10 Anos do Baobá: Antes de ser batizado oficialmente, fundo dedicado à equidade racial era chamado de “Mecanismo”

Neste ano de 2021, mais precisamente no mês de outubro, o Fundo Baobá para Equidade Racial completa 10 anos de existência. Nesse período, constitui-se no único  fundo exclusivo para promoção da equidade racial para a população negra no Brasil. O Baobá trabalha com captação de recursos oriundos da filantropia e, através de seus editais, destina esses recursos para organizações, grupos, coletivos e lideranças negras que lutam contra o racismo e promovem a justiça social. 

Apesar da concentração de riqueza e dos impactos negativos acumulados, expressos em alguns dos piores indicadores socioeconômicos do país, a potencialidade criativa e a capacidade de superação, conferem à região grande potencialidade. Se os investimentos corretos forem feitos nos estados do nordeste, a equidade racial para a população negra poderá deixar de ser uma utopia. 

E é do nordeste a dupla que abre essa série que irá até outubro mostrando quem trabalhou e trabalha pela consolidação do Fundo Baobá para Equidade Racial como um dos protagonistas na luta contra o racismo e pela busca da equidade racial no Brasil. São eles a mestranda em Gestão Social e Desenvolvimento pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Tricia Calmon, e o historiador com pós-graduação em Política e Gestão Cultural, Lindivaldo Leite Júnior. 

Tricia Calmon é baiana e Lindivaldo Júnior, pernambucano. Ambos se lembram do forte envolvimento com a ideia de que algo fosse constituído para que o povo preto nordestino fosse apoiado. “Fui convidado a fazer um trabalho de identificação de lideranças negras em Pernambuco que pudessem contribuir com um debate sobre a criação de algo que fosse para o enfrentamento ao racismo no Brasil. Não havia um nome, então, chamávamos de  mecanismo”, afirma Lindivaldo. “Eu era membro do núcleo de estudantes negros da Bahia e militante do Movimento Negro. O ano era 2008. O board da Fundação Kellogg estava visitando o Brasil, pois já organizavam a saída do país e eram muito questionados sobre temas relativos  à equidade racial”, diz Tricia. 

Lindivaldo Leite Júnior, historiador com pós-graduação em Política e Gestão Cultural

A questão de como organizar o mecanismo foi ganhando corpo. Mas Bahia e Pernambuco não poderiam ser apenas os dois estados envolvidos, entre os nove que compõem a região nordeste. “Fizemos uma caravana. Durou um mês e meio e acontecia nos finais de semana. Visitamos vários estados do Nordeste, com figuras muito representativas como Luiza Bairros, Sueli Carneiro, Magno Cruz, Lurdinha Siqueira, Luiz Alberto, todas as nossas lideranças. Acho que isso ocorreu em 2009”, relembra Tricia Calmon. Para Lindivaldo Júnior, a lembrança é da riqueza na troca de experiências: “Participei de um conjunto de diálogos sobre uma metodologia específica a ser utilizada para conversar com lideranças. Assim, realizamos encontros com grupos diferentes de lideranças negras: jovens,  veteranos, acadêmicos, gestores, quilombolas e grupos culturais”, afirma. 

O trabalho coordenado pelo pessoal do Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceafro), da UFBA, foi ganhando corpo. Mas, como qualquer projeto envolvendo pessoas, com cada um tendo seu tipo de pensamento formador a respeito de um tema, as disputas acabaram aparecendo. “A proposta de surgimento do Baobá era vista como uma concorrência e não como colaboradora da agenda que havia sido proposta pela Fundação Kellogg. E isso não era dito de forma muito clara. Construir esse lugar de um fundo novo, com pauta específica e inédita, contar com todos esses parceiros e construir uma imagem de colaboração, e não de concorrência interna, foi um dos grandes desafios”, revela Calmon. No entender de Lindivaldo Júnior, a construção das relações internacionais foi o principal entrave do começo. “Havia uma dificuldade para compreender como se relacionar com órgãos internacionais de financiamento”, diz. A questão do trabalho com filantropia, incipiente no Brasil, também criava dificuldades: “Foi necessária a composição de um grupo de confiança para tratar de um tema ainda delicado junto ao movimento negro”, afirma Júnior. 

Tricia Calmon, cientista social e mestranda em Gestão Social e Desenvolvimento pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

As dificuldades foram sendo vencidas com muitos quilômetros rodados pelo nordeste,  muita conversa e a prática de estratégias de convencimento. “São 10 anos de Baobá constituído. O Baobá se tornou e é uma organização única. O único fundo do Brasil de financiamento exclusivo de projetos e causas raciais. Sem subterfúgios. Isso se tornou realidade a partir de uma carteira de projetos interessantes, muito importantes, com boa flexibilidade e diálogo com organizações do Brasil inteiro”, declara Tricia Calmon. Lindivaldo Júnior enxerga o Baobá como projeto vitorioso: O Baobá ampliou sua relação com instituições financiadoras; manteve-se articulado com outros fundos de apoio, estruturou uma equipe e cumpriu com os compromissos assumidos com a Fundação Kellogg”, diz. 

Ainda há mais a conquistar, segundo Tricia Calmon: “O nosso sonho é que o Baobá alcance o que outras organizações negras não conseguem alcançar. Esteja onde outras organizações negras não conseguem estar. Financie autonomamente as pautas. E que o Baobá esteja na boca e nas mentes de todas as organizações negras brasileiras como um catalisador político forte e importante. O Baobá não é isso ainda. As pessoas não conhecem o Baobá como deveriam, ainda! Mas o Baobá está num caminho muito bom nesse sentido”.