Fundada por homens negros libertos com o objetivo de conquistar a liberdade para seus irmãos e irmãs ainda escravizados, a Sociedade Protetora dos Desvalidos (SPD) celebrou 192 anos no dia 16 de setembro. Durante a comemoração em Salvador, Bahia, a entidade fez uma reflexão importante: a comunidade negra alcançou suas metas ou ainda há muitos desafios pela frente? Se considerarmos os princípios que nortearam a criação da SPD — combate ao racismo, liberdade religiosa e igualdade social —, as lutas de hoje ainda ecoam os desafios enfrentados em 1832. A caminhada continua.
A História da SPD e Suas Lutas Desde sua fundação, a SPD tem sido um pilar na luta pela igualdade racial no Brasil. Nomes como Luiz Gama e José do Patrocínio, figuras centrais no combate à escravidão e ao racismo, integraram a organização. Apesar dos avanços em quase dois séculos, as demandas da população negra permanecem praticamente as mesmas. Na época, a filantropia era o principal recurso para angariar fundos e comprar cartas de alforria para libertar escravizados.
Neilto Barreto, bibliotecário e publicitário aposentado, assumiu a presidência da Assembleia Geral da SPD e destacou o legado de luta dos membros da organização. “Em todo esse período, nunca dependemos de apoio governamental, seja municipal, estadual ou federal, desde 1832”, declarou Barreto, que liderará a entidade até 2027.
O Apoio do Fundo Baobá A continuidade das ações sociais da SPD ao longo dos anos não significa que a entidade não tenha necessitado de apoio. Um marco importante foi o suporte financeiro de R$ 500 mil do Fundo Baobá em novembro de 2023. Para Giovanni Harvey, diretor executivo do Fundo, esse apoio foi fundamental para abrir precedentes no auxílio a organizações negras centenárias. “Como pode uma instituição como a SPD, em quase dois séculos de existência, não ter recebido apoio institucional significativo? A SPD nos inspira a apoiar mais instituições centenárias”, afirmou Harvey.
A conexão entre o Fundo Baobá e a SPD foi articulada em 2022 por Tricia Calmon, da Assembleia Geral do Fundo Baobá, que identificou a necessidade de assistência à entidade e levou a demanda ao Conselho Deliberativo. Sueli Carneiro, presidente do Conselho Deliberativo, sugeriu a concessão de apoio, que evoluiu para a primeira doação sem edital da história do Fundo, fruto de recursos próprios.
Transformações ao Longo dos Séculos Assim como a sociedade mudou ao longo dos séculos 19, 20 e 21, a SPD também passou por transformações. Originalmente, apenas homens negros africanos podiam ser diretores da organização. Hoje, mulheres também são admitidas. Ligia Margarida Gomes, psicóloga e ex-presidente da Assembleia Geral, destacou essa mudança, e Neilto Barreto complementou, afirmando que, embora associados não negros sejam admitidos, eles precisam estar comprometidos com a causa da entidade.
O Futuro da SPD A comemoração de 192 anos da SPD reuniu membros do movimento negro baiano e foi marcada por uma celebração tradicional, incluindo iguarias da culinária africana como caruru, acarajé e pirão. Um dos principais objetivos da entidade para o futuro é atrair jovens para integrar o quadro associativo, que hoje conta com cerca de 250 membros. “Nosso maior desafio é a renovação. A juventude precisa se conscientizar da importância de se juntar a nós”, afirmou Ligia Gomes. Para ela, a grande contrapartida é o privilégio de fazer parte da luta por uma causa maior.
Conclusão A SPD, com seus 192 anos de história, continua a ser um símbolo de resistência e luta pela igualdade racial no Brasil. A busca por justiça social, combate ao racismo e liberdade religiosa iniciada no século 19 permanece mais viva do que nunca, lembrando que ainda há muitos passos a serem dados nessa jornada.