A força do coletivo: Reunindo recursos, saberes e criatividade. Edital Primeira Infância resgata a esperança

Por Eliane de Santos

“Se quiser ir rápido, vá sozinho. Se quiser ir longe, vá em grupo!” É fácil encontrar essa frase na internet, sempre citada como um provérbio africano. A mensagem que ela carrega faz todo sentido para a pedagoga Meire Pereira de Oliveira, de 31 anos – educadora popular e coordenadora artística e pedagógica na Universidade da Reconstrução Ancestral e Amorosa (UNIRAAM), no Pelourinho, em Salvador.

Esta segunda função, ela realiza de forma voluntária, desenvolvendo atividades pedagógicas de arte e educação com jovens e adultos, crianças e adolescentes. Sempre envolvendo parcerias com escolas públicas da comunidade do Centro Histórico da capital e adjacências; bibliotecas e praças públicas, por exemplo.

“Atuar na área de educação em comunidades periféricas, utilizando conteúdo antirracista e baseado na Lei 10.639/03 é uma das minhas maiores motivações. Soube do Edital Primeira Infância, do Fundo Baobá, por meio de duas amigas (Maria Claúdia Dias e Maria Belga Ofinger) e não pensei duas vezes. Logo nos reunimos para pensar em atividades lúdicas e didáticas com referencial identitário”, conta Meire.

Projeto de Meire Pereira de Oliveira, Projeto Em Cantos de São Lázaro, Salvador (BA)

O trio concentrou a atenção nas famílias com crianças de 0 a 6 anos e criou a campanha ‘Fortalecendo a identidade étnico-racial na primeira infância através do Em Cantos de São Lázaro em meio à pandemia 2020’. São Lázaro é uma localidade, no bairro Federação, um bairro cultural de Salvador, famoso pelas tradicionais festas ao santo padroeiro, São Roque e Omolu.

“Já estávamos presentes na comunidade, mas precisávamos nos adequar ao novo perfil de realização das atividades, em meio a pandemia. Para criar engajamento, envolvemos três representantes da comunidade na aplicação de um questionário para 30 famílias. A ideia era identificar as demandas em relação a nossa proposta”, explica.

Projeto de Meire Pereira de Oliveira, Projeto Em Cantos de São Lázaro, Salvador (BA)

“Contatamos os profissionais que já trabalhavam no Em Cantos e novas parcerias para escolher a melhor didática a ser aplicada. Preparamos 25 vídeo aulas de arte-educação e as compartilhamos por mensagens de texto. O início do primeiro vídeo foi explicativo para os pais. Cada monitor detalhou a sua atividade e maneira como ela seria conduzida. Essa ação possibilitou o engajamento dos responsáveis e estimulou a afetividade no ambiente familiar”.

Na pegada do coletivo, o grupo decidiu que artistas e brincantes negros gravariam três vezes mais vídeos, aumentando a representatividade negra nas telas. Os vídeos, que tratavam de história e cultura negra e indígena, foram publicados no Instagram,  Facebook e  YouTube.

Houve ainda oficina para a construção de instrumentos musicais com materiais reciclados (tambores de lata, ganzás de latas e garrafas pet), e doação de pandeiros infantis.

“Alcançamos 17 adultos com as assinaturas autorizando a participação dos filhos mais sete mães acompanhando as atividades presenciais, nas quais tomamos todas as medidas sanitárias contra a Covid. Chegamos a atender 34 crianças no total”, calcula Meire, feliz com o trabalho de equipe.

@projetoemcantosdesaolazaro

Veja mais vídeos no canal oficial do Projeto Em Cantos de São Lázaro no Youtube.

No Rio de Janeiro a pedagoga Débora Dias Gomes, 62, escolheu o ditado ‘Uma andorinha só não faz verão’ como lema do Instituto Pertencer, uma organização não governamental, voltada para inclusão de pessoas com deficiência, jovens e adultos em situação de risco social, que ela fundou em 2011.

Nove anos depois, Débora inscreveu o Pertencer no Edital Primeira Infância, pretendendo legitimar as ações sistemáticas e continuadas de apoio às famílias no cuidado integral de crianças de até 6 anos. E conseguiu: no dia 10 de dezembro 10 de dezembro, a equipe recebeu da Prefeitura do Rio o Selo Direitos Humanos, pelo reconhecimento ao trabalho realizado no contexto da COVID 19.

Projeto de Débora Dias Gomes, Instituto Pertencer, Rio de Janeiro (RJ)

Uma equipe interdisciplinar cuidou de 100 crianças, por meio de atendimentos pscicossociais e ações com as famílias, ambos de forma remota, utilizando grupo no Whatsapp e outras ferramentas de apoio.

Ocorreram também alguns encontros presenciais na sede do projeto para entregas de cestas básicas, materiais de higiene e limpeza, além de outros proventos. Sempre a partir de um cronograma para não haver aglomeração. E na cozinha-escola do Pertencer, mães e avós das crianças assistidas participaram de um curso para formação de boleiras e salgadeiras, visando geração de renda.

Projeto de Débora Dias Gomes, Instituto Pertencer, Rio de Janeiro (RJ)

“O objetivo era oferecer opção de renda nesse tempo de crise. Aulas comportamentais complementares trataram temas como perfil da empreendedora, inteligência emocional e mundo do trabalho, por meio de vídeoaulas e textos entregues on-line. As alunas também usavam o aplicativo de mensagem para encaminhar fotos das suas produções, áudios com dúvidas ou texto escrito. Eu diria que o maior desafio para a realização das atividades no contexto da COVID foi nos reinventarmos, nos adaptarmos para não haver interrupção das atividades propostas”.

Visite o Facebook do Instituto Pertencer 

O ambiente virtual, que poderia atrapalhar o projeto da Débora, trouxe gratas surpresas para a pedagoga Christiane Teixeira Mendes, 36, de Coroadinho, São Luís do Maranhão. Ela usou a ferramenta TikTok – febre nas redes sociais durante a quarentena – para gravar e compartilhar vídeos curtos, sensibilizando pais e responsáveis sobre questões como hiperatividade e a importância de ouvir os pequenos.

Com o incentivo do edital, ela realizou atividades (na maioria das vezes virtuais) com foco em ações de apoio a famílias (20 crianças e 60 adultos) para a melhoria do cuidado integral na primeira infância.

Projeto de Christiane Texeira Mendes, Coroadinho (MA)

“Houve uma reunião presencial, na sede da associação comunitária de Coroadinho, quando apresentamos o projeto para os pais e responsáveis. No mais, a equipe se comunicou basicamente por chamadas de vídeo no WhatsApp. Também usamos a internet para organizar um quis virtual, com perguntas em um formulário do Google Docs para os pais e responsáveis. As respostas foram analisadas por mim e por três professoras que convidei para ajudar”.

A análise do quiz gerou outra ação: a análise de relacionamento familiar. A partir das respostas elas sugeriram dicas de relacionamento personalizadas e dicas de atividades que estimulassem o desenvolvimento infantil. Tudo foi incluído em uma caixa surpresa, entregue aos participantes. Dentro também havia livros, jogos e cinco sugestões de atividades, entre elas, uma receita de picolé para pais e filhos fazerem juntos; um brinquedo para construírem e testarem juntos.

Projeto de Christiane Texeira Mendes, Coroadinho (MA)

“Fiz essa escolha porque na minha opinião essa é a fase em que nós seres humanos mais aprendemos e também é a fase em que menos recebemos investimentos. As crianças costumam ser as mais prejudicadas com a falta de vagas na rede pública, por exemplo. E agora, na pandemia, as escolas fecharam ou faliram. Muito triste”, lamenta.