A ancestralidade que acompanha cada passo dos estudantes

A tarefa de ser o primeiro integrante da família no Ensino Superior

Por Ariel Freitas, do Perifaconnection, em colaboração com Fundo Baobá para Equidade Racial

Das filosofias que ligam a vida ao cotidiano real, há um conceito africano que define a importância da vitória coletiva para o povo negro: “Ubuntu – Eu sou porque nós somos”. É nos princípios dessa ideologia que a real dimensão de ser o primeiro integrante da família a ingressar no Ensino Superior é revelada. Na presença desse pensamento e na forma de levar a vida, Alan David Vieira, de 20 anos e morador da Vila Perus – um distrito localizado na Zona Noroeste de São Paulo que abriga 45 bairros e vilas no seu território -, compreende que cada passo seu a universidade representa a vitória dos ancestrais que o acompanham no trajeto.

Alan David Vieira, 20 anos

Amante do gênero rap e apreciador da cultura Hip-Hop, Alan demonstra um olhar atento e curioso sobre as questões humanitárias e sociais, temáticas que explora no seu talento com a área da arte gráfica. Antes de cultivar o desejo de estudar Design Gráfico e, possivelmente, Publicidade e Propaganda, o jovem se dedicou à sua paixão pelo quarto elemento da cultura de rua: o grafite. Das latinhas de tintas e dos sprays nas mãos para a criação de cards, layouts e artes através de softwares de design e fotos.

“Os meus pais só estudaram até o Ensino Fundamental. Então essa oportunidade que tenho agora é muito especial. Quero estudar Design Gráfico para aperfeiçoar a área que já atuo, que é criação de arte. Eu descobri que essa é uma forma de ser e viver livre, confiante e ainda descobrir quem sou. Eu, que não tenho emprego fixo, costumo dizer que meus trabalhos sempre serão mais do que apenas artes”, explica.

De outro lado do mapa, mais especificamente no bairro Ponte Rosa, Zona Leste de São Paulo, Caroline Cristina Santos, de 22 anos, enfrenta as adversidades impostas pela desigualdade racial nas questões que envolvem os índices de educação no Brasil. A jovem fez parte das estatísticas que revelam que 71,7% (IBGE) dos jovens que abandonam os estudos são pessoas negras: a estudante permaneceu na evasão escolar por dois anos.

“Chegou um momento da minha vida que eu perdi totalmente a vontade de estudar. Não tinha ânimo nenhum de ir à escola e isso me fez parar por dois anos. Fiquei em casa cuidando da minha sobrinha e conciliando a rotina com o expediente de trabalho, mas percebi que retornar aos estudos me auxiliaria em serviços melhores e salários mais adequados”, desabafa.

Após esse período longe da escola, Caroline, que trabalha em uma fábrica de costuras, compreendeu que precisava retornar aos estudos para tecer os sonhos em realidade. A partir dessa iniciativa, a estudante definiu que gostaria de ser a primeira da sua família a ingressar no Ensino Superior.

“Eu estou me descobrindo, querendo sair da bolha. A minha família ficou muito feliz com a decisão e me apoia muito todos os dias. Depois de ingressar em uma faculdade, eu busco realizar um intercâmbio em outro país”, complementa.

Fora da Capital de São Paulo, mas dentro dos valores representados pela filosofia de Ubuntu, Geovana da Silva Melo, de 22 anos e moradora de Osasco, detalha que a coragem é essencial para trilhar o caminho de ser a primeira representante da sua família no Ensino Superior. Da Região Metropolitana do estado, a jovem explica que a sua maior determinação é a possibilidade de reverter o quadro taxado para estudantes negros: a de não estarem aptos para cursar uma faculdade.

“É muito difícil ser taxado como alguém que não conseguirá entrar em uma universidade. E esta realidade está sendo redobrada com as mudanças nos Exames Nacionais de Ensino Médio (ENEM). O conteúdo da prova deste ano foi mais elitizado do que de outras edições. Existem mais oportunidades para as pessoas brancas, que estão mais conceituadas nas classes econômicas do Brasil”, aponta.

Geovana da Silva Melo, 22 anos

Na busca do seu sonho, Geovana comenta que estuda em cursinhos populares e presta as provas do ENEM há bastante tempo. A jovem possui a meta de estudar administração, com ênfase em gestão de pessoas. No início deste ano, ela foi aprovada com bolsa integral de estudos do Prouni, mas viu o sentimento de felicidade ser transformado em um momento de frustração, pois, de acordo com ela, os documentos não foram aceitos. Apesar deste contratempo na sua trajetória acadêmica, a estudante destaca que possui certeza que, em breve, o seu ingresso no Ensino Superior será concretizado.