“Temos que pensar a questão racial atravessando tudo o que a gente faz. Isso é mudança de pensamento”. A fala de Ana Letícia Silva, representante da Rede de Filantropia para Justiça Social, permeou a segunda mesa do evento Filantropia e Justiça Racial, que teve como tema “Filantropia no Brasil: eficiência, compromisso com a mudança e a justiça social”e contou também com a participação de Maria Alejandra Oltra, assessora de Filantropia do Philanthropy Center JP Morgan, e Tricia Calmon,membro do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá.
As representantes das três entidades estabeleceram suas falas a partir de três questões propositivas: 1) Como a filantropia para a justiça social pode ser mais eficiente? 2) Como deve ser o comportamento de um filantropo(a)? 3) Como as instituições filantrópicas devem medir suas doações e investimentos sociais, considerando a equidade racial como uma meta? Com esse guia introdutório, discorreram sobre a importância do trabalho filantrópico; a destinação correta dos recursos da filantropia no Brasil; o povo negro relegado a segundo plano e buscando, por conta própria, os apoios financeiros; a questão do não tratamento igualitário, que acaba gerando privilégios.
Para Tricia Calmon, a agenda da Justiça Social no Brasil vem se revisitando para pensar o lugar que a discussão do racismo tem ocupado nessas agendas, pois em muito tempo ocupou lugar algum, “obedecendo a um raciocínio que nos educou na história do Brasil, que é o mesmo raciocínio que construiu o projeto de nação brasileira a partir de um pacto de desenvolvimento que partiu da eliminação física e simbólica do sujeito negro”, sintetizou. “A sociedade brasileira e sua parcela negra têm se reinventado ao longo da história por conta própria e, muitas vezes, encontrando mãos e braços no campo da filantropia, sobretudo nas comunidades empobrecidas”, completou.
Nesse contexto, Ana Letícia Silva deu ênfase à necessidade de mudança de pensamento na destinação de recursos, por conta de um fato marcante no Brasil. “Temos 56% da população negra. Temos que fazer essa questão, a racial, passar pela nossa atuação enquanto entidade”, afirmou. Para ela, o tema da destinação de recursos e de atuação transformadora passa por algo de extrema simplicidade. “Se eu for o Fundo X, que não está ligado à questão da equidade racial, tenho que incorporar esse pensamento da equidade ao que eu fizer todos os dias.”
A questão da filantropia voltada para a equidade racial não encontra problema de direcionamento de recursos apenas no Brasil. Para Maria Alejandra Oltra, assessora de Filantropia do Philanthropy Center J.P. Morgan, o problema envolve muitos outros países do continente americano. “Há países na América Latina que têm políticas tributárias voltadas para a filantropia Porém, esse não é um traço comum que contribua para que a destinação de recursos nos diferentes países aconteça. Muitos países não possuem essa política tributária, o que dificulta que as iniciativas oficiais de auxílio sejam alcançadas.”
A não existência de uma política voltada para a arrecadação tributária, e a consequente destinação de recursos a entidades filantrópicas, acaba por gerar um grande déficit de recursos. Nesse contexto, coube às grandes entidades colocarem foco sobre o que gerava esse déficit e tentar trazer soluções.
A Rede de Filantropia para a Justiça Social acabou surgindo da necessidade de fazer com que os recursos da grande filantropia alcançassem quem mais necessitava. “A Rede de Filantropia para a Justiça Social congrega, neste momento, 12 organizações. Esperamos que muitas mais venham para perto da Rede, porque a gente sabe que há instituições de filantropia para justiça social, filantropia comunitária, que estão aí escondidas pelo Brasil, ainda não reconhecidas. Sabemos que muito do que as pessoas conseguem sobreviver tem a ver com a filantropia de justiça social, mesmo que essas organizações não estejam ligadas à Rede. São as solidariedades que acontecem diariamente que fazem com que as pessoas possam sobreviver”, afirmou Ana Letícia Silva.
E como lembrou Maria Alejandra Oltra, do Philanthropy Center J.P. Morgan, a questão da sobrevivência está intimamente ligada à questão da equidade. “Se todos queremos ser iguais, temos que pensar que nem todos são tratados como iguais. E é difícil na filantropia ajustar isso para sermos mais eficientes. Acredito, que ao longo do tempo, a filantropia tentou ser o melhor para todos. Mas é impossível fazer o melhor para todos sem identificar diferenças.”
“É muito importante uma organização do sistema financeiro, como J.P. Morgan, estar liderando junto com o Fundo Baobá, que é um fundo voltado para equidade racial, esse compartilhamento e essa liderança conjunta. Ela é muito simbólica para o mundo hoje”, foi com essas palavras que Neca Setubal, presidente do Conselho do GIFE e da Fundação Tide Setubal, abriu a terceira mesa do webnário Investimentos Filantrópicos para a promoção da equidade racial, organizado pelo J.P Morgan e pelo Fundo Baobá para Equidade Racial, na quarta-feira (28).
Com o título “Equidade Racial e suas trilhas, nos institutos, fundações, empresas e ESG – Caminhos, evidências e possíveis mudanças”, além de Neca Setubal a mesa virtual contou com Rita de Cassia Barros Oliveira (Gerente Sênior de Vendas Promocionais de Redes de Mídia na The Walt Disney Company), Daniela Redondo (Diretora Executiva do Instituto Coca-Cola Brasil) e Fabio Alperowich (Fama Investimentos).
Para Neca Setubal, houve um avanço na cultura da filantropia e na promoção da justiça social no país, inclusive no período de Covid-19: “Acho que a pandemia acelerou esse avanço ao descortinar as desigualdades e o racismo brasileiro. Existem problemas de séculos, mas a sociedade começou a enxergá-los, isso é positivo”. Fábio Alperowich também acredita em contenção de danos no período de pandemia: “A Covid-19 trouxe uma reflexão muito grande para as empresas, elas passaram a repensar os seus papéis. Antes, as organizações entendiam que o seu papel na sociedade era apenas a venda de produtos e serviços, agora elas começam a compreender que têm um papel dentro da sociedade que é maior que aquilo, algumas estão agindo através de filantropia, outras estão melhorando as suas práticas, elas estão repensando isso em múltiplas dimensões, tanto do lado ambiental quanto do lado social”.
Falando exclusivamente das organizações, um dos assuntos abordados na mesa virtual foi a forma que a promoção da equidade racial havia sido incorporada em cada instituição. Rita de Cássia fez questão de frisar a importância da representatividade na The Walt Disney Company: “Estou na empresa há 9 anos e eu venho acompanhando de perto todas as transformações que ela vem passando e fazendo, em tudo o que diz respeito à diversidade e inclusão. Sendo uma empresa mundialmente reconhecida pelas histórias mágicas e os personagens inspiracionais, lúdicos e heróicos, estando tão presentes no imaginário de muitas pessoas no mundo todo”. Na ocasião, ela citou os principais pilares da empresa nessa questão: “Ser o melhor em diversificar o nosso arsenal de talentos e conteúdos, trazendo essa representatividade e mostrando de fato o valor de toda essa experiência do ponto de vista do negro. e integrar a inclusão nessas práticas de operações comerciais também. Sabemos que a Disney, por ser líder, tem toda a capacidade de impactar o ecossistema onde está envolvida, trazendo parceiros, fornecedores, empresas que são licenciadas, liderando esse movimento. Nós temos também algumas iniciativas nesse sentido, garantir que toda a nossa liderança tenha poder para agir, porque diferente do que acontece nos Estados Unidos, onde nós temos 13% da população negra, aqui no Brasil a gente tem um universo muito diferente. A urgência e a necessidade de avançar nessas frentes e de trazer resultados efetivos, ela é muito grande, com o grande compromisso da liderança”.
Atuando como diretora-executiva do Instituto Coca-Cola Brasil, Daniela Redondo afirma que a organização atua há quase duas décadas na filantropia por justiça social, entretanto, tem focado nos últimos 10 anos em atividades de empoderamento e desenvolvimento: “Especialmente de jovens em comunidades vulneráveis, focando no recorte de empoderamento econômico, com aproximadamente 250 mil jovens impactados, sendo que desse número 70% são negros e 60% são mulheres”.
Em 2014, a Coca-Cola conheceu o Fundo Baboá e no ano de 2018 desenvolveram o segundo trabalho juntos, o edital Negras Potências, voltado para empreendedoras negras e focado no empoderamento feminino negro: “Foi o maior o matchfunding do país. E o que nós aprendemos e percebemos foi a importância de dar visibilidade para as causas, permitir que projetos que não são, às vezes, tão atrativos, mas que são de muita importância para aquela população, sejam reconhecidos e visibilizados. Além do que a gente tem que ter um conselho que tenha propriedade e representatividade”, completa Daniela.
Neca Setubal também reconhece que uma organização financiadora, para estar em proximidade com as instituições apoiadas, tem que ter um núcleo diverso, utilizando o exemplo da sua própria fundação, a Tide Setubal, que atua há 15 anos: “Hoje a Fundação Tide Setubal conta com 50% de colaboradores negros e 50% não negros, indo desde o conselho curador ao nosso conselho administrativo e à gestão estratégica, que são todos os coordenadores de projetos. Eu acho que isso é um ganho enorme, assim estaremos próximos das organizações que temos apoiado”, afirma, revelando também a criação de um comitê de diversidade dentro da fundação, para atualizar o censo de representatividade acerca dos projetos aprovados pela mesma: “Trata-se de um compromisso de que todos os nossos projetos tenham um olhar na questão racial. É o compromisso da gente ser uma das organizações divulgadoras e difusoras da importância da equidade racial para o Brasil e para todos nós”, completa.
A Walt Disney também conta com a criação de conselhos, em cada região da América Latina, para fomentar ainda mais a cultura da diversidade e da equidade racial: “Aqui no Brasil, ele atua fortemente, eu lidero o pilar de raça, com todas as iniciativas. Nós estamos desenhando todas as métricas e metas que queremos atingir nos próximos 24 meses e para isso as alianças e as parcerias são fundamentais”, afirma Rita de Cássia, que revela que o trabalho influencia diretamente no produto criado pela companhia: “A gente percebe que esse networking que se forma com esse olhar e com esse objetivo é super importante para que esses resultados sejam de fato atingidos. Trazendo isso pra dentro do universo da Disney, que é um segmento de entretenimento, a questão é como eu consigo mostrar diversidade através dos personagens, privilegiando a cultura e trazendo protagonismo para as tradições?”, completa.
Trabalhando diretamente com investimentos de empresas e organizações através da Fama Investimentos, Fábio Alperowich tem uma visão otimista do avanço do debate sobre equidade racial, mas reconhece que não avançou ainda mais devido ao não reconhecimento do racismo estrutural em nossa sociedade: “Quando existe a negação do racismo estrutural, a gente tá muito mais distante da solução. Pra avançar nessa agenda, é preciso reconhecer a existência desse racismo estrutural e expor essa situação, por mais que esse processo de reconhecimento seja doloroso, difícil. E falando do ponto de vista de um investidor, vai trazer alguma dor para dentro das companhias e para a sociedade civil, ao expor uma questão dessa, mas ela é absolutamente necessária”, afirma Fábio. Ele também mostra como os investidores podem colaborar, de forma indireta, com o aumento da diversidade nas empresas: “Quando eu olho o relatório de sustentabilidade de boa parte das empresas, os dados sobre equidade de gênero aparecem, mas os dados de equidade racial não aparecem. Em muitos casos isso pode ser falta de olhar, um descaso, o que configura no racismo estrutural, ou pode ser vergonha de não ter se interessado por esse problema antes. Importante lembrar que os relatórios de sustentabilidade têm dados seletivos, então grande parte das empresas mostra o que quer e esconde o que não quer. Daí, quanto mais os investidores pressionarem pela transparência desses dados, mais evidente vai ficar o avanço em relação a essa desigualdade racial. Ou seja, empresas que forem pressionadas pelos investidores para expor esses dados, elas, no ano seguinte, terão que ter algum avanço nessa questão ou serão pressionadas também. Eu acho que é fundamental o papel dos investidores: a pressão para que as empresas sejam cada vez mais transparentes e inclusivas em relação a isso”, completa.
É justamente dentro deste contexto que Daniela Redondo acredita que companhias como a Coca-Cola, têm o papel fundamental de exercer influência diante dessas situações: “A gente precisa reconhecer também o nosso papel de influência e poder de convocação. Então quando a gente está falando de ecossistema, de como a gente avança, de como a gente acelera isso, a gente tem que reconhecer realmente que pode acelerar muito e atingir outros se realmente usarmos todo o poder para convocar, investir e chamar outros para esse movimento”,disse. Além do poder de convocação e influência, Daniela Redondo também acredita que para fortalecer as organizações é necessário dar independência: “Quando a gente fala de fortalecimento de organizações, para nós, na prática, funcionou demais, quando foi dada liberdade e flexibilidade para o uso do recurso. Então, quando a gente fala em investir nas organizações de base ou de equidade racial, você dá flexibilidade e autonomia para usar esse recurso, porque muitas vezes, na posição de doador, a gente coloca regras pouco flexíveis, e lá na ponta, quem está sentindo a dor, a temperatura e o que eles precisam, são as próprias lideranças, as próprias beneficiárias”, completa.
Fernanda Lopes, diretora de programa do Fundo Baobá, na abertura da mesa virtual já havia salientado a relevância de o recurso chegar onde deve. “Na filantropia precisamos fazer que o recurso chegue onde ele deve chegar. Quem demanda e recebe o recurso sabe o que fazer com ele, sabe o que faz diferença. Não se pode ser igual, investir igual, medir ou qualificar igual, porque o contexto que atuamos é resultado de desigualdades e injustiças”,disse. Ela encerrou frisando a importância deste momento na promoção da equidade racial: “Nós enxergamos movimentos, e muitos em novas direções, é uma questão de toda sociedade brasileira. Somos todes responsáveis pelas mudanças e, mais que isso, pela sustentabilidade de seus resultados, dentro e fora das empresas”.
“Se eu fechar a janela do meu carro, que tenha um vidro muito escuro, isso não me atinge. Se eu mudar de bairro, isso também não me atinge”. Com esta fala, Selma Moreira, diretora-executiva do Fundo Baobá para Equidade Racial, iniciou a quarta e última mesa do evento, cujo tema foi: “Juntos por uma sociedade justa e sem racismo!”
A diretora se referia aos negros, especialmente, e aos excluídos que, por séculos, foram mantidos à distância dos olhos e das políticas públicas que dão acesso a direitos fundamentais e essenciais. Segundo ela, a sociedade brasileira é composta por diversas populações e se, individualmente, as pessoas pensarem que uma determinada parte pode evoluir e conseguir acesso e pleno direito à saúde, à educação, ao emprego e à justiça, e o restante se não conseguir, está tudo bem é preciso lembrar que “o restante não é o restante, pois falamos de 56% do povo brasileiro”, completou.
Selma Moreira destacou ainda que aquele encontro fora pensado justamente para construir alianças para que todos os envolvidos ali contribuíssem na consecução da missão do Fundo Baobá, que é exclusivamente fortalecer lideranças, organizações, grupos e coletivos negros. “Vocês já sabiam e hoje puderam ouvir diferentes sujeitos que, juntes, podem fazer mais e melhor”.
Na sequência, Laura Martini Zellmeister, oficial de Programa da JP Morgan Chase Foundation para a América Latina, assumiu a palavra. Em sua apresentação, destacou que o evento foi de muito aprendizado e trocas. Explicou que, quando se fala de equidade racial, o tema é urgente, uma dívida.
Ela aproveitou para contar a experiência da J.P. Morgan Chase Foundation que, embora mantivesse projetos apoiados, com participantes negros, especialmente no campo da empregabilidade, não tinha programas exlcusivamente voltados para eles. “Há três anos, tivemos o olhar para perceber que não é uma questão estratégica, mas estrutural. Então, estabelecemos uma parceria com a Faculdade Zumbi dos Palmares e a Febraban. Foi um programa específico para jovens negros com foco nos setor financeiro e apoio à empregabilidade”, destacou.
Foi tão sob medida, que o processo seletivo foi pensado e desenhado para a(o) jovem negro(a). “Muitos deles, que depois entraram no banco e se tornaram analistas, falaram que se inscreveram no programa porque se sentiram chamados e porque aquele era um espaço para eles”.
A pauta da equidade racial, segundo Laura Zellmeister, não tem dono. É uma questão coletiva, que precisa envolver organizações do Terceiro Setor, iniciativa privada e governo. “Nesse contexto, demos uma série de passos e agora, mais recentemente, começamos a trabalhar com projetos para olhar resultados de impacto e empregabilidade, com questões como: os jovens negros estão tendo os mesmos resultados e permanência no emprego que os jovens brancos?”, indagou.
Para ela, uma das parcerias mais exitosas, entre todas estabelecidas com a fundação, foi com o Fundo Baobá. Ator de longa data de vários projetos, recebeu aporte do J.P. Morgan em seu fundo patrimonial quando o banco investiu mundialmente depois da morte do americano George Floyd.
“Com a morte de Floyd e a Covid-19 houve um grande impacto e as empresas estabeleceram uma aliança para fazer doações a várias organizações nos Estados Unidos, em outros mercados e no Brasil. Aqui, optamos pelo Fundo Baobá por estar cem por cento focado na questão da equidade racial”, alega. “Para nós, é muito importante saber que esses recursos serão usados por muitos anos para causar impacto na vida de pessoas e organizações.”
Sua fala foi encerrada com um chamado para que as pessoas unissem talentos, investimentos e tempo, de forma intencional e coordenada, a favor da filantropia para a justiça e a equidade racial.
Selma Moreira encerrou a mesa agradecendo todas as presenças e participações. Disse estar especialmente feliz e tocada com o diálogo estabelecido ali. “Venho de uma trajetória da iniciativa privada e faço parte do Fundo Baobá desde 2014. Tem sido uma trajetória muito desafiadora. Este é um lugar de muitas conquistas e desafios.” Confirmou que o racismo é um tema difícil para quem é negro e para quem não é. Mas, pretos e pardos, além de acharem o tema difícil, vivem essa realidade em seu dia a dia. Por isso, a importância de construir caminhos. “Vimos, este ano, tanta coisa acontecendo de maneira tão evidente, e não dá mais para fingir que não aconteceu ou não é com a gente.”
Selma explicou que, com essa divisão desigual, não tem economia nem país que se sustente. “A sociedade civil está correndo, as organizações do movimento negro estão correndo, mas a gente não dá conta de cuidar disso tudo sozinho. Precisamos fazer juntos. Acho que é esse o convite. Esse é o chamado: precisamos de aliados”. Por isso, o Fundo Baobá está aberto a discutir, pensar caminhos e construir, junto com parceiros, soluções para a equidade. “Pode ser difícil, mas talvez seja porque nunca foi feito”, argumenta.
A diretora-executiva explicou que vivemos um momento em que a sociedade está acelerada com a Covid-19, a tecnologia e o ritmo rápido de mudanças. “Então, não é possível que a gente siga pensando que as temáticas relacionadas à promoção da equidade racial podem seguir outro modelo. Acho que hoje, aqui, todas as falas evidenciaram essa urgência e como é estratégica para termos um país mais justo e equânime”. Destacou a necessidade de construir alianças. “Hoje me senti parte de uma constelação, vendo e ouvindo essas estrelinhas que são parceiros e estão conosco nesta jornada. E isso já faz desse diálogo um canal de irmandade. Agradeço a todos pelo desejo de mudar este país para todo mundo.”
A diretora-executiva do Fundo Baobá para Equidade Racial, Selma Moreira, participou de uma live organizada pelo Citi Brasil e mediada por Andréia Abreu, analista sênior de Projetos e Processos e líder da frente de comunidades – um grupo de afinidade do Citi Brasil voltado para comunidade negra e que tem como objetivo trabalhar as pautas sobre racismo estrutural, concientização da população não negra, além de apoiar a equipe de gestão do Citi nos esforços de recrutamento, bem como o desenvolvimento e retenção dos colaboradores negros. Gabriela Graci e Patrícia Salles, responsáveis por Operações e Comercial Card do Citi, além de madrinhas do Programa Já É – Educação Para Equidade Racial, edital lançado pelo Fundo Baobá e financiado pela Citi Foundation, também integraram a conversa, realizada em 9 de outubro.
Gabriela Graci perguntou sobre a ausência de negros em cargos de chefia. “A educação é apontada como um caminho para construção de uma sociedade melhor e mais inclusiva. Mesmo assim, muitas pesquisas apontam que mesmo negros com qualificação profissional ainda possuem salários menores no mercado formal, como podemos evoluir neste cenário?”, indagou. Para Selma, esse cenário é reflexo do racismo estrutural. “Há muito o que se fazer, estamos dando ‘passinhos curtos’, mas têm passinhos sendo dados. Não há como pensar o desenvolvimento de uma sociedade e da inclusão sem dialogar a educação, sendo ela de qualidade e inclusiva para todos. O Fundo Baobá promove a equidade racial, e quando falamos sobre equidade, estamos falando de justiça, e não sobre como encontrar novos caminhos mágicos”.
Segundo a diretora-executiva, promover a equidade racial é uma missão de todos. “O racismo estrutural afeta a nossa constituição e a sociedade, mas, mesmo assim, tem muita gente que diz que não fez parte disso, você pode não ter feito parte objetiva do problema, mas você pode fazer parte da solução, isso que é mais importante. Esse diálogo que estamos fazendo aqui se trata de mover essa forma de pensar, para que a gente construa pontes fortes e conectadas, para pensar em caminhos para o Brasil que permita o desenvolvimento de todas as pessoas de forma igual”. Finaliza.
Vinte dias depois, foi a vez da diretora de programa do Fundo Baobá, Fernanda Lopes, participar da live Semear Ação da Juventudes, uma iniciativa do Centro de Promoção da Saúde (CEDAPS Brasil), em parceria com o programa Jovens Construtores. O bate-papo abordou ações de promoção de saúde, equidade e fortalecimento de redes territoriais no combate à Covid-19. Quem mediou a conversa foi o assessor de projetos do Jovens Construtores, Hugo Sabino. Além da Fernanda Lopes, participaram membros do programa Jovens Construtores que tiveram as suas iniciativas apoiadas pelo Fundo Baobá no edital de Doações Emergenciais no combate à Covid-19, entre eles: Thalyta Cunha, Juliano Pereira, Pâmella Santos, além de Diego Nóbrega que não pode participar do evento ao vivo, mas enviou um vídeo.
Com a mesa virtual aberta para o bate-papo, Thalyta Cunha, da região de Del Castilho (RJ), falou da sua iniciativa apoiada, que consistiu na impressão do material pedagógico para as crianças que estavam sem aula, devido à pandemia: “Pensou-se em deixar as crianças em casa, em desenvolver atividades pedagógicas e aulas online, sendo que a gente mora em um país no qual uma entre cada quatro pessoas não têm acesso à internet, isso são 46 milhões de brasileiros, em um país de 209 milhões de habitantes, é muita gente que não tem acesso a informação, e foi pensando em tudo isso que eu tive a ideia de fazer a impressão do material pedagógico, enviado pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, juntamente com a distribuição de kit lanche para essas crianças”. Com o fechamento das escolas, outro problema foi identificado por Thalyta: “As crianças continuaram na rua, sem camisa, descalço e soltando pipa, eu vi crianças brincando na lixeira, foi um trabalho de formiguinha ter que explicar tudo isso, que além da Covid-19 tinha a leptospirose, dengue e muitas outras doenças”. Para Thalyta, o engajamento de uma mãe da comunidade, foi primordial para a divulgação da sua atividade: “Eu não fiz flyer e nem panfletos, a divulgação foi boca a boca, chamei uma das mães, que conhece todo mundo da comunidade, sendo super ativa e engajada, e eu contei do projeto pra ela e pedi segredo, por ser poucas vagas, no dia seguinte tinha mais de 20 pessoas batendo na minha porta”.
Para a jovem, foi gratificante a realização dessa ação: “Eu ouvi relatos de pessoas que estavam gastando cerca de cinquenta reais, imprimindo material da prefeitura e eles disponibilizavam material semanalmente, uma família com cinco crianças não consegue dar conta desse gasto. Eu me senti extremamente abençoada em ver as crianças estudando e ver os agradecimentos dos responsáveis.”
Thalyta reforça a importância de projetos como estes, na construção de uma sociedade melhor: “Eu sou fruto de um projeto assim, e hoje eu me vejo como uma ferramenta, para que essas pessoas passem pela mesma evolução que eu passei”.
Diego Nóbrega, da Cidade de Deus (RJ), trabalhou a comunicação como ferramenta no combate ao coronavírus e principalmente na conscientização dos moradores da comunidade. “O que me incentivou a realizar esse projeto é que o pessoal continuou com aglomerações, barzinhos e festas, colocando a vida de muita gente em risco. Diante disso, coloquei um carro de som para rodar na comunidade durante cinco dias, pedindo para o pessoal se conscientizar e sair de casa somente se fosse necessário. Fiz banners e coloquei nos pontos mais vistos da nossa comunidade. Além disso, foram distribuídas 20 cestas básicas e kits de higiene para 20 famílias mais vulneráveis da nossa comunidade.” Afirma Diego, que realizou um trabalho de pesquisa para saber quais áreas do território necessitavam de mais atenção: “Fui para o lugar mais caótico da comunidade, onde o pessoal mais necessitava, fiz uma pesquisa e dali eu tirei as 20 famílias e fiz a distribuição das cestas básicas e kit higiene”. Para a realização da ação, o jovem estabeleceu parcerias, como, por exemplo, com o CEDAPS, que auxiliou na compra das cestas básicas. “Me senti completamente realizado por estar fazendo algo pela minha comunidade, realmente as pessoas precisavam muito de ajuda”, finaliza Diego
Trabalhar a comunicação na comunidade também foi o projeto da Pâmella Santos, da região da Pavuna (RJ). Ela e o irmão colocaram uma caixa de perguntas em frente ao portão de casa. “Sob a caixa tinha um cartaz que questionava qual era dúvida deles sobre a doença, e em pouco tempo nós recebemos muitas perguntas. Foram feitos panfletos, com as perguntas que os moradores fizeram e hoje em dia eles ainda estão circulando”. Assim como Diego, Pamella também realizou um trabalho de pesquisa, mapeamento e monitoramento de uma comunidade carente, para realizar entrega de kits de higiene para os moradores: “Eu e mais quatro jovens mapeamos uma comunidade muito vulnerável, dentro do Complexo da Pedreira, que tinha esgoto a céu aberto, e levamos kits de higiene. Mesmo usando máscara, era nítida a felicidade no olhar em receber algo que eles não tinham condições de comprar.”
Para Pamella, havia uma mistura de sentimentos, ao mesmo tempo que existia a alegria de fazer o bem a quem necessita, havia a insatisfação com o poder público diante daquela situação: “A nossa ação coletiva foi muito importante, considerando que político nenhum tinha entrado naquela favelinha, nós fomos os únicos a entrar para levar um pouco de esperança e dignidade para aquelas pessoas”, diz a jovem que relembra que foi alertada por uma moradora, que a atitude dela, e dos jovens que a acompanhava, era de muita coragem, considerando o ambiente vulnerável que eles se encontravam, principalmente em meio à uma pandemia.
Ainda em sua fala, Pamella ressaltou a importância da ação realizada em rede e de estabelecer parcerias e trabalhar em comunidade: “Somos um fruto daquilo que despertamos em nós mesmos e sabemos que não estamos sozinhos, e não é preciso ser super herói para fazer algo, é preciso buscar ativamente ser uma luz em um mundo cheio de sombras. Aquilo que a gente faz, é aquilo que a gente é, seres de enorme valor, basta apenas a gente escolher a nossa causa pessoal, aquilo que ressoa em nosso coração e na nossa cabeça, para agir. Nós somos a rede, nós somos a referência”.
Fernanda Lopes, explicou sobre a missão e as prioridades do Fundo Baobá para Equidade Racial, sobre o que foi o edital, teceu comentários sobre cada uma das exposições, e reiterou que são iniciativas como essas que movem o trabalho do Fundo Baobá. “No ano que vem, o Fundo Baobá completa dez anos e eu espero que essa iniciativa que mobilizou cinco participantes do Jovens Construtores possa mobilizar muitos outros jovens para estar conosco”, finalizou.
O principal destaque do Fundo Baobá para Equidade Racial na imprensa no mês de outubro foi o edital de Chamada para Artigos que subsidiem a filantropia para justiça social, com foco na promoção da equidade racial, considerando os impactos da pandemia da Covid-19 para a população negra.
Com as inscrições encerradas no dia 30 de outubro, para figurar como primeiro(a) autor(a) do artigo era necessário ser especialista, mestre ou doutor com produção acadêmica concernente às áreas priorizadas pelo Fundo Baobá, como educação, saúde; população quilombola; juventude negra; racismo religioso; violência de gênero, além de ciência e tecnologia; desenvolvimento econômico; comunicação, arte e memória, violência contra a população LGBTQI+ e violência racial
O Canal Futura, assim como em outros dois editais anteriores, produziu o quadro Minuto Futura dedicado ao novo edital do Fundo Baobá, sendo exibido na TV e nas redes sociais da emissora, na última semana das inscrições.
A diretora de Programa do Fundo Baobá, Fernanda Lopes, participou no final de setembro de Live promovida pela OSC Legal Instituto, iniciativa voltada ao fortalecimento das organizações da sociedade civil no que se refere a suas constituições e estratégias de gerenciamento e aprimoramento da relação que mantêm com órgãos da administração pública e iniciativa privada. O comando do encontro virtual esteve a cargo de Lucas Seara, advogado, Mestre em Desenvolvimento e Gestão Social pela Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia, e coordenador da OSC Legal. A Live alcança lideranças de organizações da sociedade civil em todo país, ávidos por trocar experiências, divulgar seus feitos e disseminar conhecimento. Em sua fala, Fernanda Lopes exaltou o sentido de coletivismo que pautou sua trajetória e que serve para inúmeros propósitos: “A gente não consegue nada sozinho. Só com o coletivo”, afirmou.
Fernanda Lopes fez questão de pontuar a sua trajetória pessoal, como bióloga de formação, com Mestrado e Doutorado em Saúde Pública, com área de concentração em Epidemiologia, porque nenhuma trajetória é construída de forma individual. Isso cabe para pessoas e organizações de qualquer setor. Numa sociedade racista e patriarcal, sem alianças, qualquer trajetória que visa o sucesso pode ser interrompida. Os sonhos podem ficar pelo caminho. “Eu só consegui construir essa trajetória porque tive pessoas que sempre estiveram ali, me apoiando. Meus familiares e a família que nos adota, que é composta pelos amigos, mas também contei com pessoas que são as minhas referências de ativismo”, explicou.
O ativismo negro é o que orientou a concepção do Fundo Baobá para Equidade Racial, que atua no enfrentamento ao racismo gerando oportunidades justas para o desenvolvimento de pessoas negras. Esse propósito também está relacionado à questão da captação e do investimento, para fomentar projetos e iniciativas negras precisamos ter sustentabilidade financeira, para isso temos um fundo patrimonial, que é o que nos diferencia. “A ideia é que sejamos um fundo patrimonial em expansão e que a gente tenha mais autonomia para investir de acordo com as necessidades e expectativas do nosso campo. E, para isso, a gente tem que incidir no ecossistema de filantropia. Porque nem tudo que se apresenta como antirracismo o é. Se o dinheiro é doado para ações programáticas e não há investimento nas organizações, elas não irão se desenvolver, aprimorar suas capacidades. E o que acaba acontecendo é que muitos dos apoios nos mantêm no mesmo lugar. E o que o Fundo Baobá quer é tirá-las desse lugar”, afirmou Fernanda Lopes.
A diretora de Programa do Fundo Baobá terminou sua exposição analisando a questão do investimento financeiro, que não pode ser um fim em si mesmo. “Para o Fundo Baobá e outras instituições que fazem parte do sistema de filantropia para justiça social, o que importa não é só o apoio financeiro. O apoio financeiro é essencial, mas ele não é o suficiente para promover oportunidades reais e justas para o movimento social, para as organizações, grupos e coletivos. Quando você investe financeiramente, mas as organizações não têm oportunidade de ampliar suas capacidades institucionais essenciais, não têm oportunidade de aprimorar o fazer gestão, planejamento; quando não têm oportunidade para garantir que mais gente entenda aquilo que elas realizam e queiram estar junto; se estas oportunidades não são apresentadas para essas organizações, o que vai acontecer: elas vão estar sempre na dependência. Elas vão estar sempre com medo de participar de um edital, por acreditar que não estão suficientemente preparadas para disputar. Isso é injusto. Essa desigualdade não é justificável. E isso é iniquidade. O papel do Baobá é mudar este quadro”, concluiu.
Apesar do assunto política se manter em evidência durante o período eleitoral, a ciência política é vivenciada a todo momento. É notório que determinados territórios, considerados negros, empobrecidos, periféricos e quilombolas, carecem de atenção e atuação do poder público. Para discutir sobre participação política, resiliência comunitária e recuperação econômica, conversamos com Lúcia Xavier, assistente social e coordenadora da ONG Criola, organização com mais de 25 anos de trajetória na defesa da sociedade civil e parceira do Fundo Baobá para Equidade Racial no Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco.
Quando falamos em territórios, principalmente territórios negros, empobrecidos, periféricos, quilombolas, como fazer que as suas demandas e necessidades sejam ouvidas e atendidas pelo poder público?
Há uma ideia de incapacidade da população de arregimentar e correr atrás dos seus direitos parece que elas não fizeram as perguntas certas na hora certa para a população garantir os seus direitos. Na verdade, faz parte da dinâmica do racismo institucional garantir que o que você faz e o que pensa não faça sentido. Então, por mais que as pessoas tenham uma experiência na solução dos problemas, elas vão enfrentar um racismo institucionalizado que vai fazer com que essa entrega seja entendida como ainda não acabada, ainda impossível de ser executada. Daí uma necessidade de uma mobilização da sociedade, de que você consiga trazer para um contexto social essa demanda e fazer com que ela seja compreendida, quer seja no ponto de vista da solidariedade ou do compromisso político, como uma demanda legítima. Você pode não conseguir o efeito 100%, mas você pode ter uma resposta à altura desses acontecimentos. Um exemplo: morte materna – a sociedade se corrói com essa questão da morte materna, mas ela não é capaz de se movimentar a ponto de pedir o fim da morte materna. Então fica-se sempre achando que você ainda não alcançou essa fala porque você ainda não soube traduzir esse conhecimento, essa necessidade, mas na verdade nos falta ainda uma possibilidade de sensibilizar, tanto o próprio setor da população negra quanto fora dele, sensibilizar a sociedade de modo geral, para que sejam dadas respostas à altura do que a gente necessita.
No que se diz respeito à Resiliência Comunitária: o quanto as comunidades, os territórios negros, para sobreviver, precisam se organizar para ocupar o espaço que o Estado não ocupa?
É importante frisar que o Estado não deixa nada vago. Não tem espaço vago na política. Ele que faz você acreditar que falta algo em você para alcançar aquilo, para dar o retorno necessário para o desenvolvimento da sua atuação, porque, afinal de contas o Estado é um espaço da disputa entre grupos. Fica parecendo falta de competência dos grupos no acesso à representação política, que os grupos não foram capazes de construir representação suficiente. E você acredita nisso, você acredita que não tinha candidatos preparados, que não tinha candidatos adaptados para este processo. Então você fica imaginando que tem uma vaga que nunca vai ser preenchida, e aí você olha e acha que isso tem a ver com o racismo, mas na verdade tem a ver também com modo que se estruturam essas relações para fazer você imaginar que falta ainda capacidade para essa população acessar esse mecanismo. Então a ideia é que parece que tem uma vaga, mas na verdade há uma estrutura para você não participar. É como se eu te oferecesse um emprego para você varrer a minha rua, mas em seguida, quando você se coloca à disposição, eu digo que a qualificação para essa vaga é saber pular amarelinha; aí você se prepara para pular amarelinha, mas no mesmo momento eu falo que é uma amarelinha que não usa somente os pés, mas as mãos também. Ou seja, eu vou dando dificuldades que parecem parte do jogo, mas que no fundo têm a ver com as estratégias do racismo institucional.
Como podemos classificar a participação dos habitantes de territórios negros, territórios empobrecidos, periféricos, quilombolas no espaço político? E se são candidatos, conseguem se eleger?
Eu imagino que a população tem um modo de operar os processos políticos, analisando os seus problemas e a capacidade de diferentes sujeitos a dar conta desses problemas. Por exemplo, se eu tenho problemas de transporte na região onde eu vivo, no meu território, essa questão se apresenta pra mim como uma questão importante, que precisa ser tratada. Então eu vou olhar na constelação de candidatos aqueles que também olham para os mesmos problemas que eu. Se você é igual a mim, esteve nas mesmas condições, qual é a sua chance de alcançar essa disputa e trabalhar esse direito? Então o que eu acho que tem acontecido é que a população faz uma boa análise e, inclusive, até vota nos candidatos do seu próprio território. Mas ela também aspira outras questões relacionadas ao seu direito, à força política para fazer mudanças naquele território e que se relacionam com o conjunto da cidade, com estado e com o país. É claro que tem fisiologismo, tem a compra dos votos que, nesse sentido, ultrapassa as dinâmicas da política. Muitos acham que a população vende o seu voto: claro que não! Às vezes ela está presa a armadilhas que estão nas mãos de políticos, como vaga em escola ou o acesso a serviços de saúde. Então, de certa maneira, fica parecendo que ela vendeu o voto, mas não: é o sistema que opera de maneira que ela não tenha oportunidade de apresentar novas candidaturas, novos representantes e novas possibilidades de mudanças. Eu acho que a população arrisca sempre nessa análise, escolhe candidaturas que vão dar conta dos problemas que ela está elegendo nesse processo: saúde, trabalho, educação, segurança… e a partir daí planeja essa candidatura, mesmo que às vezes pareça conservadora e violenta. Por que nos parlamentos tem tantos policiais e pessoas do mundo militar? Porque a sociedade está achando que esse grupo pode vir a enfrentar um problema que ela não consegue, que é a violência armada, o crime organizado, a violência policial. A população quer alguém que venha dar conta de dinâmicas que ela mesma não dá conta. A Marielle Franco foi uma liderança política que quando foi eleita, os dois grupos a estavam analisando corretamente, o grupo interno e o grupo externo. O grupo interno, no caso a Favela da Maré, que ela teve votos lá também, analisava que ela seria uma boa representante para remover essas barreiras e garantir direitos. E, o grupo externo a enxergava com mais força ainda, porque vinha daquele lugar e, para além do seu próprio discurso, ela seria capaz de projetar a sua voz para a sociedade, à favor daquele grupo. Por isso eu entendo que quem votou na Marielle não foi a elite, eu entendo que quem votou na Marielle tinha o mesmo projeto, tanto os que moravam na favela,quanto aqueles que moravam fora. Votaram pensando nas mudanças e nas melhorias para aquele local, para aquela cidade, para aquele grupo. Votaram por estas razões, e você vê que até hoje que ela segue sendo referência. A partir dela se ampliaram mais representações políticas que vinham desse mesmo campo.
O Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, do Fundo Baobá, surgiu para fomentar lideranças femininas em espaços de poder. Para você, o que falta para que as mulheres, principalmente mulheres negras, vindas de territórios negros, ocupem esses espaços políticos?
Eu vou olhar isso de dois modos: ser uma liderança na sociedade, promovendo processos de fortalecimento das mulheres e da população negra, ampliando os horizontes da democracia brasileira, melhorando a qualidade de vida dessa população. Acho que já é uma possibilidade das mais importantes você ter gente em vários setores debatendo e discutindo a questão racial e, ao mesmo tempo, pontuando a partir daí direitos, liberdade, democracia. E o outro ponto tem a ver com as dinâmicas institucionais, aquelas que também vão estabelecer direitos que podem melhorar a democracia e ampliar liberdades. Quando eu vejo alguém se candidatando a algum cargo público em um parlamento, eu também penso que essa pessoa possa dirigir uma unidade de saúde e uma unidade escolar, pode gerenciar programaticamente secretarias, ministérios, direção de instituições, o que é claro, uma disputa complexa, mas necessária. Mas não é possível olhar só um lado, é preciso ter vozes fortes na sociedade. Porque parte das mudanças produzidas na sociedade têm a ver com a capacidade dos setores envolvidos nessa discussão de sensibilizar e convencer outros setores. Pegando como exemplo a eleição da Marielle e o lugar de onde ela veio: ela convenceu outros setores a apoiar as suas causas, e essa experiência política de participação da sociedade é de muita importância. A Marielle, que estava se candidatando a um cargo público no parlamento, foi capaz de expressar na sociedade a necessidade de fazer valer essa ideia, esse propósito. Ela também moveu a estrutura da sociedade a pensar na população negra, para enfrentar a violência contra essa população, para pensar nos territórios que essa população vive. Então um projeto como o Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco deve ter a capacidade de construir lideranças na sociedade que estejam em outros setores além do público, para fazer valer o direito da população.
Hoje, como tem sido a atuação da ONG Criola dentro desse contexto de resiliência comunitária, recuperação econômica e participação política?
Nós temos uma experiência muito importante. Agora, durante a pandemia da covid-19, nós consultamos algumas lideranças sobre o que elas estavam fazendo diante desse processo. Era importante compreender como elas estavam enfrentando as violações de direitos, se elas estavam se solidarizando com o seu território e com a população deste território. E a gente descobriu que elas estavam buscando soluções de todos os níveis: soluções em torno da prevenção, dos impactos econômicos, da fome, da falta de renda. E nós perguntamos se elas queriam atuar nessa mesma direção, promovendo direitos humanos, e elas aceitaram, até porque elas já estavam atuando nesse campo. Nós queríamos remover barreiras contra esses direitos, para que, só alguém vivendo nessa realidade poderia nos ajudar. Perguntamos se essa ação de ajuda humanitária não poderia ser conjugada também com uma ação de direitos, e elas toparam. Então, as lideranças que fecharam esta parceria com Criola promoveram distribuição de alimentos e também ajudaram no cadastramento para o auxílio emergencial, identificaram e foram ajudando as mulheres a removerem algumas das barreiras que as impediam de terem acesso ao auxílio. O auxílio era essencial pois se tratava de algo de mais longo prazo, em comparação à ajuda solidária, que teria um fim em algum momento, tendo em vista que a pandemia atingiu todo mundo. Acabou ocorrendo que essas mulheres, com apoio das lideranças, resolveram problemas da documentação, acionaram serviços públicos que estavam paralisados, reivindicaram direito à saúde, à assistência, trabalharam junto com órgãos de Justiça, como a Defensoria Pública, para poder alcançar esses direitos, promoveram a prevenção – não só a distribuição do material, mas também garantiram o acesso à informação correta. Também puderam reunir outras forças comunitárias para enfrentar o problema, atuaram junto com jovens, igrejas, terreiros, coletivos e grupos comunitários, todos trabalhando nas lógica e na dinâmica de direitos.
Para quem quiser mais informações sobre essa iniciativa, é só acessar o agoraehora.org
Pesquisa feita pela Unicef, intitulada Impactos Primários e Secundários da Covid-19 em Crianças e Adolescentes, revelou que famílias com crianças e adolescentes até 18 anos foram as mais impactadas pela pandemia no Brasil. Realizado pelo Ibope, o estudo, que foi divulgado em agosto de 2020, mostra que esses grupos foram os que tiveram maior redução de rendimentos com, por exemplo, a perda de emprego e, consequentemente, maior exposição à fome e à violência.
O que o levantamento expôs em números, a pedagoga Viviana Santiago, 40 anos, conhece na prática. Gerente de Gênero e Incidência Política da Plan International Brasil, ONG voltada à promoção dos direitos das crianças e igualdade para meninas, ela convive diretamente com as famílias e comunidades em contexto de vulnerabilidade agravada pela crise sanitária.
Segundo Viviana, que atua no terceiro setor há 14 anos, seis dos quais na organização internacional, a pandemia alimentou a violência, o estresse e a fome nessas famílias. “Com a desmobilização das redes de cuidado das crianças e da educação infantil, essas pessoas perderam muito. Centenas ficaram sem rendimento ou emprego. Outras precisaram continuar trabalhando para sustentar as famílias”, afirma.
Os responsáveis pela renda tiveram que trabalhar, deixaram muitas vezes os filhos menores sob a supervisão e cuidado dos mais velhos (e não tão mais velhos assim!). Os que ficaram sem renda foram ainda mais expostos, pois não tinham o que oferecer à família para garantir o básico. “Ou seja: a pandemia acrescentou mais estresse ou mais trabalho para esses núcleos”, completa Viviana.
Com a falta de espaços de alimentação e acolhimento para essas mulheres e seus filhos, aconteceu o aumento da violência intrafamiliar – física ou sexual -, com abuso e exploração, o que reverberou especialmente na vida das crianças pequenas. Foi nesse contexto que o Fundo Baobá lançou em julho o edital de doações emergenciais com foco em famílias com crianças de 0 a 6 anos. O objetivo era selecionar profissionais dos setores saúde, educação e assistência social capazes de formular e implementar iniciativas de apoio, no contexto da pandemia Covid-19, a famílias com mulheres e adolescentes grávidas, mulheres que deram à luz, homens responsáveis e corresponsáveis pelo cuidado de crianças nessa faixa etária em seus núcleos. A iniciativa, realizada em parceria com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, a Porticus América Latina e a Imaginable Futures, atraiu mais de 200 pleiteantes de todas as regiões do Brasil. Foram selecionadas 56 propostas que estão recebendo apoio no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Por regiões, o número de projetos contemplados é o seguinte: 24 do Nordeste, 23 do Sudeste, 4 do Norte, 4 do Centro Oeste e 1 do Sul. A lista de selecionados foi divulgada no final de setembro e pode ser conferida aqui.
Parte da solução para interromper esse ciclo, segundo Viviana, é fortalecer as redes de proteção para que continuem sendo capazes de cuidar, não apenas das crianças e adolescentes, mas também dos provedores da família para recompor a renda e impactar o menos possível o desenvolvimento infantil. “Quando acontece a retomada do trabalho, sem o suporte para essas crianças e adolescentes, aumentam as chances do trabalho infantil e de que eles fiquem em risco”, explica. “Por isso, é tão importante criar ações coordenadas de proteção para essas famílias.”
Renata Santos, 43 anos, ou simplesmente “Meduza com Z” (seu nome artístico), concorda. Diz que a pandemia evidenciou as vulnerabilidades dos territórios, por exemplo, como Sapopemba, na zona leste de São Paulo, que lidera os rankings de pessoas infectadas e de vítimas fatais. “Muitos residem com suas famílias em ocupações, favelas, vielas, casas pequenas, não tendo como manter o isolamento social”, afirma, com a certeza de quem lida com essa realidade todos os dias.
Perda de empregos e escolas fechadas – que, embora oferecessem aulas on-line deixaram milhares de estudantes sem acesso porque ou não tinham equipamentos ou não dispunham de internet – pressionaram ainda mais as famílias, aumentando os casos de maus-tratos, a negligência, a violência doméstica e sexual.
“Aqui, foi uma tragédia declarada”, completa. “A expectativa é de que, quando a pandemia acabar, os governantes percebam o quanto continuamos sendo prejudicados. Dessa forma, implantem políticas públicas com ofertas regulares de serviços que possam, de fato, suprir as necessidades básicas da população da periferia.”
Também uma das contempladas pelo Fundo Baobá para Equidade Racial no Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, Renata tem uma longa trajetória de atuação social. Recentemente, dedica-se ao projeto CapoELAndo, que reúne professoras e alunas, desenvolve iniciativas socioculturais para mulheres negras e periféricas de Sapopemba. Afinal, Renata sabe que ali convivem, lado a lado, criminalidade, drogadição, violência doméstica e todo tipo de violação de direitos. Por isso, capitaneou uma campanha junto ao Enfrente/Benfeitoria com o CapoELAndo – Luta por Direitos Fundamentais.
“Conseguimos arrecadar bom recurso financeiro que permitiu auxiliar as nossas atendidas, seus familiares e outras centenas de famílias necessitadas com doação de cestas básicas e produtos de higiene. Além disso, realizamos visitas para orientá-las sobre a importância de prevenção do coronavírus”. Os projetos não param por aí. Se depender do fôlego da Meduza com Z, tem ainda muita arte, esporte e lazer na mira dela para fortalecer sua comunidade.
Danúbia Santos, 34 anos, líder negra apoiada pelo Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco (relembre o programa aqui), executiva social da Central Única das Favelas (CUFA-Bahia) e coordenadora do Coletivo Negritude Sussuarana, é incansável. Desde a adolescência, participa de atividades ligadas ao teatro e à dança, dedicando parte do seu tempo a projetos culturais. Nesse processo, não esquece da necessidade de conscientizar os jovens das comunidades para as questões de etnia, cidadania, educação, identidade, sexualidades, drogas e diversidade religiosa, realizando, por meio da arte, seu trabalho de desenvolvimento político e social. Confira sua experiência nas comunidades em tempos de Covid-19:
Boletim – Em que consiste o seu trabalho na CUFA/BA? Como começou a sua trajetória nessa área?
Danúbia Santos – A CUFA (Central Única das Favelas) é uma rede com foco em empreendedorismo social que atua em 27 estados e mais 22 países. Na CUFA Bahia eu sou executiva social e coordenadora do núcleo Sussuarana. Comecei no movimento social há uns 20 anos, em uma ONG, a CRIA (Centro de Referência Integral de Adolescentes). Aos 14 anos, já era uma jovem dinamizadora e movimentava diversas ações em minha favela (Sussuarana) e em Salvador por meio de atividades artísticas e culturais que liderava, do Movimento HIP HOP e ações voltadas para equidade racial. Não parei mais. Conheci a CUFA em 2010 e fiquei encantada, pois tive a oportunidade de conhecer meu ídolo MV Bill e o visionário Celso Athayde. Já lia muito sobre eles nas revistas de RAP e, apesar de não haver uma formação forte da CUFA na Bahia, fazíamos sempre parcerias para promover várias ações na minha comunidade.
Boletim – Para você, que convive diariamente com a realidade dessas famílias, quais os principais desafios, no contexto da pandemia, do isolamento e do distanciamento social?
Danúbia – Acho que o principal desafio neste momento são as pessoas que moram em favelas se manterem em casa. A favela não parou, pois muitos precisaram permanecer trabalhando para garantir o sustento de suas famílias. São padeiros, trabalhadores de supermercados, ambulantes, garis… Sem essas pessoas, a sociedade, de modo geral, não poderia inclusive garantir seu próprio sustento mesmo tendo recursos. O distanciamento é praticamente impossível, pois muitas vezes estamos falando de famílias numerosas, que moram em pequenos cômodos. Por isso,nas ações de apoio emergencial, além da alimentação, focamos também na distribuição de álcool 70%, máscaras e produtos de higiene para, ao menos, reduzir os impactos da Covid na vida dessas pessoas. Além disso, a CUFA criou o programa “criança da favela”, por meio do qual recebemos doação de brinquedos para distribuir para crianças que neste momento ficam em casa ociosas e também têm direito de brincar.
Boletim – Você que está em contato direto com a realidade dessas famílias e de seus filhos, o que destaca como essencial nesse momento?
Danúbia – A situação é muito complexa. Vejo que muitas mães precisam retornar ao trabalho, mas as aulas não voltaram. Então, elas ficam sem opção. Também por isso os auxílios não podem parar ainda porque muitas famílias necessitam, já que perderam seus trabalhos ou não podem sair de casa por conviverem com moradores de grupos de risco ou crianças que não podem ficar sozinhas. Neste momento, é essencial também ter a sensibilidade de perceber as necessidades de cada público. Em Sussuarana, por exemplo, além de ações específicas com ambulantes e recicladores, fizemos a distribuição de cestas para o publico LGBTQIA+.
Boletim – De que forma a pandemia realmente impactou essas famílias? Que perspectivas enxergam?
Danúbia – Muitas famílias de fato tiveram seus recursos reduzidos neste momento de pandemia – seja por não poderem sair para trabalhar ou por terem perdido seus empregos. O que percebo hoje é que muitas pessoas estão meio que ‘jogando pra cima’. Aqui em Salvador já houve a abertura de diversos espaços. Querem limitar os locais de lazer, mas o transporte público permanece reduzido, obrigando as pessoas a pegarem ônibus lotados e ficarem muito próximas. É um problema estrutural, pois, por mais que as pessoas queiram se prevenir, são obrigadas a ficar coladas.
Boletim – O que é mais gratificante no seu trabalho e o que é mais desafiador?
Danúbia – É muito gratificante poder contribuir com as pessoas de alguma forma, principalmente mulheres negras que ficaram sem perspectiva neste momento e viram uma pequena contribuição chegar em suas casas para, pelo menos, amenizar a situação. Temos consciência que as pessoas querem mesmo é trabalhar e ter seu poder aquisitivo. Desejam pegar seu dinheiro e comprar o que quiserem. É isso que traz dignidade. Porém, neste momento de pandemia, está sendo mais do que necessário fazer as doações para levar o alimento à mesa das famílias. Isso nos faz acreditar em um futuro mais humano. O maior desafio é fazer com que as pessoas compreendam a importância da prevenção. Na verdade, nossa morte é banalizada há muito tempo. Então, é difícil fazer as pessoas acreditarem que vale a pena proteger a sua vida e a dos outros.
Boletim – Em que consiste o seu projeto de desenvolvimento individual apoiado pelo Programa Marielle Franco? E de que forma complementa sua atuação?
Danúbia – Meu projeto visa ao meu desenvolvimento pessoal, social e profissional. Passar no edital foi e vem sendo de extrema importância, primeiro porque eu tenho a oportunidade de fazer investimentos em minha formação acadêmica e também por transmitir os conhecimentos adquiridos para outras pessoas. Desde que ingressei no Programa, me sinto muito fortalecida e capaz de realizar coisas antes inimagináveis. Consigo desenvolver habilidades e sair da minha zona de conforto, trazendo bons resultados também na CUFA. Fico muito feliz e lisonjeada em ver minha favela ser pautada em âmbito nacional e internacional.
O prazo está acabando: vão até 12 de outubro as inscrições no edital de artigos sobre ações de filantropia para equidade racial no contexto pós-pandemia. Serão selecionados até 20 artigos e seus autores vão receber verba de apoio no valor de R$ 2,5 mil cada. Para 2021, ano em que o Fundo Baobá para Equidade Racial completa 10 anos de fundação, uma edição eletrônica bilíngue (português-inglês) de um livro com os artigos será publicada.
O edital é aberto a toda a comunidade acadêmica. Para figurar como primeiro(a) autor(a) do artigo esperamos contar com especialistas, mestres ou doutores com produção acadêmica concernentes às áreas priorizadas pelo Fundo Baobá para os seus investimentos programáticos: educação para equidade racial, do ciclo básico à pós-graduação; população quilombola; juventude negra; racismo religioso; saúde da população negra e ciclo de vida; masculinidades negras; violência de gênero contra mulheres negras; violência de gênero contra lésbicas, gays, travestis, transsexuais, queers, intersex negrxs; violência racial: segurança cidadã; racismo ambiental; população negra, ciência e tecnologia; população negra e desenvolvimento econômico; população negra, comunicação e arte; população negra e memória.
O objetivo do edital, que é parte do projeto Consolidando Capacidades e Ampliando Fronteiras e integra uma parceria com a Fundação Ford, é a produção de conhecimento que possa fortalecer a atuação do Fundo Baobá no apoio a organizações e lideranças negras. Por isso, a participação da comunidade acadêmica é muito importante.
A primeira etapa da seleção será de 26 de outubro a 10 de dezembro de 2020 e contará com o apoio de um grupo de pesquisadores com experiência comprovada na área e com título de doutor há pelo menos cinco anos para realizar análise crítica dos artigos. A lista final dos textos que irão compor a publicação será divulgada no site do Fundo Baobá até o dia 22 de fevereiro de 2021.
O Fundo Baobá Para a Equidade Racial divulgou no dia 25 de setembro, a lista de selecionados do edital de doações emergenciais de apoio à primeira infância no contexto da Covid-19.
A iniciativa do Fundo Baobá, em parceria com a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, a Porticus América Latina e a Imaginable Futures foi concebida para apoiar famílias com mulheres e adolescentes em estado de gravidez, mulheres em situação de parto recente, além de homens responsáveis ou corresponsáveis pelo cuidado de crianças de 0 a 6 anos no contexto da pandemia Covid-19.
Lançado no mês de julho, o edital teve mais de 200 pleiteantes entre os dias 6 de julho e 9 de agosto de 2020. As inscrições vieram de vários estados do Brasil. Por regiões, o número de projetos contemplados é o seguinte: Nordeste – 24; Sudeste – 23; Norte – 4; Centro Oeste – 4; e Sul – 1.
Como o edital indicava, os critérios de seleção levaram em conta a coerência da proposta frente aos objetivos do edital, sua adequação e factibilidade frente às condições de vida e saúde e às singularidades dos sujeitos para os quais as ações seriam dirigidas (por exemplo ações dirigidas a povos indígenas, quilombolas, migrantes ou refugiados, foram avaliadas em relação à sensibilidade cultural).
O processo de escolha também levou em consideração a adequação e factibilidade da proposta frente ao contexto de isolamento social imposto pela pandemia da COVID19 e buscou priorizar propostas voltadas para o apoio no campo da saúde, educação e assistência social à famílias que vivem em contextos de desigualdades sociais, violência urbana, violência intrafamiliar, desemprego, fome e outras adversidades agravadas no contexto da pandemia de COVID19.
O cruzamento desses critérios permitiu identificar 56 iniciativas que irão receber apoio no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). A divulgação dos vencedores, como previsto no edital, é feita 45 dias após o término do período de inscrições. Os valores serão depositados para os vencedores dentro de 10 dias úteis e a prestação de contas deve ocorrer em até 90 dias após recebimento da doação.
O Fundo Baobá convida todas as pessoas selecionadas para uma reunião virtual no dia 1º de outubro, via plataforma zoom. Mais detalhes serão enviados por e-mail.
Fundada na década de 1980, a fundação atua mundialmente com foco em combater desigualdades e o preconceito. Atualmente, os países que mais recebem investimentos são o Brasil e a Colômbia, fortalecendo as lideranças e organizações negras. Conheça parte dessa história que é contada por Lígia Batista, assessora especial do Programa para América Latina.
Boletim – Quando a Open Society Foundations trouxe para o centro a questão da equidade racial nos Estados Unidos e no Brasil?
Lígia Batista – O trabalho da Open Society nos Estados Unidos começou na década de 1980, com foco em melhorar a qualidade dos cuidados paliativos e reformar a política de drogas, dotada de práticas severamente punitivas que recaíam especialmente sobre os negros. Na década de 1990, o trabalho foi ampliado para combater o preconceito nas escolas, no policiamento, nos processos eleitorais e no sistema judiciário, bem como foi intensificado o apoio àqueles que defendiam mais níveis de prestação de contas pelos governos e a proteção dos direitos civis e políticos. Em 2020, a fundação investiu $220 milhões de dólares para fortalecer o poder de atuação e disputa política das comunidades negras norte-americanas, em resposta às ondas de protestos que ainda tomam as ruas do país em reação aos assassinatos de afro-americanos pela polícia. No Brasil, a fundação tem aumentado sua atuação no fortalecimento de lideranças e organizações negras. Apoiamos cada vez mais grupos que se posicionam na vanguarda das disputas políticas e no enfrentamento ao racismo, seja no campo da inovação democrática, da construção de contranarrativas ou do reposicionamento do debate sobre direitos humanos neste país, no qual raça e etnia devem ser entendidas como eixos centrais. Além disso, buscamos contribuir para alavancar o debate sobre o papel que a filantropia deve ter na luta antirracista.
Boletim – E a atuação com o Fundo Baobá?
Lígia Batista – Um dos maiores apoios já realizados pela fundação no Brasil foi para a consolidação do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. A parceria com o Fundo Baobá, iniciada em 2018, visou a consolidação desse projeto que é fundamental. O assassinato de Marielle diz muito a respeito do medo que as elites brancas cisheteronormativas carregam diante do levante de mulheres negras que desafiam as estruturas de poder. E nada é mais vigoroso do que responder a essa tentativa de silenciamento com o fortalecimento de outras vozes negras femininas em todo o país que dedicam sua energia à luta por equidade racial no Brasil sem perder de vista as dimensões de gênero, classe, sexualidades e território, dentre outras. A existência desse Programa, feito por e para mulheres negras, só reforça o senso de que não avançamos sozinhas, mas de forma coletiva.
Boletim – Por que a Open Society Foundations considera relevante apoiar iniciativas, programas e projetos que promovam a equidade racial?
Lígia Batista – Mais da metade da população brasileira é autodeclarada negra. Essa é uma dinâmica única que nos torna o país com a maior população negra fora do continente africano. Apesar disso, ainda que sejamos maioria, há uma clara distorção nas relações de poder. Negros e negras ainda são minoria em direitos, representação e participação política, além de alvos preferenciais da violência armada, da desigualdade econômica, do encarceramento, da intolerância religiosa e da violência de gênero. Assim, em um país majoritariamente negro, no qual uma minoria branca sempre controlou os sistemas de poder, apoiar ações que promovam a equidade racial deve ser uma prioridade. Lutar contra o racismo é lutar por uma sociedade que busque reparar o legado de dor e violência deixado pelo colonialismo e pela escravidão, combatendo as expressões contemporâneas de exclusão que até hoje ainda derivam desses processos históricos.
Boletim – Qual é o papel das fundações na busca por um mundo mais justo e igualitário?
Lígia Batista – O papel da filantropia no Brasil pode ser decisivo para a consolidação de um projeto diferente de presente e de futuro. Ainda que sem dominar os poderes econômicos e políticos que sustentam essa sociedade desigual, os movimentos negros têm dado conta de tocar múltiplas estratégias de ação, já tendo alcançado vitórias históricas. Grandes lideranças do setor filantrópico devem tomar partido nessa discussão, se posicionar do lado certo da história e promover ações concretas, para dentro e para fora de suas instituições. O setor precisa compreender que a neutralidade não existe e que todas as escolhas estratégicas de ação adotadas pelo investimento social privado partem de alguma perspectiva – e elas nunca foram racialmente ‘neutras’. Dessa forma, destaco que o compromisso com a equidade racial no setor deve se refletir na missão, visão e valores das instituições. É preciso incorporar a equidade racial ‘portas para dentro’, a partir, por exemplo, da definição de critérios objetivos e políticas internas para fortalecer a diversidade e equidade nos processos de contratação das equipes, com a garantia de que as vozes negras tenham espaço real de escuta e participação ativa na tomada de decisão. Essa diversidade deve se aplicar também aos conselhos. E pensando em ‘portas para fora’, é urgente investir e fortalecer cada vez mais lideranças e organizações negras da sociedade civil, incorporando o enfrentamento ao racismo de forma clara nos planos de ação.
Boletim – Além do apoio que oferece ao Fundo Baobá, no Brasil, que outros países têm iniciativas apoiadas?
Lígia Batista – A Open Society tem atuação em mais de 120 países ao redor do mundo. A fundação apoia o fortalecimento de sociedades abertas e vibrantes em todos os continentes e tem presença já consolidada e crescente na América Latina. Considerando especificamente o trabalho para equidade racial e as relações raciais na região, os países que hoje concentram a maior parte dos investimentos são Brasil e Colômbia, visando o fortalecimento de grupos afro-latinos e indígenas.
Boletim – Gostaria de fazer algum comentário adicional ou deixar um recado para as pessoas?
Lígia Batista – O recado que eu gostaria de deixar é que é preciso agir agora. Que não tenhamos que esperar por mais casos como os de Ágatha Felix, João Pedro, Rafael Braga, Preta Ferreira, Valéria Santos e tantos outros que escancaram o racismo cotidiano para nos lembrarmos que essa causa é real e urgente. Além disso, destaco que a luta por equidade racial não deve ser travada apenas por pessoas negras: o enfrentamento ao racismo deve ser uma agenda de todos e todas. Cada um de nós tem um papel fundamental para tornar realidade a utopia de justiça, dignidade e direitos para todos e todas.
A diretora-executiva do Fundo Baobá para Equidade Racial, Selma Moreira, participou do evento Road Show 2020 – Conexão, Diálogos e Transformação, organizado pela Eight Diálogos Transformadores, uma rede colaborativa de coaches e facilitadores de diálogos, em 17 de setembro. Além da Selma Moreira, participaram também três apoiadas do Programa de Desenvolvimento e Aceleração de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, iniciativa do Fundo Baobá em parceria com a Fundação Kellogg, Instituto Ibirapitanga, Fundação Ford e Open Society Foundations. Entre elas estavam a diretora-executiva do Instituto Migra, Monalyza Alves; a cineasta e coordenadora de licenciamento e filmes originais da Netflix, Aline Lourena; e a educadora social e estudante de filosofia Lídia Rodrigues.
Com o tema “Diversidade na Prática – Coaching como Acelerador de Lideranças”, o evento virtual foi mediado por Christine Napoli e Roberto Rotenberg, ambos da Eight. Em sua fala inicial, Selma apresentou o Fundo Baobá, a forma como a organização funciona e o seu trabalho de promoção da equidade racial no país, por meio do apoio financeiro e técnico que alcança organizações, grupos e coletivos negros via editais. A diretora-executiva também explicou a forma como o Baobá capta recursos, dialogando com empresas e instituições, e também com indivíduos, que podem doar para a instituição funcionar no dia a dia, para os programas e projetos ou para o fundo patrimonial. Sobre isso, Selma frisou a importância de dialogar com as pessoas e mostrar a necessidade de se empenhar na luta antirracista: “Captar é um grande desafio, mas tem um diálogo para ser dirigido aos indivíduos, que cada cidadão precisa também pensar qual é o seu lugar, nessa construção de uma sociedade mais justa, o que te toca o que você pode contribuir para isso, além de fazer um post bacana nas redes sociais”.
Entre as lideranças apoiadas, Monalyza Alves fez questão de destacar a importância do seu projeto desenvolvido com apoio do Programa Marielle Franco: “Eu trabalhei por dez anos no governo do Estado do Rio de Janeiro, atuando com políticas de promoção da igualdade racial e também com direitos humanos. E havia uma dificudade por parte de gestores, principalmente negros, em entender como a estrutura do governo funciona. Então quando eu fiquei sabendo do Fundo Baobá, eu inscrevi esse projeto que é uma espécie de formação inicial para quem vai assumir cargos públicos. Porque eu entendo que se você conhece a máquina, você consegue transformá-la”.
Para a cineasta Aline Lourena, a raiz do seu trabalho é empoderar mulheres negras e torná-las protagonistas da sua própria história: “A minha missão é ampliar o número de mulheres negras em cargos de liderança. Eu sou cineasta, mas eu passei boa parte da minha vida empreendendo em uma agência de comunicação e publicidade, sendo pioneira no Brasil em ter todo um processo de admissão de um corpo de profissionais negros e LGBTQI+, sendo essa uma das únicas estratégias possíveis de atuar no mercado de trabalho, na área da comunicação e do entretenimento, em um espaço de protagonismo, onde eu pudesse trazer as nossas histórias para o grande público”.
Sendo uma grande militante em defesa das crianças e adolescentes vitimas de violência sexual, Lígia Rodrigues falou sobre o seu projeto que busca trabalhar autoproteção, principalmente com a perspectiva racial: “Desde os 15 anos eu sou ativista do enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes e, ao longo dos anos, eu fiz educação social de rua, educação em saúde e planejamento de políticas públicas. Em 2019 eu estava em Brasília, e eu estava muito angustiada porque eu não conseguia ver o link das ações que aconteciam no campo, de enfrentamento direto a violência sexual, e o que repercutia lá no planalto, considerando que eles queriam aumentar a pena para autores de crimes sexuais, mas lutavam pra acabar com a educação sexual, que é o principal mecanimo de enfrentamento a violência sexual. E foi à partir dessa indignação que formulei o meu projeto que é de educação e autoproteção para crianças e adolescentes.”, completa.
Christine Napoli, relembrou o papel da Eight no Programa Marielle Franco, considerando que ele é fomentado por dois blocos: “Um dedicado à formação das líderes individuais e o outro é o apoio aos coletivos liderados por mulheres negras. Nessa parte da formação individual, o Programa tem três pilares, um que irá subsidiar as líderes em sua atuação política e de lugar de fala, outro que cuida da parte psicológica, resiliência e de enfrentamento ao racismo, e a outra parte de coaching individual, que foi justamente onde nós da Eight entramos”. Para Selma, o trabalho da Eight com as apoiadas do Programa é essencial: “O racismo é algo tão perverso, tão absurdo, que muitas vezes faz com que a gente tenha dúvidas da nossa capacidade, tenha dúvidas da nossa luz, então a perspectiva é que nós tenhamos o coach como uma ferramenta que nos auxilia a entender todo o nosso potencial, brilho, capacidade e força. O que a gente está sonhando e como é que a gente faz acontecer, e esse é o papel da Eight, de apoio nessa transição do sonho para a realidade”, destacou.
Lançado no dia 10 de julho, o edital teve 245 pessoas inscritas, até o encerramento das inscrições no dia 9 de agosto de 2020. O Programa Já é inclui uma bolsa de estudos em um cursinho preparatório para o vestibular, atividades voltadas para o enfrentamento dos efeitos psicossociais do racismo e para a ampliação das habilidades socioemocionais e acadêmicas, incluindo programa de mentoria. Além dos itens citados, as despesas de transporte e alimentação também serão custeadas ao longo do Programa, que deve ter duração de 12 meses a partir de março de 2021.
O Programa Já É: Educação para Equidade Racial, é para jovens de ambos os sexos, mas priorizam jovens de sexo masculino, jovens transsexuais, jovens mães, jovens que tenham cumprido medidas socioeducativas, e jovens que residem em bairros, territórios ou comunidades periféricas.
Como descrito no edital, a segunda etapa de seleção será classificatória e acontecerá no período de 05 de outubro a 10 de novembro (entrevista individual, realizada em ambiente virtual, por profissionais especializados). Todas as pessoas serão contactadas por e-mail para o agendamento das entrevistas individuais. Fiquem de olho em seus e-mails.
Confira as 211 pessoas selecionadas para próxima etapa do processo seletivo do programa.
Nome Completo
Cidade/Município
1 – Adrian Silva de Jesus
São Paulo
2 – Agatha Endy Mendes do Rosario
Taboão da Serra
3 – Alan David Vieira Hildebrando
São Paulo
4 – Alice Silva Gomes
São Paulo
5 – Alline Castro
Caieiras
6 – Ana Aparecida Rodrigues da Silva
Osasco
7 – Ana Beatriz da Cruz Santos Souza
Taboão da Serra
8 – Ana Claudia Rocha de Souza
São Paulo
9 – Ana Júlia Melo de Lucas
São Paulo
10 – Ana Maria Silva Oliveira
São Paulo
11 – Anderson Costa da Silva
São Paulo
12 – Andressa Ferreira da Silva
São Paulo
13 – Andressa Furtado da Silva
São Paulo
14 – Ângela Ferreira da Silva
São Paulo
15 – Anna Beatriz da Silva Garcia
São Paulo
16 – Antônio Gustavo Ribeiro da Silva
São Paulo
17 – Any Elisa Peixoto Cirino dos Santos
São Paulo
18 – Aretha Victoria Ramos dos Santos
São Paulo
19 – Ariane Pereira da Silva
Juquitiba
20 – Barbara Oliveira Guimaraes dos Santos
São Paulo
21 – Barbara Thayna de Castro Barboza Silva
São Paulo
22 – Beatriz Moreira Passos da Silva
São Paulo
23 – Beatriz Oliveira Mendes
Taboão da Serra
24 – Beatriz Pereira de Souza
São Paulo
25 – Beatriz Sampaio do Nascimento
São Caetano do Sul
26 – Bianca Braz de Lima
Taboão da Serra
27 – Bianca Paixao Silva
São Paulo
28 – Bianca Silva Alves
São Paulo
29 – Breno Oliveira Ribeiro
São Paulo
30 – Bruna Afonso de Oliveira
São Bernardo do Campo
31 – Bruna Cypriano da Silva Pacheco
São Paulo
32 – Bruno Aparecido Justino Conceição
São Paulo
33 – Camila Carvalho Santos
São Paulo
34 – Carlos Eduardo de Castro Cerqueira
São Paulo
35 – Caroline Cristina Santos Gino
São Paulo
36 – Caroline Vitória Rocha dos Santos
São Paulo
37 – Celine Alves dos Santos
Embu das Artes
38 – César Augusto da Silva Rocha
São Paulo
39 – Cherisch Dantas Invangelho
São Paulo
40 – Clarissa Beatriz Da Costa Bulling
São Paulo
41 – Daniel da Rosa Tandu
São Paulo
42 – Deáwilla Oliveira de Souza
São Paulo
43 – Eduardo Silva de Souza
São Paulo
44 – Elen Felix dos Santos
São Paulo
45 – Eloí Gabriela Carvalho Mello Firmiano
São Paulo
46 – Emily Tauany Souza Andrade Pereira
São Paulo
47 – Érica Martins Marques
São Paulo
48 – Erick dos Santos Rodrigues
São Paulo
49 – Eva Mayra Vulcão Dantas de Feitosa
São Paulo
50 – Ewerton de Jesus Lima
São Paulo
51 – Exaucee Cathy Kalambay
São Paulo
52 – Felipe Marinho de Jesus Souza
São Paulo
53 – Felipe Marino de Souza
São Paulo
54 – Fernanda Ferreira dos Santos
São Paulo
55 – Flávia Martins de Santana
São Paulo
56 – Flávio Luiz Ferreira Pedroso
São Paulo
57 – Gabriel Lima Viana Silva
São Paulo
58 – Gabriel Tavares de Melo da Cruz
São Paulo
59 – Gabriela da Silva Santana
São Paulo
60 – Gabriela de Sousa Monteiro
Santo André
61 – Gabriella Beltrão Martins Motta
São Paulo
62 – Gabriella Santos Sampaio Silva
São Paulo
63 – Gabrielly Maria Silva
São Paulo
64 – Geovana de Carvalho Teles de Anorim
São Paulo
65 – Geovanna da Silva Melo
Osasco
66 – Giovana clemente da Silva
São Paulo
67 – Giovanna Caroline Alves Ferreira
Embu das Artes
68 – Giovanna Oliveira Correia da Silva
Franco da Rocha
69 – Giovanna Vitória Dos Santos Xavier
São Paulo
70 – Gizele Lucas
São Paulo
71 – Guilherme Augusto da Silva
São Paulo
72 – Guilherme Dias da Silva
São Paulo
73 – Guilherme Henrique de Andrade Leme
Diadema
74 – Gustavo de Jesus Oliveira
São Paulo
75 – Gustavo de Jesus Soares
São Paulo
76 – Gustavo Ferreira da Costa
São Paulo
77 – Gustavo Moraes da Silva
Diadema
78 – Heloísa Cristina Rosendo Cardoso
São Paulo
79 – Heloísa de Sena Muniz Campos
São Paulo
80 – Henrique Araújo de Oliveira
São Paulo
81 – Ikaro ricardo sampaio Cruz Vieira
Francisco Morato
82 – Ione Vitor Mendes
São Paulo
83 – Isabela Queiroz da Silva
São Paulo
84 – Isabella Alacantara dos Santos
São Paulo
85 – Isabella Amaro da Costa Oliveira
São Paulo
86 – Isaque Rodrigues de Oliveira
São Paulo
87 – Izabel dos Santos Neimeir
Osasco
88 – Jaini Da Silva Macedo
São Paulo
89 – Jakeline Souza Lima
Itapevi
90 – Janaina Santana Silva
São Paulo
91 – Jaqueline Aparecida Becca
São Paulo
92 – Jefferson Gervaes Barbosa
São Paulo
93 – Jefferson Luis Ramos do Nascimento
Barueri
94 – Jeniffer Vitor Rodrigues da silva
São Paulo
95 – Jenyfer Aparecida Nunes Ferreira
São Paulo
96 – Jessica Santos Paixao
São Paulo
97 – João Gabriel Ribeiro dos Santos
São Paulo
98 – João Pedro Araújo da Silva
São Paulo
99 – João Victor dos Santos Bezerra
São Paulo
100 – Joselaine Romão Soares
Carapicuíba
101 – Joyce Cristina Nogueira
São Paulo
102 – Juan Estelino do Nascimento
Francisco Morato
103 – Júlia Amorim Souto
Osasco
104 – Julia Camile da Silva Santos
São Paulo
105 – Julia Firmino Gabriel
Barueri
106 – Julia Gomes
Mauá
107 – Juliana Daniela Barbosa
São Paulo
108 – Juliana Martins Barbosa
Cotia
109 – Kairo Ilace Gonçalves
Taboão da Serra
110 – Karina Leal de Souza
São Paulo
111 – Karine Lopes dos Santos
São Paulo
112 – Katheryn Firme de Souza
São Paulo
113 – Kathleen Cristina Furtado do Amaral
São Paulo
114 – Kauan Michael Soares Amancio
São Paulo
115 – Kenya Cristina Santana Pereira
São Paulo
116 – Kerollyn Silva Alves
São Paulo
117 – Ketlen Leandra Carvalho
São Paulo
118 – Lais Alexandra Urbano Xavier
São Paulo
119 – Laiza Catarine Ferreira Diniz
São Paulo
120 – Larissa Araujo Aniceto
São Paulo
121 – Larissa Bento da Silva
São Paulo
122 – Larissa de Lima Gonçalves
São Paulo
123 – Larissa Lima Ferreira
São Paulo
124 – Larissa Vitória de Moura Jacinto
São Paulo
125 – Laryssa Lorrany Gonçalves de Oliveira
Ferraz de Vasconcelos
126 – Laura Tatiana Alves Mendonça Prates
São Paulo
127 – Laysa Stefani de Almeida Brito
Diadema
128 – Lázaro Pereira Almeida
Ferraz de Vasconcelos
129 – Leandro Gomes de Oliveira
São Paulo
130 – Leticia Raquel Leme de Jesus
São Paulo
131 – Leticia Santana Costa
Taboão da Serra
132 – Livia Ferreira Estanislau
São Paulo
133 – Luana Santana Moreira
São Paulo
134 – Luana Silva Santos
São Paulo
135 – Lucas Dantas dos Santos
São Paulo
136 – Lucca Catherine Ferreira dos Santos
São Paulo
137 – Luiz Benedito Ferreira de Oliveira
Mogi das Cruzes
138 – Luiz Felipe Motta da Silva
São Paulo
139 – Luiz Fernando Muniz Oliveira
São Paulo
140 – Luiz Leonardo Barbosa Junior
Ribeirão Pires
141 – Luiz Vinicius Reis Silva
São Paulo
142 – Luíza Firmino Gabriel
Barueri
143 – Malcolm da Silva Barreto
São Paulo
144 – Marcos Agostinho da Silva Filho
Jandira
145 – Maria Eduarda da Silva Souza
São Paulo
146 – Maria Taís Borges
São Paulo
147 – Mariana Soares Santos de Souza
São Paulo
148 – Mateus Gomes dos Santos
São Paulo
149 – Matheus Monteiro de Almeida Rodrigues dos Santos
Fazer ecoar as falas das mulheres negras e dar representatividade para elas no ambiente político e em toda a sociedade. Esse é o foco destas duas iniciativas empreendidas por organizações apoiadas pelo Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, que é apoiado pelo Instituto Ibirapitanga, Fundação Ford, Open Society Foundations e Fundação Kellogg.
Por meio do Programa, o Fundo Baobá oferecerá apoio financeiro, técnico e institucional a organizações da sociedade civil, grupos e coletivos liderados por mulheres negras. Acompanhe essas trajetórias cheias de emoção.
Romper as fronteiras impostas
O coletivo Mulheres Negras Decidem nasceu há quase dois anos, a partir do engajamento de cinco mulheres (Juliana Marques, Ana Carolina Lourenço, Diana Mendes, Lorena Pereira e Gabrieli Roza). A ideia era organizar um espaço em que pudessem expor suas ideias e construir um ambiente político menos hostil para a mulher negra. O passo inicial foi a participação no Programa Minas de Dados, realizado em 2018. A partir dessa experiência, perceberam qual deveria ser o real propósito do coletivo dali em diante: dar voz e representatividade política à mulher negra.
O assassinato da vereadora Marielle Franco, em março do mesmo ano, reforçou esse objetivo. “Nossa missão é qualificar e promover a agenda política liderada por mulheres negras na política institucional”, afirma Juliana Marques. Com o seu trabalho, elas querem não apenas dar visibilidade, mas impulsionar a atuação no meio político – em que homens brancos ainda são a maioria esmagadora.
Foi a partir do amadurecimento do grupo e do desejo de expandir, que o coletivo se inscreveu no Programa Marielle Franco com a iniciativa: “Um novo projeto de democracia”. Quando começou, as articuladoras estavam concentradas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Agora, estão em mais 14 estados (AL, AM, BA, DF, ES, MA, MG, PB, PE, PI, PR, RO, SC e TO).
Nestes 18 meses de existência, o coletivo já realizou ciclos de formação política, em 2018, nos quais foram discutidas regras do jogo eleitoral, e reconstruiu a participação de diversas mulheres negras na política, bem como os sistemas políticos que serviram de pano de fundo para as candidaturas. No ano passado, realizaram o Fórum Mulheres Negras Decidem para discutir a política brasileira sob um olhar antirracista e feminista.
“No contexto da pandemia, inspiradas pela intensa mobilização de mulheres negras para mitigar os impactos negativos em suas comunidades, realizamos também a pesquisa Para Onde Vamos?. Em parceria com o Instituto Marielle Franco, acessamos 245 mulheres negras de todo o território brasileiro e apresentamos um panorama do ativismo no Brasil”. O apoio do Fundo Baobá permitiu ter condições materiais para fortalecer a capacidade de liderança com foco na governança e na sustentabilidade do coletivo. “Além disso, colaborou para nossa visibilidade dentro do movimento de mulheres negras e para a ampliação do alcance da nossa pauta.”
Espaços de troca, acolhimento e denúncia
O coletivo Marcha das Mulheres Negras de São Paulo foi criado a partir do processo de construção da Marcha Nacional das Mulheres Negras, que aconteceu em Brasília, em 18 de novembro de 2015. Desse processo, o núcleo que construiu a Marcha Nacional deu continuidade às ações e, em 2016, iniciou a Marcha em São Paulo. “Nosso objetivo é promover discussões sobre a opressão e violência presentes nas estruturas políticas, sociais e econômicas do país e, partir daí, traçar estratégias que, além de cobrar ações efetivas por parte do Estado, permitissem que a Marcha de Mulheres se consolidasse como canal de apoio a denúncias”, explica Andréia Alves.
A ideia é que, além de acolhidas, elas tenham formação política a partir de uma perspectiva negra, periférica e de mulheres. O coletivo faz questão de afirmar que o grupo é um espaço plural e diversificado, multirreligioso, não governamental e multipartidário, que articula, de forma descentralizada, e trabalha para o fortalecimento da democracia. “Buscamos, de forma permanente, estabelecer alianças e engajamento nas lutas sociais, fortalecendo a luta contra o racismo, o patriarcalismo, a lesbofobia, a bifobia, a transfobia, o classismo e todas as formas de preconceito e discriminação”, diz. O grupo é formado por mulheres negras idosas, jovens, lésbicas, bissexuais, transexuais, com deficiência, das cidades e das periferias. “Mulheres múltiplas na existência e na resistência”, diz Andréia.
O coletivo viu no edital do Programa Marielle Franco a chance de capacitar essas militantes comunitárias, acadêmicas, independentes, estudantes e trabalhadoras de diversas áreas. “São mulheres brilhantes que, raramente, se enxergam como lideranças, embora sejam mais do que ninguém”, revela. A capacitação é o meio de romper com o racismo e o sexismo estruturais, que impedem a entrada e a permanência dessas mulheres em espaços de poder. “Quando detectamos a possibilidade de proporcionar formação política e técnica para mulheres negras, não perdemos tempo”, confirma.
O projeto inscrito – “Aquilombar e Ampliar Universos – formação política para mulheres negras” – foi selecionado. Nestes seis meses iniciais de apoio, o grupo conseguiu não apenas a capacitar essas mulheres, mas estruturar a área de comunicação. Andréia destaca que o apoio do Fundo Baobá – da assessoria técnica qualificada ao suporte financeiro – permitiu colocar em prática ações planejadas, conhecer e criar redes com outros grupos, organizações e coletivos de mulheres negras em todo Brasil. Além disso, vai possibilitar colocar o site no ar e também criar conteúdos para um canal no YouTube para divulgar, por exemplo, a primeira atividade de formação política.
Todos os anos, no dia 25 de Julho – Dia Internacional da Mulher Afro-latinoamericana e Caribenha e Dia Nacional de Teresa de Benguela – o grupo reúne milhares de pessoas nas ruas da capital paulista, em marcha contra o racismo, o machismo e a lesbotransfobia, entre outras formas de opressão. Este ano, por conta da pandemia, as atividades foram on-line, com ajuda das tecnologias digitais e da internet. “Nossa marcha on-line contou com uma programação ao vivo, além de transmissões de intervenções de rua, como faixas e videomap (projeção em edifícios). Os conteúdos gerados foram transmitidos em nossas redes sociais (youtube, facebook e instagram), em perfis de artistas e digital influencers que são parceiros”, relembra. Além de mais reportagens na mídia, aumentaram de 1700 para 4000 os seguidores no instagram.
Por ser on-line, a marcha teve a participação também de mulheres com deficiência. Segundo Andréia, elas contribuíram para melhorar a comunicação, incluindo as hashtags de acessibilidade #paratodoslerem e #paracegoler e também a tradução em libras na maioria das lives. “Foi um processo ainda inicial, mas temos vontade e disposição para fazer e, mais do que isso, tomamos para nós a responsabilidade política de tornar a MNSP um espaço para todas as mulheres negras e suas especificidades”, afirma.
Resgate da memória e o direito de ser quem você quiser: esse é o foco destas duas iniciativas empreendidas por organizações apoiadas pelo Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, que é apoiado pelo Instituto Ibirapitanga, Fundação Ford, Open Society Foundations e Fundação Kellogg.
Por meio do Programa, o Fundo Baobá oferecerá apoio financeiro, técnico e institucional a organizações da sociedade civil, grupos e coletivos liderados por mulheres negras e lideranças femininas negras.
Igualdade e respeito como princípios de vida
O Grupo de Mulheres Lésbicas e Bissexuais Maria Quitéria (Paraíba) começou seu trabalho em novembro de 2002, com o objetivo de combater a violência e o preconceito contra essas mulheres. Ancoradas no movimento gay, sentiam que suas pautas eram silenciadas e, para agravar a situação, sofriam violência por conta do machismo e da lesbofobia praticados ali. “Precisávamos de iniciativas que nos representassem além do HIV/Aids, resgatassem nossa cidadania e promovessem a autoestima dessas mulheres”, explica Cryss Pereira. O resultado foi a formação do coletivo.
Em 2019, quando foi aberto o edital para o Programa Marielle Franco, do Fundo Baobá, o coletivo percebeu que era uma ótima oportunidade para se organizar e começar a expandir discussões e formações. O projeto inscrito – “Equidade sim! Racismo não!” – foi um dos selecionados e permitiu dar mais visibilidade a elas, além de impulsionar e fortalecer as lideranças internas, especialmente nestes meses de pandemia, em que as atividades se concentraram no mundo virtual.
Antes da Covid-19, entre as ações que já desenvolveram, as que citam como mais relevantes são “Goleando contra LGBTfobia”, um torneio de futsal feminino no qual fortalecem as jovens para enfrentar a violência e o preconceito, e “Eu também sou cidadã”, projeto voltado para o empoderamento das mulheres privadas de liberdade.
Olhar para a questão da violência contra a mulher, aliás, é um tema urgente e sempre presente para elas – sobretudo em tempos de pandemia, com o aumento dos casos. “Mas visualizamos também um avanço na disseminação de informações on-line, um maior envolvimento quanto às denúncias e quanto à propagação de postagens encorajadoras e empoderadoras para as mulheres”, confirma Cryss Pereira.
Segundo ela, o apoio do Fundo Baobá permitiu aprofundar o conhecimento quanto à própria história dessas mulheres, além de dar condições de ocupar as mídias sociais de forma qualificada, garantindo espaços de discussão. “Ter a oportunidade de fortalecer ativistas financeiramente trouxe para o grupo duas designers gráficas, que estão encarregadas da produção das peças virtuais. Além disso, elas também são ativistas. Portanto, é um sonho ter pessoas qualificadas na nossa comunicação”, afirma. Foi justamente no meio virtual, com a profissionalização da comunicação institucional, que conseguiram seguir com as atividades.
Uma das mais recentes foi a live-show da cantora Bia Ferreira, em comemoração ao 29 de agosto, Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. A artista possui forte atuação por meio da sua música contra o racismo e a favor dos direitos LGBT. O show, uma construção coletiva, em parceria com a Secretaria da Mulher e Diversidade Humana e a Fundação Espaço Cultural (Funesc), ambas da Paraíba, foi ao ar no instagram do Maria Quitéria.
Da moda para o jornalismo pela causa
O portal Blogueiras Negras se materializa a partir da Blogagem Coletiva Mulher Negra, em 2013. Na época, um grupo de mulheres negras organizadas em diferentes espaços on-line resolveu se reunir para escrever sobre a intersecção racismo e feminismo. “Compreendemos que era um território que esse grupo poderia explorar coletivamente”, relembra Larissa Santiago. A pergunta que deu início a esse processo foi: “onde estão as blogueiras negras de moda?”, publicada no blog Tempo Fashion. Provocadas, resolveram reunir demandas, temas e denúncias no endereço blogueirasnegras.wordpress.com e, mais tarde, no blogueirasnegras.org.
O início foi difícil e elas quase desistiram, depois de ficar três meses fora do ar, em 2019. Mas foi aí que surgiu a possibilidade de fazer a inscrição no Programa Marielle Franco. “Foi um momento crucial. Resolvemos planejar como manter a memória. Assim, nos inscrevemos no edital na esperança de consolidar o sonho de gerir e manter a comunicação como o legado das mulheres negras”, revela Larissa Santiago.
O projeto inscrito – “Autonomia e Memória, consolidando o legado da comunicação no movimento de mulheres negras no Brasil” – foi selecionado e ajudou a fortalecer a capacidade interna de organização e sua gestão, consolidando o protagonismo do coletivo na comunicação do movimento de mulheres negras. Parte desse trabalho consiste na manutenção de uma plataforma com mais de 1300 textos, a maioria inédita e assinada por 400 autores.
Nesse processo e respondendo às demandas que surgiram, criaram um podcast para dar mais visibilidade aos efeitos da Covid-19 nas periferias. “Nossos posts sobre a infeliz morte de crianças negras aumentou significativamente nossa visibilidade. Temos feito lives, inclusive internacionais, sobre cuidados digitais e outras áreas programáticas. Vale acrescentar que reforçamos a comunicação com as profissionais de redes sociais com objetivo de ampliar nossa presença e levar nossa experiência a um número maior de pessoas”, completa Charô Nunes, também do coletivo.
Nestes anos de existência, o Blogueiras Negras desenvolveu várias trocas e aprendizados. Por conta disso, reconhecem que houve avanços para a mulher negra, mas ainda falta muito para equiparar condições de vida, empregos, saúde. “É notório perceber alguns avanços, apesar do contexto atual, mas esses números ainda são insuficientes. Precisamos de moradia, comida e estarmos nos espaços em que poderemos de fato tomar decisões para garantir, minimamente, o que está na constituição”, finaliza Viviane Gomes.
O apoio do Fundo Baobá permitiu dedicar tempo não apenas para pensar expansão, mas perceber potencialidades e desafios, além de incrementar áreas, como a comunicação nas redes sociais, o podcast e novas parcerias – especialmente em tempos de pandemia, em que, respeitando o distanciamento, elas tiveram que suspender as atividades presenciais. E, ainda assim, “propagar vozes das diferentes mulheres negras militantes”, como diz Charô Nunes.
O Fundo Baobá para Equidade Racial lançou, no início de agosto, uma chamada para artigos inéditos que contribuam para aprimorar a ação de filantropia para equidade racial no Brasil pós-pandemia da Covid-19. A iniciativa integra o projeto “Consolidando Capacidades e Ampliando Fronteiras”, em parceria com a Fundação Ford, e tem como objetivo orientar as doações que serão realizadas pelo Fundo Baobá para fortalecer a atuação de organizações e lideranças negras e, ao mesmo tempo, direcionar a captação de recursos.
As inscrições prosseguem até o dia 12 de outubro, às 23h59,aqui no site. O edital é aberto à comunidade acadêmica. O/a autor/a principal precisa ser especialista, ter título de mestrado ou doutorado com produção acadêmica concernentes às áreas priorizadas pela instituição. Serão selecionados até 20 artigos, que receberão apoio de R$ 2,5 mil cada, e farão parte de uma publicação bilíngue a ser lançada em 2021 – ano em que o Fundo Baobá completa uma década de atuação.
Rebecca Reichmann Tavares, Presidente & CEO da Brazil Foundation e membro do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, explica que iniciativas assim são importantes porque vão ajudar a entender os efeitos da pandemia e, assim, apoiar as comunidades nessa nova fase ou no novo normal, como está sendo designada a fase posterior à emergência sanitária da Covid-19.
Além das mortes, que não foram poucas, a pandemia imprimiu nova ordem econômica e social. “Temos visto famílias devastadas, sofrendo com a perda de vidas, desemprego e fome”, disse. “Empresas que suspenderam atividades, crianças sem oportunidades educacionais, e a exclusão racial e a discriminação agravando os impactos nesses locais.”
Ela explica que, diante desse quadro, quem atua na filantropia deve basear decisões em evidências. “Temos que entender que, além da estratificação socioeconômica, os negros, mesmo em níveis semelhantes de renda e educação com suas contrapartidas de pele mais clara, sofrem os piores efeitos da pandemia. Em parte, é porque cuidam dos outros, usam transporte público e mantêm a cadeia de produção”, afirma.
Como se não bastasse, a população negra, com mais frequência vive em espaços que estão superlotados e sem saneamento básico, o que não apenas fere a dignidade humana, mas prejudica sua segurança física em tempos de pandemia. “As evidências trazidas pelos artigos, as diferentes leituras sobre realidades, necessidades e possíveis soluções, aliadas à escuta ativa que temos realizado junto aos grupos, coletivos e organizações negras que apoiamos, serão cruciais para aprimorar nossa atuação no campo da filantropia por justiça social e também para iluminar o ecossistema filantrópico em geral. Queremos engajar outros atores, trazer mais gente para apoiar com recursos, a causa da equidade racial para a população negra”, explica Fernanda Lopes, diretora de programa do Fundo Baobá para Equidade Racial.
No mês passado, foi celebrado o “Agosto Negro”. Sua origem foi a luta do movimento negro nos Estados Unidos, na década de 1970, após a prisão e morte de George Lester Jackson, em 21 de agosto de 1971, na prisão de San Quentin, na Califórnia. Ele foi preso e condenado à prisão perpétua depois de ter roubado 70 dólares em um posto de gasolina.
Durante o tempo em que permaneceu preso, estudou economia política e, ao mesmo tempo, se destacou como líder da resistência negra – o que levou ao seu assassinato por um agente penitenciário. Sua morte fez com que milhares de pessoas fossem às ruas, clamando pelo fim do racismo e do extermínio da população negra. Quatro décadas depois, o povo negro continua nas ruas, mesmo diante de uma pandemia mundial, afirmando que vidas negras importam, sim!
A luta antirracista requer resistência, é verdade, mas também demanda da sociedade uma análise aprofundada dos impactos do racismo em todas as fases da vida de suas vítimas, que sofrem com o preconceito, a discriminação e desenvolvem uma série de traumas. Discutir o racismo e as suas consequências, além de frisar a importância dos cuidados com a saúde mental, é de extrema importância para a promoção da equidade racial. Iniciativas como a da Articulação de Psicólogos Negros, que dedica um mês à saúde mental e à luta antirracista, são fundamentais.
Apoiado pelo Fundo Baobá para Equidade Racial no edital de doações emergenciais no combate ao Coronavírus, o psicanalista, doutorando da PUC-SP e membro do Coletivo Margens Clínicas, Kwame Yonatan Poli dos Santos, organizou a cartilha “Saúde mental, relações raciais e Covid-19”, em parceria com a psicanalista Laura Lanari. A cartilha contém cinco textos que pretende dialogar com a população negra sobre os problemas relacionados à vivência do racismo. Confira sua entrevista:
De qual forma o racismo impacta a saúde mental das pessoas negras? Os efeitos das práticas do racismo na subjetividade devem sempre ser escutados na sua singularidade ou podemos incorrer no erro de universalizar que toda população negra se afeta, e responde da mesma maneira, com as práticas de racismo. Nossa aposta deve ser a construção de saídas singulares, coletivas ou individuais. No entanto, se entendermos que o racismo é um dado estruturante das relações, compreenderemos que é um sistema que estrutura o laço social, assim sendo, temos que pensar como esse sistema atua em nós e como respondemos a ele. Isso significa que algumas pessoas e grupos construirão saídas mais ou menos a reexistir, ou seja, afirmar a sua existência na sua diferença diante dessa ferida colonial que sangra. É importante mencionar que o racismo estrutura o campo das relações. E subjetiva tanto as pessoas negras quanto as brancas, pois não é possível silenciar, discriminar, humilhar, violentar, matar sem se tornar monstruoso, isto é, desumanizar-se também nesse processo. Por fim, possuímos indicadores no âmbito da saúde mental de que o racismo produz um sofrimento psíquico intenso em uma grande parcela da população negra, produzindo efeitos no horizonte do desejo. Cito o exemplo dos dados de 2016 do Ministério da Saúde que mostram uma prevalência do aumento do suicídio em jovens negros, isso nos mostra uma face do genocídio .
O racismo sofrido durante a infância e adolescência interfere na vida adulta e nas relações pessoais do negro? Como disse anteriormente, o racismo é um dado estruturante das relações e pode deixar marcas no campo do desejo de modo a violentar, desde muito, a infância a população negra. Portanto, escuto muitas mulheres negras e homens negros na clínica relatarem vivências violentíssimas na escola e até mesmo na família, que deixaram sequelas profundas na forma de se posicionar diante do mundo até a vida adulta, chegando a internalizar como mecanismo de sobrevivência, por exemplo: adaptar-se o tempo todo para ser aceito e/ou reconhecido por pessoas brancas. Como diz a psicanalista Neusa Santos Sousa, autora da obra Tornar-se Negro (1983), ser negro é estar submetido a uma dupla injunção: de odiar sua negritude (cabelo, história etc) e almejar os ideais da branquitude. Logo, é preciso ressignificar constantemente a vivência da negritude de maneira a produzir linhas de singularização, da experiência de enegre-ser produzindo outros sentidos para além da captura binária resistência/sofrimento.
Como é falar da importância da saúde mental, sem demagogia, considerando as desigualdades sociais, o genocídio dos jovens negros, o encarceramento em massa da população negra, entre outros problemas? É preciso compreender o genocídio de maneira ampla, isto é, para além daquele policial que atira ou do que enfia a faca. Existem os amoladores de faca (ideia do professor da UFRJ Luís Antônio Baptista) – ‘antes do punhal ser cravado nas costas do mestre Moa do Katende (capoeirista, compositor, percussionista, artesão e educador, assassinado em outubro de 2018) existiram aqueles que amolaram o punhal, prepararam o terreno, autorizando a morte, enfraquecendo a vítima antes do golpe mortal. Nessa perspectiva, antes de o jovem negro ser preso, assassinado ou morrer de frio na rua, existe uma série de pessoas e instituições que amolaram o punhal. Logo, o genocídio é uma trama de poder que mata aos poucos. O genocídio também se refere aquilo que nos mata aos poucos ao sequestrar o futuro daqueles que ainda nem viraram adultos. Quando apontamos os dados sobre prevalência do suicídio dos jovens negros, essa é a ponta do iceberg, a parte imersa conta processos de subjetivação coloniais que sequestram a potência, aniquilam as perspectivas de sonhar um futuro. Uma das piores formas de miséria humana é a de não poder sonhar mais. O cuidado em saúde mental deve produzir sonhos, isto é, por meio dele deve-se investir em estratégias de produção de energia vital, revitalizando esse sujeito para que possa protagonizar sua vida.
Em junho de 2020, com o apoio do edital de doações emergenciais do Fundo Baobá para Equidade Racial, e em parceria com o coletivo Margens Clínicas, você, ao lado da Laura Lanari, organizou a cartilha “Saúde Mental, Relações Raciais e Covid-19”, fale sobre esse trabalho. A cartilha é fruto de muitas mãos. Ela nasce em 2016 com um convite para realizar oficinas de relações raciais e saúde mental em um Centro de Atenção Psicossocial (Caps) da zona sul de São Paulo. À medida que ia passando por outros Caps ia percebendo a dimensão racial como uma chave de análise da instituição. Então, por exemplo, lembro de uma equipe, majoritariamente branca, que não se sentia à vontade em fazer roda com os usuários e, consequentemente, tinha várias dificuldades de se enxergar racializada. Com a pandemia temos a descaracterização dos serviços, mas também um ‘relançar dos dados’, a oportunidade dos Caps se reinventarem e fazerem a rede a partir da transversalização da temática racial. A cartilha traz a proposta do Aquilombamento da Rede Sul, em São Paulo (SP), que se reformulou com a pandemia para o formato on-line. Nessa perspectiva, o quilombo é um mundo sem os muros da colonialidade. Aquilombamento é a construção do comum que toca o plano singular, uma reorientação vital, a partir da perspectiva interseccional de uma analítica das relações de poder e seus efeitos no corpo. A cartilha tem cinco textos que versam sobre saúde mental, Covid-19, relações raciais, psicanálise e saúde pública.
Leia a cartilha “Saúde Mental, Relações Raciais e Covid-19” aqui
Durante o Agosto Negro, o Fundo Baobá para Equidade Racial divulgou dois editais na imprensa. O Já É: Educação para Equidade Racial foi destaque no Minuto Futura, do Canal Futura, em portais de mídia negra, como Mundo Negro, e também no site da Escola Aberta do Terceiro Setor.
O edital de chamada para artigos sobre promoção da equidade racial no Brasil no contexto pós-pandemia, lançado no dia 6 de agosto, foi citado na Revista Afirmativa, e nos sites de mídia negra Notícia Preta e Alma Preta.
A diretora de programa do Fundo Baobá, Fernanda Lopes, concedeu entrevista ao jornal O Globo, para uma reportagem intitulada “Filantropia negra se volta para a inclusão social contra o racismo persistente e estrutural”. Na ocasião, Fernanda relembrou o edital de doações emergenciais no combate ao coronavírus que, em apenas 12 dias, recebeu mais de mil propostas. “A pandemia trouxe uma vivência exacerbada das desigualdades históricas e do racismo estrutural. Atuar captando fundos contra o racismo, num país que tem dificuldade em reconhecê-lo como operante na definição de todo o tecido social, é desafiador. Mas a população negra é uma potência e preservar suas vidas é preservar um ativo de transformação”, disse.
No dia 18 de agosto, o Jornal Nacional exibiu reportagem na qual citava as dificuldades dos empreendedores negros durante a quarentena. Segundo dados do Sebrae, 46% estão com dívidas em atraso, enquanto 61% dos que buscaram empréstimo não conseguiram. Na mesma abordagem foi apresentado o trabalho da Coalizão Editodos que, em parceria com o Fundo Baobá, vai apoiar até 500 empreendedores no âmbito do programa Emergências Econômicas.
Fundo Baobá participa de lives sobre filantropia colaborativa, igualdade racial e fortalecimento do empreendedor negro
Selma Moreira, diretora-executiva do Fundo Baobá, participou em 4 de agosto do segundo dia do “3º Fórum Negócios de Impacto da Periferia”, organizado pela Articuladora de Negócios de Impacto da Periferia (ANIP).
Na companhia de Adriana Barbosa (fundadora da Feira Preta) e Jéssica Rios (Vox Capital), com a mediação de Fabiana Ivo (Articuladora de Negócios de Impacto da Periferia/ ANIP),Selma falou sobre como fortalecer investimentos e prover apoio ao empreendedor negro no campo de negócios de impacto, na perspectiva da equidade.
A diretora-executiva também foi uma das convidadas do ConCEJ 2020 (Congresso Catarinense de Empresários Juniores 2020), que ocorreu em 22 de agosto. Ela participou do debate “Combatendo Desigualdades”, que teve como cerne a igualdade racial, de gênero e para a comunidade LGBT QI+. A mesa virtual também contou com Yuri Trigo, vice-presidente de negócios da Brasil Júnior, e Letícia Medeiros, cofundadora da ONG Elas no Poder.
Por fim, no dia 27, aconteceu o 11º Congresso GIFE/Fronteiras da Ação Coletiva, com o tema Filantropia Colaborativa, e quem representou a organização foi o presidente do conselho deliberativo do Fundo Baobá, Giovanni Harvey. Participaram também Denis Minze (Diretor Executivo da Fundação Lemann) e Peggy Saïller (Diretora Executiva da NEF – Network of European Foundation). O evento foi transmitido via Zoom e aprofundou os diferentes formatos de filantropia colaborativa, além de discutir e apontar caminhos e desafios em busca de formas mais articuladas e colaborativas para a mobilização, gestão e alocação de recursos privados para fins públicos.
Confira todas as reportagens de agosto sobre o Fundo Baobá: