Dia da Trabalhadora Doméstica, celebrar a classe e reinvidicar melhorias

No dia 27 de abril é celebrado o Dia da trabalhadora Doméstica. No Brasil, um grande símbolo histórico da classe é Laudelina de Campos Melo. Nascida no dia 12 de outubro de 1904, na cidade mineira de Poços de Caldas, começou a trabalhar aos sete anos de idade como empregada doméstica. Ao longo de sua trajetória ela combateu a discriminação da sociedade em relação às empregadas domésticas, sempre exigindo melhor remuneração e igualdade de direitos sociais. Com 20 anos de idade, Laudelina chegou na cidade de Santos (SP), entrando para a Frente Negra Brasileira e criando, no ano de 1936, a Associação das Empregadas Domésticas do Brasil, que foi fechada pelo Estado Novo em 1942. Em 1961, ela fundou a Associação das Empregadas Domésticas, na cidade de Campinas (SP), a sua nova morada. A sua luta inspira a criação de associações em apoio às trabalhadoras domésticas no Rio de Janeiro e em São Paulo. A atuação de Laudelina foi fundamental na década de 1970 para a categoria conquistar o direito à carteira de trabalho e à previdência social. Em 1982, ela auxiliou a reestruturação da associação de Campinas, possibilitando a transformação da associação em sindicato, no dia 20 de novembro de 1988, dia da Consciência Negra. Laudelina de Campos Melo faleceu no dia 12 de maio de 1991, aos 86 anos, deixando sua casa para o Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Campinas.

Laudelina de Campos Melo

A data de hoje é um sinal de resistência e luta para todos trabalhadores domésticos no país, considerando as situações nos quais muitos se encontram. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), no Brasil tem 6.158 milhões de trabalhadores domésticos, dos quais 92% são mulheres e 3,9 milhões são negras. No ano de 2015 foi sancionada a lei complementar que regula a PEC das domésticas, que apresentaria benefícios para a categoria, como o recolhimento obrigatório do FGTS por parte do empregador, seguro-desemprego, seguro contra acidentes de trabalho e indenização em caso de dispensa sem justa causa. Além de salário mínimo, jornada de trabalho, horário de almoço, férias e carteira assinada.

Porém, após seis anos da medida ser sancionada, os dados do IBGE mostram pouquíssimos avanços em termos de efetivação de direitos para a categoria. Neste período, apenas 32% das trabalhadoras domésticas possuem carteira de trabalho assinada. No Brasil ainda lidamos com a realidade do trabalho doméstico infantil. Em 2015, foram contabilizadas 156 mil crianças nessas condições, e trazendo esses números para o recorte de gênero e raça, a questão torna-se ainda mais desigual, considerando que 88,7% das trabalhadoras domésticas eram meninas e 71% eram negras.

No contexto da pandemia da covid-19, a categoria das empregadas domésticas foi uma das que não teve direito a um isolamento remunerado, não por acaso o primeiro caso de morte por covid-19 confirmado pelo Ministério da Saúde foi de uma diarista. No início da pandemia, a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD) promoveu a campanha “Cuida de Quem te Cuida”. A ação consistia em estimular os empregadores a deixarem as domésticas nas casas das famílias delas, com salários. E em casos onde não seria possível, como quando os empregadores trabalham no setor de saúde, por exemplo, a federação estimulou o transporte via aplicativos custeado pelo empregador. No dia 10 de abril, uma reportagem do jornal Correio 24 Horas, revelou que o  Sindicato de Empregadas Domésticas da Bahia recebeu pedido de socorro de 28 trabalhadoras que seguem por um ano em isolamento obrigatório, na casa dos patrões, vistas como ameaça de contaminação. Desses pedidos, 92% são de mulheres negras, moradoras de periferias e chefes de família. Diante desse fato, a presidente da FENATRAD, Luiza Batista, emitiu uma nota em nome da federação, protestando contra a ilegalidade do confinamento obrigatório de trabalhadoras domésticas, afirmando: “Se a trabalhadora não fez um contrato, onde essa assinou aceitando pernoitar no local de trabalho, ela não é obrigada a ficar. O empregador não pode determinar tal conduta”.

Em 2020, o Brasil ficou abalado com a trajetória de Mirtes Souza, a empregada doméstica de Pernambuco, que saiu para levar os cachorros dos patrões para passear e deixou o filho, Miguel, no apartamento sob os cuidados da  patroa e primeira-dama da cidade de Tamandaré (PE), Sari Corte Real. A criança foi direcionada por Sari até o elevador para que, sozinho, fosse ao encontro da mãe. A patroa, que mora no 5o andar, acionou a tecla do elevador que dá acesso à cobertura. Miguel parou no 9º andar, escalou um vão e alcançou uma unidade condensadora de ar, se desequilibrou e caiu do prédio, morrendo instantaneamente, aos olhos da mãe. A chocante história de Mirtes Souza foi contada pelas jornalistas Brenda Gomes e Thaís Vieira na matéria “Mirtes Souza e Danúbia Silva: Mães entre a saudade e a revolta”, que compõe o eBook “Narrativas Afirmativas em Tempos de Pandemia”, organizado pela Revista Afirmativa, em parceria com o Lab Afirmativa de Jornalismo, que narra as histórias e as dificuldades de outras trabalhadoras domésticas negras, e de trabalhadores de outras categorias, durante o período pandêmico.

Hoje, a FENATRAD reivindica prioridade para as trabalhadoras domésticas no Plano Nacional de Vacinação. O PL 1011/2020, tramita na Câmara dos Deputados e incluiu a categoria ao lado de outras 16 profissões consideradas essenciais e que podem ser consideradas no grupo prioritário, como caminhoneiros, trabalhadores de transporte coletivo rodoviário e metroviário, profissionais de limpeza pública, entre outros. 

Que possamos sempre lembrar dos dois pilares que sustaram a luta de Laudelina de Campos Melo: Um projeto voltado para a alfabetização das trabalhadoras domésticas, pois ela considerava que seria o primeiro passo para conscientização e entendimento da legislação trabalhista e consequentemente reivindicação dos direitos da classe; e a realização de atividades que tinham como objetivo estimular a solidariedade entre as trabalhadoras. Que essa data seja de luta, memória, resistência e solidariedade para todas as trabalhadoras domésticas do nosso país.

Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: conquistas coletivas e pessoais marcam o cotidiano de apoiadas no Norte do Brasil

A criação e implantação do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco tem feito emergir importantes lideranças femininas por todo o país. Na região norte do Brasil o fortalecimento dessas lideranças tem sido fundamental  na batalha pela conquista e proteção dos direitos das mulheres. A integração entre elas no campo das práticas e das ideias, na disseminação de informações nos territórios urbanos e no campo têm sido fundamentais para a difusão do conhecimento. 

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estado do Pará tem 7,8 milhões de habitantes. A população negra, que identifica os autodeclarados pardos e pretos, equivale a 76,5% do total, o correspondente a 5,9 milhões de pessoas.

Olhando pelo recorte do acesso aos cursos superiores, 156 mil pessoas têm ou estão fazendo um curso superior. Dessas, 95 mil são mulheres. Negras, 82 mil. Daí a importância de um programa como esse, que apoia o acesso à formação e  à boa qualificação.   

Conversamos com duas apoiadas pelo Programa para saber como a participação tem impactado suas vidas e impactado as vidas de muitas outras mulheres que estão ao redor delas. 

Dandara Rudsan Sousa de Oliveira é mulher trans. Com formação em Direito e especialização em Diálogos e Mediação de Conflitos, ela atua politicamente na formação e defesa de direitos para a Rede de Mulheres Negras Amazônicas, além de ser a coordenadora do Núcleo de Mobilização de Recursos dos Movimentos Negros e LGBTQI+ unificados em Altamira, cidade do estado do Pará. 

Dandara Rudsan Sousa de Oliveira, formada em Direito e com especialização em Diálogos e Mediação de Conflitos, atua na Rede de Mulheres Negras Amazônicas e no Núcleo de Mobilização de Recursos dos Movimentos Negros e LGBTQI+ unificados em Altamira, no Pará

Girlian Silva de Sousa tem graduação em Ciências Econômicas, doutorado em Desenvolvimento Socioambiental e pós-graduação em Influência Digital, curso que foi financiado pelo Fundo Baobá através do Programa de Aceleração. 

As conquistas pessoais de ambas impactam a vida de um grande número de mulheres no norte do país. “Ao longo de nosso trabalho conjunto, temos conseguido grandes avanços nas articulações com órgãos de Defesa de Direitos, como o Ministério Público e a Defensoria Pública. Conseguimos trazer para a luta mulheres negras e LGBTQIA+ que sobrevivem em regiões isoladas ao longo do rio Xingu e da rodovia Transamazônica, assim como articular nossas pautas com as lutas regionais e nacionais. O nosso principal ganho tem sido a união entre mulheres cisgêneras e transgêneras na luta pela defesa da terra e do território, contra o racismo ambiental e todos os tipos de violência”, afirma Dandara Rudsan. 

Já Girlian, baiana da cidade de Itabuna, vivendo no Pará há oito anos e trabalhando em Santarém. Sua atuação fez com que a luta autônoma de algumas mulheres pela reivindicação de direitos ganhasse mais poder com a união de forças. “Sou integrante do Movimento das Mulheres Negras de Santarém. Trata-se de um grupo de mulheres que já exercia o ativismo, só que de forma autônoma. Após cruzarmos nossos caminhos em algumas ações, decidimos nos juntar. São mulheres  com diferentes tipos de formação e que atuam em várias áreas. Temos Promotoras Públicas, Pedagogas, Psicólogas, Antropólogas e Quilombolas”, diz. 

Girlian Silva de Sousa, graduada em Ciências Econômicas, doutorado em Desenvolvimento Socioambiental e pós-graduação em Influência Digital

A pandemia da Covid-19 e os percalços impostos às populações de todo o Brasil têm dificultado um pouco a realização de algumas metas. Mas dificultar não é impedir. Elas são resilientes. “Antes da pandemia, realizamos várias ações de combate ao racismo, em parceria com o Ministério Público e junto a escolas de cidades da região do Baixo Amazonas. Atualmente, com o financiamento do Fundo Baobá, estamos organizando a publicação de um livro sobre mulheres negras, escrito por mulheres negras cis e trans da Amazônia”, afirma a economista Girlian Sousa. 

Girlian Sousa passou por problemas de ordem pessoal. O pai dela sofreu um infarto e o fato de estar sendo financiada pelo Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco propiciou a ela se deslocar de Santarém até Itabuna, na Bahia, e permanecer com ele. “O financiamento tem sido fundamental durante esse período muito difícil, que tem sido a pandemia. Me permitiu socorrer a minha família, me permitiu conquistar mais uma formação, que será importantíssima para a minha carreira profissional. Além disso, também tem sido fundamental para o aperfeiçoamento da minha prática ativista. Tenho aprendido muito. O projeto me promoveu um suporte multidimensional que tem me permitido enfrentar esse momento”, declara. 

Para Dandara Rudsan estar no Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco abriu importantes portas.  “Passei a integrar o Grupo de Trabalho Interinstitucional de Enfrentamento ao Racismo Ambiental da Defensoria Pública do Estado do Pará. O mandato é de 4 anos. Estou professora convidada da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) no curso de especialização em Relações Étnico-Raciais e Gênero. Também sou finalista no IX Prêmio República do Ministério Público Federal (MPF) na categoria Responsabilidade Social. Fui indicada para o processo seletivo de Bolsistas 2021 da Fundação Ford (que está em curso). Se tudo der certo, em breve estarei em mais este espaço”, afirma.

O Programa de Aceleração de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco é uma iniciativa do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, Instituto Ibirapitanga, Fundação Ford e Open Society Foundations, cujo objetivo é ampliar a presença e participação de mulheres negras em espaços de poder e tomada de decisão. .

10 Anos do Baobá: Antes de ser batizado oficialmente, fundo dedicado à equidade racial era chamado de “Mecanismo”

Neste ano de 2021, mais precisamente no mês de outubro, o Fundo Baobá para Equidade Racial completa 10 anos de existência. Nesse período, constitui-se no único  fundo exclusivo para promoção da equidade racial para a população negra no Brasil. O Baobá trabalha com captação de recursos oriundos da filantropia e, através de seus editais, destina esses recursos para organizações, grupos, coletivos e lideranças negras que lutam contra o racismo e promovem a justiça social. 

Apesar da concentração de riqueza e dos impactos negativos acumulados, expressos em alguns dos piores indicadores socioeconômicos do país, a potencialidade criativa e a capacidade de superação, conferem à região grande potencialidade. Se os investimentos corretos forem feitos nos estados do nordeste, a equidade racial para a população negra poderá deixar de ser uma utopia. 

E é do nordeste a dupla que abre essa série que irá até outubro mostrando quem trabalhou e trabalha pela consolidação do Fundo Baobá para Equidade Racial como um dos protagonistas na luta contra o racismo e pela busca da equidade racial no Brasil. São eles a mestranda em Gestão Social e Desenvolvimento pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Tricia Calmon, e o historiador com pós-graduação em Política e Gestão Cultural, Lindivaldo Leite Júnior. 

Tricia Calmon é baiana e Lindivaldo Júnior, pernambucano. Ambos se lembram do forte envolvimento com a ideia de que algo fosse constituído para que o povo preto nordestino fosse apoiado. “Fui convidado a fazer um trabalho de identificação de lideranças negras em Pernambuco que pudessem contribuir com um debate sobre a criação de algo que fosse para o enfrentamento ao racismo no Brasil. Não havia um nome, então, chamávamos de  mecanismo”, afirma Lindivaldo. “Eu era membro do núcleo de estudantes negros da Bahia e militante do Movimento Negro. O ano era 2008. O board da Fundação Kellogg estava visitando o Brasil, pois já organizavam a saída do país e eram muito questionados sobre temas relativos  à equidade racial”, diz Tricia. 

Lindivaldo Leite Júnior, historiador com pós-graduação em Política e Gestão Cultural

A questão de como organizar o mecanismo foi ganhando corpo. Mas Bahia e Pernambuco não poderiam ser apenas os dois estados envolvidos, entre os nove que compõem a região nordeste. “Fizemos uma caravana. Durou um mês e meio e acontecia nos finais de semana. Visitamos vários estados do Nordeste, com figuras muito representativas como Luiza Bairros, Sueli Carneiro, Magno Cruz, Lurdinha Siqueira, Luiz Alberto, todas as nossas lideranças. Acho que isso ocorreu em 2009”, relembra Tricia Calmon. Para Lindivaldo Júnior, a lembrança é da riqueza na troca de experiências: “Participei de um conjunto de diálogos sobre uma metodologia específica a ser utilizada para conversar com lideranças. Assim, realizamos encontros com grupos diferentes de lideranças negras: jovens,  veteranos, acadêmicos, gestores, quilombolas e grupos culturais”, afirma. 

O trabalho coordenado pelo pessoal do Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceafro), da UFBA, foi ganhando corpo. Mas, como qualquer projeto envolvendo pessoas, com cada um tendo seu tipo de pensamento formador a respeito de um tema, as disputas acabaram aparecendo. “A proposta de surgimento do Baobá era vista como uma concorrência e não como colaboradora da agenda que havia sido proposta pela Fundação Kellogg. E isso não era dito de forma muito clara. Construir esse lugar de um fundo novo, com pauta específica e inédita, contar com todos esses parceiros e construir uma imagem de colaboração, e não de concorrência interna, foi um dos grandes desafios”, revela Calmon. No entender de Lindivaldo Júnior, a construção das relações internacionais foi o principal entrave do começo. “Havia uma dificuldade para compreender como se relacionar com órgãos internacionais de financiamento”, diz. A questão do trabalho com filantropia, incipiente no Brasil, também criava dificuldades: “Foi necessária a composição de um grupo de confiança para tratar de um tema ainda delicado junto ao movimento negro”, afirma Júnior. 

Tricia Calmon, cientista social e mestranda em Gestão Social e Desenvolvimento pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

As dificuldades foram sendo vencidas com muitos quilômetros rodados pelo nordeste,  muita conversa e a prática de estratégias de convencimento. “São 10 anos de Baobá constituído. O Baobá se tornou e é uma organização única. O único fundo do Brasil de financiamento exclusivo de projetos e causas raciais. Sem subterfúgios. Isso se tornou realidade a partir de uma carteira de projetos interessantes, muito importantes, com boa flexibilidade e diálogo com organizações do Brasil inteiro”, declara Tricia Calmon. Lindivaldo Júnior enxerga o Baobá como projeto vitorioso: O Baobá ampliou sua relação com instituições financiadoras; manteve-se articulado com outros fundos de apoio, estruturou uma equipe e cumpriu com os compromissos assumidos com a Fundação Kellogg”, diz. 

Ainda há mais a conquistar, segundo Tricia Calmon: “O nosso sonho é que o Baobá alcance o que outras organizações negras não conseguem alcançar. Esteja onde outras organizações negras não conseguem estar. Financie autonomamente as pautas. E que o Baobá esteja na boca e nas mentes de todas as organizações negras brasileiras como um catalisador político forte e importante. O Baobá não é isso ainda. As pessoas não conhecem o Baobá como deveriam, ainda! Mas o Baobá está num caminho muito bom nesse sentido”.

Dia do Índio, o ressignificar de uma data

O dia 19 de abril é conhecido no Brasil todo como o “Dia do Índio”, entretanto a origem dessa celebração remete a um protesto realizado pelos povos indígenas do continente americano na década de 1940, quando um congresso organizado no México se propôs a debater medidas para proteger os índios no território. O “1º Congresso Indigenista Interamericano”, realizado em Patzcuaro, no México, aconteceu entre os dias 14 e 24 de abril de 1940. Na ocasião, os representantes indígenas haviam se negado a participar do evento, achando que não teriam voz e representatividade nas reuniões, sendo estas comandadas por líderes políticos dos países participantes. Os índios, então, fizeram um boicote nos primeiros dias, mas, justamente no dia 19 de abril, decidiram aparecer no congresso para tomar parte nas discussões. Foi por conta disso que a data escolhida para celebrar o dia do índio acabou sendo essa.

No Brasil, o Dia do Índio entrou no calendário oficial nacional no ano de 1943. Atualmente encontramos no território brasileiro 256 povos indígenas, falantes de mais de 150 línguas diferentes. A população indígena no Brasil soma, segundo o Censo IBGE 2010, 896.917 pessoas. Destes, 324.834 vivem em cidades e 572.083 em áreas rurais, o que corresponde aproximadamente a 0,47% da população total do país. Especificamente sobre questão territorial indígena, há no país 7 mil localidades distribuídas em 827 municípios, desse total, 632 são terras oficialmente delimitadas. Há ainda 5.494 agrupamentos indígenas, 4.648 dentro de terras indígenas e 846 fora desses territórios.

Os problemas enfrentados pelos povos indígenas ainda reverberam nos tempos atuais. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) a principal violação está  relacionada à invasão de terras. O relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, traz dados alarmantes que demonstram que a intensificação das expropriações de terras indígenas, forjadas na invasão, na grilagem e no loteamento, consolida-se de forma rápida e agressiva em todo o território nacional, causando uma destruição inestimável.

Entre os dados apresentados no relatório, em relação ao aumento de casos de violências sistematizadas contra os povos indígenas, a categoria “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio” que no ano de 2018 teve 109 casos registrados, saltou para 256 casos em 2019. Nessa categoria entram as queimadas que devastaram a Amazônia e o Cerrado em 2019, com ampla repercussão internacional. 

Infelizmente, os conflitos territoriais não são os únicos fatores que aumentam a vulnerabilidade desta parte da população. Em um ano o registro de  ameaças de morte, aumentaram de 8 para 33 e quando o assunto é lesões corporais dolosas, o número  quase triplicou, passando de 5 para 13.

No ano de 2021, a luta indígena por sobrevivência ganha novos contornos. Com a pandemia da Covid-19 em curso, as comunidades indígenas estão ainda mais expostas ao vírus e vulneráveis ao adoecimento e morte por menos acesso à informações corretas e em linguagem adequada, aos insumos de proteção individual, ao teste diagnóstico, aos serviços e tratamento em tempo adequado. Segundo dados apresentados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), em um ano de pandemia, foram 45.858 casos confirmados da doença. Já a estatística apresentada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), mostra que houve 1.023 óbitos, considerando também os óbitos de indígenas no contexto urbano.

Povos indígenas, assim como a população quilombola e ribeirinha, foram incluídos no grupo prioritário do plano nacional de vacinação contra a Covid-19. O ministério da saúde divulgou dados de que dos 247 mil indígenas vacinados, 86,8 mil já tomaram a segunda dose. Entretanto, a informação divulgada não vale para todos os estados do país e há contestações da população indígena referente a isso.  

O Fundo Baobá para Equidade Racial lançou no ano passado o edital Doações Emergenciais no contexto da Covid-19, financiando ações de prevenção ao novo coronavírus junto a grupos e comunidades vulneráveis. Na ocasião, iniciativas voltadas para povos indígenas, migrantes, refugiados, além de população negra, em situação de rua, periférica, eram priorizadas.  

Que o Dia do Índio não seja uma data para estereotipar as culturas e as tradições diversas dos muitos povos indígenas presentes no Brasil, mas que seja uma data de reflexão de como tem sido a nossa atuação pela defesa e preservação dos povos originários desse país. 

Diretora-executiva do Fundo Baobá é destaque em evento virtual sobre empreendedorismo e sustentabilidade

ESG é uma sigla em inglês que, para quem não é do ramo corporativo, não diz muita coisa. Mas trata-se de um conceito empresarial fundamental nos nossos tempos: Environmental, Social and Governance (Ambiental, Social e Governança). A primeira vez que ele foi utilizado foi no ano de 2005, em um relatório intitulado “Who Cares Wins” (Ganha quem se importa), sendo um resultado de uma iniciativa liderada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Na ocasião, 20 instituições financeiras de nove países diferentes, incluindo o Brasil, se reuniram para desenvolver diretrizes e recomendações sobre como incluir questões ambientais, sociais e de governança na gestão empresarial. 

Foi sobre o tema ESG que a XP Investimentos realizou, entre os dias 2 a 5 de março, um evento virtual reunindo os principais experts do mercado financeiro para debater investimentos sustentáveis. Em quatro dias de debates virtuais, participaram Guilherme Benchimol (CEO e fundador do Grupo XP), o cientista Prof. Carlos Nobre, Denise Hills (Diretora Global de Sustentabilidade na Natura), José Alexandre Vasco (Superintendente da CVM), Liz Davidson (Ministra Conselheira do Governo Britânico no Brasil), Oskar Metsavaht (Fundador da Osklen e embaixador UNESCO para Sustentabilidade), o autor do livro “Cisnes Verdes”, John Elkington, Luiza Helena Trajano (Presidente do Conselho da Magazine Luiza), Liliane Rocha (Fundadora e CEO da Gestão Kairós), Rachel Maia (Fundadora RM Consulting e Presidente do Conselho Consultivo do UNICEF), DJ Bola (Fundador e Diretor da A Banca, produtora social cultural) e a diretora-executiva do Fundo Baobá para Equidade Racial, Selma Moreira, entre outros.

Selma Moreira participou do painel “Sustentabilidade Integrada à Governança: Estratégia e Transparência”, no dia 4 de março. Mediado pela analista de pesquisa ESG da XP Investimentos, Marcela Ungaretti, ele contou também com o fundador da Blockc/ZCO2, membro do comitê de sustentabilidade da Duratex e da Marfrig, presidente do conselho da D.R.I Brasil e membro da Conecta Direitos Humanos, Marcelo Furtado, e com a diretora ESG e relações com investidores do Grupo Cosan, Paula Kovarsky, que na ocasião substituiu o CEO da Cosan,  Luis Henrique Guimarães.

Painel “Sustentabilidade Integrada à Governança: Estratégia e Transparência”

Selma Moreira fez uma análise sobre o histórico de discussão envolvendo o conceito ESG: “É uma discussão que não é nova, a gente tem uma nova forma de se dirigir ao ESG.  A gente falava de Triple Bottom Line (que é o chamado tripé da sustentabilidade) há um tempo atrás, e já havia uma preocupação em se pensar muito além de compliance, em fazer o que é certo, da forma correta. Hoje quando eu observo a forma de operação das empresas privadas e dos fundos que propõe fazer investimentos nessas empresas para promoção de desenvolvimento, eu acho que a gente olha e consegue ter nitidez de uma consolidação de termos econômicos, de estratégias de gestão e de compliance, muito adequadas. A gente está começando a melhorar, mas ainda me parece que há que se desenvolver formas, métodos e ações, que permita que a parte do “S” e do “E” do ambiental, sejam avaliadas de uma maneira mais estratégica”. Ainda com a palavra, Selma fez uma importante análise contextual do Brasil contemporâneo: “Pensando no nosso contexto de país, a gente está aqui hoje em um dia de muita emoção, mas a gente olha para o nosso país em um dia de luto, um dia muito triste, e não dá para dissociar a empresa do contexto ao qual ela pertence. A gente está vivendo um contexto de tristeza e as empresas são formadas por pessoas, então, no fim do dia, quando a gente conecta tudo isso, conseguir colocar um olhar mais direcionado para que as decisões promovidas pelas empresas sejam éticas e justas, vai muito além da lei. No momento que a gente está pensando que as decisões são promovidas pelos conselhos, executadas pelos executivos, elas se coloquem, sejam passíveis de dúvidas. Quando a gente começa a repensar as nossas certezas, a gente começa a repactuar nosso pacto de gestão, com o ambiente no qual a gente pertence e com o planeta. Acho que é fundamental começar por aí”.   

Selma Moreira durante o painel “Sustentabilidade Integrada à Governança: Estratégia e Transparência”

Paula Kovarsky complementou o raciocínio: “Eu concordo muito com o que a Selma falou, que precisa ser uma coisa que está imbuída em todo o seu processo de tomada de decisão e, essencialmente, porque o mundo está caminhando nessa direção, então isso tem que ser por definição círculo virtuoso, eu preciso como companhia olhar para as tendências de mudanças climáticas, por exemplo, porque isso vai definir o portfólio de produtos que vai ter sucesso num horizonte de cinco a dez anos. Eu preciso ter uma empresa que é reconhecida e que tem, de verdade, um compromisso com a diversidade, porque se eu não tiver isso, eu não vou ser capaz de atrair os talentos que eu preciso para ter sucesso no futuro”.

Questionada sobre qual é a importância de ter a diversidade em diferentes níveis de governança, quais são os desafios dessa jornada e o que precisa ser feito de fato para atingir esse patamar, Selma Moreira fez questão de frisar a importância do diálogo em diferentes esferas: “A gente vive um momento onde o mundo está mais aberto para o diálogo. O que era uma barreira antes, e trazia aquela dificuldade de se expor e de estar em um ‘terreno difícil’, hoje há mais abertura e disposição para dialogar. O que é fundamental, se a gente não dialogar, estará alimentando um processo que é da construção da nossa sociedade desigual. Precisamos também qualificar esse diálogo. Hoje nós temos pesquisas que mostram que, com igualdade de gênero, a produtividade melhora em 15%, e que, quando é trabalhado questões raciais e étnicas, a produtividade melhora 35%.

Com esses dados apresentados, Selma Moreira aprofunda o debate do diálogo da diversidade, principalmente, nos níveis executivos: “Nós precisamos entender que diversidade é lucrativo, então a gente tem que pensar isso para todas as etapas, para todos os estágios de gestão de uma organização, na base, mas também no topo, também nos níveis executivos e nos conselhos. E justamente nos níveis executivos que a gente vai perceber os gargalos, no qual 4,9% é o número de executivos negros que participam de conselhos de administração e 4,7% é o número de executivos na gestão”. 

Selma Moreira (Fundo Baobá), Paula Kovarsky (Grupo Cosan) e Marcelo Furtado (Duratex, D.R.I Brasil e Conecta Direitos Humanos)  

Para Selma, é necessário reflexão e auto análise quando o assunto é diversidade de gênero e étnica: “A gente precisa refletir sobre todo o processo de desigualdade e gargalo acumulado no processo escolar e nas questões de acesso ao mundo do trabalho. Então precisamos criar processos que sejam de fato mais inclusivos e afirmativos também, até porque considerando o ritmo que a sociedade resolve os seus problemas, precisamos ser mais evidentes e mais convictos no que a gente quer fazer. O fato de, no Brasil a gente observar essas desigualdades todas, ter nitidez de tudo isso, é um momento de fazer auto análise, do viés inconsciente, de como a gente gosta de ficar com os nossos iguais, como é bacana falar com alguém em que as ideias e valores conectam com os nossos, mas isso nos leva a construir as mesmas soluções de sempre, baseado em seu mindset. A gente precisa se permitir diversificar, como fazemos com os investimentos, com os portfólios, é o que a gente faz com os produtos, mas a gente não vai conseguir diversificar se ficar procurando um currículo igualzinho ao nosso”.

Hoje, a população negra no Brasil, segundo dados do IBGE, equivale a 56%. Mesmo assim, pessoas negras são minorias em cargos de chefia. Selma aproveitou a oportunidade para compartilhar a sua própria experiência profissional: “Eu sou uma mulher negra de origem periférica e que trabalha com equidade racial, trata-se de um tema que não está longe do meu dia-a-dia, ele está no meu coração, é o que corre na minha veia, mas é um tema que é de muita resistência em muitos espaços. Então, o questionamento que eu trago é: como é que a gente se abre para o diálogo e como é que a gente constitui mais potência a partir das nossas diferenças? Esse é o caminho que vai fazer com que se constituam empresas e uma sociedade cada vez mais forte, diversa, brilhante, potente e respeitando as diferenças. A gente não inova se não olhar a partir de um outro ponto”.

Dentro do mesmo contexto, Selma Moreira falou sobre a importância da equidade: “Tem um ponto que a gente pouco usa nos diálogos no Brasil que é falar de equidade, que se trata de justiça. Quando a gente fala de olhar as populações, há que se pensar o quanto as empresas refletem, de maneira justa, a população das regiões onde elas estão inseridas. E nós estamos olhando para isso? A gente tem feito alguma ação que nos tira do lugar de conforto para produzir essa diversidade? Pode ser que tenhamos uma trilha de aprendizagem e aprender faz parte”. 

Para assistir a participação completa da Selma Moreira no painel “Sustentabilidade Integrada à Governança: Estratégia e Transparência”, basta se cadastrar gratuitamente aqui e acompanhar esse e outros painéis ocorridos no evento Expert ESG.

Com uma “Bike Sonora”, o Movimento Social Fome levou informações em tempos de fake news

Imagine um sistema de som ligado em uma bicicleta levando informações corretas  sobre a covid-19 e como se prevenir. Pois essa bicicleta existiu – e percorreu várias ruas de Sobral, no Ceará com o apoio do “Edital Apoio Emergencial para Ações de Prevenção ao Coronavírus” – uma iniciativa do Fundo Baobá em parceria com a Fundação Ford, para apoiar projetos de regiões e povos vulneráveis mais afetados pela pandemia da Covid-10 no Brasil.

“Projeto Bike Sonora” do Movimento Social Fome – Sobral (CE) – (Foto: arquivo pessoal)

Lançado no dia 5 de abril de 2020, em apenas 12 dias, o edital recebeu 1.037 inscritos de todas as regiões do país. Nesse total, 387 eram iniciativas de organizações sociais e 650, de indivíduos. Após uma análise minuciosa da organização, o Fundo Baobá divulgou em três listas um total de 350 projetos selecionados, sendo 215 de indivíduos e 135 de organizações. Cada iniciativa recebeu R$ 2,5 mil para ações de prevenção em comunidades periféricas ou de difícil acesso.

Entre essas iniciativas selecionadas estava o Movimento Social Fome, de Sobral (CE), com o seu ousado projeto da Bike Sonora: “A ideia surgiu como uma força de construir uma comunicação não violenta, onde não assustasse as pessoas num momento tão delicado que estamos passando. Era fundamental colocarmos nas ruas informações necessárias e cuidadosas a fim de atingir um público exclusivo que era a periferia”, diz a fundadora, produtora cultural e articuladora social do Movimento Social Fome, Raiana Souza.

“Projeto Bike Sonora” do Movimento Social Fome – Sobral (CE) – (Foto: arquivo pessoal)

Em tempos de fake news e desinformação, o trabalho do Movimento Social Fome na proliferação de informações sobre o novo coronavírus na comunidade carrega a alcunha de serviço essencial para a população: “Tivemos o cuidado de fazer frente a uma desconstrução de informações falsas advindas da produção de Fake News que se espalhavam nas mídias sociais e tomavam proporções de abrangências exorbitantes, desse modo, pensar uma estratégia de comunicação no combate e enfrentamento a covid-19 foi uma tarefa de luta coletiva que está simbolizando, até hoje, um marco na nossa trajetória enquanto moradores e militantes sociais”.

Muito antes da covid-19 ser decretada pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Bike Sonora ser uma realidade em meio à crise da saúde pública, o Movimento Social Fome já fazia a diferença para a população vulnerável de Sobral. Fundado no ano de 2013, trata-se de um coletivo de jovens moradores da periferia sobralense, surgido nas calçadas, nas ruas e nas associações comunitárias do bairro Terrenos Novos, periferia da cidade de Sobral: “O surgimento do Movimento Social Fome se deu em meio aos ensaios de um grupo de teatro de rua que ensaiava durante a semana no período noturno ao lado da capela da igreja católica, hoje paróquia São Paulo Apóstolo. Foram quase três anos acompanhando as movimentações de amigos, conhecidos e colegas que faziam parte do grupo de teatro denominado ‘Amigos da Paixão’. O grupo só produzia e encenava no período da quaresma cristã, passando assim, o restante do ano, sem organizar ou produzir qualquer outro trabalho teatral”. E foi durante esse longo intervalo sem produzir, que Raiana e os seus amigos enxergaram a necessidade de criar algo que movimentasse a cultura entre os jovens daquele local, e assim nasceu o Movimento Social Fome: “A pretensão inicial do FOME era construir uma agenda de atividades artísticas e culturais como forma de ocupação direta do espaço público da periferia, tornando essas atividades uma maneira mais direta de chegarmos nas pessoas do bairro a fim de convidá-las para fazerem parte do coletivo, ou mesmo apoiar as ações que eram executadas”.

Raiana Souza, fundadora, produtora cultural e articuladora social do Movimento Social Fome – (Foto: arquivo pessoal)

Além de Raiana Souza, fundaram o Movimento Social Fome o educador social e produtor cultural Renan Dias, o artista e grafiteiro Thiago Tavares, o rapper e músico Frank Soares, os produtores culturais e Mc’s Leandro Guimarães e Wisley Nascimento, assim como a produtora cultural e social mídia Fran Nascimento: “Nossa primeira atividade na rua foi exatamente com a proposta de uma intervenção audiovisual com exibições de filmes e videoclipes de artistas locais. O Cine Comunitário foi uma atividade bem direta com a finalidade de explorar a reação das pessoas que até então não sabiam exatamente do que se tratava aquela intervenção audiovisual”, relembra Raiana. No ano de 2018, o Cine Comunitário se tornou Cine Mucambim em alusão ao açude histórico que fica localizado dentro do bairro Terrenos Novos: “para nós moradores do bairro, o Mucambinho tem um valor imaterial que se estende desde sua historicidade até mesmo o valor econômico e social que o mesmo traz para famílias de pescadores que tiram do açude a única renda para por em casa”.

Sessão do Cine Mucambim no bairro Terrenos Novos (Foto: arquivo pessoal)

Outras atividades artísticas e culturais foram organizadas pelo Movimento, como o Som na Praça, com o propósito de levar para as praças e calçadas dos bairros Terrenos Novos e Vila União, ações voltadas à música e leitura. Assim como aulas de música, o Sarau Força e Resistência na praça da juventude no bairro Vila União e o Miss Perifa, que consiste na formação, produção e desfile de mulheres cis, trans e travestis da periferia: “O Miss Perifa é um evento de desfile auto-organzado pelo núcleo feminista do Movimento Social Fome que se chama “Mulheres do Gueto que Lutam sem Medo”.

O Miss Perifa é um evento de desfile auto-organzado pelo núcleo feminista do Movimento Social Fome que se chama “Mulheres do Gueto que Lutam sem Medo” – (Foto: arquivo pessoal)

Em 2014, o grupo participou de duas ações integradas dos moradores da região, o Sopão Comunitário e o Natal Comunitário: “Eram atividades organizadas com o apoio dos moradores do bairro que contavam com o apoio do Fome para realizar outras ações integradas como levar oficinas de graffiti, oficinas de artesanato, oficina de desenho, exibição de filmes com o cine comunitário e organização de mutirões de limpezas nas áreas adjacentes onde ocorriam os eventos especiais”.

Com a chegada da covid-19, com as medidas de isolamento social para conter o avanço da doença e evitar um colapso no sistema de saúde, o Fundo Baobá lançou o edital Doações Emergenciais, e o Movimento Social Fome inscreveu o seu projeto Bike Sonora, sendo uma das 350 iniciativas selecionadas: “A relação do cuidado em tempos de pandemia também ressoou diretamente na renda básica familiar de moradores da periferia. Notamos que, com a pandemia, houve um crescente número de desempregados a nível nacional, e com nossa realidade aqui da periferia da cidade de Sobral/CE não foi diferente. Muitas famílias e jovens enfrentam as duras dificuldades para manter-se vivos e sobreviver ao vírus e a crise financeira que assola ainda hoje muitas pessoas”, e com o apoio dado pelo Fundo Baobá, houve uma transformação na realidade daquela região: “A partir do incentivo gerado pelo edital do Fundo Baobá, que nós do Movimento Social Fome pensamos estratégias de redistribuição da grana para um número maior de pessoas, fazendo assim circular um dinheiro dentro do próprio bairro”, afirma Raiana. “Conseguimos pagar um incentivo fixo para três jovens dos bairros onde o projeto Bike Sonora foi executado: Terrenos Novos, Vila União e Nova Caiçara, além é claro de distribuição de cesta básica de alimentos e produtos de higiene pessoal para famílias e crianças que participam da Biblioteca Comunitária Adalberto Mendes”. A biblioteca é um espaço em Terrenos Novos, onde o Movimento Social Fome executa atividades pedagógicas voltadas às crianças. O espaço se encontra fechado desde o início da quarentena em março de 2020.

Ao relembrar os momentos marcantes vivenciados com o projeto Bike Sonora, Raiana cita a experiência vivida pelo jovem Emanuel Nascimento, que “pilotou” a Bike Sonora pelas ruas de Sobral, e que se no começo ele despertou o estranhamento da população, que não estava acostumada com aquele tipo de novidade, no meses seguintes ele ganhou o carinho e consideração dos moradores locais: “No começo as pessoas estranhavam aquela ação e não entendiam ao certo o objetivo ou do que se tratava, causando assim pouca adesão por parte dos moradores. Com um tempo, Emanuel nos contou que os mesmos moradores agora já paravam ele para elogiar a iniciativa parabenizando-o pela coragem, pela luta e pelo cuidado coletivo. E a partir daquele momento muitos moradores já o esperavam no horário marcado que a Bike Sonora passava para lhe oferecer água, merenda e um cafezinho da tarde”. Raiana revela que depois que as ações do Bike Sonora chegaram ao fim, Emanuel relatou para a equipe do Movimento Social Fome que muitas pessoas do seu bairro tem perguntado porque parou e quando o Bike Sonora irá voltar.

“Projeto Bike Sonora” do Movimento Social Fome – Sobral (CE) – (Foto: arquivo pessoal)

Um ano depois de decretada pandemia de covid-19, hoje no Brasil nós vivemos o pior momento da doença, com média móvel de 71.739 novos casos e com 57 dias seguidos com a média móvel de mortes acima da marca de 1 mil. Mais de 300 mil vidas perdidas. Raiana Souza, destaca a importância do trabalho do Fundo Baobá com edital Doações Emergenciais e o impacto que ele causou na comunidade: “Os impactos centrais que podemos citar aqui se destacam entre duas linhas de campo principais que são: A informação e o cuidado coletivo dentro da periferia, e a distribuição de renda que foi ofertado pelo edital”.

Mesmo sem o trabalho da Bike Sonora, o Movimento Social Fome continua ativo no combate à covid-19 e colocando em prática as lições aprendidas com apoio do edital Doações Emergenciais: “Acredito que os vínculos que foram criados a partir do projeto apoiado pelo Fundo Baobá, o Bike Sonora, foram fortemente estabelecidos nos desejos de sempre insistir, resistir e não se entregar. Temos fome e ela não espera, quem tem fome tem pressa”.

Veja o vídeo da Bike Sonora em ação aqui

Programa de Recuperação Econômica apoia empreendedores negros em meio à pandemia

O Programa de Recuperação Econômica do Fundo Baobá para Equidade Racial, foi lançado no dia 11 de novembro de 2020 em uma iniciativa que contou com a parceria com a Coca-Cola Foundation, Instituto Coca-Cola Brasil, Banco BV e Instituto Votorantim.  O objetivo era apoiar pequenos empreendimentos liderados por pessoas negras em comunidades periféricas ou territórios em contexto de vulnerabilidade socioeconômica no país, que tenham pequenos negócios com faturamento de até R$ 6.750,00.

Em 39 dias de inscrições abertas, a organização recebeu 700 propostas de pequenos empreendedores. Na primeira fase de triagem, 598 inscrições foram validadas, passando para a fase de avaliação das propostas em si. Dessas, 273 seguiram para a etapa de entrevistas virtuais. Elas foram realizadas pela organização FA.VELA, parceira operadora do Fundo Baobá para este projeto. Segundo Ludmila Correa, representante da FA.VELA, as conversas foram fundamentais para seleção de iniciativas empreendedoras para o programa. “Durante as entrevistas pudemos conhecer diversas realidades, ramos e formas de empreender desenvolvidas nas diferentes regiões do Brasil, variando de entrevistas com empreendedores quilombolas, ribeirinhos, da zona rural e do meio urbano. Acreditamos que muitas iniciativas têm perspectiva de expansão, promovendo impacto territorial por meio da geração de renda, desenvolvimento sócio econômico, fortalecimento da atuação em rede, entre outros benefícios. O processo de entrevistas foi fundamental para o diálogo e entendimento da realidade de cada empreendedor, possibilitando verificar a adequação da iniciativa proposta para o programa, assim, colaboramos recomendando os participantes de forma mais assertiva e coerente”.

Ludmila Correa, gerente de projetos e programas do Fa.Vela

Após o processo de entrevistas, 141 iniciativas  foram recomendados ao comitê selecionador, que elegeu as 47, cujos nomes foram divulgados no dia 26 de fevereiro e serão contempladas com os recursos financeiros e de formação do programa. Uma das integrantes do comitê selecionador foi a consultora de negócios de diversidade e inclusão, Caroline Conceição Moreira: “Acredito que, por eu trabalhar com empreendedorismo, consegui contribuir com meu olhar de eterna captadora de talentos. Foi uma experiência incrível poder acessar tantos projetos potentes e saber que estas pessoas terão uma oportunidade incrível de potencializar seus empreendimentos”. 

Quem também utilizou a profissão ao seu favor, durante a sua participação no comitê selecionador, foi a psicóloga e diretora da Teçá Impacto, Marcela Bacchin: “Fiquei muito honrada de poder fazer parte do comitê de seleção do edital e trouxe meu conhecimento de 15 anos no apoio de empreendedores da base da pirâmide como estratégia de combate à pobreza, à serviço da definição de critérios para avaliação de maturidade das propostas e de um olhar propositivo de equilibrar a seleção com recorte de gênero, e territorialidade”. Marcela acredita que esse equilíbrio durante a seleção das iniciativas fez justiça aos selecionados: “Dessa forma, o grupo participante do comitê teve uma atuação de garantir o equilíbrio territorial dos investimentos e a prioridade para projetos do nordeste, liderados majoritariamente por mulheres e pessoas LGBTQI+”.

Marcela Bacchin, psicóloga e diretora da Teçá Impacto

Foi esse entendimento e processo coletivo entre os membros do comitê que ganhou elogios do diretor da Techsocial, conselheiro do Anjos do Brasil – um grupo de investidores anjo – e também conselheiro fiscal do Fundo Baobá para Equidade Racial, Marco Fujihara: “Eu gostei muito porque, principalmente, foi um processo coletivo, não foi a minha opinião sozinha que influenciou na escolha, mas todo processo coletivo é muito rico, porque você ouve a opinião das pessoas, elas ouvem a sua opinião, e você acaba achando um caminho do meio sempre, não tem aquele melhor ou pior”. Assim como também elogiou as iniciativas apoiadas: “Eu gostei muito das iniciativas empreendedoras inscritas pelo vínculo comunitário que elas tinham, o que tornou tudo bastante criativo e produtivo”. 

Marco Fujihara, diretor da Techsocial e conselheiro fiscal do Fundo Baobá

Para a psicóloga e coordenadora de projetos de impacto em inclusão produtiva, Crisfanny Souza Soares, integrar o comitê foi um privilégio: “Estar em contato com ideias e iniciativas empreendedoras que virão a ser respostas efetivas na recuperação da economia e no desenvolvimento de modelos de negócios inovadores, trouxe para roda a visão de quem conhece, reconhece e apoia quem movimenta a economia brasileira: os 99% micro e pequenos empreendedores, e investiu no desenvolvimento de metodologias de apoio, parcerias de acesso para inclusão produtiva”. 

Outro membro do comitê foi Marcelo Rocha, mais conhecido como DJ Bola, um dos articuladores do coletivo A Banca. Para ele, integrar o comitê selecionador foi um grande aprendizado, além de uma imensa felicidade também: “Quando a Selma Moreira (diretora-executiva do Fundo Baobá) me disse que havia mais de 700 inscritos buscando apoio para tocar as suas iniciativas no Brasil todo, eu me senti muito feliz, porque isso é uma evidência do quanto o povo negro é potente e o quanto de mudança tem as quebradas”. Na visão do produtor cultural, a periferia tem uma enorme potência e bagagem, e iniciativas como o programa de Recuperação Econômica do Fundo Baobá, potencializa ainda mais os talentos existentes nesse meio: “A gente tem que sair dessa ótica da escassez, porque a periferia tem muito conteúdo, tem muito produto e tem muito serviço. Então, o Fundo Baobá conseguiu evidenciar mais uma vez a luta do povo preto, do pessoal LGBTQ+ e das mulheres, elas que sempre tiveram à frente iniciativas que trouxeram transformações dentro de casa, e agora elas estão à frente de iniciativas empreendedoras”.

Marcelo Rocha, DJ Bola, um dos articuladores do coletivo cultural A Banca

A pandemia da covid-19 ainda não chegou ao fim, pelo contrário: mesmo com a vacina aprovada em território nacional e com um plano de imunização que pretende vacinar toda a população ainda esse ano, apenas uma fatia minúscula da população recebeu a segunda dose da vacina até o momento, enquanto a média móvel diária de novos casos da doença atingiu patamares surpreendentes, com expectativa de chegarmos a meio milhão de mortes em breve. Com os governos estaduais implementando medidas sutis de isolamento para conter o avanço da doença e o colapso hospitalar, que acarreta  falta de leitos, estresse e exaustão de profissionais, os comércios e os pequenos empreendimentos voltam a fechar, o que resulta também em uma crise financeira. Entretanto, é preciso afirmar que os pequenos empreendimentos negros são de sobrevivência e existem, desde antes da crise sanitária, num contexto de desigualdade e racismo estrutural. Justamente dentro desse contexto que considera a relevância de ações como o Programa de Recuperação Econômica, considerando que a população negra, independente do cenário, é mais penalizada com as desigualdades: “A proposta do edital de recuperação econômica para empreendedores negros, busca atender uma demanda de pessoas vulnerabilizadas, de forma a fortalecer a sinergia entre empreendedores e ainda trazendo impacto positivos para os territórios ao qual eles fazem parte”, afirma Marcela Bacchin. “Sendo assim, essa é uma iniciativa que promove a dinamização econômica dos territórios, o desenvolvimento de novos negócios e a geração de renda através de atividades produtivas em diferentes setores. Serão produtos e serviços oferecidos por empreendedores negros para seus territórios, gerando o desenvolvimento local e valorização da comunidade negra”, completa.

Caroline Moreira frisa a importância de ações como essa, considerando o quadro desigual que o negro se encontra na sociedade brasileira: “É de extrema importância pensar nas questões raciais como foco, tendo em vista que os empreendedores negros são os que mais se prejudicam independente do cenário e falando em pandemia com certeza o fundo é uma possibilidade incrível de criar oportunidades para empreendedoras”.

Caroline Conceição Moreira, consultora de negócios de diversidade e inclusão

Crisfanny Soares afirma que o Programa de Recuperação Econômica movimenta dois pontos cruciais para a sustentabilidade das iniciativas: “O primeiro é o acesso ao capital financeiro e o segundo é a capacitação empreendedora que apoiará a estruturação e adaptação a dos negócios neste novo contexto que exige novas habilidades”, a gerente de projetos ainda confirma que o que mais lhe chamou a atenção neste edital foi a proposta de convergir negócios e suas propostas de valor para atuação em um mesmo território: “Além de inovadora, a proposta potencializa a visão de parcerias estratégicas comunitárias que podem fortalecer a economia local e mobilizar o surgimento de novos negócios ampliando o impacto”.

Crisfanny Souza Soares, psicóloga e coordenadora de projetos de impacto em inclusão produtiva

Ainda sobre a vacinação no Brasil, mas trazendo um inédito recorte racial, uma pesquisa feita pela Agência Pública, a partir dos dados de 8,5 milhões de pessoas que receberam a primeira dose da vacina, mostra que a cada duas pessoas brancas, apenas uma pessoa negra recebeu a vacina, o que equivale a 1,48% da população negra vacinada, contra 3,66% da população branca vacinada. Para Marco Fujihara, o racismo está enraizado em toda estrutura do país e medidas como essa do Fundo Baobá, ajudam a promover a equidade racial: “A questão da equidade racial tem que ser colocada na pauta do dia sempre. O racismo é uma coisa que existe, e a primeira maneira de combater o racismo é acreditar que ele existe. Portanto, esse trabalho do Fundo Baobá é necessário e tem que ser ampliado”.

Fundo Baobá apresenta as 47 iniciativas empresariais escolhidas para serem apoiadas pelo seu edital de Recuperação Econômica

Em evento virtual ocorrido no dia 24 de março, o Fundo Baobá para Equidade Racial reuniu os selecionados para serem apoiados pelo edital de Recuperação Econômica, lançado em novembro de 2020. Estiveram presentes na live de lançamento membros das 47 iniciativas apoiadas, além de representantes da Coca Cola Foundation, do Instituto Coca Cola Brasil, Banco BV e Instituto Votorantim. 

A situação de pandemia que acontece em todo mundo levou o Fundo Baobá a lançar em 11 de novembro de 2020 o edital de Recuperação Econômica para Micro e Pequenos Empreendedores (as) Negros (as). Um rigoroso processo de seleção foi iniciado e concluído no dia 25 de fevereiro, com a divulgação da lista dos escolhidos. O edital teve 700 inscrições, 598 foram validadas, 273 foram para a entrevista, 141 receberam a recomendação para avaliação e, como determinavam as regras, 47 iniciativas foram selecionadas para  receber aporte de R$ 30 mil. As iniciativas teriam que ter composição societária de três empreendedores negros ou negras. 

Na abertura do evento, a diretora de Programas do Fundo Baobá, Fernanda Lopes, destacou a importância do programa de Recuperação Econômica. “Esse programa é parte da resposta do Fundo Baobá, frente aos impactos da emergência sanitária na vida da população negra. Sabemos que a pandemia do coronavírus acentuou as desigualdades socioraciais no nosso país. Sabemos como o empreendedorismo negro foi afetado, que a saúde financeira dessas empreendedoras e empreendedores foi afetada. Esse programa tem o objetivo de fortalecer o ecossistema de apoio ao emprendedor negro, envolvendo diversos atores que atuam nesse campo, Esse programa se insere dentro de um eixo prioritário de investimento do Fundo Baobá,  que é o desenvolvimento econômico”, disse. 

O presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, Giovanni Harvey, enalteceu o espírito das pessoas empreendedoras e chamou a atenção para o incentivo que elas precisam ter. “De forma geral as pessoas acham que aqueles que empreendem não precisam de investimento. E é com muita alegria que vejo instituições como Coca Cola e BV se juntarem a esse tipo de iniciativa. Mais do que ter tido coragem de apoiar essa pauta está a coragem de apoiar uma pauta para os invisíveis. São os mais invisibilizados com o discurso ilusório de que quem empreende não precisa de investimento. A ação de empreendedores negros e negras acontece desde antes da abolição”, concluiu. . 

Giovanni Harvey, presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá

Membro do Conselho Fiscal do Baobá, Marco Antônio Fujihara usou uma analogia para se referir ao espírito empreendedor dos apoiados pelo Programa de Recuperação Econômica. 

“Empreender é como soltar uma pipa. A gente vai soltando corda e ela vai voando. E se a gente tiver muita corda, ela vai voando sempre. Façam essa sua pipa voar muito alto. Mas tenham os pés no chão. Só pelo fato de terem participado desse processo vocês já são liderança”, afirmou

Marco Antônio Fujihara, membro do Conselho Fiscal do Baobá

Heloisa Binello, gerente de Comunicação do Instituto Coca Cola Brasil, e Tiago Silva Soares, gerente de Marketing e Sustentabilidade do Banco BV, falaram respectivamente sobre o que motivou a ideia do edital e a determinação que os apoiados terão que ter. “Nós tínhamos que olhar para o que viria com a pandemia, que era a necessidade de recuperação econômica. Então, espero que essa jornada seja tão importante para vocês como está sendo pra gente”, afirmou.

Heloisa Binello, gerente de Comunicação do Instituto Coca Cola Brasil

Tiago Soares, abordando a determinação, lembrou a trajetória de seus pais como empreendedores. “Minha mãe teve uma banca de jornal, uma pequena livraria e vendeu roupa.  Meu pai foi dono de farmácia. Então, cresci vendo os prazeres e as dificuldades que o empreendedor tem. Parabéns por continuarem em um momento tão difícil pelo qual o Brasil e o mundo estão passando. Espero que seja um caminho muito positivo para todo mundo”, afirmou Tiago Soares. 

Tiago Silva Soares, gerente de Marketing e Sustentabilidade do Banco BV

Representando o FA.Vela, parceiro operacional do Fundo Baobá, estavam presentes João Souza, diretor de Futuros Inclusivos, e  Ludmilla Correa, diretora de Projetos e Programas. “Tivemos a oportunidade de conhecer muitas histórias de resiliência. Particularmente, li, vi e ouvi mais de 200 histórias. Conseguimos desenhar várias experiências e necessidades a partir das escutas que realizamos. Agora, começamos uma jornada incrível para o desenvolvimento de vocês”, disse Ludmilla.

Ludmilla Correa, diretora de Projetos e Programas do FA.Vela

A voz das pessoas apoiadas

Entre as histórias de resiliência vistas  por Ludmilla Correa está a de Ana Verônica Isidorio, do Ceará, da iniciativa Atitudes & Negritudes Cariri, juntamente com Luziana Souza e Antonio Carlos Dias de Oliveira. Mulher lésbica, ela falou da satisfação em ter sido selecionada pelo edital de Recuperação Econômica. “Sou preta, pobre, lésbica e moro longe. A sensação de participar desse projeto é inexplicável. Acreditávamos que seríamos escolhidas. Confiávamos muito no nosso trabalho. Somos de uma região que tem o maior índice de feminicídio do Ceará. Estar aqui é uma grande vitória”, disse Ana Verônica.

Ana Verônica Isidorio, da iniciativa Atitudes & Negritudes Cariri (CE)

Tayná Maysa Passos, do Afroitas – Arte,  estética e gastronomia preta, de Pernambuco, falou da sua esperança de vencer com seu próprio negócio, ao lado de Lucilene Ferreira e Maíra de Melo. “É difícil viver de empreendedorismo. Viver do seu próprio negócio. Mas eu tinha muita esperança de vencer. Agradeço Iansã, que jogou um vento para que a gente ganhasse”, agradeceu.

Tayná Maysa Passos, do Afroitas (PE)

Do Amapá, Rejane Soares e suas parceiras Alcimar Guedes e Nadia Correa formaram o Afrolab Virtual. “É gratificante mostrar que o Norte tem população preta. Que tem mulher preta à frente dos negócios. Que tem gente na nossa luta”, disse Rejane Soares. 

Rejane Soares, Afrolab Virtual (AP)

Encerramento

Coube à diretora executiva do Fundo Baobá, Selma Moreira, encerrar o evento com uma exaltação aos parceiros do Baobá e um pedido para que incentivem novos parceiros. “O que estamos vendo aqui é o resultado de uma história com muitas intersecções. Esses parceiros têm histórico de trabalho e investem na temática do empreendedorismo há longa data. Quero agradecer a eles, que acreditaram e investiram. Peço que busquem outros parceiros para que a gente possa fazer esse tipo de projeto acontecer. Vamos fazer as placas tectônicas se moverem. Quando a gente fala em empreender trata-se de como vamos mover nossa teia. Trata-se de justiça também. Acreditamos muito na potência desses conjuntos. No poder desses trios de empreendedores e empreendedoras”, afirmou.

Dia Mundial da Saúde: Pouco a celebrar, muito a reivindicar

Hoje, 07 de abril, é celebrado o Dia Mundial da Saúde. A data foi criada no ano de 1948, durante a primeira Assembléia Mundial da Saúde, no qual também foi criada a Organização Mundial da Saúde (OMS). A primeira celebração ocorreu em 1950.

O objetivo da data é garantir o melhor nível de saúde para as pessoas em todo o mundo, através da divulgação de temas importantes para a sociedade e que possam contribuir com a melhoria da qualidade de vida.

Hoje, 71 anos depois da primeira celebração, não há muito o que comemorar. Com a pandemia do novo coronavírus em curso, há um ano, na última terça-feira (6), o Brasil bateu o recorde de morte diárias pela covid-19, foram, ao todo, 4.195 vidas perdidas em 24 horas. Até o momento, já perdemos 337 mil vidas.

No dia 17 de janeiro, a esperança parecia renascer quando Mônica Calazans, uma enfermeira negra, foi a primeira pessoa a ser vacinada no país, no mesmo dia que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autorizou o uso emergencial de duas vacinas contra a covid-19 no Brasil: a CoronaVac, produzida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan (SP), e a vacina da Universidade de Oxford/AstraZeneca, que será produzida no Brasil pela Fiocruz (RJ). Porém, dois meses depois, os dados de pessoas vacinadas não avançam com a velocidade que deveriam, os últimos dados revelam que apenas 2,78% da população brasileira foi imunizada com a segunda dose da vacina

Mônica Calazans, a primeira pessoa a ser vacina contra a Covid-19 no Brasil (Foto: Divulgação)

Quando o plano nacional de imunização foi apresentado, populações quilombolas e ribeirinhas foram incluídas no grupo prioritário de vacinação. Entretanto, a realidade é outra. Uma reportagem feita pela Agência Pública, confirma que 28% dos brasileiros vacinados até agora são negros, enquanto brancos representam mais de 52% dos imunizados. Esse número mostra a desigualdade racial em nosso país considerando que 56% da população brasileira se autodeclara negra, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas). O  estudo Raça e Saúde Pública, coordenado pela Vital Strategies, mostra que homens negros são maioria no índice de mortalidade por Covid-19 no país, sendo que este grupo representa o dobro do que é formado por mulheres brancas.

De acordo com a Pesquisa Perfil da Enfermagem no Brasil, feita pela Fiocruz em parceria com o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), entre os profissionais de enfermagem brasileiros, 42,3% são brancos, enquanto 53% são negros, portanto, é ainda maior o número de profissionais negros na linha de frente do combate ao coronavírus.

Ainda sobre os profissionais da saúde, em especial as enfermeiras negras,  uma pesquisa feita pela Fiocruz Minas e a Rede Covid-19 Humanidades, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Easp/FGV), sobre a situação dos profissionais da saúde no combate à Covid-19, mostra que as mulheres negras foram as que mais declararam sensação de despreparo (58,7%) e ocorrência de assédio moral no trabalho (38%). Elas também sentiram medo (54%), desconfiança (28%) e tristeza (53%) em maior proporção do que outros grupos. Por outro lado, homens brancos que afirmaram sentir despreparo para lidar com a crise estão em 33,5%, enquanto aqueles que sofreram assédio moral, 25%.

A Covid-19 jogou luz sobre as desigualdades raciais e sociais existentes em nosso país. Caso não sejam implementadas políticas e ações pró-equidade eficazes, o SUS não se consolida como mecanismo de justiça social e não haverá possibilidades de contribuir com a principal premissa do Dia Mundial da Saúde: a garantia de saúde para todas as pessoas do mundo.

Resgate da ancestralidade no passado, corre pela equidade racial no hoje em busca da colheita no futuro

Por Vitória Macedo e Weslley Galzo, do Perifaconnection

Em um cenário de crise aguda nas áreas social, sanitária e econômica, a educação continua sendo alvo de vilipêndio, como mostra a proposta enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional – que pede a retirada de 1,4 bilhão de reais do orçamento do Ministério da Educação em 2021 para o enfrentamento da pandemia do coronavírus. 

Ao mesmo tempo, jovens de baixa renda, em sua maioria negros, sofrem com a falta de equipamento adequado e apoio no desenvolvimento dos estudos em meio à pandemia de Covid-19. Tais problemas dificultam ainda mais a inserção da juventude negra e periférica no ambiente acadêmico.

É nesse contexto de descalabro que surge uma iniciativa corajosa e potente, o programa “Já É: Educação e Equidade Racial”. Seu intuito é oferecer bolsas em cursos preparatórios para o vestibular, disponibilizar notebooks, apoio psicopedagógico e benefícios de permanência – como auxílio transporte e alimentação – para que jovens afetados pela erosão das bases da educação não sejam desamparados na busca pelos seus sonhos.

A iniciativa do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Citi, Demarest Advogados e Amadi Technology, ocorre no ano seguinte ao de maior abstenção na história do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). As taxas variaram entre 55% e 72% de não comparecimento.

Dentre os vários propósitos, o programa foi pensado como estratégia de enfrentamento da realidade apresentada pelos números. Nesse contexto, o Já É surge para que 100 jovens negros selecionados, das periferias da capital paulista e da Região Metropolitana de São Paulo, não desistam dos seus sonhos – por conta da impossibilidade de se preparar adequadamente.

Após a seleção das e dos estudantes — que se mostraram potenciais lideranças, ativistas ou empreendedores a serem lançados em suas carreiras profissionais por algumas das instituições mais prestigiadas do país –, o Fundo Baobá convidou o Perifaconnection para contar as histórias dessa molecada.

Uma equipe formada por jovens jornalistas pretxs contando a trajetória de uma juventude que compartilha dos mesmos anseios em relação ao futuro.

O Perifaconnection, então, uniu as potências do jornalismo brasileiro presentes nas quebradas de três regiões do país (Sul, Sudeste e Nordeste), na missão de rememorar o passado da garotada do Já É e prestar escuta atenta aos seus desejos em relação ao futuro. 

Parceria Fundo Baobá e Perifa Connection para a divulgação do Programa Já É

Os 14 profissionais de comunicação envolvidos nessa empreitada, em sua maioria mulheres, experimentaram a potencialidade dos seus respectivos trabalhos e gozaram da possibilidade de explorar a subjetividade da sua negritude em grupo. 

O bonde está espalhado em Guaianazes, São Miguel Paulista, Cidade Tiradentes e Grajaú, em São Paulo, no Pantanal em Duque de Caxias, também no Engenho Novo, Santa Tereza e Jacarezinho no Rio de Janeiro até a Casa Amarela, em Recife. Além de um olhar atento à Região Metropolitana com uma representantes no Planalto, em São Bernardo do Campo, e em Franco da Rocha.

Entre as e os jovens selecionados, a maioria é mais nova do que o grupo de repórteres, e isso fez com que uma relação mútua de espelho fosse criada. Tanto entrevistades se inspiravam em quem estava ali para ouvir suas histórias, quanto entrevistadores relembravam a fase que viveram para entrar na universidade. 

Ainda que muitos tenham saído agora do ensino médio e estejam vivenciando o início da vida adulta, é perceptível que essa juventude tem um vasto conhecimento de mundo.

Esses jovens que participam do Programa Já É são crias das periferias e sabem o significado de entrarem no ensino superior. Seja pelo desejo de mudar a realidade em que foram criados, transformar e inspirar a vida de outros semelhantes, ou por fazer a diferença na família. 

O apoio familiar é algo que se destaca em grande parte das conversas que compuseram a obra. Quando reconhecemos a luta ancestral e todo o caminho percorrido pelos que vieram antes de nós, a valorização pelo que acontece hoje é praticamente instantânea, além da garra para conquistar um futuro melhor, e isso esses jovens têm de sobra. Muitos vieram de famílias cujos pais não tiveram acesso ao sistema de ensino, talvez por isso se desdobram tanto ao apoiarem os filhos na conquista de um sonho que é coletivo.  

Nesta seleção, temos jovens negros diversos, cada um com sua subjetividade. Diante de narrativas que sempre colocam o negro no lugar do “outro”, retirando qualquer resquício de sua humanidade, as e os 100 jovens selecionados, dentre eles mães, transexuais, cisgêneros, héteros, homossexuais, são conscientes de suas particularidades e capacidades que definem o seu lugar no mundo. 

Alguns têm o sonho de empreender, enquanto outros querem ser artistas, ou funcionários públicos. Entretanto, todos têm o mesmo objetivo: entrar em uma universidade.  

Para colocar no papel tantas histórias potentes e complexas em sua subjetividade foi necessário um corpo de repórteres que se envolveu emocionalmente com cada fala, até mesmo por já terem vivido na pele alguns dos relatos. 

Contar o passado e a visão de futuro desses jovens foi um trabalho de fé baseado em dedicação, por acreditarmos nas mudanças concretas que serão promovidas pelo projeto. 

Em 2 meses de trabalho, foram realizadas 25 reportagens, 100 perfis, mais de 15 reuniões de pauta e acompanhamento, cerca de 1.500 minutos de captação de áudio, mais de 150 páginas de texto e uma síntese grandiosa em 7 minutos de vídeo. Esse é o fruto do trabalho de uma juventude que acreditou no chamado para fazer parte de uma iniciativa emancipadora de mentes e construtora de realidades que gozam do bem viver. 

Por fim, com a bolsa na mão, os 100 jovens negros terão acesso a conteúdos preparatórios para o vestibular e vão assumir compromissos com a entidade e os seus próprios futuros. Desse modo, o Programa Já É vai monitorar alguns indicadores importantes durante esse percurso. 

Dentre eles, a frequência dos alunos nas atividades que integram e iniciativa, a evolução de nota nas provas simuladas aplicadas pelo cursinho pré-vestibular, os alunos que ingressam na universidade via Sisu ou Prouni, também aqueles que tiveram pontuação igual ou maior a 450 no Enem, bem como a evasão durante os 12 meses do projeto. 

Um programa como esse nos faz pensar: o que queremos para o futuro dos nossos jovens? Diante da criticidade da situação que o país enfrenta, em que a educação não é valorizada e o genocídio dos jovens negros é vigente, o Programa Já É vem com o objetivo de subverter realidades e garantir possibilidades de mudanças concretas. É a partir de ações coletivas, em comunidade, que faremos um mundo melhor. 

Nas histórias de cada um desses jovens, conscientes do mundo onde vivem e cheios de gás para ir atrás dos sonhos, vemos como as relações humanas são interdependentes e que sempre precisaremos dos nossos para seguir. 

Programa de Aceleração Marielle Franco inspira lideranças femininas ao engajamento proposto pelo Dia Internacional contra a Discriminação Racial

“Nós, mulheres negras, somos a vanguarda do movimento feminista nesse país. Nós, povo negro, somos a vanguarda das lutas sociais deste país,  porque somos os que sempre ficaram para trás, aquelas e aqueles para os quais nunca houve um projeto real e efetivo de integração social.”  A frase da filósofa, escritora, ativista do movimento negro brasileiro, diretora do Geledés – Instituto da Mulher Negra e uma das fundadoras do Fundo Baobá para Equidade Racial, Sueli Carneiro, retrata de forma fiel o que tem marcado, ao longo da história, a busca pelos direitos de igualdade na sociedade brasileira..

As mulheres têm tido papel preponderante nessa busca, pois além de se posicionarem e lutarem pelos direitos de todas, todos, todes , têm buscado e alcançado vitórias, mas ainda há muito a conquistar contra o racismo estrutural e a desigualdade social. 

O Dia Internacional contra a Discriminação Racial foi estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para ser uma espécie de lembrete pela conscientização contra o racismo em todo 21 de março. Ele tem origem a partir do massacre ocorrido em Shaperville (Joanesburgo), na África do Sul, também em  21 de março, mas em 1960. A população negra saiu às ruas protestando contra a Lei do Passe, que a obrigava a só circular apenas por locais pré-determinados. Mesmo sendo uma ação pacífica, a polícia sul-africana abriu fogo contra os manifestantes. Morreram 69 pessoas, mulheres e homens, e outras 186 ficaram feridas. Essa é a informação oficial. Os números podem ser bem maiores. 

O racismo anda de mãos dadas com a morte, pactua com a violência e é amigo íntimo da opressão. Sempre foi assim. Continua sendo assim no mundo moderno. A conscientização relacionada ao respeito ao outro, independentemente de sua cor, religião, raça, orientação sexual ou identidade de gênero ainda não contagiou toda a  humanidade. Mas sua influência está crescendo. As manifestações ocorridas ao redor do mundo após a morte do negro norte-americano George Floyd e da negra norte-americana Breonna Taylor, ambos assassinados por policiais, lançam uma luz de esperança na busca por uma sociedade em que a equidade racial seja exercida por todos, todas e todes. 

George Floyd e Breonna Taylor, ambos assassinados nos Estados Unidos

Lucia Xavier, assistente social, ativista dos direitos humanos no Brasil,  coordenadora-geral do Criola, organização social que trabalha na defesa dos direitos das mulheres negras, afirma que o racismo impede toda forma de desenvolvimento. “Enquanto houver racismo não haverá democracia. Para que a população negra alcance a equidade faz-se necessário enfrentar o racismo, a discriminação racial e as formas correlatas de intolerância, efetivando direitos e estabelecendo políticas de ações afirmativas para dirimir as desigualdades. Além de alcançar o acesso e a participação nos espaços de decisão e deliberação”, disse. 

Lucia Xavier, assistente social, ativista dos direitos humanos no Brasil,  coordenadora-geral do Criola

Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco

A fala de Lucia Xavier remete ao que foi escrito e dito pela administradora, doutora em Ciências Sociais e também fundadora do Fundo Baobá, Luiza Bairros: “Não se trata mais de ficarmos o tempo todo implorando, digamos assim, para que os setores levem em conta nossas questões, que abram espaços para que o negro possa participar. Essa fase efetivamente acabou. Daqui para a frente, vamos construir nossas próprias alternativas e, a partir dessas alternativas, criar para o povo negro como um todo no Brasil uma referência positiva”. Se estivesse viva, Luiza Bairros teria completado 63 anos de idade no dia 27 de março.

O Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco , lançado pelo Fundo Baobá em 2019 em parceria com a Ford Foundation, Open Society Foundations, Instituto Ibirapitanga e W.K. Kellogg Foundation, surge à luz da alteração. O principal objetivo do Programa de Aceleração é ampliar a participação e consolidar mulheres negras cis e trans em posições de poder e influência, através de investimento em suas formações políticas e técnicas. 

As ações desenvolvidas pelo Programa de Aceleração foram a sustentação para que a professora de Comunicação e Empreendedorismo, gerente de projetos e co-fundadora do projeto Ecociclo, a baiana Hellen Caroline dos Santos Sousa, colocasse suas ideias na rua e com muito sucesso. A Ecociclo foi criada a partir da ideia de desenvolvimento de um absorvente 100% biodegradável e brasileiro. “Em 2019 a Universidade de Michigan (EUA) nos convidou para apresentar lá o nosso plano de negócios”, disse Hellen. Além do desenvolvimento do Ecociclo, o apoio do Marielle Franco fez surgir uma nova Hellen Caroline. “O trabalho do Fundo Baobá tem sido justo, maravilhoso e honesto. É a primeira vez que o Brasil tem algo tratado com tanto cuidado, como tem que ser para nós, mulheres pretas. Algo que nos dá ferramentas e a oportunidade de escolha sobre o que fazer com essas ferramentas. Além do que, foi a primeira vez que eu pude pensar a minha vida com estratégia”, afirmou. 

Hellen Caroline dos Santos Sousa, professora de Comunicação e Empreendedorismo, gerente de projetos e co-fundadora do projeto Ecociclo

Lucia Xavier enaltece a importância do Programa Marielle Franco para o coletivo de mulheres negras brasileiras. “É uma das mais importantes iniciativas em prol das mulheres negras no Brasil. Além de ser a maior ação afirmativa para o desenvolvimento de habilidades, profissionalização, participação cívica e de empoderamento de jovens mulheres negras cis e trans. O programa traz como marca política o apoio aos projetos de vida e o fortalecimento das lideranças, transferindo também tecnologias sociais para o desenvolvimento de ações, o enfrentamento do racismo patriarcal  cis-heteronormativo”, afirmou. 

Os objetivos do Programa de Aceleração Marielle Franco possibilitaram à pedagoga e mestra em Educação pela Universidade Federal do Acre, Sulamita Rosa, da Rede de Formação para Mulheres Negras, Indígenas e Afro-indígenas do Acre,  implementar seu PDI (plano de desenvolvimento individual).  “Trabalho com formação para enfrentar o racismo e contribuir com a inserção de mulheres negras nos espaços de poder, com foco no ambiente acadêmico”, disse. Desde que iniciou seu trabalho, a proximidade e a influência sobre outras mulheres têm sido suas maiores conquistas. “O reconhecimento das outras mulheres e os feedbacks com relação a continuar nesse meu sonho têm me incentivado muito”, revela.

Sulamita Rosa, pedagoga e mestra em Educação pela Universidade Federal do Acre e integrante da Rede de Formação para Mulheres Negras, Indígenas e Afro-indígenas do Acre

 

Combate às questões de vulnerabilidade

No contexto do Dia Internacional Contra a Discriminação Racial, a luta das mulheres tem foco também no combate ao sexismo e outras questões que as colocam em situação de vulnerabilidade. Lucia Xavier cita a Carta das Mulheres Negras Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver como o guia nessa luta. “Na carta, o movimento de mulheres negras declara as diferentes reivindicações no campo dos direitos, mas entra também nas possibilidades de inverter o padrão dessa civilidade que convive pacificamente com o racismo e as desigualdades raciais”, argumenta.  Já em termos de avanços, Xavier fala dos diferentes focos nos quais as futuras conquistas estão centradas: “As estratégias políticas adotadas para enfrentar o racismo patriarcal cis-heteronormativo são aquelas relacionadas à incidência política por direitos; o fortalecimento das mulheres negras cis e trans e suas organizações; a mobilização política; a articulação com diferentes setores da sociedade brasileira e internacional para ampliação da luta contra o racismo; a disseminação do pensamento das mulheres negras cis e trans; e a mudança do padrão  desumano, excludente, violento e hierarquizante das civilidades”, afirma.  

Ativismo antirracista

Para o escritor Oswaldo Faustino, autor de A Legião Negra – A Luta dos Afro-brasileiros na Revolução Constitucionalista de 1932 e  Nei Lopes – Retratos do Brasil Negro, Shaperville marcou o início de uma grande jornada de conquistas em todas as vertentes em que ocorria a discriminação por cor, raça e sexo. “O Massacre de Shapeville é um marco não só na história da luta contra o Apartheid sul-africano, mas na própria luta antirracista e contra as discriminações de todos os gêneros no mundo todo,  em especial nos países onde a diáspora africana aconteceu em números mais expressivos. Ele mudou a postura do Congresso Nacional Africano (CNA), que pregava a não violência frente aos ataques policiais, gerou manifestações internacionais de consciência racial  e angariou solidariedade pela causa negra em povos dos cinco continentes”, afirmou Faustino.

Escritor Oswaldo Faustino

Programa Já É leva a 100 jovens negros pobres da periferia o direito de ser protagonistas de suas próprias histórias através do acesso à universidade

O direito de poder sonhar com uma vida digna. Nem toda a população brasileira tem isso. A falta dele se manifesta das mais diferentes formas. Aqui, vamos tratar do direito de ter acesso ao ensino superior. No Brasil, país de mais de 220 milhões de pessoas, nem todos têm acesso ao estudo. Os exagerados índices de pobreza, a falta de infraestrutura que gere trabalho decente e rendas compatíveis determinam que muita gente, principalmente a gente negra,  não terá acesso aos bancos escolares na tenra idade, na adolescência e na idade adulta. Essas pessoas,  de  diferentes identidades de gênero, poderão não ter gabaritação estudantil.  

O Fundo Baobá para Equidade Racial está, nesses seus quase 10 anos de existência, apontando formas de contribuir para que o Brasil alcance níveis de sociedade justa. Uma das bases de trabalho do Baobá é a Educação. Permitir o amplo acesso a ela é a meta, buscando os seguintes aspectos:    

  • Enfrentamento ao racismo institucional no ambiente escolar, tanto na educação infantil, no ensino fundamental e no ensino médio;  
  • Projetos de vida e ampliação de capacidades socioemocionais entre adolescentes e jovens 
  • Entrada e permanência no ensino superior (investimentos em alunos e alunas do ensino médio e de cursos preparatórios)
  • Formação de lideranças políticas
  • Formação de novos quadros 

Com base nisso e com apoio da Citi Foundation,  Demarest Advogados e Amadi Technology, o Fundo Baobá para Equidade Racial criou o programa Já É, que vai proporcionar a 100 jovens negros e negras da periferia de São Paulo e da Grande São Paulo fazer um curso preparatório para o vestibular durante um ano. Esses jovens, de idade entre 17 e 25 anos, que já tenham terminado o ensino médio ou  estejam cursando o último ano  em escola  pública,  terão um computador com acesso à Internet para que possam ter aulas não presenciais durante o período da pandemia; auxílio transporte e auxílio alimentação em caso de as aulas voltarem a ser presenciais. O custo das despesas com as aulas também será bancado pelo Baobá. 

Esse acesso vai proporcionar a esses 100 jovens negros e negras a possibilidade de poderem ser os artífices de suas próprias vidas ao se formar. Embora pesquisas como a realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2020 indiquem que o número de negros em cursos superiores tenha aumentado, isso em muito se deve à adoção das ações afirmativas, como a política de cotas, que reserva aos negros uma porcentagem de vagas em cursos superiores em faculdades e universidades. Mas o caminho de chegada às faculdades tem trajeto difícil e um gargalo entre a saída do Ensino Médio para o Superior. Sem a preparação adequada, cruzar essa barreira é algo bem difícil, principalmente para quem tem histórico de carências de vida nas mais diversas ordens. O programa Já É tem foco sobre jovens de sexo masculino, jovens transsexuais, jovens mães, jovens que residem em bairros, territórios ou comunidades periféricas.

O fato de terem essa importante oportunidade de acesso ao curso superior é comemorado por importantes educadores que foram convidados pelo Fundo Baobá para Equidade Racial para fazer a seleção dos estudantes. O processo incluiu três etapas seletivas: 1) Análise de Formulário de Inscrição; 2) Entrevista Individual e 3) Análise pelo Comitê de Seleção.

Um dos avaliadores convidados foi o geógrafo e Mestre em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP) Billy Malachias.  “A perspectiva mais direta para esses jovens é a de poder sonhar com o acesso  à universidade. Isso que é feito pelo Baobá, que é o investimento naquilo que antecede a chegada à faculdade, o acesso, é de suma importância.Já a política de cotas  é da própria instituição pública e garantida por lei. Essas duas ações (cotas e investimento) são convergentes entre si e colaboram para uma mudança do acesso de jovens negras e negros para o ensino superior”, disse. 

Billy Malachias, geógrafo e mestre em Geografia Humana – Foto: Rosana Barbosa

A pedagoga e doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense Mônica Sacramento comemora a iniciativa do Baobá. Mônica é coordenadora de projetos do Criola,  organização da sociedade civil que promove a defesa e direitos das mulheres negras. “Acho de extrema importância iniciativas que possibilitem suporte para a construção de trajetórias de jovens para mitigação dos efeitos das instituições e mecanismos de socialização e a forma como os indivíduos e grupos racializados se posicionam e são posicionados em relação a eles”, afirmou.

Mônica Sacramento, pedagoga, doutora em Educação e coordenadora de projetos do Criola

Bacharel pela USP em Matemática Aplicada a Negócios e pedagoga com especialização em Matemática, Francielle Santos é coordenadora pedagógica do Instituto Canoa, organização criada com a missão de viabilizar a formação de professores de excelência no Brasil. Como uma das avaliadoras, ela elogiou a iniciativa do Fundo Baobá. “Essa iniciativa é fundamental pela oportunidade que oferece aos jovens de aumentar as chances de acesso ao ensino superior e, portanto, de assumir posições de lideranças posteriormente. Além disso, a forma como essa proposta foi desenhada pode trazer mais informação sobre o quanto é importante contemplar de uma forma mais integral as necessidades desses jovens, por exemplo,  no que diz respeito ao acompanhamento e permanência ao longo dessa preparação”, disse. 

Francielle Santos, bacharel em Matemática Aplicada a Negócios, pedagoga com especialização em Matemática e coordenadora pedagógica do Instituto Canoa

Selma Moreira, diretora executiva do Fundo Baobá, em recente live realizada pelo Women in Science and Engineering (Wise), falou sobre a importância do Já É para esses 100 jovens negros e negras. “Todos esses cuidados que tomamos no edital ajudam a entender os desafios da educação para a equidade racial, que são proporcionais à sua importância. Sem acesso à educação, um povo é condenado a repetir os mesmos padrões. Mas quando pensamos em educação para a promoção da equidade racial, precisamos levar em conta inúmeros níveis de desigualdade: Diferença de acesso; Diferença de qualidade; Diferença no conteúdo educacional; Diferença no tratamento.” 

O programa Já É, com certeza, é uma grande contribuição para que esses jovens se tornem protagonistas de seus futuros. Além do que, também é transformador na vida dos avaliadores do processo de seleção. “Eu me sinto bastante feliz em ter participado. Sempre me vejo como um agente que precisa apoiar iniciativas como essa do Fundo Baobá. Eu me vejo como alguém que colabora para transformações de vida por meio da qualidade de minha formação docente. Que é algo que contribui para que pessoas se inspirem a trilhar um caminho universitário,  acadêmico, ativista. Não é possível ser um educador sem que  a gente pense em possibilidades melhores de vida, indiscriminadamente, para todos os espaços”, afirmou o geógrafo Billy Malachias. “O convite para compor o comitê de seleção do edital, além de uma satisfação pessoal por integrar um grupo qualificado e de trajetórias profissionais tão expressivas, transforma, em alguma medida, minha trajetória individual e profissional”, afirma  Monica Sacramento, cujo pensamento é seguido por Francielle Santos: “Toda e qualquer oportunidade de conhecer os anseios, desafios, necessidades e potencialidades de jovens negros é uma experiência transformadora para mim. Essa experiência me fez renovar e ampliar as minhas razões para esperançar”, afirmou. 

Além de Billy Malachias, Mônica Sacramento e Francielle Santos, também fizeram parte do comitê selecionador do Já É, a pedagoga com habilitação em Orientação Educacional pela Universidade Federal do Maranhão, Socorro Guterres, membro da Assembleia Geral do Fundo Baobá para Equidade Racial e Milton Alves dos Santos, pedagogo formado pela USP, com atuação nas temáticas da juventude e da infância.

Milton Alves dos Santos (pedagogo e membro da Assembleia Geral do Fundo Baobá para Equidade Racial) e Socorro Guterres (pedagoga)

Demarest Advogados é apoiador do programa Já É e vai acompanhar desempenho de jovens estudantes negros que poderão ser contratados no futuro

Um dos grandes escritórios de advocacia do Brasil, o Demarest, sediado em São Paulo, é apoiador do Fundo Baobá para Equidade Racial na realização do programa Já É, que vai incentivar 100 jovens negros entre 17 e 25 anos no acesso à faculdade. Esses jovens de regiões periféricas da cidade de São Paulo e da Grande São Paulo vão receber bolsa de estudos para frequentar aulas virtuais (enquanto durar o processo de pandemia) em um cursinho. A duração da bolsa é de um ano, válida no período de março de 2021 a março de 2022.

O Demarest Advogados possui um forte programa de inclusão e combate ao racismo em seu DNA. A aproximação com o Fundo Baobá reforça ainda mais isso. Em 2016, a empresa implantou um exercício de discussão entre seus funcionários sobre equidade racial. Esse exercício culminou na criação, em 2018, do D Raízes, programa para aguçar a percepção e criar ações para promover a luta antirracista. “Tinhamos que garantir que esse posicionamento fosse refletido na nossa forma de fazer negócios”, destaca Paulo Coelho da Rocha, sócio do Demarest nas áreas de Fusões e Aquisições, Capital Privado e Capital de Risco. 

Paulo Coelho da Rocha, sócio do Demarest nas áreas de Fusões e Aquisições, Capital Privado e Capital de Risco

Formado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e com especialização em Direito Corporativo pela New York University (NYU), Paulo conta como se deu a aproximação com o Fundo Baobá e o apoio ao programa Já É: “Por meio dos congressos e  atuação do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), conhecemos o Fundo Baobá. A partir daí, acompanhamos o desenrolar dos projetos desenvolvidos pelo Fundo e assim que tivemos a oportunidade de realizar um investimento em um projeto social de impacto entramos em contato para estabelecer a parceria”, afirmou.

Um levantamento informal entre os escritórios associados ao Centro de Estudos das Sociedades dos Advogados (CESA), realizado em 2017, identificou que menos de  1% dos advogados se autodeclararam negros. É urgente atuar na agenda de inclusão dos profissionais negros em nosso segmento”, declara Paulo. No caso do Demarest, uma das bancas de direito mais conceituadas do país, com cerca de 650 funcionários, 17%  (110) se declararam negros em um levantamento interno. Entre os que se declararam negros, 58% (64) são mulheres e 42% (46), homens.  Nesse contexto, apoiar um projeto educativo e transformador na vida desses 100 jovens negros tem um significado plural para o escritório. 

Os 100 jovens negros integrantes do programa Já É serão acompanhados pelo Demarest quando alcançarem a faculdade. Alguns poderão até fazer parte do corpo de advogados no futuro. “Queremos estar próximos e monitorar sim. Mostrar a carreira jurídica para ajudá-los nessa fase de definição profissional, apresentar o escritório e colaboradores que poderão inspirá-los em suas trajetórias”, afirmou Coelho da Rocha, para quem há um grande propósito no apoio a um programa como o Já É: “Alinhar o nosso propósito às boas práticas de investimento social privado e reforçar o nosso compromisso com a causa. Acreditamos que somos protagonistas das transformações sociais que estão em curso e apoiar esses jovens é, sem dúvida, uma forma de materializar essa crença”, concluiu Paulo.

Jornalista narra as histórias de apoiados do edital Primeira Infância no Contexto da Covid-19

Diante da maior crise de saúde pública mundial, a pandemia do novo coronavírus, o Fundo Baobá para Equidade Racial lançou, no dia 6 de julho de 2020, o edital Primeira Infância no Contexto da Covid-19. Em parceria com Imaginable Futures, Porticus América Latina e Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, ele tinha o objetivo de selecionar iniciativas de apoio a famílias que, em seu núcleo, tivessem: crianças de 0 a 6 anos, mulheres e adolescentes grávidas, mulheres que deram à luz, homens responsáveis e corresponsáveis pelo cuidado de crianças de 0 a 6 anos.

O edital recebeu 200 inscrições e divulgou, no dia 25 de setembro, a lista com as 54 iniciativas selecionadas, idealizadas por profissionais da área da saúde, educação e serviço social.

Para mostrar o impacto positivo que o programa trouxe para as famílias apoiadas, o Fundo Baobá iniciou no ano de 2021 o projeto “Edital Para Primeira Infância no Contexto da Covid-19: As Histórias”. Postado diariamente no site do Fundo Baobá e replicado nas redes sociais da organização, o projeto engloba  18 matérias produzidas com as 54 pessoas apoiadas, narrando as transformações realizadas pelo o apoio do edital.

Quem esteve à frente do projeto e produziu as 18 matérias foi a jornalista Eliane de Santos. Com passagens pelos principais jornais do Rio de Janeiro, como O Dia, O Povo e Jornal do Brasil e, posteriormente, migrando para o telejornalismo, trabalhando na TV Brasil, Canal Futura e TV Escola, Eliane tem experiência quando o assunto é trazer vida e sensibilidade para o texto.  

Eliane, que conhecia o trabalho do Fundo Baobá, acompanhando notícias e posts ligados ao movimento negro, teve a oportunidade de se aprofundar na trajetória da organização e, principalmente, ver as transformações que os editais realizam na vida da população em condições de vulnerabilidade. Cada matéria contou com o depoimento de três membros de três iniciativas apoiadas, sendo eles de diferentes regiões do país. O critério de seleção utilizado por Eliane de Santos, para montar os textos foi bem objetivo: “Busquei afinidades entre eles, como por exemplo a mesma profissão, a mesma localização, as mesmas ações selecionadas e as mesmas causas”.

Eliane de Santos, jornalista

Entre as muitas histórias ouvidas e registradas, Eliane cita três casos, em especial, que lhe sensibilizaram: “A assistente social Amanda Cristina, de Ananindeua, no Pará, venceu barreiras como o preconceito e a pobreza para informar e apoiar meninas, várias delas gestantes, vítimas de violência”. Voluntária do Centro Social Estrela Dalva, umas das muitas associações que buscam apoiar os moradores de ocupações de Curuçambá e populações ribeirinhas próximas, Amanda Cristina ficou sabendo do edital pelo Instagram do Fundo Baobá: “Decidi participar, porque queria levar informação de forma lúdica e com uma linguagem acessível para essas meninas”. Ao lado da também assistente social Regeane Holanda do Carmo, as duas ofereceram também muito carinho e atenção, por meio de rodas de conversa e visitas individualizadas nas casas das adolescentes. Através desse trabalho chegaram até 20 garotas e 10 adultos: “Não foi fácil falar sobre sexualidade, uso de contraceptivos e relacionamento amoroso, por exemplo. Primeiro porque havia a necessidade de um responsável por perto, o que as deixava constrangidas, e porque muitas vezes esses temas não eram bem-vindos pelos pais. Mas nós conseguimos levar informações do ECA (Estatuto da Criança do Adolescente) por meio de cartilhas – informações que elas terão para sempre”.

Projeto de Amanda Cristina, Ananindeua (PA)

Eliane cita a trajetória de mais duas entrevistadas: “Heloisa Ferreira da Silva, de Salvador, que espalhou cartazes pelos postes de Engenho Velho de Brotas, para convocar interessados e divulgar as atividades para aqueles que não tinham celular com internet, ou ainda a força de vontade de Jaqueline Barbosa dos Santos Heldt, de São Paulo, que sem trabalhar na pandemia se reinventou para acolher outras mães que como ela estavam desempregadas, respeitando o isolamento social e à beira de um ataque de nervos”.

A pedagoga baiana Heloisa Ferreira da Silva, perdeu o emprego no momento em que a pandemia do novo coronavírus se disseminou pelo país: “Eu havia sido aprovada em uma seleção pública e em uma instituição privada, para trabalhar como professora e coordenadora escolar. Mas veio a pandemia e não fui convocada por nenhuma das duas”. Quando soube do edital Primeira Infância, rapidamente se inscreveu para contribuir de alguma forma com o bem-estar de moradores do bairro do Engenho Velho de Brotas, porém, no meio do caminho ela encontrou inúmeras dificuldades: “Fui ao Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), expliquei as minhas intenções de prestar orientações pedagógicas para crianças de 0 a 6 anos e apoiar as mães que, como eu, estavam sem trabalhar, preocupadas com a educação dos filhos em casa. Fui orientada a não fazer o projeto”.  

A única saída para Heloisa seria percorrer a comunidade apresentando as propostas, colando cartazes e cadastrando os interessados: “Mudei a estratégia de divulgação. Busquei parceiros no bairro e adjacências, como o Mídia informativa Nosso Engenho, o bloco afro Os Negões, a Associação Santa Luzia, o Terreiro Ilê Axé Aji Ati Oya e o portal A gente educa”. Dessa forma, Heloísa teve o contato de 50 famílias, atendendo um total de 150 crianças, e como a grande maioria não tinha acesso às redes sociais a divulgação da chegada dos kits pedagógicos com caixa de lápis de cor, borracha, massinha de modelar e jogos de coordenação motora, entre outros itens que variavam de acordo com a faixa etária, foi feita no popular boca a boca: “Eu sempre senti a necessidade de apresentar para a sociedade uma educação que respeita as diversidades e atende com equidade. O Fundo Baobá abriu caminhos para eu iniciar a prática deste apoio comunitário e não vou parar!”.

Projeto de Heloisa Ferreira da Silva, Engenho Velho de Brotas (BA)

Também desempregada, a professora de dança, Jaqueline Barbosa dos Santos Heldt, São Paulo (SP), encontrou no edital a motivação que precisava, além de um caminho para estimular outros brasileiros a manterem seus corpos e mentes saudáveis: “Notei que as crianças, os responsáveis, as mulheres grávidas e puérperas sofriam muito com o distanciamento social. Percebi também que o poder público não desenvolveu ações para auxiliá-los nesse período. A instabilidade estava aumentando a ansiedade entre os pequenos e expondo os adultos à depressão, síndrome do pânico e outras doenças emocionais/psicológicas”. O seu projeto consiste em oficinas virtuais de ballet infantil (02 a 06 anos), alongamento para gestantes e puérperas, ballet e jazz para adultos. Ao todo, 30 pessoas se beneficiaram com a iniciativa e indicaram para pessoas em outras cidades, que desejam saber se Jaqueline formará mais turmas remotas. Mesmo depois da pandemia: “Algumas mães comentaram que as filhas ficaram menos ansiosas com as aulas de ballet infantil, e que perceberam melhora também na coordenação motora e na postura das meninas. Já algumas gestantes enviaram mensagens, reportando que as aulas de alongamento as ajudaram a dormir melhor”.

Projeto de Jaqueline Barbosa dos Santos Heldt, São Paulo (SP)

Para Eliane de Santos, contar a história de Jaqueline, Heloísa, Amanda e de outros 51 apoiados pelo Primeira Infância, foi revigorante: “Todos os participantes do edital me ensinaram alguma lição e merecem o meu respeito”. A jornalista também fez questão de ressaltar importância de uma iniciativa como esse edital: “Classifico o edital Primeira Infância do Fundo Baobá como uma ferramenta de transformação social, como mais uma prova de que, pessoas comprometidas com a sua missão profissional, têm muita força para impactar vidas positivamente”.

Os primeiros relatos já foram publicados no site oficial do Fundo Baobá, e você pode acompanhar por aqui, enquanto os outros textos serão postados diariamente.

De marca de roupas à busca por justiça social, conheça o Jovens Periféricos

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a pandemia do novo coronavírus e a partir do dia 14 de março, as principais capitais do país aplicaram medidas de isolamento social para conter o avanço da doença e evitar o colapso no sistema único de saúde. À partir daquele momento, o mundo assistia uma das maiores crises de saúde pública já existentes, e claro que tudo isso iria reverberar nas pessoas em condições de vulnerabilidade. 

Nesse contexto, o Fundo Baobá para Equidade Racial lançou no ano de 2020, cinco editais voltados para apoiar os segmentos mais afetados pela pandemia no Brasil. O primeiro foi o “Edital Apoio Emergencial para Ações de Prevenção ao Coronavírus”, lançado no dia 5 de abril, e que contou com a parceria da Fundação Ford.  Em apenas 12 dias, o edital recebeu 1.037 inscritos de todas as regiões do país. Nesse total, 387 eram iniciativas de organizações sociais e 650, de indivíduos. Após uma análise minuciosa da organização, o Fundo Baobá divulgou em três listas um total de 350 projetos selecionados, sendo 215 de indivíduos e 135 de organizações. Cada iniciativa recebeu até R$ 2,5 mil para ações de prevenção em comunidades periféricas de difícil acesso e populações vulneráveis. O total investido no edital foi de R$ 870 mil.

À partir dessa edição do boletim, nós iremos retratar alguns dos projetos apoiados pelo edital Doações Emergenciais, mostrando como esse programa impactou a vida das pessoas nas comunidades beneficiadas e como a filantropia é um dos caminhos para promoção da equidade racial em nosso país. 

Um deles é o projeto Jovens Periféricos, que surgiu em 2016 em Salvador (BA), a partir da cabeça do seu idealizador, o jovem Jadison Palma, 26 anos. A princípio, ele criou uma marca de roupas com a sigla JP, as iniciais do seu nome e sobrenome. O primeiro evento da JP foi uma exposição de camisas criadas por ele. O desfile de moda realizado em seu bairro atraiu a presença de mais de duas mil pessoas e com isso, foram surgindo outros convites para participar de eventos artísticos-culturais, o que levou Jadison a mudar a vertente da marca e o direcionamento do projeto JP para Jovens Periféricos.

Jadison Palma, coordenador do projeto Jovens Periféricos

O projeto Jovens Periféricos nasceu no Fazenda Coutos III. Ao mesmo tempo que se trata do bairro mais negro de Salvador, com a população negra local representando 90,57% do contingente 24 mil habitantes, segundo dados Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE), por outro lado, o mesmo IBGE, junto com a Secretaria de Segurança Pública (SSP), lista o Fazenda Coutos um dos mais perigosos de Salvador. No mapa da violência, apresentado pelo estudo, que traz a referência da ONU da taxa de homicídios para cada 100 mil habitantes por ano, o Fazenda Coutos ocupa o segundo nível mais negativo. Assim compreende-se a dimensão, potência e relevância do trabalho do Jovens Periféricos, que hoje também atua nas regiões de Plataforma e no Pelourinho, sempre aumentando o número de participantes: “Hoje o projeto atende cerca de 380 alunos cadastrados, mas na fila de espera tem quase 200”, explica o diretor e fundador Jaison Palma. “Como a gente ainda não tem um espaço físico amplo para poder incluir toda essa galera, então a gente trabalha com turmas divididas em dias alternados”.

O trabalho realizado pelo projeto Jovens Periféricos consiste em oficinas e aulas de diversas linguagens artísticas: “O projeto hoje envolve teatro, moda, música, dança, fotografia, aulas de inglês e qualificações profissionais”, além de contribuir com os primeiros passos para a carreira acadêmica e profissional, através de parcerias com instituições de ensino superior: “Temos parcerias com faculdades, onde a gente viabiliza os jovens que já estão terminando o ensino médio, ou que já terminou, para entrar na vida acadêmica. Temos também parcerias com algumas faculdades e instituições que às vezes nos cedem algumas vagas de emprego, onde a gente pode encaminhar esses jovens”. 

Turma de alunos do Jovens Periféricos em um ensaio fotográfico

E foi justamente com essas ações transformadoras que os caminhos dos Jovens Periféricos e do Fundo Baobá para Equidade Racial se encontraram no edital Doações Emergenciais: “O Fundo Baobá nos proporcionou muitas coisas boas, principalmente para a nossa comunidade. Hoje os Jovens Periféricos é conhecido de uma forma grandiosa, por causa de ações que a gente faz, então o fundo emergencial, que a gente ganhou do edital, deu pra poder ajudar muitas famílias”. Ao inscrever a iniciativa no edital, Jadison afirmou que projeto ajudaria 40 famílias em condições de vulnerabilidade: “Os nossos critérios de avaliação para contemplar cada família incluiam uma análise de situação das pessoas: se elas estavam sem trabalhar, se havia uma necessidade maior de ter alimento dentro de casa e de ter higiene básica. Então fizemos esse mapeamento e chegamos a essas 40 famílias, buscando esses pré-requisitos”. Contemplados, o grupo partiu para ação: “A gente fez diversas doações de alimentos, de cestas básicas e produtos de higiene, e assim conseguimos alcançar esse pessoal em situação de vulnerabilidade social, em tempos de pandemia, que ainda estamos vivendo”. A vontade era de ajudar ainda mais, mas Jadison acredita que fez o que foi possível diante da situação: “A gente sabe que existem muitas comunidades ainda que precisam ser alcançadas, mas agradecemos também pela oportunidade de ter atingido diretamente quem precisava e de ter gerado um impacto positivo nessas famílias que a gente alcançou através do Fundo Baobá”.

Ação do Jovens Periféricos com o apoio do edital Doações Emergenciais

Jadison Palma frisou a importância de um edital como o Doações Emergenciais na promoção da justiça social: “Todo o processo de doação causou uma determinada emoção. Hoje a gente vive em um país que tem uma desigualdade muito grande, um índice de desemprego muito grande, além da questão do racismo também. Com a chegada da pandemia, mudou toda a logística da nossa sociedade, então tem pessoas que realmente estão passando fome, estão com dificuldades financeiras, então toda contribuição que a gente puder receber e, com isso, poder alcançar essas pessoas, já traz uma emoção de ambas as partes, tanto pra gente que tem o prazer em ajudar, e tanto daquelas pessoas também, que tem o prazer em receber e ver que elas não estão esquecidas, que tem pessoas ali que estão esperando somente a oportunidade  de ajudar. A gente agradece muito o Fundo Baobá pela oportunidade de conhecer vocês, de trabalhar e receber essa gratificação para que a gente pudesse levar o bem para o nosso povo”.

Ação do Jovens Periféricos com o apoio do edital Doações Emergenciais

De uma marca de roupas até o compromisso de ações sociais para famílias em condições de vulnerabilidade, diante de uma pandemia global, essa é trajetória do projeto Jovens Periféricos, que há cinco anos trabalha no que acredita: “A ideia do Jovens Periféricos é ser um projeto de inclusão, gerando oportunidades para essa juventude preta e periférica”, reforça o seu diretor Jadison Palma.  

Kits de cestas básicas que foram entregues pelo Jovens Periféricos para as famílias do Fazenda Couto III (BA)

Para conhecer melhor o trabalho realizado pelos Jovens Periféricos acesse o site oficial e o Instagram.

Trajetória do Fundo Baobá é destaque no programa Trace Trends

No dia 19 de janeiro, o Fundo Baobá para Equidade Racial teve a sua trajetória apresentada no programa Trace Trends, na Rede TV.

Apresentado por Alberto Pereira Jr. em parceria com a Xan Ravelli, o programa exalta a cultura negra brasileira, através da música, entre outras linguagens, além de entrevistar personagens que contribuem com essa proliferação negra no país. Sendo assim, a diretora-executiva do Fundo Baobá, Selma Moreira, foi entrevistada no quadro Afronegócios, voltado para o empreendedorismo negro.

Logo no VT inicial, temos uma imagem, retirada do nosso vídeo institucional, contando com a fala inspiradora da nossa fundadora, e membro do conselho deliberativo, Sueli Carneiro:  “O Baobá vem para apoiar o ativismo, a militância e as organizações que estão comprometidas com a promoção da equidade racial”.

Em sua fala, Selma Moreira fez questão de apresentar a organização: “O Fundo Baobá é uma iniciativa baseada na necessidade da nossa sociedade brasileira de promover ações específicas para a população negra, em função da desigualdade e do racismo existente”.

Ao ser questionada sobre o que é equidade racial e qual o papel do Fundo Baobá diante disso, Selma enfatizou: “Equidade racial é fundamental para gente pensar no nosso processo de desenvolvimento em toda sociedade. Não se pode pensar em um país que se desenvolva, que tenha possibilidade de progresso, à partir da não-inclusão. Portanto, quando a gente fala da equidade, a gente fala de promover condições de desenvolvimento e acesso a todas possibilidades de uma maneira justa”. Na ocasião, a diretora-executiva falou dos quatro eixos programáticos que são os pilares da organização: Viver com dignidade, desenvolvimento econômico, educação e comunicação e memória. “Quando a gente fala desses eixos, falamos das temáticas que estão conectadas com a nossa missão institucional e com a necessidade apresentada pelo campo social no Brasil. Então quando a gente olha para o processo de desenvolvimento à partir de investimentos locais em lideranças e organizações sociais negras, para que eles possam desenvolver ações e trabalhos dentro dos quatro eixos programáticos prioritários, a gente está executando a nossa missão e dialogando com o que a gente acredita e que possa contribuir para a transformação sistêmica do nosso país”.

Selma também foi perguntada sobre o trabalho do Fundo Baobá, em 2020, diante da pandemia do novo coronavírus: “Nós desenvolvemos editais emergenciais de apoio a comunidades em situação de vulnerabilidade”, relembrando dos editais Doações Emergenciais e o edital Primeira Infância no Contexto da Covid-19.   

A matéria encerra com um mais um VT do nosso vídeo com a fala do ex-presidente do conselho deliberativo, Hélio Santos “Portanto eu vejo a longo prazo o Baobá como um instrumento importante, tendo o compromisso com a consolidação da democracia no Brasil”.

A entrevista completa, você confere aqui

A participação da Selma Moreira no no programa Trace Trends, foi destaque no Portal Segs.

 

Apoiados do Fundo Baobá são destaques na mídia

Karen Franquini e Luciane Reis, ambas apoiadas pelo Fundo Baobá no edital Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, foram destaques na imprensa em janeiro.

A engenheira da produção carioca, Karen Franquini, foi entrevistada pelo portal de empreendedorismo Projeto Draft, falando da sua trajetória como bolsista universitária na PUC-Rio e as dificuldades de ingressar no exigente mercado de trabalho: “Sou uma mulher negra e de origem periférica, então essa oportunidade (no ensino superior) foi muito importante. Mas eu não tinha inglês fluente, intercâmbio, nenhuma experiência relevante na área e nenhuma especialização”. À partir do momento que ela começou a analisar a sua trajetória e a de outros jovens com o mesmo perfil, Karen entendeu que não bastava apenas se capacitar, que era preciso que as empresas adotassem processos de seleção mais inclusivos. E foi justamente a partir dessa ideia que ela fundou a Ganbatte, um negócio social que conecta micro e pequenas empresas a jovens diversos. Sendo apoiada do Programa Marielle Franco, Karen destacou a importância do apoio na consolidação da Ganbatte: “Com esse apoio, comecei a me desenvolver, fiz várias formações de mentoring e coach, e abri, em setembro deste ano, meu segundo negócio, minha marca pessoal, focada em mentoria de carreiras”.

Karen Franquini, engenheira de produção e fundadora da Ganbatte

Para ler a matéria completa e saber mais sobre a trajetória da Karen e o trabalho realizado pela Ganbatte, veja aqui.

A publicitária formada pela Universidade Católica do Salvador, especialista em Produção de Mídias para Educação Online – SEAD/UFBA, mestranda em Desenvolvimento e Gestão Social – CIAGS/UFBA e presidente do Merc’afro (uma plataforma voltada ao empreendedor negro na diáspora), Luciane Reis, foi destaque no Portal Soteropreta, com o “Projeto Owodúdù Empreendedorismo Negro”, que tem o intuito de contribuir para o fortalecimento, crescimento e visibilidade dos empreendedores negros e negras da região metropolitana de Salvador durante e pós pandemia provocada pelo Covid-19. Na ocasião, o projeto promoveu um curso gratuito e completamente virtual, com carga horária de 32 horas, contando com especialistas da temática afroempreendedora do Brasil, que articulam a Escola Nacional – PROMOAFRO. Além do curso, os inscritos contarão com acompanhamento técnico de desenvolvimento, durante três meses, com a finalidade de acelerar os seus negócios.

Luciane Reis, publicitária e idealizadora do Projeto Owodúdù Empreendedorismo Negro

Além de Luciane Reis, faz parte da organização o especialista em marketing digital, Marlon Rodrigo Malachias.

Para saber mais sobre a iniciativa, basta ler a matéria completa aqui.


Fundo Baobá na imprensa em janeiro:

19/01/2021 – Divulgação do Trace Trends, que teve a participação da Selma Moreira:
https://www.segs.com.br/eventos/271793-grupo-menos-e-mais-e-o-convidado-desta-terca-feira-19-01-do-trace-trends 

19/01/2021 – Fundo Baobá no Trace Trends:
https://www.facebook.com/fundobaoba/videos/2808488252744665

 

Matérias sobre apoiados do Fundo Baobá

11/01/2021 – Karen Franquini – Apoiada do Programa Marielle Franco: https://www.projetodraft.com/diversidade-nao-e-so-discurso-a-ganbatte-quer-ajudar-a-sua-empresa-a-contratar-jovens-perifericos/ 

27/01/2021 – Projeto Owodúdù Empreendedorismo Negro realiza curso virtual!:
http://portalsoteropreta.com.br/projeto-owodudu-empreendedorismo-negro-realiza-curso-virtual/

No Dia Mundial da Justiça, organizações lembram da importância da filantropia

Erradicar a pobreza. Promover a dignidade no trabalho. Promover a igualdade de gêneros, o bem-estar social e a justiça. Essas premissas da Organização das Nações Unidas (ONU) deram origem ao Dia Mundial da Justiça Social, celebrado em 20 de fevereiro. Ideia e iniciativa excelentes. Porém, se pensarmos em termos de Brasil, a Justiça Social tem sido praticada? Que caminhos podem levar ao ideal da Justiça Social? 

Um dos caminhos apontados por Graciela Hopstein, coordenadora executiva da Rede de Filantropia para a Justiça Social, é o das doações. A Rede de Filantropia para a Justiça Social é uma organização que  reúne fundos, fundações comunitárias e organizações doadoras (grantmakers) que apoiam  iniciativas nas áreas de justiça social, direitos humanos e cidadania. 

 “A filantropia pode ser mais eficiente se voltada para a doação de recursos para a sociedade civil. Essa é uma forma de fortalecer grupos que estão na ponta dos processos”, disse. Fortalecer grupos de ponta significa fazer com que o dinheiro de doações alcance ONGs e OSs que trabalham diretamente com populações afetadas pelas várias mazelas que acometem a sociedade.

Graciela Hopstein, coordenadora executiva da Rede de Filantropia para a Justiça Social

O Fundo Baobá para Equidade Racial é uma das organizações membro da Rede de Filantropia para Justiça Social e dirige suas ações para a busca por justiça social para a população negra. Elas são balizadas por quatro eixos programáticos: 

 Viver com dignidade – é a busca constante por saúde e qualidade de vida. E o conceito de qualidade de vida não está relacionado apenas à questão do bem-estar físico. É necessário que se dê apoio a quem sofre as mais diferentes formas de violência, sendo algumas das principais a violência racial e a violência religiosa. A proteção às comunidades quilombolas em seus direitos também está embaixo desse chapéu.

 Educação – que incentiva ações de enfrentamento ao racismo institucional no ambiente escolar da educação infantil ao ensino superior; projetos de vida e ampliação de capacidades socioemocionais entre adolescentes e jovens; formação de altos quadros. 

Desenvolvimento econômico – é o apoio a projetos e iniciativas para formação para o mundo do trabalho; empreendedorismo e promoção da diversidade racial nas empresas;

Comunicação e memória – apoio a projetos e iniciativas de valorização e difusão de bens culturais materiais e simbólicos (produção artística – música, dança, canto, literatura, etc.; práticas culturais tradicionais e inovadoras); mídia negra.

Por intermédio de seus editais, o Fundo Baobá tem contribuído para a promoção de ações que alcançam gente que está na ponta dos processos. Os editais feitos em 2020 são os seguintes: 

1 – Edital Apoio Emergencial para Ações de Prevenção ao Coronavírus

2 – Qual a sua ideia para ajudar pessoas em situação de risco? – Fundo Baobá e Desabafo Social

3 – Doações Emergenciais – Edital Para Primeira Infância do Contexto da pandemia da Covid-19

4 – Já É: Educação para Equidade Racial

5 – Chamada Para Artigos – Filantropia para Promoção da Equidade Racial no Brasil no Contexto Pós-pandemia da Covid-19

6 – Programa de Recuperação Econômica de Pequenos Negócios de Empreendedores(as) Negros(as).

Editais lançados em 2020

Graciela Hopstein indica que, para se fazer Justiça Social, é necessário ter cabeça bem arejada e olhar voltado para diferentes iniciativas. Quem doa não pode partir de pré julgamentos ou ter, previamente, um  perfil ideal de quem deve receber uma doação. “A verba pode não ter sido direcionada a uma grande organização, mas esta tem que ter uma grande capacidade de catapultar o projeto que vai transformar a realidade dos que serão atingidos por ele”, afirma. 

“Há muito o que se fazer. Estamos dando passinhos curtos, mas tem passinhos sendo dados. Não há como pensar o desenvolvimento de uma sociedade e das práticas de  inclusão sem dialogar a educação, sendo ela de qualidade e inclusiva para todos. O Fundo Baobá promove a equidade racial, e quando falamos sobre equidade estamos falando de justiça, e não sobre como encontrar novos caminhos mágicos”, destacou Selma Moreira, diretora executiva do Fundo Baobá, em sua fala sobre Justiça Social durante evento virtual realizado pela Citi Foundation em outubro de 2020.

Completando seu pensamento, Selma Moreira coloca algo que tem que ser atitude comum entre  pessoas que almejam uma sociedade justa e equalitária. “O racismo estrutural afeta a nossa constituição e a sociedade. Mas, mesmo assim, tem muita gente que diz que não fez parte disso. Você pode não ter feito parte objetiva do problema, mas você pode fazer parte da solução, isso é mais importante. Esse diálogo que estamos fazendo trata de mover essa forma de pensar, para que a gente construa pontes fortes e conectadas, para pensar em caminhos para o Brasil que permitam o desenvolvimento de todas as pessoas de forma igual”, finaliza.

Graciela Hopstein aponta que a busca por Justiça Social necessita de um pouco da ousadia de todos. “Temos que ampliar nossos horizontes.  O capitalismo tem um olhar de captura do novo que nós, no campo social,  precisamos incorporar. Ter esse olhar de “captura”, no sentido de estarmos atentos à inovação, é fundamental se quisermos caminhar para uma sociedade mais justa. É necessário ousar para transformar e ter igualdade”, disse.

Fundo Baobá encerra 2020 comemorando parcerias que apoiaram a busca pela equidade racial na sociedade brasileira

A criação do Fundo Baobá para Equidade Racial, em 2011, foi alicerçada sobre três pilares: articulação social, mobilização de recursos e investimentos programáticos. Dentro do item “investimentos programáticos”, quatro balizamentos coordenaram nossas ações nesses quase dez anos de atividades de filantropia para a equidade racial: Viver com Dignidade, Educação, Desenvolvimento Econômico e Comunicação & Memória. Todas as ações estabelecidas foram construídas levando sempre em conta essas diretrizes.

Nenhuma jornada vitoriosa é constituída apenas de caminhos fáceis de serem percorridos. É preciso muita firmeza de propósitos, perseverança e alto poder de convencimento. Sem isso, não construímos alianças, não estabelecemos parcerias e não alcançamos o que preconiza nossa teoria de mudança: a população negra inserida e incluída de forma justa no desenvolvimento da sociedade brasileira.

Felizmente, estamos alcançando nossos principais objetivos. Mas ainda há muito a caminhar. A sociedade brasileira tem se tornado permeável em relação às questões de equidade de raça e gênero, como se espera de uma sociedade plural em relação a todas as diferenças.

Neste ano de 2021, que marca os 10 anos de fundação do Baobá, nossa busca não será diferente. Temos um leque de projetos  nos quais vamos trabalhar e que ajudarão ainda mais a consolidar o nome de nossa instituição como principal articuladora da promoção da equidade  para a população negra no Brasil. As novidades de 2021 você saberá ao longo do ano!

O que será destacado aqui é como foi 2020 para o Fundo Baobá. Um ano completamente atípico, conturbado pela pandemia do Coronavírus na esfera mundial – e que serviu para explicitar as desigualdades raciais em várias nações.

A luta contra o racismo eclodiu de forma positiva, ganhando repercussão e ações pelo mundo todo, até o Brasil. Estamos na esfera dos países de economia emergente, com potencial econômico para se tornar uma grande potência. Porém, nosso nível de desenvolvimento está na linha do mediano para baixo, marcado por uma abissal desigualdade social e um racismo incrustado nas relações sociais. Devemos baixar a cabeça? Não! Devemos lutar pela busca desse desenvolvimento, que trará crescimento econômico, equilíbrio socioambiental, paz, segurança, saúde e bem-estar para a população do país.

De forma evidente, o segmento da filantropia para equidade racial no Brasil sofreu impactos. Dos 207,8 milhões de pessoas no Brasil, 55,8% se descrevem como pardos, 9,3% como negros e 43,1% como brancos. Pretos e pardos formam a população negra. Todos os indicadores sociais – de educação, condições de vida, engajamento político, emprego e renda – refletem a desigualdade da sociedade brasileira e o papel nela desempenhado pelo racismo estrutural. Até recentemente, os esforços filantrópicos das organizações não negras da sociedade civil se limitavam a oferecer assistência, preservando ao mesmo tempo a posição social dos beneficiários. Não é, portanto, coincidência a  coexistência entre a filantropia mainstream e o racismo estrutural.

E, no intuito de melhorar as condições das pessoas negras  da sociedade brasileira, o Fundo Baobá atuou com determinação em 2020. Nossos parceiros de tempos, e outros que chegaram mais recentemente, têm nos ajudado na busca por consolidar nossos objetivos. São eles: WK Kellogg Foundation, Ford Foundation, Instituto Ibirapitanga, Open Society Foundations, Citi Foundation, J.P. Morgan, Fundação Lemann, Laudes Foundation, Porticus, Imaginable Futures, Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, OAK Foundation, Instituto Unibanco, The Coca-Cola Foundation, Instituto Coca-Cola Brasil, BV Banco, Instituto Votorantim, Google, Wellspring Philanthropic Fund e Demarest Advogados. 

Esses parceiros apoiadores, além dos doadores individuais, têm nos propiciado investir em nosso fortalecimento institucional e realizar doações por meio de editais que, este ano, trataram de auxílio emergencial, educação, primeira infância e produção acadêmica para subsidiar a tomada de decisão.   Entre 2011 e 2020 o Baobá lançou 15 editais de apoio. Destes, cinco tiveram lançamento em 2020. Cerca de 450 beneficiários diretos e mais de 210 mil indiretos. Investimento de R$ 10,2 milhões. Com relação ao Programa Marielle Franco, em 2020 foram doados R$ 3.148.285,34.  São marcas significativas, mas sabemos que nosso potencial de trabalho pode nos levar a muito mais e vamos alcançar isso. 

 Abaixo, selecionamos alguns fatos que fizeram ao no de 2020 do Fundo Baobá: 

Em 14 de março ocorreu o aniversário de dois anos da morte de Marielle Franco, vereadora e socióloga, assassinada no Rio de Janeiro ao lado do motorista Anderson Gomes. O Fundo Baobá, que em 2019 havia lançado um edital em apoio a mulheres negras líderes e a organizações lideradas por mulheres negras, que, recebeu o nome de Marielle Franco,  fez seu posicionamento por intermédio de artigo assinado pela diretora executiva do Fundo, Selma Moreira,  no jornal O Globo. Veja artigo neste link: Precisamos proteger todas as Marielles

Abril de 2020 marcou o lançamento do edital Doações Emergenciais no Contexto da Pandemia da Covid-19, voltado para organizações sem fins lucrativos ou pessoas físicas negras, comprometidas com a equidade racial e engajadas na promoção de ações para a proteção de pessoas e comunidades, que apresentassem propostas de ações de prevenção ao coronavírus realizadas junto à população residente em comunidades periféricas e outros territórios de vulnerabilidade; população em situação de rua; população privada de liberdade; idosos;  jovens em cumprimento de medidas socioeducativas; populações residentes em áreas remotas de todas as regiões do país, comunidades quilombolas, ribeirinhas, indígenas, ciganos, migrantes, refugiados, e outras comunidades tradicionais, nas florestas e ilhas, onde existissem casos notificados. A resposta ao edital foi imediata e em menos de 15 dias mais de 1.000 candidaturas foram feitas visando o apoio financeiro. Esse edital atingiu o que determina o propósito de criação do Fundo Baobá: contribuir para o enfrentamento ao racismo promovendo justiça e equidade racial para a população negra, a mais atingida pela pandemia.

Movimento Mulheres da Parada de São Gonçalo (RJ) foi uma das apoiadas do edital Doações Emergenciais

O edital em parceria com o Desabafo Social também aconteceu em abril. A objetivação foi  apoiar ideias e projetos com foco em pessoas em situação de risco em São Paulo e no Rio de Janeiro – iniciativa que, posteriormente, foi ampliada para todo o país.  Na primeira fase, 64 projetos de homens e mulheres de 15 a 35 anos foram selecionados. Na segunda fase, estendida para todo Brasil, 86 projetos foram incentivados, perfazendo 150 no total. O montante  investido no Desabafo Social foi R$ 30 mil e cada ideia foi contemplada com valores que variaram de R$ 60 a R$ 350.

Projeto da Andreza Delgado, apoiado pelo edital em parceria com Fundo Baobá e Desabafo Social 

Também em abril, o Fundo Baobá apoiou a coalizão  Éditodos, que  criou o Programa de Emergências Econômicas para apoio a Empreendedores(as) das Comunidades, Favelas e Periferias. Coube ao Baobá gerenciar os recursos e fazer com que esses chegassem até a ponta. Além de atuar como fundo de captação de recursos no Brasil e fora dele visando o investimento em organizações e lideranças negras, o Baobá também atua como parceiro fiscal e operador para outras organizações negras que têm por objetivo implementar ações de filantropia.

O 1o de maio marca o Dia Internacional do Trabalho. O Fundo Baobá esteve na mídia em entrevista da diretora executiva Selma Moreira sobre financiamento de projetos de prevenção à Covid 19 entre negros, pobres e indígenas: Fundo Baobá financia projetos de combate à Covid-19 para negros, pobres e indígenas 

Também em maio, no dia 25,  ocorreu nos Estados Unidos a morte de George Floyd. Ele foi asfixiado por um policial. O fato teve repercussão mundial e iniciou uma série de protestos em território norte-americano e em todo mundo. Floyd virou símbolo da luta antirracismo. No Brasil, o portal UOL publicou o posicionamento do Fundo Baobá sobre essa questão em entrevista concedida pela diretora executiva Selma Moreira. Veja aqui a íntegra da entrevista: Qual o Reflexo da Filantropia na Equidade Racial?

No início de julho, com o Brasil sofrendo severamente com a Covid-19 e chegando à marca de quase 33 mil mortes,  foi lançado o edital  Primeira Infância no Contexto da Pandemia da Covid-19, com foco em famílias com crianças de 0 a 6 anos – um grupo que até então estava recebendo pouquíssima atenção no contexto da pandemia. Seu objetivo foi explícito: selecionar iniciativas de apoio a famílias que tivessem em seu núcleo crianças de 0 a 6 anos, mulheres e adolescentes grávidas, mulheres que deram à luz ou homens responsáveis e corresponsáveis pelo cuidado de crianças. A parceria do Baobá foi com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, a Porticus América Latina e a Imaginable Futures. As iniciativas estão sendo implementadas e, em breve, pretendemos compartilhar resultados, boas práticas e lições aprendidas. 

Em julho, foi lançado o edital para o programa  Já É: Educação e Equidade Racial. . O parceiro na iniciativa foi a Citi Foundation, braço do Citi Group para investimentos sociais. O objetivo: oferecer condições favoráveis para que 100 jovens negres da cidade de São Paulo e região metropolitana conseguissem vencer as dificuldades que impedem o acesso ao ensino superior.  As aulas começam em março de 2021.

Difusão do conhecimento e divulgação de artigos que contribuíssem para melhorar ações de filantropia para a equidade racial no Brasil pós-pandemia foi a tônica do edital para Produção de Artigos Acadêmicos, lançado em agosto. A parceira nessa iniciativa do Fundo Baobá foi a Fundação Ford. A proposta do edital era selecionar 20 artigos que serão reunidos em uma publicação bilíngue a ser lançada no primeiro semestre de 2021.

Dois importantes eventos de parceiros do Fundo Baobá agitaram o calendário do mês de outubro: a Live do Citi sobre Promoção da Equidade Racial para a População Negra no Brasil e o Webinário Investimentos Filantrópicos para a Promoção da Equidade Racial, feito pelo  JP Morgan.  O Webinário discutiu se houve ou não progresso rumo à justiça racial na filantropia brasileira. Além disso, discutiu também como ampliar a incidência de investimentos sociais privados em organizações, grupos e coletivos negros.

Em novembro, um importante evento internacional, o Moving Forward Rebuilding a More Just and Equitable Educational Future – Wise,   discutiu a questão do acesso à Educação. A diretora executiva do Baobá, Selma Moreira, falou para o público de países no exterior, sobre essa dificuldade de acesso enfrentada pela jovem população negra brasileira. Em sua fala, Selma Moreira chamou a atenção para o fato de que há um conceito enraizado na cabeça de muita gente na sociedade brasileira de que o elemento negro, independentemente de sua idade ou sexo, é inferior. “O fato de não terem acesso ao estudo, principalmente em seus níveis superiores, poderá ocasionar o não acesso aos melhores postos de emprego, talvez não consigam reunir condições de criar e administrar o seu próprio negócio e, em inúmeros casos, sequer terão moradia e meios de sobrevivência”. 

Selma Moreira participa do Moving Forward Rebuilding a More Just and Equitable Educational Future – Wise 

Grandes marcas se reuniram para apoiar o edital Programa de Recuperação Econômica de Pequenos Negócios de Empreendedores(as) Negros(as), que o Fundo Baobá lançou. Essas marcas foram o Instituto Coca-Cola Brasil, Banco BV e Instituto Votorantim. Juntos, eles apoiarão pequenos empreendimentos liderados por pessoas negras em comunidades periféricas ou territórios em contexto de vulnerabilidade socioeconômica no Brasil. Ao todo, serão investidos mais de R$ 1,6 milhão.

Fundo Baobá - Edital Recuperação Econômica de pequenos negócios de Empreendedores(as) Negros(as)

O Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro, foi a data escolhida para que fosse anunciado o apoio do Google ao Fundo Baobá. A ação conjunta visa contribuir para a promoção da equidade racial no Brasil,  viabilizando projetos focados no avanço da justiça racial e combate à violência contra a população negra. O Google fará uma doação de US$ 400 mil, mais de R$ 2,1 milhões. Infelizmente, na mesma data, o Fundo Baobá e todo o Brasil tomaram conhecimento de que, em Porto Alegre, no interior de uma loja do grupo Carrefour, foi morto por espancamento João Alberto, um cidadão negro brasileiro. João foi morto por seguranças da loja. Esse triste acontecimento lembra a todos nós a importância de ações de enfrentamento ao racismo e promoção da equidade racial para garantir a construção de sociedades democráticas, justas e inclusivas. E reforça nosso compromisso com o trabalho que vamos desenvolver na próxima década, começando agora, em 2021.

Feliz Ano Novo!

Webinário Filantropia e Justiça Racial discutiu em outubro investimentos por equidade racial e de gênero dentro das empresas

Em um país como o Brasil, cuja maioria da população é predominantemente negra (56%), como incutir nas diretrizes sócio-empresariais que é fundamental investir na diversidade? O tema diversidade atualmente deveria ser encarado como questão de avanço e sobrevivência para qualquer instituição, em qualquer segmento, que queira de fato promover ações que contribuam para a equidade e a erradicação de uma das piores doenças sociais: o racismo. 

Alguns estudos acadêmicos evidenciam que empresas que têm a diversidade como valor atingem graus de desenvolvimento de seus negócios em nível maior que aquelas que não a valorizam. O que determina isso? As diferentes trocas de experiências entre as pessoas.  Visões diversificadas levam a um número maior de possibilidades de desenvolvimento de  uma ideia ou um produto. O que determina esse maior leque de opções são as diferentes vivências dos funcionários. Onde existe a homogeneidade existe também a limitação. Diferenças contribuem para o aprimoramento. 

Para discutir a questão da diversidade dentro das empresas e o trabalho da filantropia voltada ao combate ao racismo e à equidade racial, aconteceu em outubro o webinário Filantropia e Justiça Racial, promovido  pelo JP Morgan em parceria com o Fundo Baobá para Equidade Racial. Nele, importantes agentes da filantropia, da educação e do combate fizeram suas palestras em mesas que trouxeram muitos fatos e esclarecimentos sobre importantes questões na busca por uma sociedade justa e igualitária. Juntamos aqui falas importantes de Fabio Alperovitch e de Tricia Calmon. 

Fabio Alperovitch, da Fama Investimentos, administrador de empresas formado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), com cursos de extensão na Universidade da Califórnia (Berkeley) e na Harvard Kennedy School -profissional que atua na captação de recursos financeiros para empresas- enxerga  uma certa dificuldade de muitas delas em levar a temática da diversidade, equidade e combate ao racismo para dentro de seus muros. “Além de procurar diversidade de gênero, procuramos diversidade racial, diversidade de identidade de gênero e orientação sexual. Para a grande maioria das empresas, se conectar com esses grupos diversos e fazer com que se sintam parte integrante da empresa, eliminando vieses muitas vezes inconscientes, representa um desafio”, afirma.

Fabio Alperovitch, da Fama Investimentos, administrador de empresas

Para Tricia Calmon, graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduada em Gestão de Políticas Públicas de Gênero e Raça, também pela  Universidade Federal da Bahia, além de membro do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá para Equidade Racial, a dificuldade empresarial em lidar com questões de raça e gênero está nas bases em que a sociedade brasileira foi alicerçada, por isso nem sempre os investimentos convertidos em ações filantrópicas ganham sentido efetivamente transformador.  “A falta de intencionalidade e de compreensão sobre a natureza do racismo colocou boa parte da filantropia brasileira na armadilha de pensar em promover a almejada justiça social sem mexer nas bases escravagistas nas quais está assentada a sociedade. Parte da elite brasileira se orgulha dessa herança e se ressente das mínimas fissuras ocorridas nesse pacto de silêncio e morte nos últimos anos”, diz. 

Trabalhar com filantropia no Brasil requer muito foco em fazer com que estruturas opressoras sejam abaladas. “Com a pandemia do novo coronavírus, que escancarou as desigualdades sociorraciais, e com o fenômeno da violência policial iconizado no caso George Floyd,  estamos diante da oportunidade de atualizar o debate no campo da filantropia. Não se trata de fenômenos novos, mas estamos em um novo momento. É hora de decidir por um projeto de sociedade sustentável e inclusivo que descolonialize os pensamentos e imagine o Brasil do presente e do futuro como um país viável para todas as pessoas. Sem isso,  seguiremos assistindo a elites que almejam ganhar dinheiro no Brasil e constituir suas vidas fora do país. Neste cenário de nada importa  o  fortalecimento da sociedade brasileira como um todo”, afirma Tricia Calmon. 

Tricia Calmon, graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduada em Gestão de Políticas Públicas de Gênero e Raça, também pela Universidade Federal da Bahia

Para Fabio Alperovitch, que reforça a opinião de Tricia Calmon, a questão do investimento em diversidade dentro das empresas tem impacto positivo direto na economia brasileira. “Acredito que as empresas que têm projetos de diversidade e inclusão têm um impacto muito forte não só nas comunidades onde elas operam, mas na economia brasileira como um todo. A nossa história tem um legado de discriminação racial muito forte que ainda é muito presente no dia a dia do país. No Brasil, conforme dados do IBGE de 2018, mais da metade da população brasileira se declara como preta ou parda. No entanto, a sua representatividade no mercado de trabalho e em cargos de liderança é extremamente baixa. Ao termos uma empresa investida preocupada com esse tema e com metas específicas a serem atingidas, avançamos, mesmo que pouco, na redução dessa desigualdade”, afirma Alperovitch. 

Tricia Calmon reforça que investimentos sociais privados ou filantropia empresarial devem  ser muito bem balizados e focados nas necessidades das comunidades para as quais são destinados. Dessa intenção foi que surgiu o Fundo Baobá. “O programa para equidade racial da Fundação Kellogg,  gestado desde 2008, resultou no que hoje é o primeiro e maior fundo para financiamento de ações para o enfrentamento ao racismo: o Fundo Baobá. As desigualdades regionais precisam ser consideradas e não se deve descansar enquanto os investimentos não chegarem em boa proporção às regiões mais empobrecidas, como é o caso do Norte e Nordeste brasileiros”, finalizou.

Promovendo a equidade racial em território nacional, Fundo Baobá lança seis editais em 2020

Em um ano tão desafiador como 2020, o Fundo Baobá se fez presente em território nacional,  captando recursos dentro e fora do país para apoiar iniciativas de organizações e lideranças por meio de seis editais. Os investimentos estavam diretamente relacionados às prioridades programáticas: viver com dignidade, educação, desenvolvimento econômico. 

Em um balanço preliminar, no contexto da pandemia da COVID19 foram investidos mais de R$ 1.180 mihão, que beneficiaram, direta ou indiretamente, 421 indivíduos e 135 organizações. Paralelamente, foram mantidos os investimentos no desenvolvimento de lideranças femininas negras, em um programa que leva o nome da vereadora assassinada Marielle Franco, que totalizaram R$ 4,2 milhões em 2020. 

Abaixo, relembramos quais foram os editais lançados em 2020, além do total investido, número de inscritos, os principais parceiros e número de selecionados.

1 – Edital Apoio Emergencial para Ações de Prevenção ao Coronavírus

Data de lançamento:
5 de abril
Instituições Financiadoras: Fundo Baobá para Equidade Racial e Fundação Ford
Período de implementação: maio a julho de 2020.
Total investido: R$ 870 mil
Público apoiado: Comunidades vulneráveis, mulheres, população negra, idosos, povos originários e comunidades tradicionais
Inscritos: 1.037
Selecionados: 350 projetos (215 de indivíduos e 135 de organizações)
Distribuição geográfica: Para todo o Brasil

Dentro do contexto da pandemia do novo coronavírus, foi lançado o edital de Doações Emergenciais de até R$ 2,5 mil para ações de prevenção em comunidades periféricas, de difícil acesso e populações vulneráveis.   

2 – Qual a sua ideia para ajudar pessoas em situação de risco? – Fundo Baobá e Desabafo Social
Data de lançamento: 15 de abril
Período de implementação: maio e junho de 2020.
Total investido: R$ 30 mil
Parceiro Implementador: Desabafo Social
Público apoiado: Homens e mulheres de 15 a 35 anos de idade
Selecionados: 150
Distribuição geográfica: A primeira fase do edital apoiou 64 projetos (31 no Rio de Janeiro e 33 em São Paulo) A segunda fase apoiou 86 projetos Salvador (BA), Recife (PE), Olinda (PE), Belo Horizonte (MG), Feira de Santana (BA), Belém (PA), Brasília (DF), Cachoeira (BA), São Luís (MA), Boa Vista (RR) e Laguna (SC), além de regiões no interior do Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás e Ceará.

O edital apoiou ideias e projetos com foco em pessoas em situação de risco em São Paulo e no Rio de Janeiro – iniciativa que, posteriormente, foi ampliada para todo o país.
As pessoas interessadas apresentaram suas ideias respondendo a um desafio dentro da plataforma ItsNoon. A curadoria foi realizada pelo Desabafo Social e as pessoas selecionadas  receberam entre R$60 até R$350 por sua  boa ideia.

3 – Doações Emergenciais – Edital Para Primeira Infância do Contexto da pandemia da Covid-19
Data de lançamento: 6 de julho
Instituições financiadoras: Imaginable Futures, Porticus e Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal
Total investido: R$ 280 mil (R$ 5 mil por iniciativa)
Inscritos: 200
Selecionados: 56 profissionais de saúde, educação e serviço social cujas iniciativas estavam voltadas para apoiar famílias que, em seu núcleo, tivessem crianças de 0 a 6 anos, mulheres e adolescentes grávidas, mulheres que deram à luz.
Distribuição geográfica: Para todo o Brasil 

O Fundo Baobá lançou o edital com o objetivo de selecionar iniciativas de apoio a famílias que, em seu núcleo, tenham: crianças de 0 a 6 anos, mulheres e adolescentes grávidas, mulheres que deram à luz, homens responsáveis e corresponsáveis pelo cuidado de crianças de 0 a 6 anos.  

 

4 – Já É: Educação para Equidade Racial
Data de lançamento: 10 de julho
Período de implementação: 2021 – 2022
Instituições Financiadoras: Citi Foundation e Demarest Advogados (parceria firmada em dezembro de 2020)
Total a ser investido: R$ 972.683 mil
Público apoiado: Jovens mães, homens, trans de 17 a 25 anos que concluiu ou vai concluir o ensino médio em 2021.
Inscritos: 245
Selecionados: 100
Distribuição geográfica: Cidade de São Paulo e Região Metropolitana

Lançado para apoiar jovens negros, residentes em bairros periféricos de São Paulo e outros municípios da região metropolitana, a acessarem o ensino de nível superior. O Programa Já É inclui não só os custos dos estudos em cursinho preparatório para o vestibular e as despesas com transporte e alimentação ao longo do programa. Ele prevê também atividades voltadas para o enfrentamento dos efeitos psicossociais do racismo e para a ampliação das habilidades socioemocionais e vocacionais e ainda mentoria com profissionais de diferentes formações acadêmicas, experiências profissionais e de vida.

5 – Chamada Para Artigos – Filantropia para Promoção da Equidade Racial no Brasil no Contexto Pós-pandemia da Covid-19
Data de lançamento: 6 de agosto
Período de implementação: dezembro de 2020 – abril 2021 Instituição Financiadora: Ford Foundation
Total investido: R$ 50 mil (20 artigos,  R$ 2,5 mil cada)
Público apoiado: Pesquisadores(as) negr(as)
Inscritos:  79
Seleção em curso
Distribuição geográfica: Para todo Brasil

O Fundo Baobá lançou uma chamada para artigos inéditos que contribuam para aprimorar a ação de filantropia para equidade racial no Brasil pós-pandemia da Covid-19 com o objetivo de selecionar até 20 trabalhos. Seus autores vão receber verba de apoio no valor de R$ 2,5 mil cada. Em 2021, ano em que o Fundo Baobá para Equidade Racial completa 10 anos de fundação, uma edição eletrônica bilíngue (português-inglês) de um livro com os artigos será publicada.

6 – Programa de Recuperação Econômica de Pequenos Negócios de Empreendedores(as) Negros(as)
Data de lançamento: 11 de novembro de 2020
Período de implementação: março a julho de 2021
Instituições Financiadoras: Instituto Coca-Cola Brasil, Instituto Votorantim e Banco BV
Total investido: R$ 1,6 milhão
Público apoiado: Empreendedores(as) negros(as) cujos negócios estão localizados em comunidades periféricas ou territórios em contexto de vulnerabilidade socioeconômica
Inscritos: 700
Seleção em curso
Distribuição geográfica: Para todo Brasil, com ênfase nas regiões Norte e Nordeste

o Programa de Recuperação Econômica de Pequenos Negócios de Empreendedores(as) Negros(as), vai apoiar 47 negócios que precisem de um aporte financeiro para melhor se desenvolver. Esses negócios têm que ser comandados por pessoas (homens e mulheres) negras que toquem os seus negócios em comunidades periféricas ou territórios em contexto de vulnerabilidade socioeconômica. Cada iniciativa selecionada, contendo 3 negócios,  receberá R$30 mil (dez mil por negócio).