Sueli Carneiro completa 72 anos 

Por Ingrid Ferreira

No dia 24 de junho de 1950 nasceu em São Paulo Sueli Carneiro, atual Presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá. Primeira filha de Eva e José Horácio e,  até seus 4 anos de idade, filha única, até que a prole do casal começou a crescer. Sueli foi alfabetizada pela mãe, que além de ensinar as letras ensinou às filhas a importância de serem independentes.

A filha mais velha do casal sempre carregou os conhecimentos da mãe, que ensinou aos seus descendentes como era crucial nunca permitirem que ninguém usasse do racismo para lhes ofender, e Sueli,  como boa filha de Ogum, sempre esteve pronta para guerrear e lutar pelos seus direitos.

Mas a sua trajetória foi e continua sendo árdua, sua vida não só daria um livro, como de fato resultou na biografia escrita por Bianca Santana, que carrega o nome “Continuo Preta – A Vida de Sueli Carneiro”, em que Sueli abriu seu coração e contou os fatos que cercaram sua vida pessoal, profissional, acadêmica, militante, amorosa e familiar.

Sueli ingressou no curso de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) no ano de 1971, durante a ditadura militar, e mesmo estando naquele período de tensão da época, foi o momento em que ela se aproximou do movimento negro e feminista. E foi ali que iniciou os seus feitos casando militância e produções acadêmicas, como encontra-se na Enciclopédia de Antropologia da USP: “Além da forte militância, Carneiro é responsável por uma vasta produção voltada para relações raciais e de gênero na sociedade brasileira, que encontra repercussão em diversas áreas do conhecimento, também na Antropologia. São mais de 150 artigos publicados em jornais e revistas, assim como 17 em livros, que buscam fazer convergir ativismo e reflexão teórica, por exemplo: Mulher negra (1995), Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil (2011) e Escritos de uma vida (2018).”

Sueli além de ser a atual Presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, é fundadora e atual Coordenadora de Difusão e Gestão da Memória Institucional do Geledés (Instituto da Mulher Negra),  membro do Grupo de Pesquisa “Discriminação, Preconceito e Estigma” da Faculdade de Educação da USP, membro do Conselho Consultivo do projeto Saúde das Mulheres Negras do Conectas em parceria com o Geledés, do Conselho Consultivo da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, do Conselho Consultivo do Projeto Mil Mulheres, e membro da Articulação Nacional de Ongs de Mulheres Negras Brasileiras; fellow da Ashoka Empreendedores Sociais.

Como consta no Portal Geledés: “Em 1988,  Sueli foi convidada a integrar o Conselho Nacional da Condição Feminina, em Brasília. Após denúncias de um grupo de cantores de rap da cidade de São Paulo, que queriam proteção porque eram vítimas frequentes de agressão policial. Ela decidiu criar em 1992 um plano específico para a juventude negra, o Projeto Rappers, onde os jovens são agentes de denúncia e também multiplicadores da consciência de cidadania dos demais jovens”.

Não por acaso, há poucas semanas, Sueli participou do podcast Mano a Mano, apresentado pelo rapper Mano Brown no Spotify, episódio que teve grande repercussão na mídia, após falarem de sociedade, racismo, primórdios do rap no Brasil e a conexão com movimentos negros da época, além de visões de futuro para o povo brasileiro.

Sem dúvidas, Sueli é uma grande referência para a sua geração e posteridade.

Luiz Gama e o seu Legado em Defesa da Liberdade

Por Ingrid Ferreira

Em 21 de junho de 1830, nasceu em Salvador – Bahia um grande ícone da história brasileira; autodidata, abolicionista, republicano, jornalista e advogado, é ele, Luiz Gama, que é comparado a Zumbi dos Palmares em sua importância na luta anti escravocrata no Brasil, como é possível conferir no relato do jornalista e escritor Laurentino Gomes e na produção audiovisual do canal Tempo História.

Gama nasceu livre, filho de uma mulher africana chamada Luiza Mahim e ao que tudo indica, guerreira e islâmica. Há rumores que ela participou da Revolta dos Malês e, por essa razão, não pôde participar da criação do filho. Por outro lado, o pai era um fidalgo português importante na Bahia da época, que estava com dívidas de jogos e vendeu o próprio filho como escravo.

Naquele tempo, as pessoas escravizadas na Bahia tinham fama de revoltosas, o que não despertava o interesse dos senhores de engenho em comprá-las, por isso o menino foi mandado para o Rio de Janeiro e depois para o interior de São Paulo, em Campinas, onde chegou quando estava com 10 anos.

Em São Paulo, aos 17 anos aprendeu a ler, mostrando que além de tudo era autodidata. Em seus estudos sobre direito descobriu que sua venda havia sido ilegal, pois ele era um homem livre. Tendo provas disso, ele fugiu do cativeiro. A história de Luiz Gama se assemelha muito à história do filme norte-americano “12 anos de escravidão”, de 2013, que fala justamente de um homem negro livre, que é sequestrado e vendido como escravo.

Diante de sua história, como forma de tratar desse momento tão difícil de sua vida, Gama decidiu nunca revelar o nome de seu pai; por outro lado, sua mãe sempre foi uma grande figura para ele, tanto que chegou a procurá-la, porém, infelizmente não teve sucesso, como é possível ver nos registros de cartas que deixou, falando de seu pai, sua mãe e suas lutas.

Após esse processo, Luiz Gama serviu durante 6 anos a força pública, depois foi nomeado escrivão de polícia, cargo que ocupou durante 15 anos, até que foi demitido por ser alguém envolvido em causas que lutavam pela liberdade. Após esse acontecimento, ele pediu a um juiz o direito de advogar na comarca de São Paulo, sendo nomeado como um rábula (advogado sem formação), e nesse mesmo período tornou-se jornalista, decidido a escrever contra as injustiças da época como forma de denúncia.

O trabalho no jornal teve início através da parte técnica. Ele aprende o ofício de montagem dos jornais, formatação manual como era na época e distribuição. Nisso ele passa a dedicar-se à escrita, tornando-se sócio e proprietário de uma tipografia e dedicando-se às letras dentro do Direito e do Jornalismo, sendo um homem da mídia do seu tempo, inclusive estampando nos jornais as ameaças de morte que ele recebia.

Por intermédio de sua luta pela abolição e pela república, Luiz Gama foi uma celebridade do seu tempo, ainda que tenha morrido muito jovem aos 52 anos, vítima de diabetes. Gama deixou um legado surpreendente, tendo libertado, ao longo de sua vida,  mais de 500 pessoas escravizadas. 

Apesar de ser um homem negro vivendo uma vida atípica para a época, Gama sabia muito bem das dificuldades que assolavam a vida do seu povo, tanto que declarou que todo escravo que atacasse o seu senhor, independentemente da situação, estava agindo em legitima defesa.

Mesmo com todas as vitórias ao longo de sua vida, Gama não deixou bens em dinheiro para sua família ao falecer, mas com certeza deixou um grande legado para todos, em seu velório, as pessoas se revezavam para carregar o seu caixão. Atualmente, encontra-se na Praça da República em São Paulo , uma estátua de seu busto que o homenageia, além de uma instituição que carrega o seu nome e é uma associação civil sem fins lucrativos formada por um grupo de juristas, acadêmicos e militantes dos movimentos sociais que atuam na defesa das causas populares.

Foto realizada com estudantes do Programa Já É e equipe do Fundo Baobá em tour por São Paulo, com o guia Allan da Rosa

Fundo Baobá anuncia filiação ao GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas)

Por Wagner Prado

O Fundo Baobá para Equidade Racial anuncia sua filiação ao GIFE (Grupo de |Institutos, Fundações e Empresas), organização que congrega 160 associados, responsáveis pelo aporte de mais de R$ 5 bilhões em investimentos sociais no ano de 2020, por intermédio de projetos próprios ou projetos elaborados por terceiros. 

A importância de o Fundo Baobá fazer parte agora do grupo de organizações que estão sob o guarda-chuva do GIFE está no fato de poder trocar a experiência de seus 11 anos de atuação na promoção da equidade racial no Brasil, tendo investido em mais de 900 iniciativas negras em todo território brasileiro. 

O diretor executivo do Fundo Baobá para Equidade Racial, Giovanni Harvey, e o secretário-geral do GIFE, Cassio França, falam sobre as expectativas da chegada do Fundo Baobá ao GIFE. 

O que significa para o Fundo Baobá essa entrada no GIFE? 

Giovanni Harvey O Fundo Baobá se relaciona com o investimento social privado desde a sua fundação e, neste contexto, já mantinha um certo grau de proximidade e interação com o GIFE, que teve incidência direta durante o processo de elaboração do nosso plano estratégico, em 2017. A decisão pela associação formal foi amadurecida ao longo dos últimos anos e nós tivemos o entendimento de que este era o momento oportuno, sobretudo pela dimensão que a agenda da Equidade Racial alcançou no GIFE. O aumento do endowment do Fundo Baobá, o reconhecimento da nossa expertise na realização dos editais e os resultados que a instituição vem alcançando, ampliaram as nossas responsabilidades, tanto junto à Rede de Fundos para a Justiça Social (RFJS) quanto em relação ao GIFE. O nosso propósito é contribuir, fortalecer, trocar e aprender com as pessoas e as instituições que construíram o GIFE e fizeram dele a principal referência quando se fala em investimento social privado no Brasil.

Para o GIFE, o que significa ter o Fundo Baobá em seu portfólio de associados? 

Cassio FrançaA chegada do Fundo Baobá dialoga com a nossa intenção de o GIFE ser, cada vez mais, plural e abrangente.  A pluralidade e diversidade que o GIFE busca tem a intencionalidade de contribuir para decolonizar a filantropia e o investimento social privado no país. Ter uma organização como o Fundo Baobá entre os associados, cuja finalidade é a justiça social e racial, certamente influenciará positivamente todo o campo rumo ao desenho e execução de estratégias de enfrentamento ao racismo, às desigualdades e à antidemocracia. 

No que o GIFE vai contribuir para estender a expertise que o Baobá acumula em 11 anos de trabalho com a filantropia para equidade racial?

Giovanni HarveyComeçar a participar, de forma orgânica, do dia a dia do GIFE já representa um ganho para o Fundo Baobá, pela intensidade das trocas e pela possibilidade da nossa instituição incidir no rumo dos debates internos que subsidiam o processo de tomada de decisões. A decisão pela associação foi tomada sem ressalvas. A  relação com o GIFE é um livro com páginas não escritas. E elas serão escritas em conjunto. O que posso dizer, neste momento, é que o Fundo Baobá tem a expectativa de que a participação no GIFE contribua para a melhoria contínua dos seus processos e permita, através da troca de experiências com os demais associados, aumentar a efetividade e o impacto das doações que a instituição realiza com o intuito de fortalecer as iniciativas lideradas por pessoas e organizações do movimento negro,  que se dedicam a enfrentar o racismo e promover a equidade racial no Brasil.

Quando agregamos alguém ou algo ao nosso cotidiano, olhamos também o que aquele novo elemento pode nos trazer. O que o Fundo Baobá pode trazer para o GIFE? 

Cassio FrançaA expectativa é muito positiva no que diz respeito ao avanço e aprofundamento de temas estratégicos e emergências no campo do investimento social privado e da filantropia, como a filantropia colaborativa, o apoio a organizações da sociedade civil e, sobretudo, a promoção da equidade racial. Esses são temas de nossa agenda e que dialogam diretamente com o trabalho realizado pelo Fundo Baobá e, por isso, acreditamos que a presença do Baobá  enriquecerá ainda mais os debates, especialmente em nossas redes temáticas. 

Quais serão os primeiros passos dessa associação? 

Giovanni HarveyNós começamos a participar das instâncias decisórias formais. Estamos contribuindo na formulação de diretrizes nos temas nos quais temos expertise e assumindo responsabilidades e tarefas afetas à agenda institucional, incluindo debates internos e organização de eventos. Estamos aprendendo bastante e tendo oportunidades de troca com os demais associados.

Cassio França – A associação do Fundo Baobá chega em um momento propício para que os assuntos ao redor do plano estratégico do GIFE ganhem mais potência. 

Existe algo que você queira comentar e não foi abordado aqui?  

Giovanni Harvey O tema das relações raciais e o enfrentamento ao racismo estrutural são os eixos que orientam a atuação do Fundo Baobá. Nós temos o entendimento de que, atuando de forma orgânica e propositiva, nós poderemos ampliar a presença destes temas no contexto dos demais temas que mobilizam a filantropia no Brasil, numa via de mão dupla que também nos fará assumir responsabilidades institucionais no sentido de fortalecer outras agendas que, somadas às nossas causas, são fundamentais para o aperfeiçoamento da democracia no Brasil.

Cassio FrançaO fortalecimento da democracia está no centro do plano estratégico do GIFE para 2022. Traduzimos, para este período, o fortalecimento da democracia em três grandes eixos: enfrentamento às desigualdades estruturais; promoção da equidade racial e fortalecimento da sociedade civil. Isso significa que, ao longo deste ano, estaremos promovendo mais discussões, produzindo conteúdo e incentivando nossos associados a desenvolver ações que fortalecem a democracia. 

Malcolm X teria completado 97 anos neste 2022 e pelo carisma, elegância, discurso e luta ele faz muita falta

Quando cumpriu seis anos de prisão, os livros e a busca do conhecimento foram sua saída 

    Por Wagner Prado

Malcolm Little. O nome é familiar a você? Nascido no início do Século 20, exatamente em 1925, neste ano de 2022 o mundo, especificamente os Estados Unidos, comemora o aniversário de 97 anos de seu nascimento. Little tornou-se um símbolo na luta pelos direitos civis dos negros nos anos 1950/1960. Sua oratória era incendiária. Fazia pensar, refletir e agir. Malcolm Little tornou-se mundialmente conhecido pelo nome que adotou: Malcolm X. Ele talvez seja a mais pura tradução do que o racismo estrutural pode fazer com alguém. As informações contidas aqui são fruto da leitura do livro Malcolm X – Autobiografia, escrita por ele em parceria com o jornalista Alex Haley.  

Malcolm Little nasceu em Omaha, no estado de Nebraska (meio oeste dos EUA). Filho de um pastor, Earl Little, e de Louise Helen Little, perdeu o pai muito cedo, em circunstâncias suspeitas. Oficialmente, Earl Little teria sido atropelado por um bonde. Mas exames feitos em seu cadáver descobriram um ferimento na cabeça, que não foi causado no suposto atropelamento. Earl, em suas pregações, defendia a independência e separatismo negro da sociedade branca. O que se suspeita é que Earl Little tenha sido surrado e seu corpo colocado na linha férrea do bonde para ser atropelado. 

A morte do pastor Earl Little deixou Louise Helen sozinha para cuidar de oito filhos. O estado norte-americano  desfez a família, mandando cada uma das crianças para famílias diferentes. Malcolm foi morar em uma residência branca mas, aos 14 anos decidiu fugir.  Apesar de bom aluno, o racismo o atingiu em cheio quando, ao revelar para um professor que seu sonho era ser advogado, o professor o desencorajou ao dizer que ser advogado não se adequava a um negro. Seria melhor ele pensar em ser um carpinteiro. A partir disso, o então bom aluno tornou-se um menino problema, até ser expulso da escola. 

Malcolm arrumou um bico no trem que ia de Omaha até Nova York (leste dos EUA). Na Big Apple, a vida do menino foi completamente transformada. Vivendo no  Harlem em uma época em que o tráfico de drogas começava a se organizar e ganhar as ruas, o garoto foi crescendo como o que hoje, na gíria, é conhecido por aviãozinho (aquele que faz a intermediação da venda da droga entre o consumidor e o traficante). Daí para outras contravenções, como roubos e furtos, não demorou muito. A lei trancafiou Malcolm.   

A transformação para Malcolm X

Condenado a 10 anos por tráfico de drogas e roubo, a prisão acabou sendo o grande marco transformador na vida de Malcolm Little. Cumprindo pena, ele conheceu John Elton Bembry, a quem ele carinhosamente chamava de Bimbi. Bembry era um autodidata e incentivou Malcolm a procurar conhecimento. Ele passou a ter interesse pelos livros e fez da leitura e do conhecimento suas bases, assim como a oratória transformou-se em sua principal habilidade. Quando saiu da cadeia, após cumprir seis dos 10 aos quais havia sido condenado, juntou-se à Nação do Islã, comandada por Elijah Muhammad, onde já militavam dois de seus irmãos. 

Malcolm Little rompeu com tudo o que dissesse respeito ao homem branco. Daí a decisão de retirar de seu nome o sobrenome Little. O motivo alegado por ele era de que os senhores de escravos davam a estes os seus sobrenomes. Isso caracterizava propriedade. Como ele considerava-se livre e não propriedade de nenhum Little, passaria a ter o sobrenome “X”. 

Nação do Islã

Malcolm X rapidamente foi ganhando espaço dentro da Nação do Islã, comandada por Elijah Muhammad. Tornou-se seu principal porta-voz. Seus discursos fortíssimos fizeram com que a Nação do Islã crescesse de 500 fiéis para mais de 30 mil em apenas dois anos. Ele era o homem que percorria os EUA com pregações e angariava novos fieis. Seu objetivo era fazer com que os negros americanos tivessem seus direitos respeitados, nem que para isso tivessem que pegar em armas. 

Malcolm X passou a ser uma figura midiática. Com frequência estava nas principais redes de tevê dando entrevistas polêmicas. Como não se escondia de dar boas e contundentes respostas, sempre era fustigado pelos entrevistadores. O mundo passou a ter percepção do que ele dizia. Suas opiniões e suas aparições passaram a causar ciúme dentro da Nação do Islã. Seu brilho ofuscava o líder Elijah Muhammad. Uma declaração de Malcolm X quando do assassinato do então presidente John Fitzgerald Kennedy,  em 1963, fez a coisa azedar com a Nação do Islã. Ao ser questionado sobre o assassinato, Malcolm X disse algo como: “Você colhe o que você planta”.  Elijah Muhammad ordenou que ele não mais se manifestasse. Foi nesse contexto que Malcolm X fez uma denúncia contra Elijah. O líder da Nação do Islã estaria utilizando parte do dinheiro arrecadado pela irmandade em proveito pessoal, além de ter filhos com meninas adolescentes que Muhammad utilizava como suas secretárias. Elijah Muhammad era casado. E mesmo que não fosse, aquilo não era comportamento de um líder religioso. 

Traidor e Insurgente

A partir de sua denúncia, Malcolm X foi declarado traidor da Nação do Islã. Ao mesmo tempo, por conta de seus discursos e reivindicações pelos direitos dos negros, o FBI (Federal Bureau of Investigations / Departamento Federal de Investigações) já estava de olho nele e o classificara como insurgente, um subversivo que merecia toda atenção porque poderia levar o país a uma convulsão racial. Ele passou a ser grampeado, seguido e monitorado. 

O atentado

Depois de se desligar da Nação do Islã, Malcolm X viajou para cidade de Meca, na Arábia Saudita, o templo do islamismo. Ao voltar ele fundou a Organização para a Unidade Afro-Americana, (Organization of Afro-American Unity – OAAU), que não era uma organização religiosa de defesa da identidade negra e de combate radical ao racismo. Malcolm X passou a receber várias ameaças de morte. Uma atentado a bomba foi feito em sua casa em 14 de fevereiro. Ninguém se feriu e, em declarações à tevê, Malcolm X culpou a Nação do Islã pelo ocorrido. 

O assassinato

Em 21 de fevereiro de 1965, durante evento da Organização para a Unidade Afro-Americana no Audubon Ballroom, no bairro Washington Heights, em Manhattan (Nova York), enquanto Malcolm X falava no púlpito colocado no palco, um tumulto teve início. Os seguranças tentaram conter o problema e se dispersaram. Nisso, três homens se aproximaram do palco e começaram a disparar contra Malcolm X. Os tiros foram dados em direção ao seu peito. No total, foram 13  tiros. Ele teve morte instantânea. Ali morria o homem, mas nascia o mito, cujo legado de luta e perseverança pela comunidade negra e para a comunidade negra permanece nos dias de hoje. Com certeza em 2025, quando do centenário de seu  nascimento, muito do que ele fez e deixou será rememorado. 

Para saber muito mais sobre Malcolm X 

1 – Livro: Malcolm X – Autobiografia / Autores – Malcolm X e Alex Haley

2 – Filme: Malcolm X (1992) – Direção: Spike Lee – Com: Denzel Washington como Malcolm X

3 – Documentário: Quem matou Malcolm X (2020) – Direção: Rachel Dretzin e Phil Bertelsen

 

Morre o ator Milton Gonçalves, aos 88 anos

Por Wagner Prado

O Brasil perdeu no início da tarde deste 30 de maio uma de suas grandes referências artísticas da dramaturgia. Morreu no Rio de Janeiro, em consequência de problemas relacionados a um Acidente Vascular Cerebral (AVC), o ator Milton Gonçalves, de 88 anos.
Milton Gonçalves fazia parte do elenco de atores da Rede Globo, onde fez praticamente tudo: 40 novelas, casos especiais, minisséries, humorísticos e apresentações. Gonçalves era mineiro de Monte Santo. Ele nasceu em 9 de dezembro de 1933.

Neste ano de 2022, o ator foi homenageado pela escola de samba Acadêmicos de Santa Cruz, do Rio de Janeiro, com o enredo Axé, Milton Gonçalves – No Catupé da Santa Cruz, que mostrou a história do ator desde sua saída de Minas, a chegada no Rio, seu envolvimento no mundo das artes e o engajamento político. Milton foi um dos fundadores do Teatro de Arena, onde se destacou com as peças “Eles não Usam Black Tie” e “Arena Conta Zumbi”. Como ativista político, militou em prol da redemocratização durante a Ditadura Militar. Também foi voz influente no debate racial, dentro e fora do então PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) e desde 2017 MDB (Movimento Democrático Brasileiro).

Na tevê, Milton Gonçalves fez personagens marcantes, como o Braz Canoeiro, na primeira versão da novela Irmãos Coragem (1970/1971). Sua última participação em novelas ocorreu em 2018, quando interpretou o catador de lixo Eliseu em “O Tempo Não Para”.

Quilombolas em Defesa: Em busca de seus direitos, organizações compartilham o saber

        Por Wagner Prado 

Eu tenho uma casinha lá na Marambaia

Fica na beira da praia, só vendo que beleza

Tem uma trepadeira, que na primavera

Fica toda florescida de brincos de princesa

Quando chega o verão eu sento na varanda

Pego o meu violão e começo a cantar

E o meu moreno que tá sempre bem disposto

Senta ao meu lado e começa a cantar

Casinha na Marambaia / autores: Henricão e Rubens Campos

Os versos da canção Casinha na Marambaia, ilha do litoral fluminense, levam a mente a imaginar um lugar bucólico (e isso é mesmo!), de vida acontecendo de forma lenta e quase sem  esforço. A realidade não está muito longe do que a letra da música diz. Mas deve ser acrescentado a isso muito trabalho, busca pelo desenvolvimento e luta pelos direitos da comunidade quilombola do local. Eles descendem de africanos escravizados, levados de forma forçada àquele local para trabalhar no plantio e colheita de café, atividade agrícola que lá era desenvolvida no Século 19. Hoje, a Marambaia está sob posse das Forças Armadas do Brasil, mais precisamente da Marinha Brasileira, com quem os moradores travam briga jurídica secular, uma vez que reivindicam a posse coletiva do território da   Marambaia, que é deles por direito.

Na Marambaia está a Associação da Comunidade dos Remanescentes de Quilombo da Ilha de Marambaia (Arqimar), que tem em Jaqueline Alves uma de suas lideranças. A comunidade sobrevive da agricultura e da pesca. Com apoio do Baobá pretende alcançar um melhor desenvolvimento de sua produção agrícola, e  um  incremento de seus produtos de pesca visando geração de renda  e autossustentabilidade. 

Jaqueline Alves -Associação da Comunidade dos Remanescentes de Quilombo da Ilha de Marambaia – RJ

A vida é semelhante para a Associação dos Remanescentes de Quilombos de Alto Alegre, a Arqua, da cidade de Horizonte, no Ceará. A luta dos quilombolas da Arqua, liderada por Cícero Luiz da Silva, é praticamente a mesma: salvaguardar os direitos da comunidade sobre suas terras, proteger seu modo de vida e costumes da predação cultural. 

A necessidade de buscar o conhecimento, o desenvolvimento e a manutenção de suas existências levou as duas associações a inscreverem-se no edital Quilombolas em Defesa: Vidas, Direitos e Justiça, do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas). O edital conta com financiamento da IAF (Inter American Foundation) e beneficia 35 organizações formadas e dirigidas por quilombolas. Cada uma recebe R$ 30 mil.  

A Associação da Comunidade dos Remanescentes de Quilombo da Ilha de Marambaia e a Associação dos Remanescentes de Quilombos de Alto Alegre (Arqua) estão em pleno exercício do aprendizado de novas habilidades para pôr em curso suas estratégias de sobrevivência. Desse aprendizado fazem parte treinamentos sobre como desenvolver uma proposta de projeto, elaboração de um plano de ação, cronograma de atividades, planejamento financeiro, letramento digital (uso das ferramentas digitais em prol do aprendizado), entre outros conhecimentos. 

Para Cícero Luiz da Silva, da Arqua, o objetivo que buscam é “promover a igualdade racial em direitos para a população quilombola de Alto Alegre, buscando fortalecer,  juntamente com as comunidades do estado do Ceará, a luta pela titulação dos territórios, elaborar e sugerir políticas, inclusive de ações afirmativas, promover trabalhos e estabelecer estratégias para proporcionar desenvolvimento sócio econômico, educacional e cultural, além de proteção ao meio ambiente e aos saberes e fazeres quilombola desta comunidade, além do combate às ações racistas e discriminatórias”, revela.

Cícero Luis da Silva – Associação de Remanescentes de Quilombos de Alto Alegre – CE

Quase na mesma linha, Jaqueline Alves, da Associação da Comunidade dos Remanescentes de Quilombo da Ilha de Marambaia, dá seu depoimento: “Nossa luta é  por melhores condições para a comunidade. Promover o desenvolvimento sustentável do povo quilombola e da atividade pesqueira. A produção social e econômica dos pescadores artesanais e de maricultura da Ilha da Marambaia. Defender juridicamente a comunidade, instituir e executar programas de salvaguarda dos saberes ancestrais, promovendo a preservação do meio ambiente e recursos naturais”, diz. 

Atividades Implementadas

As atividades de aprendizado para que as associações fortaleçam a sua resistência institucional já estão sendo implantadas. A Arqimar realizou no mês de maio uma Oficina sobre Direitos Quilombolas. Já no mês de junho o tema será Políticas Públicas. Em setembro, dando continuidade ao aprendizado sobre Políticas Públicas, os participantes da Oficina vão fazer uma visita ao MPF (Ministério Público Federal) do Rio de Janeiro. A área Ambiental e a Cultural também vão ter uma agenda de eventos e atividades formativas. 

A Arqua também já está em pleno exercício do plano de ação proposto e revisado  depois dos encontros  realizados pelo Fundo Baobá. Vai utilizar rodas de conversa para difundir saberes e fortalecer a memória quilombola com fatos históricos. Também utilizará as rodas para incutir nos jovens a importância sobre o que é estar no território do Alto Alegre,  além de já ter estabelecido três oficinas: Café com Manjeiroba – Sabores e Saberes Ancestrais; Miolo de Pote – Miolando os Saberes das Mulheres e Educação Escolar – Caminhos Percorridos para implementar a Educação Quilombola na Comunidade de Alto Alegre.  As duas primeiras aconteceram no mês de maio. A terceira, acontece em junho. 

Saberes têm que ser compartilhados e a luta em defesa de direitos reforçada. 

Vidas Negras, Dignidade e Justiça: as transformações que vêm do aprendizado

Duas organizações participantes do edital,  ao mesmo tempo que se 

transformam, mudam também o que está no seu entorno

Por Wagner Prado

O significado do verbo “transformar” tem uma explicação até que simples no dicionário: “é o ato de fazer tomar nova feição ou caráter; fazer passar de um estado ou condição a outro. Alterar, modificar, converter”. E é sobre a transformação que vamos tratar aqui. Tudo, porém, começa de uma intenção, um objetivo ou um desejo. Intenção, objetivo ou desejo que moveram duas organizações a participar do edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça, iniciativa do Fundo Baobá para Equidade Racial com apoio do Google.org. Como parte integrante do Programa Equidade Racial e Justiça, o Vidas Negras: Dignidade e Justiça tem como foco fortalecer o ativismo do povo negro, a resiliência em busca de justiça, além do engajamento de comunidades, vítimas, sobreviventes e aliados. O edital está voltado ao apoio a organizações que promovem ações de enfrentamento ao racismo. 

Entre essas organizações estão a Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violência do Estado do Espírito Santo (AMAFAVV), da cidade de Vitória,  e a Tenda de Umbanda e Caridade Caboclo Flecheiro  D´Araroba, da cidade de Olinda, em Pernambuco. O edital foi dividido em quatro eixos temáticos e as organizações deveriam apresentar projeto relacionado a um deles, a saber: Eixo 1 – Enfrentamento à Violência Racial Sistêmica; Eixo 2 – Proteção Comunitária e Promoção da Equidade Racial; Eixo 3 – Enfrentamento ao Encarceramento em Massa entre Adultos e Jovens Negros e Redução da Idade Penal para Adolescentes e Eixo 4 – Reparação para Vítimas e Sobreviventes de Injustiças Criminais com Viés Racial.  A  AMAFAVV, inscreveu-se e foi selecionada com projeto no Eixo 1. A  Tenda de Umbanda e Caridade Caboclo Flecheiro  D´Araroba, no Eixo 2. 

Os Projetos

O projeto da Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violência do Estado do Espírito Santo ultrapassa o limite do estado. Ele junta pessoas espalhadas por todo Brasil, unidas por uma dura realidade comum: a violência sofrida. Uma de suas líderes, Maria das Graças Nascimento Nacort, fala sobre ele: “O projeto se chama  Rede de Familiares em Luta contra a Violência de Estado e o racismo. O objetivo é o fortalecimento, em nível nacional, da rede de familiares contra o terrorismo de Estado. Seus integrantes estão atuando no sentido de articular ações de promoção da campanha pública sobre violência de Estado, genocídio negro e os direitos humanos”, afirma. 

Maria das Graças Nascimento Nacort – Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violência do Estado do Espírito Santo

O principal objetivo da AMAFAVV para 2022 era a realização do Encontro Nacional de Mães e Familiares de Vítimas de Terrorismo de Estado. O encontro, cuja última edição havia ocorrido em 2019 e deixou de ser realizado por dois anos devido à pandemia da Covid-19,  aconteceu em Fortaleza, no Ceará, entre os dias 17 e 20 de maio e reuniu cerca de 150 pessoas de 12 estados brasileiros. O lema das mães presentes foi “Transformar Luto em Luta”. A maioria delas  tinha em comum o fato de terem perdido filhos em ações da Polícia Militar.  A realização do encontro consagrou uma das metas da AMAFAVV: “O objetivo principal é o fortalecimento em nível nacional da rede de familiares contra o terrorismo de Estado na sua luta pela verdade, memória e justiça racial”, disse Maria das Graças. 

A Tenda de Umbanda e Caridade Caboclo Flecheiro  D´Araroba é representada por Edson Araújo Nunes, na religião conhecido como Pai Edson de Omolu. Dentro do que se propõe no Eixo 2 do edital: Proteção Comunitária e Promoção da Equidade Racial, está trabalhando na viabilização do projeto Racismo Religioso: Respeita Minha Fé! A busca pelo exercício do direito à liberdade de praticar e difundir uma vertente de religião de matriz africana, foi o que impulsionou a Caboclo Flecheiro D’Araroba. “Destacar a autonomia e autoconhecimento dos povos de terreiro é essencial para a manutenção do direito fundamental à liberdade religiosa. Nossa instituição já sofreu e sofre ataques violentos contra a liberdade de crença e culto. Identificar os territórios de violência religiosa, o perfil dos agressores e suas práticas comuns de agressão e difundir o conhecimento sobre os direitos religiosos é necessário para promover ações de defesa e impedir novos ataques”, afirma Edson Araujo Nunes. 

Edson de Araújo Nunes (Pai Edson de Omolu) – Tenda de Umbanda e Caridade Caboclo Flecheiro D`Araroba – PE

Os Resultados

A estratégia da Tenda de Umbanda e Caridade Caboclo Flecheiro D’Araroba para levar, ao maior número de pessoas possível, o conhecimento sobre o direito a sua prática religiosa foi centrada na Comunicação. Primeiro, foi estabelecido um questionário para levantamento de dados etnográficos dos terreiros afroreligiosos. Mas o que é isso? Dados etnográficos são  informações que levam ao conhecimento sobre aspectos culturais e comportamentais de  determinados grupos dentro de uma sociedade. Em curta definição, é a descrição cultural. 

A estratégia surtiu efeito. A pesquisa realizada pela Caboclo Flecheiro, quando divulgada,  foi repercutida pela mídia. A TV Pernambuco noticiou em reportagem do programa Notícia da Hora a questão da perseguição pelos quais os diferentes terreiros em Recife, seus fiéis e frequentadores estavam passando. A mesma estratégia alcançou o site Obirin, o Correio Nagô,  apenas para restringir em três exemplos, evidências sobre a eficácia da estrategia estabelecida. Para movimentar ainda mais a adesão popular à causa, foi feita uma página no Instagram visando a divulgação de todas as ações envolvendo o projeto Racismo Religioso: Respeita Minha Fé.  

A liderança da AMAFAVV centrou seus esforços na realização de reuniões de articulação visando o Encontro Nacional de Mães e Familiares de Vítimas de Terrorismo de Estado. Além de trabalhar a questão dentro de seu próprio estado, o trabalho também incluiu o contato com associações de mães e familiares de outras partes do Brasil para o estabelecimento das ações que aconteceram em Fortaleza durante o encontro nacional. Para lá, as representantes capixabas levaram uma realidade que não é muito diferente de outros estados do país. Entre 2018  e 2021, de acordo com dados da Sesp (Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Espírito Santo), 149 pessoas foram mortas durante ações policiais. Um dos casos que mais chamou a atenção foi o de Weliton da Silva Dias, de 24 anos, morto por um policial com dois tiros no peito. No momento dos disparos, Weliton estava com os braços levantados e as mãos na  parte de trás do pescoço. 

As transformações são importantes. Tão importante quanto elas são os caminhos perseguidos até alcançá-las. o Edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça  do Fundo Baobá para Equidade Racial foi lançado em maio de 2021 em parceria com o Google.org,  destinou R$ 100 mil para cada uma das 12 organizações selecionadas, além de investimentos indiretos em treinamento e assessorias técnicas para o fortalecimento institucional. As mudanças promovidas por estas duas organizações são também fruto  desse investimento e treinamento. O legado do Baobá está refletido no trabalho realizado pelas organizações que ele apoia. 

Encontro com estudantes do Já É marca a história do Programa

Equipe e participantes estiveram juntos durante o dia 21 de Maio de 2022 e os laços foram ainda mais fortalecidos

Por Ingrid Ferreira

Gratidão, felicidade, satisfação, inspiração, motivação e esperança… Essas foram algumas das palavras ditas em alto e bom tom por estudantes do Programa Já É,  para descrever o encontro presencial que aconteceu no sábado, dia 21 de maio de 2022. O encontro contou com a presença de jovens apoiados desde 2021, que estão no cursinho pré-vestibular ou já ingressaram na universidade, diretoria e equipe do Fundo Baobá e representantes da empresa MetLife, que está financiando o segundo ano do Programa.

O dia rendeu e foi repleto de atividades. Teve café da manhã, dinâmicas, almoço e lanche da tarde.  Giovanni Harvey, diretor executivo do Fundo Baobá, falou para os presentes. Além disso, aconteceu uma conversa com Thais Catucci,  Gerente de Comunicação Interna e Responsabilidade Social da MetLife Brasil, Edna Alcântara, diretora do Afro Presença, que é o comitê afro da empresa e Tatiane Santos que ocupa o cargo de Controller.  Além de um momento com Ellen Piedade e equipe Black Coach, falando sobre a mentoria coletiva e seus pilares de desenvolvimento emocional e de técnica, que será oferecida aos alunos.

O encontro durou o dia todo e teve como intuito aproximar estudantes, equipe e financiadores,  gerando muita emoção a todos os presentes, como é possível perceber na fala da Thais Catucci: “Após dois anos de distanciamento e reuniões virtuais, conhecer as pessoas ao vivo faz toda a diferença e gera maior identificação ​entre nós, as e os jovens que recebem nosso apoio por meio de projetos como este. Sabemos que o Programa Já É é uma oportunidade incrível e pudemos perceber como ela está sendo bem aproveitada. Que vocês possam servir de inspiração para todos nós”.

Thais Catucci – Gerente de Comunicação Interna e Responsabilidade Social da MetLife Brasil

Realmente, foram muitas inspirações na conversa com a Thais. O microfone ficou aberto para jovens que quisessem falar um pouco sobre suas experiências no Programa. O depoimento de Thauany Christina Gabriel Aniceto de Souza, 26 anos,  contagiou a todos, principalmente ao revelar um pouco sobre sua realidade:

“Eu me inscrevi pelo site, mas sem muitas expectativas e quando eu fui selecionada (em 2021), foi algo muito importante para mim. Eu tenho uma filha de 3 anos, então acaba sendo um desafio ainda maior me dedicar aos estudos. Mas eu tenho muito apoio, tanto dos meus colegas quanto do Fundo Baobá. Estou no Programa desde o ano passado, mas não tive uma nota satisfatória para tentar as faculdades que eu almejava. Quero cursar enfermagem e este ano estou procurando equilibrar melhor meu trabalho, meus estudos e os cuidados com a minha filha. Até mesmo porque eu quero ser um exemplo para ela. Eu serei a segunda filha da minha mãe a entrar na faculdade. É um desafio enorme, tem dias que eu acordo e acho que não conseguirei e, ao chegar no cursinho,  os meus colegas me apoiam a continuar.  Sei que hoje estou mais fora de casa pra quando minha filha for adolescente ela poder ter conforto, estudar e trabalhar para ela e não pra ajudar em casa”.

Thauany Christina Gabriel Aniceto de Souza – Membra do grupo que se prepara para os vestibulares com apoio do Programa Já é

A fala de Thauany revela a realidade de muitas mulheres pretas no Brasil, que são responsáveis por cuidar de suas famílias. Além disso, prova como a ação da educação é transformadora para toda a comunidade.

Além do depoimento de Thauany, Joyce Cristina Nogueira, 21 anos, também emocionou a todos ao contar que, através do Já É,  conseguiu ingressar na universidade e hoje cursa Lazer e Turismo na USP (Universidade de São Paulo).

Joyce fala que: “Nada na vida me deu tanto suporte quanto o Baobá. Hoje eu faço Lazer e Turismo na USP. Eu passei quatro anos tentando. Tentei a Fuvest uma vez, fui para a segunda fase e não passei. Agora, finalmente eu consegui pelo SISU (Sistema de Seleção Unificada). Foi uma coisa que eu quis a minha vida toda e foi muito difícil, inclusive com documentação para minha matrícula. Mesmo depois de passar, eu fui no cursinho durante uns cinco dias, porque lá eu recebia muito apoio do pessoal. Eu sempre digo que a minha base é a família, mas não a família à qual eu fui destinada. Mas sim a família que eu construí, e o Baobá faz muito parte disso. Eu sinto a necessidade de fazer por mim e pelas outras pessoas que, como eu, estão lutando. Sou a primeira filha da minha mãe a entrar na faculdade e eu quero possibilitar abrir as portas para as pessoas que ainda estão por vir”.

Joyce Cristina Nogueira -Membra do grupo de universitárias(os) do Programa Já é.

Após o evento, alguns jovens também comentaram as suas percepções sobre o encontro. Um deles foi Taynara Silva Santos, 22 anos, que está cursando Ciências Sociais na Unifesp. Ela falou o seguinte: “O encontro representou para mim, no geral, o firmamento de ideias e iniciativa, que só trouxe resultado bom para quem faz parte, apesar das adversidades da rotina. Houve o estreitamento de laços, que é ótimo, depois de passar por esse período horroroso da pandemia, com o distanciamento social. Foi muito bom ver algumas das pessoas que estão por trás do projeto, que são as engrenagens para tudo isso acontecer. Deixo registrado,  inclusive, o meu agradecimento por tudo que fizeram e permanecem fazendo por nós!”.

Taynara Silva Santos – Membra do grupo de universitárias(os) do Programa Já é

O aluno João Gabriel Ribeiro dos Santos, 21 anos, que está no cursinho pré-vestibular, falou: “O encontro foi simplesmente fortificante e inspirador, por poder ouvir as histórias dos meus colegas que já passaram pelo cursinho pré-vestibular e dos que estão também na tentativa de ingressar na faculdade. Foi também uma oportunidade de começar novas amizades e estreitar laços com quem eu já tinha. Me deu novos olhares sobre como lidar com os empecilhos que, às vezes,  desanimam e me fazem pensar em desistir. O encontro mostrou que o futuro será melhor. Não que o presente não esteja bem, mas que as barreiras de hoje me dão experiência para que a superação das de amanhã sejam mais fáceis”.

João Gabriel Ribeiro – Membro do grupo que se prepara para os vestibulares com apoio do Programa Já é

A corrente de apoio construída no Já É não é só do Programa para com o estudante, envolve as trocas entre participantes, o apoio de um para com o outro e o retorno que eles trazem para a equipe, como uma espécie de feedback, ajuda o time do Fundo Baobá a sentir a realização, vendo os frutos do seu trabalho em prol de mais e melhores oportunidades para que pessoas negras alcancem seu pleno potencial sendo colhidos.

Baobá na imprensa em Abril

imprensa

Por Ingrid Ferreira

No mês de abril o Fundo Baobá teve uma grande repercussão na mídia internacional por ter sido uma das organizações selecionadas pela bilionária MacKenzie Scott para receber uma doação de parte de sua fortuna, a notícia se estendeu para o mês de maio, e foi tema de uma matéria do UOL com o seguinte título: “Ex de Bezos, MacKenzie Scott doa milhões para incentivar ONGs pelo Brasil”.

E o portal Geledés e o GIFE também falaram sobre o assunto na matéria “Doações de Mackenzie Scott fortalecem sociedade civil brasileira”, em que relata que: “A contribuição financeira de Mackenzie fortalece o trabalho de organizações da sociedade civil atuantes na área de educação, saúde, desenvolvimento urbano, ambiental, mulheres e equidade racial, que é a pauta trabalhada pelo Baobá”.

O Valor publicou a matéria “Quantos e-mails valem US$ 5 milhões?”, em que conta a diligência pela qual a Brazil Foundation, como as demais instituições passaram para receber a doação milionária de Mackenzie Scott, e cita o Fundo Baobá como um recebedores, acompanhado do comentário da Rebecca Tavares CEO da instituição: “Ela escolheu entidades que estão fazendo um trabalho excelente, com uma atuação mais estratégica em direito das mulheres, direitos humanos e em educação para cidadania”.

A Folha de Pernambuco deu destaque ao edital Negros, Negócios e Alimentação, com o título “Empreendedores negros do ramo alimentício receberão aporte de R$ 30 mil”, em que explica que Baobá anunciou os 14 empreendedores (as) negros (as) do ramo alimentício, que receberão R$ 30 mil para crescimento de suas empresas.

Além disso, o Portal Alyne Kaiser falou sobre a participação do estado do Amapá no edital Vidas Negras, Dignidade e Justiça, na matéria “Associação de jovens quilombolas é contemplada com edital do Fundo Baobá”. E o IDIS citou o Baobá na matéria: “Advocacy presencial pelos fundos patrimoniais é retomado em Brasília”.

Organizações e lideranças apoiadas pelo Fundo Baobá:

O artigo  “Pureza e o filme, no enfrentamento ao Trabalho Escravo no Brasil”, publicado no Portal Geledés, é de autoria de Brígida Rocha dos Santos, uma das lideranças apoiada na primeira edição do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, uma iniciativa do Fundo Baobá para Equidade Racial com apoio da Fundação Kellogg, Fundação Ford, Instituto Ibirapitanga e Open Society Foundations. 

No instagram do Portal Geledés, encontra-se também o artigo “Políticas antirracistas no Governo Federal em 2023: O quê se entrevê em um governo de centro?”, em que a autora Clara Marinho Pereira, fala sobre Lei de Cotas no ensino superior federal, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) das Domésticas e a Lei de Cotas no Serviço Público.

E a página contou também com o artigo “Celebrar nossas conquistas também é ser antirracista”, em que a autora Jaqueline Fraga, fala sobre diversas formas de modificar o ambiente ao qual pessoas pretas estão expostas.

Clara Marinho e Jaqueline Fraga também foram apoiadas pelo Fundo Baobá na primeira edição do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. 

Entrevista com Tiago Borba do Instituto Unibanco

Por Ingrid Ferreira

No dia 24 de outubro de 2016, acontecia o II Seminário Gestão Escolar para a Equidade – Juventude Negra, e nele foi lançado o II Edital Gestão Escolar para a Equidade – Juventude Negra, atualmente, seis anos depois, conversamos com Tiago Borba que é Gerente de Gestão Estratégica no Instituto Unibanco, que foi o responsável por financiar o edital.

Ao ser questionado a respeito do que o Instituto Unibanco pode dizer sobre a questão racial no Ensino Médio, Tiago fala que: “Não é possível avançar no sentido de uma educação de qualidade sem o enfrentamento às desigualdades. No contexto brasileiro, a racial é a estruturante. Enfrentamento só se faz compreendendo e atacando as alavancas que mantêm e fortalecem a discriminação e a perpetuação do racismo no processo educativo”.

Tiago Borba – Gerente de Gestão Estratégica do Instituto Unibanco

Tiago ressalta: “A gestão tem grande importância, como identificar as fragilidades das escolas e redes, promovendo ações que incidam na implementação da Lei 10.639/2003 que fala a respeito das práticas de diversidade étnico-racial na educação. Institucionalizar ações concretas que valorizem a episteme e cultura africana nas atividades pedagógicas, formando os profissionais da educação, ou gerar dados robustos racializados e a capacidade de analisá-los para tomada de decisão e desenho de políticas públicas são exemplos de ações que são de responsabilidade da gestão, que podem gerar transformações e equidade”.

Como é possível observar, o tema segue sendo muito atual, e a busca da  equidade racial na educação formal deve prevalecer, tanto que Tiago comenta a respeito da importância de a doação ter sido destinada ao Fundo Baobá, ele fala que o fortalecimento institucional de agentes relevantes no campo social e de educação é uma das frentes de atuação do Instituto Unibanco e que no campo do combate às desigualdades raciais, o Fundo Baobá é central, legítimo e possui potência de transformação.

O Gerente de Gestão Estratégica preocupa-se também em falar que o Instituto Unibanco possui missões equivalentes ao Fundo Baobá, como o objetivo de promover a promoção da equidade racial para a população negra no Brasil, e a forma que isso é feito, segundo ele, fortalecendo e investindo em organizações e lideranças negras comprometidas com o enfrentamento ao racismo.

O Instituto Unibanco apóia outras instituições também, sendo elas: ABPN (Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as), CDINN (Coletivo de Intelectuais Negras e Negros), Ação Educativa, IMJA (Instituto Maria João Aleixo) / Uniperiferias e agenda de equidade racial no mundo fundacional. Além do principal programa do Instituto Unibanco, que é o Jovem de Futuro, desenvolvendo e aplicando uma estratégia que envolve formação, autoavaliação e indicação de ações voltadas para a ERER (Educação para as relações étnico-raciais) que as escolas parceiras incluem em seus planos.

Programa de apoio a lideranças femininas negras e narrativas de mudança

Fundo Baobá cria vídeo com resultados do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Negras: Marielle Franco

Por Ingrid Ferreira

O Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, com duração prevista até 2023, busca ampliar e consolidar a participação de mulheres negras em posições de poder e influência, através de investimento em seus planos de desenvolvimento individual, formações políticas e técnicas e ainda no fortalecimento das organizações, grupos e coletivos liderados por elas. O Programa é dividido em  dois editais, realizados pelo Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Kellogg Foundation, Ford Foundation, Instituto Ibirapitanga e Open Society Foundations. São eles: Edital de Apoio Individual e Edital de Apoio Coletivo.

A 1ª edição do Programa apoiou 59 lideranças e 14 organizações, grupos e coletivos de mulheres negras de todo Brasil. Foram mais de R$4 milhões de investimento direto e cerca de R$400 mil de investimento indireto, através de assessorias, jornadas formativas e treinamentos realizados por especialistas e membros da equipe.

Considerando ambos os editais foram 520 mil beneficiários indiretos; mais de 1000 atividades realizadas pelas apoiadas para o compartilhamento de conhecimentos; 300 sessões de coach individual, sendo 5 por liderança; 45 sessões de coach institucional, sendo 3 por organização; e em ambos os editais, 100% das apoiadas reconhecem o Programa como decisivo para o enfrentamento dos impactos da pandemia.

Grande parte das apoiadas encontra-se na região Nordeste do país. No Edital de Apoio Individual, 26 das 59 apoiadas residem nos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, e esse quadro se repete no Edital de Apoio Coletivo, em que 9 em um total de 14 organizações estão localizadas nos estados Maranhão, Pernambuco, Bahia, Piauí e Paraíba.

A faixa etária das apoiadas individualmente variou entre 22 e 69 anos, atuantes nas áreas de Arte e Cultura; Ciência e Tecnologia; Comunicação; Desenvolvimento Humano; Desenvolvimento Sustentável; Direitos da População Jovem; Direitos da População Quilombola; Direitos das Mulheres; Direitos Humanos; Educação; Empreendedorismo e Saúde. Eram mulheres cis e trans, residentes na zona urbana e rural; 2% das  apoiadas tinham ensino fundamental; 13% ensino médio; 7% ensino técnico e 78% ensino superior.

A maioria das lideranças que recebeu apoio por meio do edital individual dedicou os recursos do Programa para seus estudos, sendo elas 92%. 76% adquiriram equipamentos. 61% insumos materiais, 56% buscaram atenção à saúde mental e 46% incluíram ainda o custeio de despesas pessoais. Além disso, no exercício de liderança, os recursos recebidos também foram utilizados para a realização de ações comunitárias e atividades com público diverso.

Uma boa fotografia dos esforços, resultados, mudanças vividas pode ser vista no site do Programa e no vídeo, elaborado em parceria com a Revista Afirmativa. Você pode saber das trajetórias, ouvir as mulheres negras apoiadas e ver essas e outras informações por meio de gráficos, depoimentos, vídeos e podcasts na página do edital, clicando aqui.

Futebol brasileiro continua sem dar chance a treinadores negros e fora do campo crescem os casos de racismo contra jogadores e torcedores 

No futebol feminino os casos de racismo também estão crescendo

Por Wagner Prado

Ao longo dos 128 anos (1894) em que foi introduzido e popularmente consolidado no Brasil, o futebol tornou-se um dos grandes produtos de exportação. Em 2021, segundo dados do relatório Raio X do Mercado, elaborado pela Diretoria de Registro, Transferência e Licenciamento da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), o volume de transferências de jogadores e jogadoras brasileiros para o exterior alcançou mais de um bilhão de reais. Exatamente: R$ 1.012.919.149,00. Somadas as transferências internas, a conta ultrapassa os R$ 2,2 bilhões. 

O sucesso do futebol dentro de campo -o país é o único a ostentar o título de cinco vezes campeão em Copas do Mundo- é que faz dele um sucesso comercial em termos de negociação de atletas. Mas esse sucesso não é refletido em termos de respeito à diversidade racial.

O Brasil gerou inúmeros e lendários craques negros. Ao mesmo tempo, o Brasil tem apenas um treinador negro orientando uma equipe da Série A, a principal do futebol no país. Jair Ventura é responsável pelo Goiás. As demais 19 equipes que disputam a competição nacional em 2022 não têm técnicos negros. Na Série B, também com 20 equipes, os únicos negros são Hélio dos Anjos, orientador da Ponte Preta, equipe de Campinas, e Roger Machado, do Grêmio, de Porto Alegre. 

O Brasil tem, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 56,2% de sua população formada por negros. Maioria absoluta. Mas a discussão sobre a não presença de treinadores de futebol de origem negra em suas principais equipes não é feita. O diretor  executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, Marcelo Carvalho, opina sobre o fato.  “O mais impressionante desses dados não é que não existam treinadores negros, mas que esse debate nem exista no futebol brasileiro. A sociedade brasileira não se surpreende por não ter negros nesses espaços, porque no Brasil não é comum ter negros nessas posições. O futebol acaba sendo uma repetição da sociedade racista”, disse ele em entrevista à AFP (Agência France Presse).

Seleção Brasileira

De 1930, quando disputou sua primeira Copa do Mundo, até 2022, a  Seleção Brasileira foi dirigida apenas por dois técnicos negros. O primeiro, Gentil Cardoso, em 1959. O segundo, Vanderlei Luxemburgo, de 1998 a 2000. Para o atual técnico da Seleção, Tite, isso se deve ao racismo. “Eu vou me posicionar. Luto e lutei minha vida toda contra minha ignorância. Procurei ler, aprender e estudar. E continuo. E contra a hipocrisia que é brincar de faz de conta, prefiro responder:  Há sim um preconceito. E ele é arraigado, estrutural, sim”, disse em entrevista coletiva em outubro de 2021, antes do jogo Brasil x Venezuela pelas Eliminatórias da Copa 2022. 

Um guerreiro

Roger Machado, atual técnico do Grêmio e que já treinou Bahia, Palmeiras,  Fluminense e Atlético Mineiro, tem se transformado em um dos mais atuantes agentes contra o racismo no futebol brasileiro. Ele é contundente ao falar sobre a questão dos técnicos negros. “O futebol revela o que somos como sociedade. A representatividade da população negra em outras áreas é muito parecida com a do futebol. Quando negros e brancos decidem ascender na pirâmide social, os filtros começam a aparecer. São os filtros da ideologia que criou o racismo e que atribui ao negro uma condição de menor inteligência, menor capacidade de liderança e gestão, justamente as competências de um treinador de futebol”, disse ao jornal Zero Hora.

Falando sobre sua trajetória no futebol e as coisas que teve de enfrentar, Roger Machado relata fatos do seu caminho para se firmar na profissão.  “O racismo velado, à brasileira, construiu falso mito de uma “democracia racial” na qual, em teoria, não havia racismo nem preconceitos no Brasil. A discriminação sistemática, estrutural, é outra, mais complexa. Nos meus primeiros trabalhos como treinador, muitas vezes, quando era demitido, questionavam a minha capacidade de gerir grupos, sendo que essa era uma das grandes capacidades que eu sempre tive como jogador, como liderança, como capitão”, afirmou Roger. . 

Futebol Feminino

O futebol feminino ainda está em fase de consolidação no Brasil. Já existe um Campeonato Brasileiro organizado, as transmissões na tevê estão se popularizando e as mazelas são quase as mesmas do futebol masculino, principalmente no que se refere ao desrespeito às jogadoras. As ofensas raciais e as de gênero são as mais frequentes. 

Um caso marcante ocorreu em novembro de 2021 durante jogo do Campeonato Brasiliense, conhecido como Candangão. O Cresspom (Clube Recreativo e Esportivo de Sub-Tenentes e Sargentos da Polícia Militar do Distrito Federal) enfrentava a Aruc (Associação Recreativa Unidos do Cruzeiro). No Cresspom joga Thamires da Conceição, a Buga. Ela sofreu ataque verbal racial por parte de um torcedor durante a partida e fez a denúncia policial. “Na hora do jogo, segurei a onda por ser profissional. Joguei, me dediquei ao clube, mas depois quando coloquei a cabeça no travesseiro foi um baque, chorei bastante. Doeu, rasgou a pele. De vez em quando me pego pensando no que aconteceu e me vem uma tristeza, mas a manifestação de apoio de várias pessoas me fez seguir para continuar meu trabalho e ir atrás de justiça”, disse Buga em entrevista ao Brasil De Fato. Entre 2014 e 2020 foram contabilizados 163 casos de ofensas raciais  no futebol feminino. Eles foram tipificados como casos de Injúria Racial. 

O caso envolvendo a jogadora Buga, do Cresspom, não é único. Ainda em 2021, durante jogo válido pela Taça Libertadores da América Feminina, o Corinthians enfrentou o Nacional, do Uruguai. A jogadora Adriana, do Corinthians, foi chamada de macaca por uma adversária. O Corinthians, à época, lançou uma nota de repúdio e o caso ficou apenas nisso. Não se tem notícia de qualquer punição à jogadora agressora. 

Impunidade em 2022

A disputa da Taça Libertadores da América começou em fevereiro. Em três meses de jogos, sete casos de racismo contra equipes brasileiras foram vistos. As torcidas e os jogadores de Bragantino, Corinthians, Flamengo, Fluminense, Fortaleza e Palmeiras foram xingados por torcedores na Argentina, Chile, Colômbia, Equador e Paraguai. Mas o grande absurdo  ocorreu em plena Neo Química Arena, estádio do Corinthians, quando o time da casa enfrentou o Boca Juniors, da Argentina. Leonardo Ponzo, torcedor do Boca, passou boa parte do jogo imitando o jeito de andar de um macaco.  Acabou detido pela Polícia Militar e enquadrado por crime de Injúria Racial. Ponzo pagou fiança de R$ 3 mil, foi solto e, ainda em território brasileiro, fez um post nas redes sociais dizendo: Aqui não aconteceu nada!

A tiração de sarro de Ponzo leva à constatação de que a Lei não vem sendo aplicada no Brasil. Racismo é crime. Quem o pratica é criminoso ou criminosa. Criminosos devem ser detidos e apenados. Afinal, é a Lei. 

Revolta dos Malês: com ela o povo preto acreditou na luta pela liberdade

Considerada o maior levante urbano da América Latina no século 19, a revolta não alcançou seu objetivo mas reforçou, nos negros, o desejo de liberdade 

   Por Wagner Prado

O ano era 1979. O mês, fevereiro e, no Brasil, era Carnaval. A escola de samba Mocidade Alegre, de São Paulo, ousou na avenida com um desfile afro fantástico. 

Algo não visto até então. Muita empolgação de seus componentes para falar da que é considerada, até hoje, a maior e mais forte revolta negra ocorrida no país: a Revolta dos Malês. A Mocidade Alegre não ficou com o título de campeã, que foi para o Camisa Verde e Branco com o enredo Almôndegas de Ouro. Informações dão conta de que a Mocidade Alegre teria sofrido um boicote por parte dos militares (o Brasil estava sob a ditadura militar), que não digeriram a ousadia de se falar em uma revolta negra por liberdade. 

Surge em 25 de janeiro, um novo sol de esperança” 

Visto pelo ponto de vista militar, o desfile da Mocidade Alegre era subversivo já no primeiro verso de seu samba. Falar em “sol de esperança” era algo muito mal visto. Poderia dar cadeia. Mas o primeiro verso do samba enredo retratava o que será contado agora, utilizando outros versos marcantes sobre a Revolta dos Malês. 

“Vindos da Mãe África distante, ostentados em toda fidalguia, eles estavam em Salvador, Bahia”

Malê vem de Imalê, palavra yorubá que significa muçulmano. Os malês eram africanos que professavam a fé islâmica. Trazidos à força para o Brasil, foram fixados na Bahia. Lá, continuaram professando sua religião de origem e comunicando-se entre si na língua árabe. Em seus países de origem, muitos deles eram nobres e, dada essa condição, não se conformavam em ser escravizados e expostos a toda sorte de castigos impostos pelos seus senhores. O desejo de liberdade foi crescendo. 

Allah ‘akbar  (Deus é maior) 

A liberdade de professar a religião muçulmana era latente. Os malês passaram a tramar um levante. Oito nomes lideravam as ações: Ahuna, Pacífico Licutan, Manoel Calafati, Sule, Gustardi, Dassalu,  Luis Sanim e Elesbão do Carmo. O principal ideário era transformar a cidade de Salvador em uma nação islâmica.  Isso significava pôr fim ao catolicismo. As pessoas brancas e mestiças teriam seus bens confiscados e, em caso de resistência, seriam mortos. Os não islâmicos também seriam mortos ou escravizados. 

“Num lamento triste e solitário, negro pedia a Alah seu protetor, forças e coragem nessa hora, que a vitória seria em seu louvor”

Os líderes programaram a revolta para a madrugada do dia 25 de janeiro de 1835. A data coincidia o último dia do Ramadã (período sagrado para os muçulmanos, quando eles jejuam buscando o equilíbrio entre corpo e espírito) com o dia de Nossa Senhora da Guia. A cidade de Salvador estaria em festa, muita gente nas ruas e um certo relaxamento por parte das forças de segurança. A ideia era sair do Alto da Vitória até chegar ao prédio onde ficava a sede do governo e tomá-lo. 

“E na hora da razão, foguetes alvorada e traição, da vitória nada resta mais, revolta teve outra solução”

Os revoltosos, porém, não contavam com um fator que mudou tudo: a traição. Movida por um drama pessoal, a escravizada Guilhermina Rosa de Souza delatou o plano dos malês. Guilhermina fora abusada quando jovem e deu à luz uma filha, Teresa. A menina estava com idade por volta dos 13 anos quando o fazendeiro, seu proprietário, decidiu que Teresa seria vendida. Guilhermina não queria ter a filha separada dela e viu na delação a única forma de dar um fim a esse processo. Contou tudo ao fazendeiro que, por sua vez, levou a informação às autoridades. A marcha dos malês foi interceptada e contida no bairro de Água dos Meninos depois de fortes combates.  

Setenta dos malês foram mortos. 200 aprisionados e condenados a penas de açoite, degredo e morte. Alguns líderes foram mortos em 12 de maio de 1835.  

“E na Bahia se comemora assim, tem festas e danças e a lavagem do Bomfim”

A Revolta dos Malês foi frustrada em seus objetivos de tomar a cidade de Salvador e transformá-la em uma república islâmica. Mas o seu grande mérito foi transformar-se no embrião da liberdade. A articulação conseguida por seus líderes em 1835 repercutiu pelo país. Os escravizados perceberam que tinham o poder de articular-se e trabalhar visando a liberdade, que acabou vindo em 1888.  

                  PARA SABER MAIS SOBRE A REVOLTA DOS MALÊS

 

    Livro Documentário / Filme                Live
Rebelião Escrava no Brasil

João José Reis

https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=11221

Revolta dos Malês

Direção: Belisario França / Jefferson De 

https://sesctv.org.br/programas-e-series/revolta-dos-males/

 

Revolta dos Malês 

(História em Minutos) 

https://www.youtube.com/watch?v=JdAo-FMATMg&t=5

 

Mais médicos e médicas pretos no Brasil poderiam  melhorar o atendimento de saúde da população negra 

Por Wagner Prado

A população preta brasileira seria melhor atendida em termos de saúde se os médicos e médicas fossem também pretos? A questão não é de fácil resposta. O Brasil é incipiente em termos de estudos ou pesquisas nesse sentido. A  existência da Lei 12.288, de 20 de julho de 2.010, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, garante à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos individuais e coletivos, além do combate ao racismo, à discriminação e às demais formas de intolerância correlatas. Portanto, a criação do Estatuto da Igualdade Racial é o reconhecimento de que o racismo e a discriminação advinda dele existem no Brasil. 

Nos Estados Unidos, um questionamento sobre um melhor atendimento médico à população preta foi obtido a partir da constatação ocorrida em uma pesquisa. A George Washington University, localizada na capital Washington, indicou ter encontrado disparidades na forma de tratamento dispensada ao 1,8 milhão de bebês nascidos no estado da Flórida. As chances de sobrevivência dos recém-nascidos sofrem variações significativas se comparados os atendimentos feitos por médicos e médicas brancos aos feitos por médicos e médicas pretos. Os Estados Unidos e o Reino Unido destacam-se no que se relaciona à produção científica sobre racismo e inequidades raciais no setor da saúde. 

De acordo com o relatório que acompanha a pesquisa da George Washington University, os recém-nascidos negros que foram cuidados por médicos e médicas também negros tiveram redução de 39% a 58% na taxa de mortalidade. No universo oposto, ou seja, os bebês negros cuidados por médicos e médicas brancos tiveram três vezes mais possibilidades de vir a óbito. O relatório sugere que médicos e médicas negros cuidam bem dos bebês que têm a sua etnia e, ao mesmo tempo, cuidam bem de recém-nascidos brancos.

Presença de médicos e médicas negras no Brasil

Jurema Werneck, médica e diretora da Anistia Internacional no Brasil, foi moradora de favela no Rio de Janeiro. Seu sonho era cursar algo voltado para o mundo das artes. Porém, uma quase imposição de seu pai, gerada pela indecisão de Jurema sobre o que cursar na faculdade, acabou levando-a à Medicina da Universidade Federal Fluminense. Sobre a presença de médicos e médicas negros, ela diz: “Ainda é pouco, mas para mim é uma riqueza que não se compara. Quando eu me formei médica e fui trabalhar na Prefeitura do Rio de Janeiro, escolhi trabalhar na favelaMas por que eu fui trabalhar na favela? Eu nasci na favela. Não fiz nada assim: ‘Ahhh, eu escolhi ser uma pessoa legal e vou trabalhar em favela’. Não, gente! Na favela moram meus amigos, meus parentes e um montão de gente que eu não conheço. Mas lá é o meu ambiente, eu conheço aquele lugar. Eu só voltei para casa”, disse ela ao portal Nós, Mulheres da Periferia.  

O Código de Ética Médica,  do Conselho Federal de Medicina, em seu capítulo IV Artigo 23, proíbe médicos de “tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma sob qualquer pretexto”. Mesmo assim, é evidente que casos de discriminação podem ocorrer. Difícil é chegar a eles. A maioria das denúncias são feitas diretamente nos sites do Conselho Federal de Medicina ou nos sites dos Conselhos Regionais de Medicina e arbitradas por um conselho interno. 

O Fundo Baobá tem como missão promover a equidade racial. Um dos seus  quatro eixos de atuação é o Viver com Dignidade. Nele, ações de promoção da saúde e qualidade de vida, a prevenção de doenças, bem como os seus agravos, são prioridades. Ter um atendimento de saúde digno é fundamental para o equilíbrio psicossocial de qualquer  ser humano. 

A falta de atendimento digno, porém, foi o que motivou pesquisa feita pelo Instituto AzMina em 2021. 100 mulheres foram ouvidas para relatar casos de racismo ocorridos  dentro de consultórios ou em unidades de saúde. O cenário é estarrecedor. Dentre as 100, 82% eram mulheres de pele escura: pretas – 60,6%; pardas – 19,2% e indígenas – 3%.  68% foram unânimes em afirmar que já haviam enfrentado racismo em seus atendimentos médicos. 16% disseram que talvez tivessem sofrido. As ocorrências aconteceram durante atendimentos ginecológicos (43), clínicos (40), dermatológicos (19) e obstétricos (10). 

O Brasil alcançou em 2020 a marca de 500 mil médicos. A Universidade de São Paulo (USP) realizou em 2019 um estudo batizado de Demografia Médica, que delineou como os médicos que estavam se formando naquele ano se declararam em relação a suas cor e raça, 67,1% se autodeclararam brancos; 24,3% disseram ser pardos; como negros, apenas 3,4% definiram-se. As políticas de ações afirmativas, a política de cotas, o maior acesso e permanência da população preta em cursos superiores, como medicina, poderão fazer com que os cenários mostrados aqui mudem. As escutas estão sendo feitas e as ações de transformação estão sendo implantadas e acontecendo na sociedade. Vai levar um tempo, mas a mudança está vindo. 

 Primeiro Encontro com empreendedoras(es) selecionadas(os) no Edital Negros, Negócios e Alimentação

Por Ingrid Ferreira

O Edital Negros, Negócios e Alimentação – Recife e Região Metropolitana, uma iniciativa do  Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a General Mills, teve seu primeiro encontro online com as e os 14 empreendedores(as) selecionados(as), o Diretor Executivo, Giovanni Harvey, a diretora de Programa do Fundo Baobá, Fernanda Lopes, e membros das equipes  programática, financeira e de comunicação.

O grupo selecionado é prioritariamente composto por mulheres, tendo também uma travesti e um homem; a maioria tem entre 25 e 44 anos de idade, mas também conta com pessoas de 55 a 64 anos; 9 das pessoas que empreendem têm ensino superior completo, as demais possuem ensino médio e/ou fundamental. O grupo selecionado tem residência na zona urbana, em territórios periféricos, mas seus negócios não necessariamente estão localizados na periferia. 

O encontro teve como intuito falar sobre  o Fundo Baobá, suas áreas de atuação, apresentar a metodologia de trabalho e as regras adotadas pela instituição para o edital em questão,  dar detalhes sobre como o Baobá irá acompanhar as e os selecionados no período em que estiver vigente a parceria e tirar dúvidas. Além disso, o encontro foi uma ponte para criar uma rede de relacionamentos.

As empreendedoras e os empreendedores  ao se apresentarem, falaram um pouco sobre seus negócios, uma delas foi Angélica Nobre de Lima Silva fundadora do empreendimento Angú das Artes, que tem uma proposta de aproveitamento integral dos alimentos, utilizando a casca das frutas e vegetais para fazer parte das suas receitas, o que além de ser uma forma de negócio também possui uma preocupação ambiental: diminuir a produção de lixo orgânico.

Durante o encontro também foi apresentado um perfil geral do grupo selecionado:  vários negócios são familiares e surgiram a partir de um momento de dificuldade, transformando-se em renda principal de uma família toda, além de contar com um forte apoio da comunidade para o seu funcionamento. 

Os empreendimentos possuem diversos formatos. Há restaurantes, cozinhas industriais, delivery, buffet e comida de rua, e cada proposta receberá o valor de R$30 mil dividido em parcelas. As pessoas negras que empreendem e foram selecionadas também receberão apoio técnico através de jornadas formativas. 

Fernanda Lopes, diretora de Programa do Fundo Baobá, fala sobre a importância desse apoio e construção coletiva, ressaltando a necessidade de manter viva a memória histórica das realizações de pessoas negras, e como grandiosos são esses feitos. Trazendo isso para o Baobá, ela explica que:  “Ao longo desses anos, o Fundo já doou mais de R$15 milhões e estimamos que já tenhamos  impactado  indiretamente quase 1 milhão de vidas. Nossa missão é promover oportunidades justas para que as pessoas e as organizações se desenvolvam e tenham autonomia para alcançar os seus objetivos, por isso nos nossos editais não apoiam apenas com recursos financeiros. No caso do Negros Negócios, as jornadas formativas vão contribuir para que vocês se fortaleçam na gestão dos seus empreendimentos e para que o sucesso, os maiores ganhos, cheguem mais rápido”.

O edital Negros, Negócios e Alimentação: Recife e Região Metropolitana,  deixará seu legado, apoiando empreendedoras e empreendedores, gerando renda no estado onde nasceu o Fundo Baobá. Desde a sua criação, até 2019, a sede do Baobá estava localizada em Recife. Nada mais justo que este olhar cuidadoso para um terreno que é tão fértil. 

Resultados do Primeiro Ano do Programa Já É superam expectativas

Alunas aprovadas em universidades contam como foi o processo de preparo para o vestibular e a alegria de estar realizando um sonho

Por Ingrid Ferreira

O Programa Já É do Fundo Baobá para Equidade Racial está no seu segundo ano de execução, mas os frutos do primeiro ano continuam a serem colhidos com excelência, a cada dia que se passa, chegam as notícias das (os) alunes que estão sendo aprovades em universidades públicas e particulares, o segundo grupo composto por PROUNIstas, com bolsas de 100% e 50%.

O Programa tem apresentado metas e indicadores surpreendentes, por exemplo, a meta de permanência era de 75%, mas o resultado obtido foi de 88%; a taxa esperada de aprovação era 20%, superando as expectativas, ela foi de 32%; a meta dos alunos aprovados em faculdades privadas via PROUNI ou com bolsa de estudos (integral ou parcial) era de 50%, o que temos é  58% dos aprovados com bolsa que variam de 100 a 50% e de 42% aprovados para universidades públicas.

O Fundo Baobá conversou com alguns alunes para saber como está sendo viver esta realização. Uma das pessoas entrevistadas foi Caroline Vitória Rocha dos Santos, 18 anos, aprovada em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade de São Paulo – USP.

Caroline Vitória Rocha dos Santos

Caroline conta que: “No início dos estudos, a USP não estava dentro dos meus planos, nem passava na minha cabeça colocá-la como uma das opções no SISU. Mas depois de um tempo, com os encontros, mentoria, eu me questionava,  “Mas por que você não pode estar lá?”, “Por que você não pode colocar como uma das suas opções?”, “O que te impede de fazer isso?”, “Se fulano conseguiu, por que você não conseguiria?”’.

Em sua fala, Caroline traz a tona muitas questões sociais que perpassam a realidade de jovens negros e periféricos, em que é possível visualizar a necessidade de reconhecer a USP e outros espaços acadêmicos e de excelência, como aqueles em que pessoas pretas podem e devem estar, ocupando o seu lugar de direito, como estudantes.

A aluna da USP continua a contar a sua história declarando como através de seus questionamentos internos, conseguiu mudar a sua perspectiva sobre si mesma: “Comecei a estudar, fazendo pequenas metas e usando estratégias, percebi que meu desempenho estava melhorando, mas ainda estava insegura e pesquisando outras opções de universidades. Foi quando fiz a prova e infelizmente não consegui alcançar a nota de corte, mas como estava próxima, manifestei interesse no curso de Gestão de Políticas Públicas da USP. A lista de espera saiu, e minha colocação não era tão boa, mas ainda tinha 3 listas de chamada, em meio a isso tudo, consegui um bom desconto no curso da UNIP e escolhi fazer. Depois de 3 semanas, já tinha esquecido das listas de espera da USP. Quando menos esperava recebi um e-mail dizendo “bem-vinda a USP”’.

Além de Caroline, temos diversos outros exemplos que reiteram a importância de oportunidades justas, da valorização dos sonhos e provam a grandiosidade do Programa Já É. A aluna Thais Sousa, de 22 anos, também foi aprovada na USP para cursar Pedagogia e ela conta que sente uma grande felicidade por esse momento e que aprendeu a importância de não desistir dos seus sonhos e metas.

Thais Sousa Silva

Thais conta que seu irmão foi o primeiro da família a ingressar na faculdade, mas que ela é a primeira a entrar numa universidade pública. Ao ser questionada do porque ela escolheu cursar Pedagogia, ela conta que: “Era um sonho de criança e principalmente eu percebi que aprendo ensinando para outra pessoa”.

O processo de aprendizado é contínuo, e em todos os campos ele se faz essencial, como é possível ver na fala da Jakeline Souza Lima, que tem 22 anos e foi aprovada na Unesp (Instituto de Artes), para cursar arte – teatro, e contou que: “O Programa de mentoria agregou muito, principalmente a mentoria coletiva – o Black Coach. Acho que, primeiramente, o fato de ouvir pessoas que passaram pelo mesmo processo que nós, ouvir as dicas que eles tinham para oferecer e também ouvir as pessoas que estavam no processo comigo, foi algo que ajudou muito a não me sentir só e me dar coragem para continuar”. 

Jakeline Souza Lima

Outra entrevistada também foi a Mayza Silva Dias, de 19 anos, que começou a cursar Gestão Hospitalar, na Universidade de Santo Amaro. Mayza conta que, ao escolher a universidade, levou em conta a questão da logística e método de ensinar que a mesma aplica; falou que as mentorias individuais e coletivas trouxeram muita sabedoria e ensinamento para sua vida, agregando conhecimentos que ela nunca tinha visto. Ao ser questionada sobre o atual momento de sua vida, ela fala: “Estou em um momento de mudanças e emoções muito grande, me sinto lisonjeada por tudo isso”.

Mayza Silva Dias

O Programa Já É segue no seu segundo ano de execução e, em breve, muitas outras histórias serão contadas, provando que iniciativas que promovem oportunidades justas reiteram a força e o poder transformador que a educação possui.

Organizações participantes do Vidas Negras: Dignidade e Justiça não se detêm diante de perseguições e desafios

O CEAP, do Rio de Janeiro, e a Associação do Jongo Dito Ribeiro, de Campinas, enfrentam a perseguição religiosa, mas não desistem de seus objetivos de justiça

Por Wagner Prado

Em 2019, levantamento feito pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Especializada) apontou que 222 mil pessoas moravam pelas ruas do Brasil. Em 2021, a população carcerária no Brasil era de 682 mil pessoas, incluindo aí presos provisórios. Ou seja, pessoas presas e não julgadas. Os casos de intolerância religiosa registrados entre janeiro e junho de 2019 pelo disque 100 do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos foi de 354. Dentro desses, as religiões de matriz africana foram as mais atacadas. A insegurança alimentar aumentou de forma mais que significativa no Brasil. A pandemia da Covid-19 agravou esse quadro, mas o processo de crescimento da pobreza alimentar é anterior à pandemia. 

O quadro descrito acima mostra uma sociedade em declínio em vários aspectos sociais. Saúde, Educação e Trabalho que, juntos compõem o tripé da sustentação em qualquer sociedade,  nem foram explorados mas o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em fevereiro de 2022, divulgou que a taxa de desemprego era de 8,8%  atingindo 12 milhões de pessoas. 

Existe urgência no sentido de fazer com que a igualdade seja alcançada de fato e de direito  e provoque um equilíbrio social entre os detentores do poderio econômico e aqueles que não têm acesso aos benefícios que o dinheiro pode trazer. Há muito se fala em uma distribuição de renda mais equânime e sobre o potencial impacto no exercício dos direitos. Mas o jogo político nunca permite que isso aconteça. 

A sociedade civil vem se movimentando  no sentido de provocar o equilíbrio social. Algo que possa gerar uma melhor distribuição de renda, além de um sem número de melhores oportunidades para todos, nos mais diferentes segmentos, orientadas pelos princípios da justiça. Uma movimentação no sentido de fazer com que o fosso de desigualdade  existente entre ricos e pobres não aumente ainda mais. o que tem contribuído para o crescimento de injustiças nos mais diferentes setores. 

Um dos editais do Fundo Baobá para Equidade Racial, o Vidas Negras: Dignidade e Justiça  foi lançado em maio de 2021 em parceria com o Google.org,  destinou R$ 100 mil para 12 organizações, além de investimentos indiretos de treinamento e assessorias técnicas para o fortalecimento institucional. Os projetos inscritos tiveram que versar sobre um desses quatro temas:   a) Enfrentamento à violência racial sistêmica; b) Proteção comunitária e promoção da equidade racial; c) Enfrentamento ao encarceramento em massa entre adultos e jovens negros e redução da idade penal para adolescentes; d) Reparação para vítimas e sobreviventes de injustiças criminais com viés racial. 

A Associação do Jongo Dito Ribeiro, de Campinas, inscreveu o projeto que leva o mesmo nome da Associação, dentro do eixo da “Proteção Comunitária e Promoção da Equidade Racial. Já o CEAP (Centro de Articulação de Populações Marginalizadas), do Rio de Janeiro, trabalha o eixo “Reparação para vítimas e sobreviventes de injustiças criminais com viés racial”.  O CEAP inscreveu o projeto Observatório da Liberdade Religiosa. 

Líder da Associação do Jongo do Dito Ribeiro,  Alessandra Ribeiro Martins, exalta a luta que eles têm enfrentado no caminho da construção de uma rede comunitária para enfrentamento da discriminação racial, de gênero, religiosa e sexual. A união em torno de objetivos comuns, segundo ela, é que trará força às diferentes comunidades. “Nós vimos a necessidade de consolidar uma rede de segurança, proteção, visibilidade e engajamento coletivo em pautas comuns, de forma que possibilite a proteção de nossos territórios, a proteção dessas lideranças e um combate efetivo frente às discriminações, intolerâncias e perseguições. E para isso é necessário pautas comuns e ações que sejam no âmbito das redes sociais, seja no âmbito das intervenções territoriais comuns. Uma pauta comum”, disse. 

Alessandra Martins – Associação Jongo Dito Ribeiro

Para Marcelo Santos, do CEAP, a questão da preservação da cultura negra dentro do ambiente escolar é uma das pautas comuns citadas por Alessandra Ribeiro Martins.  A aceitação por parte dos estudantes negros, negras e negres é boa. O mesmo não se nota entre os alunos não negros. “São percepções que variam de acordo com os territórios  e níveis de maturidade dos alunos, negros e não negros. Para os alunos negros, em geral, a recepção é boa e quase sempre conecta a atenção ao conteúdo. Mas para os alunos não negros a recepção, em geral, é vista como algo supérfluo  em um primeiro momento, mas quando provocados com a metodologia aplicada aos valores civilizatórios africanos e afrobrasileiros, conseguimos incentivar reflexão crítica sobre o racismo estrutural que vivemos”,  afirma.

Marcelo Santos – CEAP

As duas organizações realizam um forte trabalho em defesa das religiões de matriz africana, que sofrem grande perseguição, mesmo no Rio de Janeiro, onde a presença negra é muito forte. “O CEAP defende a liberdade de crença e culto, garantidos na Constituição Federal, mas ainda há sim muita resistência, fundamentada no preconceito racial e influenciada pelo conservadorismo de algumas lideranças religiosas neopentecostais”, revela Marcelo. “Nós sofremos aqui, diretamente em nossa comunidade, um ataque. Porque a nossa casa de cultura é uma casa de cultura de matriz africana que,  para além da manutenção e salvaguarda do Jongo,  temos um terreiro de umbanda,  temos um espaço de exposição da memória do Jongo, falando das diversas comunidades,  e a gente sabe que a gente demarca essa cultura de matriz africana, essa afrodescendência, e sabemos que isso traz uma exposição. Então,  a gente construiu ao longo do nosso trabalho uma rede que já trava a luta frente às discriminações no âmbito da cultura”, afirma Alessandra. 

O ano eleitoral de 2022 e a polarização política têm açodado disputas.  “A polarização política evidenciou o racismo e, consequentemente, a intolerância religiosa. Não sei se o fato incentivou ainda mais o CEAP, mas certamente fez com que pudéssemos adaptar as formas e ações pedagógicas dos nossos projetos”, disse Marcelo Santos. 

Alessandra Ribeiro Martins, da Associação Jongo Dito Ribeiro, destaca que a cidade de Campinas tem o racismo bem evidenciado. “O racismo em Campinas, para além de físico – a gente não vê preto no centro da cidade, parece que não tem preto aqui -, e aí,  quando você vai para as regiões mais periféricas,  você vê uma grande aglutinação. Ele (o racismo)  também tem a ver com território. Existe um lado da cidade que sempre recebeu investimentos, que sempre foi desenvolvido, que sempre teve bons equipamentos, acesso, mobilidade e um outro lado que ficou esquecido. Então, temos tentado junto com outros atores, como assistência social, como a saúde e a própria Secretaria da Educação, levar cultura, mesmo que pontual, nesses territórios. A gente sabe que não daremos conta de unir a cidade em um projeto antirracista, mas a gente sabe que vai dar conta de semear o antirracismo em vários lugares. E é nesse sentido que a gente tem atuado”, afirmou. 

Ambos finalizam falando da importância de estarem parte do grupo contemplado pelo edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça. “Ser acolhido por uma instituição como o Baobá, que mais do que compartilhar um recurso ela nos forma concretamente. Cada relatório que eles mandam a gente revisar, cada pergunta que eles refazem nos ajuda a compreender qual é a lógica desse universo e nos deixa mais fortes também para esse novo momento”, conclui Alessandra Ribeiro Martins. “A importância da nossa seleção se dá na oportunidade de profissionalizarmos alguns serviços de apoio para garantir melhores resultados”, afirma Marcelo Santos.

A costura da sobrevivência

Como comunidades quilombolas estão se movimentando para manter a sua existência por intermédio da manutenção de sua cultura e da sua agricultura

Por Wagner Prado

A cidade de Cristália, em Minas Gerais, e a localidade de Jacarequara, no Pará, estão distantes uma da outra em 2.318 km. Cristália tem 5.760 habitantes, de acordo com o Censo realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2010. Por estimativa, não teria chegado a 6.000 pessoas nos últimos 12 anos. Jacarequara, no município de Santa Luzia do Pará, tem  55 famílias em 2022.  Poucas semelhanças. Mas uma delas aproxima muito as duas localidades: a presença de comunidades quilombolas.

O Brasil tem cerca de 6 mil comunidades quilombolas, conforme dados da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas) e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Mais de 70% delas estão concentradas em quatro estados brasileiros: Maranhão, Minas Gerais, Bahia e Pará. A agricultura e a pecuária são a principal atividade econômica nos quilombos. Além disso, os quilombolas procuram preservar sua cultura por intermédio da oralidade ancestral, ou seja: ouvir os antepassados, aprender com o legado deixado por eles, cultuá-los e disseminar o conhecimento por eles passado. 

Em outubro de 2021, o Fundo Baobá para Equidade Racial lançou, em parceria com a Conaq e tendo apoio da IAF (Inter-american Foundation), o edital Quilombolas em Defesa: Vidas, Direitos e Justiça com o objetivo de apoiar iniciativas de organizações quilombolas na recuperação e sustentabilidade econômica, promoção da soberania e segurança alimentar e defesa dos direitos.   

O edital faz parte das ações da Aliança entre Fundos por Justiça Racial, Social e Ambiental, que reúne o Fundo Baobá, o Fundo Brasil de Direitos Humanos e o Fundo Casa Socioambiental. O Quilombolas em Defesa: Vidas,  Direito e Justiça selecionou 35 organizações para serem apoiadas com R$ 30 mil cada para a realização de atividades e investimentos indiretos por meio de treinamentos, encontros e  assessorias técnicas para o fortalecimento institucional . 

O estado de Minas Gerais, por exemplo, teve cinco projetos selecionados. Um deles, o da Associação da Comunidade Quilombola do Paiol. Os trabalhos ainda estão sendo iniciados, embora o pessoal do Paiol já esteja na estrada de realizações há mais de 10 anos. A ação que será implantada pelas mulheres quilombolas do Paiol é a Costura, atividade que está ligada à história humana desde a era Paleolítica ou era da Pedra Lascada. Isso é muito mais que muito tempo. 

Estabelecer as oficinas de costura vai redundar em movimentação intensa na comunidade. De primeira, terão que ser comprados máquinas de costura, tecidos, agulhas, cadeiras e mesas, entre outros. Os cursos de capacitação em corte e costura serão dados pelas anciãs da comunidade (oralidade ancestral). A elaboração da trajetória produtiva das quilombolas está toda estruturada visando orientação sobre finanças e empreendedorismo para que as costureiras possam ser as gestoras de seus próprios negócios. 

No Pará

O estado do Pará teve um projeto selecionado, o da Associação Quilombola Vida para Sempre Jacarequara, do município de Santa Luzia do Pará. Em mais de 10 anos de existência, a Vida para Sempre vem se dedicando à defesa do patrimônio físico, social e cultural dos quilombolas, em busca da valorização das expressões ancestrais da cultura afro-brasileira e a promoção do uso sustentável e preservação dos recursos naturais, estimulando atividades de manejo e cultivo de práticas agrícolas. 

O projeto inscrito pela Associação Quilombola Vida para Sempre Jacarequara está ligado ao Eixo 2 do edital Quilombolas em Defesa: Vidas, Direitos e Justiça, que versava sobre Promoção da Soberania e Segurança Alimentar nas Comunidades Quilombolas. Ele foi batizado de “Flor da Pedra: práticas agroecológicas e fortalecimento sociocultural”. 

Com a implantação do projeto, que está sendo iniciado e passa a ganhar corpo, a Vida para Sempre pretende implantar tecnologias de sistemas agroflorestais para garantir que a produção agrícola permaneça como fonte de renda para a manutenção econômica e segurança alimentar. 

A forma como isso será alcançado, como bem acontece entre quilombolas, será iniciada pela conversa. Rodas de conversa e cursos formativos relacionados a práticas agrícolas; curso prático sobre plantio; curso sobre identificação e produção de canteiro de mudas de espécies madeireiras e frutíferas; formação de mutirões para a construção de viveiros de mudas, além de capacitação para identificação de áreas que tenham potencial para plantio. 

O Fundo Baobá para Equidade Racial foi buscar as palavras de Anne Karine Pereira Quaresma, líder da Associação da Comunidade Quilombola do Paiol, em Crisália (MG) e de Manoel Venil Barros Nogueira, da Associação Quilombola Vida para Sempre Jacarequara, em Santa Luzia do Pará, para saber como tem sido esse planejamento depois de terem sido selecionados e como isso tem impactado suas comunidades. 

Anne Karine Pereira Quaresma – Associação Quilombola do Paiol
Manoel Barros Nogueira – Associação Vida Para Sempre Jacarequara

Entre os  objetivos de vocês está o desenvolvimento de ações de resgate cultural. Que ações, especificamente, são essas? 

Anne Karine Pereira Quaresma (Comunidade Quilombola do Paiol) – Produção de peças de vestuário que remetam à cultura Quilombola, contendo, por exemplo,  símbolos e frases sobre resistência e resiliência. Promover também momentos de troca de experiência em volta de fogueiras, para que as mulheres engajadas no projeto compartilhem a vivência no processo de corte e costura artesanal. 

A partir do termo “resgate” é possível deduzir que a cultura quilombola está sendo esquecida?

Anne Karine Pereira Quaresma (Comunidade Quilombola do Paiol) – Infelizmente, sim. Muito da nossa cultura tem se perdido com o tempo. 

Vocês falam em “Valorização da identidade dos sujeitos quilombolas”. Essa identidade tem sido desvalorizada de que forma? 

Anne Karine Pereira Quaresma (Comunidade Quilombola do Paiol) – Por um tempo, nós quilombolas da comunidade Paiol fomos vítimas de muito preconceito no município por sermos quilombolas. Por isso,  temos destacado sempre a importância em valorizar nossa identidade. 

O desenvolvimento econômico sustentável vocês vão realizar por intermédio de um programa voltado ao exercício do Corte e Costura.  Quantas pessoas vão trabalhar com isso? Serão apenas mulheres ou homens também estão incluídos? Qual o maquinário e em que quantidade vocês terão que conseguir? 

Anne Karine Pereira Quaresma (Comunidade Quilombola do Paiol) – Nosso projeto foi pensado apenas para mulheres Quilombolas da nossa comunidade. A princípio com a quantidade de 15 mulheres. Para tanto vamos precisar da compra de todo o material necessário para a costura. Como máquina de costura, tecidos, agulhas, tesouras, dentre outros. 

A produção do trabalho de Corte e Costura será comercializada apenas dentro da comunidade ou vocês vão buscar o público externo também?

Anne Karine Pereira Quaresma (Comunidade Quilombola do Paiol) – Vamos buscar um público externo também. Por isso,  parte do recurso será disponibilizado para o marketing e publicações acerca do processo de corte e costura. Para alcançarmos um público maior. 

O aprendizado que vocês estão recebendo dentro da jornada de conhecimento será utilizado como? Já é possível ter uma ideia? 

Anne Karine Pereira Quaresma (Comunidade Quilombola do Paiol) – Todo o aprendizado será utilizado para potencializar as vendas dos produtos. 

Qual a importância de vocês terem sido escolhidos para ser beneficiados pelo edital Quilombolas em Defesa, do Fundo Baobá para Equidade Racial?  

Anne Karine Pereira Quaresma (Comunidade Quilombola do Paiol) – Ter sido escolhido pelo edital foi uma conquista incrível. Este é nosso primeiro projeto aprovado. Sentimos que enquanto Associação estamos no caminho certo na defesa dos direitos do nosso povo e também na busca por melhores condições de vida dos quilombolas a partir do trabalho e da geração de renda.

Há algo que vc gostaria de falar e que não tenha sido perguntado aqui? Se sim, fique à vontade. 

Anne Karine Pereira Quaresma (Comunidade Quilombola do Paiol) – Gostaria apenas de expressar nossa felicidade em poder contar com o apoio de toda a equipe do Baobá. 

A preservação de recursos naturais por meio do manejo e cultivo de práticas agrícolas, florestais, artesanais. Isso está dentro dos conceitos mais modernos sobre preservação ecológica. Por que a natureza é tão importante para os quilombolas? 

Manoel Venil Barros Nogueira (Vida para Sempre): A nossa territorialidade, isto é, a identidade que temos como comunidade quilombola, envolve a relação existente entre nós e com a natureza presente no território da comunidade. Assim, a natureza está envolvida em todo nosso cotidiano e nosso modo de vida, a nossa cultura envolve a natureza. Desse modo, a natureza é essencial para o nosso modo de vida quilombola.

Quando vocês falam em “implantação de tecnologia de sistemas agroflorestais, unindo uma alternativa de fonte rentável para subsistência econômica e segurança alimentar da comunidade”. Em termos práticos, que tecnologia é essa? Qual é alternativa de fonte rentável? 

Manoel Venil Barros Nogueira (Vida para Sempre) –  A Sistema Agroflorestal é uma tecnologia social com grande potencial em aliar conservação ambiental com subsistência e fonte renda para agricultores familiares. É um tecnologia inovadora frente ao modo de produção hegemônico convencional, a exemplo do monocultivo. Esta tecnologia refere-se à transferência de conhecimento e técnicas de cultivos sustentáveis e de base agroecológica, que dialogam com os saberes tradicionais dos agricultores familiares. Esta tecnologia se constitui em um projeto de vida, buscando gerar produção e renda agrícola a partir de cultivos de curto, médio e longo prazos de forma integradas.

O projeto de vocês procura dar mais modernidade aos seus sistemas de produção. É isso? A comunidade está preparada para isso?:  

Manoel Venil Barros Nogueira (Vida para Sempre) – Será um processo de aprendizagem e formação contínua, e no decorrer do desenvolvimento do projeto, os participantes terão oportunidades de unir experiencias anteriores, que tiveram por articulação com o movimento negro estadual e cooperativa de agricultores  do município, com a possibilidade de implementação prática dessa tecnologia social.

O acesso a elementos que fazem parte da chamada vida moderna, como o acesso às mídias digitais, é fundamental hoje para a sobrevivência quilombola?

Manoel Venil Barros Nogueira (Vida para Sempre) –  Sim, as mídias digitais é de fundamental importância, por ser um dos meios que utilizamos em prol de mantermos a comunicação ativa e também de nos oferecer a oportunidade de  participarmos de articulação com outras entidades e movimentos e, também, conseguir financiamentos, como foi o caso deste Edital.

Vocês já conseguiram identificar que tipos de estratégias serão usadas para fortalecer os produtos que são produzidos por vocês. 

Manoel Venil Barros Nogueira (Vida para Sempre) – Esperamos que, com esse projeto, tenhamos a possibilidade que construir estratégias de fortalecimento de nossa produção.

Quão importante é para vocês terem sido beneficiados pelo programa Quilombolas em Defesa, do Fundo Baobá para Equidade Racial? 

Manoel Venil Barros Nogueira (Vida para Sempre) – É de suma importância para o momento atual, pois estamos em processo de fortalecimento de nossa Associação. Assim, o edital possibilita construir estratégias que poderão tornar-se  fonte de renda na  produção agrícola. Mas também no fortalecimento da identidade da comunidade com a importância da Associação como organização coletiva e que luta pela melhoria da comunidade.

Existe algo que não foi perguntado e você gostaria de falar? Se sim, fique à vontade.

Manoel Venil Barros Nogueira (Vida para Sempre) – Uma entidade que fortalece a nossa identidade negra e quilombola possui suma importância para nós. Esperamos que esta parceria com o Fundo Baobá possa render grandes frutos para nossa comunidade.

O acesso de negros ao ensino superior  e a importância de programas como o Já É

O Fundo Baobá traz uma reflexão sobre o caminho trilhado por jovens estudantes negros, negras e negres até finalmente sua tão sonhada entrada na universidade

Por Gabi Coelho

O acesso de pessoas negras à universidade é um acontecimento recente quando comparado com as demais dificuldades que essa porcentagem da população brasileira enfrenta. Retomando a constante discussão sobre o uso do termo “negro”, cabe destacar que o mesmo é a junção dos grupos autodeclarados pretos e pardos. De acordo com o cientista político Cristiano Rodrigues em entrevista ao jornal Estado de Minas, a adoção do termo possui um caráter sociológico onde as desigualdades sociais e raciais experienciadas por ambos os grupos os aproximariam. 

Hoje, 28 de abril, é o Dia da Educação e é de suma importância falar que, por mais que o total de negros nas universidades tenha crescido nos últimos anos – entre 2010 e 2019 o aumento percentual foi de 400% -, o acesso ainda é desigual levando em consideração a informação de que em torno de 56% do total da população brasileira é composto por negros.  Além disso, conforme a professora e advogada Tainan Maria Guimarães Silva e Silva em seu artigo “O colorismo e suas bases históricas discriminatórias”, o processo de miscigenação forçada que ocorreu no Brasil a partir da colonização e o posterior apoio do Estado a fim de incentivar a vinda de imigrantes europeus para o país com o intuito de promover o “clareamento” da população são exemplos de como os negros sempre foram vistos como indesejados.

Também é importante ressaltar que essa mistura trouxe consequências. As diferenças de tratamento acabaram fragmentando a unidade dentro do grupo racial e, consequentemente, dificultando o reconhecimento da negritude por parte dos sujeitos entendidos como “mestiços”, os pardos, enquanto empurravam os negros de pele retinta para as margens da sociedade: “A valorização do mestiço em detrimento do negro de cor escura, a sua tolerância no ambiente de predominância branca e conservadora e a propagação de que o clareamento poderia melhorar e fazer evoluir a raça negra permanecem até hoje no imaginário social, ainda que disfarçados”, afirma Silva na página 17 do texto citado. 

Baseado nos argumentos da professora e advogada, é possível compreender como o colorismo trata das diferentes tonalidades de pele e como isso é capaz de impactar na autodeclaração dos sujeitos e, por consequência,  nos dados sobre cor/raça do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)  e nas diferentes formas de articulação do movimento negro a fim de fazer com que os negros percebam como o racismo estrutural se articula com o objetivo de promover conflitos entre eles usando de elementos pautados pela discriminação e embranquecimento dos indivíduos de cor de pele não-retinta.

 A Política de Cotas, ou ações afirmativas, trata da Lei nº 12.711, sancionada em agosto de 2012. Foi a partir dela que 50% do total das vagas nas universidades e institutos federais passaram a ser reservadas para alunos oriundos integralmente do sistema público de ensino. Dentro desses 50%, há também “subdivisões”, onde podemos encaixar as vagas destinadas para pretos, pardos e indígenas. Sendo assim, esse sistema foi atrelado ao Sistema de Seleção Unificada (SiSu), um programa governamental já existente desde 2010, cujo intuito inicial era o de reservar vagas para estudantes que realizassem o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2012-2019, 56,2% da população brasileira comporia a categoria de negros (9,4% de pretos e 46,8% de pardos). A partir dessas informações é importante refletir sobre o caminho trilhado por essas pessoas até finalmente sua tão sonhada entrada na universidade, daí a necessidade de projetos como o Programa Já É, do Fundo Baobá para Equidade Racial, que visa promover o acesso de jovens negros, negras e negres ao ensino de nível superior. 

O caminho percorrido por essas pessoas pode ser percebido a partir de diferentes óticas: desde a Educação Básica precarizada, passando por questões familiares que batem à porta devido condições sociais historicamente explicáveis pela ineficiência do Estado em lidar com as consequências da realidade pós-abolição da escravatura, até a realização de um vestibular conteudista, cuja estrutura tradicionalmente acentua a disparidade entre a presença de negros e brancos nas universidades utilizando-se da enorme diferença entre o ensino público e o ensino privado no Brasil.

Enquanto um Programa voltado para auxiliar jovens negros e periféricos a entrarem na universidade através da promoção de um curso pré-vestibular e da concessão de vale-transporte e vale-alimentação após o retorno presencial das aulas, o Já É foi lançado em fevereiro de 2021 e selecionou 85 jovens, dos quais 75 seguiram matriculados e 69 participaram ativamente de todas atividades até  o final de 2021. Além disso, as e os estudantes receberam computadores e chips de internet para que seguissem com os estudos participando das aulas online. Aulas presenciais não estavam acontecendo devido às  limitações impostas pela pandemia da Covid-19. Em seu primeiro ano, o Fundo Baobá para Equidade Racial contou com o apoio de três instituições para a realização do Programa Já É: Citi Foundation, Demarest Advogados e Amadi Technology.  

As ações afirmativas no ensino superior devem ir além das cotas para garantir o acesso, é necessário garantir a permanência. Segundo o site do QueroBolsa, a taxa de evasão no Ensino Superior entre pessoas negras foi de aproximadamente 28% no ano de 2019. Dentre os principais motivos que levam à evasão temos: “(…) turno integral que impossibilita trabalhar, textos em inglês; professores na área de saúde que pedem para alunos comprarem materiais e equipamentos caros; funcionários despreparados para lidar com negros.” Quando falamos sobre permanência e evasão de jovens negros nas universidades, podemos relembrar um dos pilares do Programa Já É: Entrada e permanência no ensino superior (investimentos em alunos, alunas e alunes do ensino médio, em cursos preparatórios para o vestibular e nos primeiros meses do curso de graduação). 

Do grupo de 75 estudantes do Ja é, 24 tiveram sucesso nos vestibulares, o que significa um percentual de aprovação de 32%. A presença de estudantes negros nas universidades brasileiras também irá possibilitar, futuramente, que profissionais da Educação negros adentrem em espaços como esses, visto que a formação de indivíduos negros se faz necessária para que os mesmos sejam profissionalmente qualificados a fim de ocupar os mais diferentes cargos. Sem esquecer de mencionar a importância da universidade em relação à transformação pessoal e profissional a qual esses estudantes estarão sujeitos, dado que o ambiente universitário, além de proporcionar o enriquecimento profissional, também estará possibilitando o estabelecimento de vínculos de amizade e experiências capazes de  transformar a perspectiva desses jovens.

Veja a lista de jovens que ingressaram na universidade com apoio do Programa Já É:

           Aluno/Aluna       Instituição / Curso Modelo
Ana Claudia Rocha de Souza Universidade São Judas / Psicologia                         Privado
Ana Maria Silva Oliveira UNIFESP / Administração                             Público
Anna Beatriz da Silva Garcia SENAC / Fotografia                         Privado
Antonio Gustavo Ribeiro Universidade Santo Amaro / História Privado
Breno Oliveira Ribeiro UNIFESP / Ciências Sociais                         Público
Caroline Vitória R. dos Santos USP / Gestão Pública                         Público
Carlos Eduardo de Castro Cerqueira UFRJ / Administração                             Público 
Isaque Rodrigues de Oliveira Anhembi-Morumbi / Publicidade e Propaganda                             Privado
Jakeline Souza Lima UNESP / Artes  Público 
Joselaine Romão Soares Centro Universitário Cidade Verde / Engenharia de Software                       Privado
Joyce Cristina Nogueira  USP / Lazer e Turismo                              Público
Karina Leal de Souza USP / Arquitetura                            Público
Karine Lopes dos Santos Anhembi-Morumbi / Relações Públicas                      Privado
Larissa Araujo Aniceto USP / Letras Público
Laysa Stefani de Almeida Brito UNIP / Enfermagem                         Privado
Luiz Felipe Motta da Silva Faculdade Americana / Enfermagem                         Privado
Mayza Silva Dias Universidade Santo Amaro / Gestão Hospitalar                       Privado
Melissa de Jesus Calixto Costa Universidade São Judas Tadeu / Direito Privado
Natalia dos Anjos Oliveira FMU / Engenharia Química                         Privado
Nicholas W.Crisólogo. Gonçalves Centro Universitário Ítalo Btasileiro / Educação Física                        Privado
Raphaela dos Santos UNIP ou Estácio / Biomedicina Estético ou Estética e Cosmetologia Privado
Taynara Silva Santos UNIFESP / ABI – Ciências Sociais Público
Thais Sousa Silva USP / Pedagogia                           Público
Vitória Nunes Martins Anhembi-Morumbi / Design Gráfico                       Privado

 

 

 

Doadores Individuais do Fundo Baobá

Entrevistados falam da importância de criar uma cultura de doação e unificar a sociedade em prol de causas sociais

Por Ingrid Ferreira

O Fundo Baobá é o primeiro fundo dedicado, exclusivamente, para a promoção da equidade racial para a população negra no Brasil. Ao longo de seus 11 anos de atuação, além de ser apoiado por grandes empresas, tem contado com parcela da população que está abraçando a causa e comprometendo-se em contribuir com essa questão tão crucial.

O Fundo conversou com dois doadores individuais que, ao conhecerem o Baobá, decidiram se engajar para que a sociedade seja mais justa e, para que, através dos editais promovidos pelo Fundo, haja mais qualidade de vida para a população negra.

Uma dessas pessoas é a Ana Maria Assis, ou dona Ana, como ela prefere ser chamada. Dona Ana era funcionária da Justiça Federal e se aposentou há um ano, durante a pandemia ela sentiu a necessidade de auxiliar a população de alguma forma e ao conhecer o trabalho do Fundo Baobá, ela decidiu apoiar a causa por meio da doação para a instituição.

Ana Maria Assis

Ao ser questionada sobre o que a fez interessar-se em dirigir a sua doação para o Baobá, ela diz o seguinte: “Achei interessante a perspectiva de formar lideranças negras, pois acho que esse é o caminho, a educação e organização, para superar a enorme desigualdade do país e as dificuldades enfrentadas pelo povo negro”.

Dona Ana traz pontos de extrema importância em sua fala, como a excelência de criar uma cultura de doação na população brasileira e como isso repercute socialmente. A doadora destaca que, ainda que não seja de imediato, os resultados podem ser observados a curto, médio e longo prazo.

Ela também fala que: “Cada pessoa de condição social e econômica inferior que consegue entrar numa faculdade, completar o ensino médio, ou participar de iniciativas como a do Fundo Baobá, consegue mudar sua vida e a de outras pessoas no entorno, isso representa uma esperança para todos nós”.

As falas de dona Ana destacam a importância do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco cujo objetivo é ampliar a participação de mulheres negras em espaços de poder e tomada de decisão e do Programa Já É que visa apoiar jovens a acessarem o ensino superior e a se manter na universidade.  Em ambos os Programas, pessoas jovens e mulheres têm valorizado e estimulado o direito de sonhar com um futuro melhor e caminhar em direção a ele.

O segundo doador entrevistado é o Thiago Alvim, atualmente Diretor Executivo do Prosas. Thiago conta que não se lembra exatamente quando conheceu o Fundo, mas que uma data muito marcante foi o lançamento da iniciativa em homenagem a Marielle Franco no Congresso do Gife há alguns anos atrás.

Thiago Alvim

Thiago atua na área de investimento social privado e, em sua fala, traz a importância da contribuição para o Baobá: “Acredito que a causa da igualdade racial é um dos temas mais importantes, da atualidade, no Brasil e ainda temos muito para avançar. Somo a isso o formato de atuação do Fundo, que permite que diversas novas vozes sejam ouvidas, valorizando o protagonismo de pessoas negras como parte da solução. Em um país continental e tão diverso, precisamos ampliar o número de atores que conseguem se expressar e ser ouvidos”.

Thiago também fala da importância da coletividade nesse processo de mudança social, o que traz aquele velho ditado do trabalho de formiguinha: apenas uma pessoa doando, pode parecer pouco, mas se cada uma fizer sua parte, contribuindo para o conjunto, grandes coisas poderão ser feitas. 

E como ele disse: “Somando diversas outras pequenas contribuições e contando com a legitimidade e capacidade técnica da equipe do Baobá, milhares de iniciativas em prol da igualdade racial podem ser desenvolvidas pelo Brasil. Problemas complexos, como a desigualdade racial, somente serão resolvidos ou minimizados com a participação de muita gente e, por isso, fico satisfeito de dar minha pequena contribuição. Se valorizo o protagonismo negro, também considero fundamental a conscientização e participação dos brancos na busca de soluções”.

O Fundo Baobá é grato a todas as Donas Anas e Thiagos que acompanham o trabalho que é feito por aqui, enfrentar o racismo e promover a equidade racial no Brasil é um trabalho árduo, porém, contando com o apoio e compromisso de pessoas como vocês, podemos caminhar com mais firmeza, na certeza de que, a cada dia, contribuímos para que mais pessoas negras se desenvolvam e dêem passos à frente.