Quilombolas da região do Baixo Tocantins no Pará, criam estratégias coletivas para a promoção da saúde mental

Por Tayna Silva¹ e Tamara Mesquita²

 

É no aquilombamento que as comunidades compartilham práticas de autocuidado. Não há dúvidas que os saberes tradicionais, a cultura e a arte são ferramentas de transformação dentro dessas comunidades. O samba de cacete, por exemplo, é uma das maiores riquezas dentro do território. E é nesse movimento de resistência que as doze comunidades localizadas na região do Baixo Tocantins, no Pará, se movimentam na busca de soluções para melhoria da qualidade de vida.

Contrariando a produção de injustiças que promovem condições desiguais de adoecimento, cuidado, tratamento, recuperação e morte, as comunidades estão pensando soluções coletivas, entendendo as desigualdades e complexidades que atravessam seus corpos e territórios. Como bem ilustra Sandra Martins, parteira e quilombola ribeirinha da comunidade de Pampelônia e uma das representantes da ARQIB – Associação dos Quilombolas de Igarapé Preto à Baixinha: “Nós precisamos combater esse racismo que nunca vai acabar, mas se cada um de nós fizer diferença e assumir quem nós somos, nós vamos humanizar”. 

O racismo que desumaniza e desvaloriza as pessoas por sua origem, cultura e pela cor da pele, naturaliza a violação de direitos, por isso deve ser combatido em ações de promoção à saúde integral (física, mental e espiritual) para a população quilombola, população negra em geral e outras populações tradicionais.

A ausência de uma equipe completa de saúde da família é recorrente dentro das comunidades, que são atravessadas por especificidades de práticas de saúde que desconsideram os saberes comunitários e ancestrais como esse mecanismo de autocuidado entre as pessoas; a participação ativa de seus representantes; o estabelecimento de metas de melhoria e monitoramento dos indicadores de saúde, além de desconsiderar a cultura popular, tecnologias de existência, conflitos agrários e o cotidiano de cada comunidade. Não reconhecer ou valorizar estes elementos singulares, dificilmente a equidade em saúde será alcançada.  Segundo a Organização Panamericana de Saúde (OPAS), a equidade é apontada como o “princípio básico para o desenvolvimento humano e a justiça social” (Viana e col. 2001, p. 16).

Isso nos faz pensar que pautar equidade é ressaltar que o racismo atravessa diretamente as incompletudes da equipe, o que causa consequências danosas à saúde mental tanto dos usuários, quanto dos próprios profissionais da saúde. O racismo que atinge a vida de lideranças e afeta as práticas tradicionais, fazendo com que  desapareçam ou sejam totalmente esquecidas pelas equipes de saúde;  dificulta o amadurecimento das ações, programas, estratégias e das  políticas públicas governamentais de promoção e atenção à saúde das populações tradicionais, em especial  a quilombola

Para Claudelene Rocha, mulher empreendedora, liderança quilombola e uma das coordenadoras da ARQIB, é indispensável valorizar as  práticas ancestrais de cuidado em saúde mesmo após o atendimento médico especializado. Ela conta sobre sua preocupação com o desaparecimento destas práticas, “antes nossos antepassados só sobreviviam através de remédios caseiros e a gente sempre fala que estamos perdendo esses antigos, esses senhores e senhoras, que sabem que no tempo delas […] viviam só de remédios caseiros, só de remédios do mato”. As ferramentas de apagamento da história também são uma das facetas do racismo estrutural e que deve ser combatida dentro de um projeto político, ético e eficaz. 

Dessa forma, considerar equidade como pilar principal para o bem-viver, é reforçar que não há justiça social sem direitos econômicos, sociais, culturais, ambientais e políticos, cuja garantia é responsabilidade do Estado e dos agentes que atuam em diversos setores das políticas públicas, na esfera federal, estadual ou municipal, incluindo o setor da saúde.  

Evidenciar as ausências do Estado enquanto responsável, a partir sobretudo,  do SUS – Sistema Único de Saúde, da garantia do direito fundamental à saúde e bem estar dos indivíduos e dos coletivos, é lançar olhos para a equipe de profissionais que também adoecem nesse sistema que negligencia a realidade quilombola. Como nos conta Joisiane Santo, Agente Comunitária de Saúde – ACS e liderança da comunidade do Trevo da Pampelônia afirma: “eu quero muito que seja visto com muito cuidado a respeito da saúde mental, porque são coisas que vão além. Vai desde a falta de dinheiro para comprar comida. E o que acaba com o psicológico da pessoa, é a falta de poder ajudar alguém. Impossibilitada, às vezes eu me sinto assim, então são vários fatores.”

Assim, a ARQIB,  junto com a Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará – Malungu-PA, o Fundo Baobá Para Equidade Racial e uma equipe multiprofissional das áreas da saúde e comunicação, integram este projeto “Saúde Mental Quilombola: Direito, Resistência e Resiliência”, no intuito de impactar diretamente na vida de cada pessoa e junto da comunidade garantir o acesso à saúde, isso será feito através da permanência e da importância das tecnologias ancestrais de existência e reiterando a necessidade do setor da saúde em reconhecer o valor destes saberes e práticas para promover o bem viver das comunidades. 

 

¹ Tayna Silva é comunicadora social e colaboradora da Negritar Filmes e Produções.
² Tamara Mesquita é Jornalista, produtora audiovisual, educadora e comunicadora popular. Hoje integra a equipe da Negritar Filmes e Produções, na função de coordenadora de produção.
Negritar Filmes e Produções é uma produtora de impacto social, composta por pessoas negras.