividades, bem como as impressões gerais do projeto.
“As famílias precisavam conhecer os seus direitos e saber a quem recorrer em casos de violação ou da garantia deles. Quanto à afetividade, nós buscamos sensibilizar os familiares da importância de uma comunicação com afeto, onde a criança de 0 a 6 anos possa construir suas relações com uma base emocional sólida, longe de relações de abuso, violência e medo.”
** @ocordel site
A garantia dos direitos da primeira infância também é uma das causas que Fernanda Flávia Cockell da Silva, 42, tem abraçado ao longo da sua trajetória de pesquisas e trabalhos de extensão pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
“A pandemia tirou de mim o que sempre me moveu, o abraço! No dia 22 de março de 2020, por decreto publicado no Diário Oficial do município de Santos, todas as atividades comunitárias em grupo foram interrompidas por causa da pandemia, e as ações universitárias canceladas”, lembra Fernanda, que é fisioterapeuta, mestre e doutora em engenharia de produção e pós-doutora em Sociologia.
Era preciso se adequar à realidade, optar pelos abraços e cuidados virtuais. Com apoio do Fundo Baobá ela manteve uma das suas principais ações: a ‘Abrace seu Mundo: estreitando laços parentais’, que há cerca de quatro anos incentiva atenção às puérperas nas redes de saúde da cidade de Santos, a partir de visitas domiciliares e da prática de técnicas de vínculo parental (sling, ofurô e shantala), promovendo apoio às famílias que vivem em contextos de desigualdade social.
“Eu sabia que os filhos das alunas universitárias estavam sendo afetados pelas aulas virtuais e pela falta de creches. Os meus conhecimentos fariam diferença em tempos pandêmicos. Com o projeto eu ainda pude estender a mesma estratégia de acolhimento, escuta e o apoio à amamentação para as mães dos Morros de Santos”, comemora.
“Vivenciar o puerpério, longe de sua família é o que acontecia para muitas de nós antes da pandemia, mas com isolamento social e os riscos reais de contaminação, muitos adultos perderam o apoio dos avós ainda presentes nas comunidades. Ou a família se afastava dos mais velhos com a chegada do recém-nascido, ou assumia os riscos de contaminá-los. As crianças que estão nascendo em 2020/2021 vivenciam a primeira infância em um ambiente ainda mais vulnerável do ponto de vista social e econômico e com a fragilidade dos vínculos parentais”.
Mesmo de longe foi possível fazer muito. Fernanda e sua equipe de apoio organizaram rodas de conversa sobre questões relativas à parentalidade e maternidade no meio acadêmico, usando para isso um serviço de comunicação por vídeo (o Google Meet). Depois promoveram atividades presenciais e remotas focadas no fortalecimento dos vínculos parentais.
“A segunda ação envolveu 20 mulheres no último trimestre de gestação. Todas moradoras do Morro Nova Cintra, em Santos, com data de parto provável entre novembro de 2020 e fevereiro de 2021. Elas foram acompanhadas pelas equipes de Estratégias da Saúde da Família. Acolhemos as mães presencialmente e agendamos uma conversa individual, em ambiente virtual (whatsapp) ou via chamada telefônica, com a equipe de extensionistas do projeto. A proposta era estruturar vínculos interrompidos pela pandemia “, conta.
Com este grupo foram organizados ainda encontros semanais e até um chá comunitário, remotos, respeitando ao máximo as regras de isolamento.
“O chá ocorreu pelo Facebook no dia 12 de dezembro, com tema aleitamento materno. Na ocasião dez mães foram contempladas com sorteios de enxoval (roupas novas, fraldas e lenços umedecidos). Apesar de a interação ser apenas por chat, foi possível compartilhar nossas vivências e narrativas. Além das mães presentes, havia profissionais da rede, multiplicadores e alunos, permitindo que a interação ocorresse”.
É preciso determinação e empatia para ultrapassar as barreiras sociais impostas por uma pandemia, em prol de quem mais precisa. Na cidade do Rio de Janeiro, a socióloga Ester Oliveira Bayerl, 40, fez diferença nos lares de 30 crianças com Transtorno de Espectro Autista moradoras da Cidade de Deus, uma comunidade na Zona Oeste carioca.
Ester é mãe do Samuel, 5, uma criança diagnostica com autismo leve, mas que chegou a apresentar sinais de ansiedade e convulsões nos últimos meses.
“O meu filho ia para a escola diariamente, fazia terapia ocupacional duas vezes por semana, em locais diferentes, e natação em outros dois dias. De repente foi preciso parar com tudo. Ele estranhou e passamos por momentos difíceis. Precisei me reinventar como mãe, professora, terapeuta, e improvisar atividades para ele em casa”, conta.
“A quantidade de mães de autistas deprimidas nesse período da pandemia é muito grande, porque são elas que normalmente ficam com os filhos mais tempo. Tem autista que nem dorme. Sem poder ir para a escola ou para a terapia, eles ficaram extremamente nervosos e as mães pressionadas”.
Dar suporte a essas famílias tornou-se meta para Ester. O Edital Primeira Infância se apresentou como a ferramenta necessária para colocar uma ideia em prática: o projeto Caixa Box, que previa a montagem e a distribuição de caixas de madeira abastecidas com itens como lápis de cor, tintas e baldes de massinha, próprios para o brincar e o desenvolvimento de habilidades de crianças com TEA.
“Na ONG que o meu filho frequenta eu vejo outras mães muito humildes, que não podem se dar ao luxo de investir em um brinquedo neste momento, e que não sabem como podem cuidar dos filhos sozinhas. Por isso, junto com as caixas foram entregues dicas de atividades que as famílias poderiam desenvolver com as crianças a partir do material doado. Entregamos também o nosso contato e criamos uma rede de diálogos com as mães”.
Uma moradora da Cidade de Deus fez a ponte entre Ester, lideranças locais, uma ONG e o Conselho Tutelar. A rede indicou as mães de autistas da comunidade e Ester descobriu que elas são muitas, mais do que conseguiria atender num primeiro momento.
“Por enquanto a ideia é continuar com esse suporte, reabastecendo as caixas após o edital, e quem sabe ampliar o alcance do projeto. Precisaremos de mais de financiamento, mas eu faria tudo novamente”.