Estudar fora do Brasil: a atitude faz a diferença

Selecionados do Black STEM 2024

Especialista e familiares dos bolsistas do Black STEM falam sobre desafios e conquistas no exterior

O senso comum diz que, para estudar no exterior, é necessário ser alguém especial – o famoso ponto fora da curva. Quem dissipa esse mito é o professor Fernando Caixeta, titular do Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM), Campus Uberlândia, que atua com mentoria em programas de internacionalização e foi convidado a ser um dos mentores dos estudantes do programa Black STEM.

Essa iniciativa, promovida pelo Fundo Baobá para Equidade Racial, apoia a presença e permanência de pessoas negras em universidades fora do Brasil. No início de julho de 2024, cinco estudantes negros foram selecionados – quatro mulheres e um homem. Desde então, esses pioneiros vêm sendo acompanhados e apoiados por professores e suas famílias.

“Não tem que ser gênio e não tem que ter nota acima da média. Isso é uma grande ilusão. Eu acredito muito que são fatores que contam, mas não são o principal. O principal é o fator atitude”, sintetiza Caixeta, ao comentar o que levou esses jovens a serem selecionados por instituições de ensino no exterior. 

“Muitas universidades estrangeiras consideram o ponto de onde você partiu até o ponto em que você chegou. Se você teve acesso a estudo de línguas, fez várias viagens, você tem uma bagagem cultural e de experiência muito maior que aqueles que não tiveram essa chance.”

“Então, é muito mais o que você fez com aquilo que você tinha do que as notas que você alcançou. Tem que ter vontade e estar habilitado a receber não. A vida de quem se candidata a uma oportunidade no exterior é de muitos nãos até que se obtenha um sim. É importante entender que isso faz parte do processo”, diz.

O impacto do Black STEM na vida dos estudantes negros

O Black STEM tem foco em Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM). Também conhecidas como ciências exatas, essas áreas têm uma ligação histórica com a população negra, responsável por importantes desenvolvimentos científicos e tecnológicos. 

O programa foi criado pelo Fundo Baobá, com apoio da B3 – Social e parceria do BRASA (Brazilian Student Association). 

Camila. bolsista Black STEM, é uma mulher negra, de cabelos cacheados e sorriso radiante, está posicionada atrás de um balcão azul com o logotipo iluminado da B3 Social, iniciativa de impacto social da Bolsa de Valores. Ela veste uma camisa preta e um blazer colorido com estampas geométricas vibrantes. No fundo, uma grande tela exibe gráficos de variação do mercado financeiro e cotações de ações, reforçando o ambiente corporativo e tecnológico.
Camila Ribeiro, bolsista Black STEM. Crédito: Thalita Novais.

Camila Ribeiro está em Portugal. Ela optou por cursar Pilotagem na Escola Superior Náutica Infante Dom Henrique. A Marinha Mercante surge como uma grande alternativa profissional quando estiver formada. 

Eric Ribeiro está nos Estados Unidos cursando Engenharia Aeroespacial na Universidade Notre Dame. Os desafios que ambos têm que enfrentar são duros e não estão apenas dentro das instituições em que estudam. 

“Tenho conversado com os estudantes do BlackSTEM com alguma frequência. O que eles relatam de maneira geral é que o início é complicado, no sentido de se entender em uma sociedade que não é a deles.  E o que a gente entende como prioridade é que se encontre quem pode nos ajudar nesse processo. Grupos de pessoas pretas nos ajudam bastante. Aquilombar, nessa hora, pode ser um fator essencial”, diz o professor Caixeta. 

O impacto familiar e os desafios da distância

Camila é capixaba de Vitória (ES). Sua mãe, Andressa Ribeiro, fala sobre como é estar longe da filha, que não voltou para o Brasil no período de Natal e Réveillon: 

“Nos preparamos para esse momento, é um sonho se realizando, então há um misto de sentimentos. Muita saudade, mas também orgulho pelo protagonismo dela. Há o receio com relação ao clima, ao racismo, que buscamos mitigar com informação, muita fé e sorte. A tecnologia tem sido aliada nesse processo. Nos falamos com frequência”, afirma Andressa.

A rotina de Camila em Portugal é puxada. “Ela tem aulas diariamente, pela manhã e à tarde; tem excelentes professores, que focam o ensinamento mais na parte prática da matéria. Ou seja, no que ela realmente vai aplicar no dia a dia da profissão.”

“Está integrada com os colegas, formaram grupos de estudos e recebeu orientação da instituição para obter alguns  documentos que precisava. Ela mora no alojamento e faz as refeições na própria faculdade. Quando possível,  aproveita para conhecer um pouco mais a cidade”, revela Andressa Ribeiro. 

Eric, bolsista Black STEM, é um homem negro jovem, de cabelos crespos e óculos redondos, sorri enquanto posa atrás de um balcão azul com o logotipo iluminado da B3 Social. Ele veste uma camisa branca e tem um suéter claro sobre os ombros. O fundo é azul, com detalhes metálicos, criando um ambiente moderno e corporativo.
Eric Ribeiro, bolsista Black STEM. Crédito: Thalita Novais.

Joelma Ribeiro, mãe de Eric, de 18 anos, e moradora de Caieiras, na Grande São Paulo, relata que a vida de seu filho não tem sido muito diferente da vida de Camila. E seu coração vive tão apertado quanto o da mãe da colega.

“Tenho um misto de sentimentos: saudade, orgulho e felicidade. Às vezes, ver o Eric alcançando seus objetivos tão jovem é uma realização, mas também é desafiador conciliar os sentimentos, justamente por causa da distância e da sensação de ‘deixar ir’. Mas é lindo ver como ele está crescendo cada vez mais e desbravando o mundo”, diz.

Eric está na Universidade de Notre Dame, de olho em seu maior sonho: entrar na NASA (Agência Espacial Norte-Americana). Ele quer chegar lá e se tornar astronauta.

“Ele está se adaptando e lidando com as novas experiências de forma responsável, e isso é uma grande conquista! Suas preocupações, como não ficar doente e cuidar de si mesmo, são sinais de que está amadurecendo e aprendendo a ser independente, o que é um passo muito importante nessa fase da vida. Ele parece estar em um ótimo caminho”, diz Joelma.

Andressa e Joelma enaltecem a iniciativa do Fundo Baobá em criar um programa que possibilita a estudantes negros brasileiros ingressarem em universidades no exterior.

“A aprovação da Camila no edital foi de grande relevância. A bolsa tem sido essencial para viabilizar sua permanência em Portugal e a conclusão do curso.”

Joelma completa: “Foi um alívio ver o Eric conquistando essa oportunidade, ainda mais em um momento de tantas mudanças. Saber que ele conseguiu se organizar financeiramente e que está se virando sozinho em tantas questões, desde as mais práticas até as acadêmicas, é uma grande conquista para ele e também um grande alívio para mim.”

Conheça mais sobre o edital Black STEM aqui.

Como o Fundo Baobá impulsiona a equidade racial no Brasil?

Como o Fundo Baobá impulsiona a Equidade Racial e Social no Brasil?

A economia global enfrenta desafios complexos, como inflação e crises que afetam tanto economias maduras quanto aquelas em expansão. No Brasil, os entraves para o crescimento sustentável estão profundamente ligados às desigualdades sociais, impactando diretamente a população negra, que representa cerca de 56,5% dos brasileiros. A história do país, marcada pelo regime escravocrata, ainda reverbera em desigualdades estruturais persistentes.

A importância do investimento em iniciativas locais

A população negra no Brasil não é homogênea. As condições socioeconômicas e territoriais variam amplamente, exigindo soluções adaptadas a cada realidade. Nesse cenário, é essencial investir em quem está na linha de frente, lidando diretamente com os desafios locais. O Fundo Baobá, criado com essa missão, possui uma capilaridade que o coloca como um agente estratégico no fortalecimento de pessoas e organizações negras, promovendo transformações sociais efetivas.

Apoiar iniciativas locais e o desenvolvimento de pessoas negras é fundamental para a mudança, mas não pode ser uma ação isolada. O investimento social privado e a filantropia negra desempenham um papel fundamental na promoção da equidade racial e na reparação histórica. Empresas que adotam estratégias de impacto social ampliam significativamente suas contribuições para um Brasil mais justo e sustentável.

Equidade, democracia e desenvolvimento sustentável

Para avançar como nação, o Brasil precisa enfrentar desafios interligados: consolidar a democracia, promover a equidade racial e combater as mudanças climáticas. No campo da equidade, é urgente combater práticas discriminatórias e garantir a implementação de políticas eficazes que promovam a inclusão da população negra em diversos setores.

Embora as contribuições históricas da população negra estejam ganhando visibilidade, ainda existem barreiras significativas para seu progresso. A falta de acesso a oportunidades no mercado de trabalho, as desigualdades educacionais e de saúde, e a ausência de políticas públicas voltadas à preservação da cultura afro-brasileira são desafios persistentes.

A Atuação do Fundo Baobá

Desde sua criação em 2011, o Baobá – Fundo para Equidade Racial tem sido um protagonista na promoção da equidade racial no Brasil. Por meio de editais e programas, investe em desenvolvimento econômico, educação, dignidade, comunicação e memória, fortalecendo pessoas e organizações negras em todo o país.

Programas de Impacto do Baobá

O Fundo Baobá impulsiona iniciativas transformadoras por meio de programas como:

  • É – capacita jovens negros para ingresso no ensino superior; 
  • Carreiras em Movimento – desenvolve competências técnicas e socioemocionais para profissionais negros em início de carreira;
  • BlackSTEM – apoia a permanência de estudantes negros em universidades internacionais nas áreas de ciência, tecnologia, engenharias e matemática.

Esses programas são essenciais para romper barreiras e ampliar a presença negra em setores estratégicos, promovendo inclusão e igualdade de oportunidades.

Entre as iniciativas futuras, o Fundo Baobá planeja a reedição do Programa Marielle Franco, voltado ao fortalecimento de lideranças femininas negras em diferentes esferas, como política, movimentos sociais e educação. Essa nova edição promete ser um marco na luta por equidade racial e de gênero, formando uma rede de mulheres capacitadas para liderar transformações sociais profundas

Compromisso com a equidade racial

O Baobá – Fundo para Equidade Racial conecta histórias e ações concretas para enfrentar os desafios do presente e construir um futuro melhor. Com estratégias bem estruturadas, atua para fomentar a participação de pessoas negras nas decisões que impactam o país. Apoiar essa causa é investir em equidade e justiça social.

Primeiros estudantes selecionados pelo programa Black STEM para bolsas de estudo no exterior são apresentados em evento na B3 Social

Primeiros estudantes selecionados pelo programa Black STEM para bolsas de estudo no exterior são apresentados em evento na B3 Social

Em grande celebração, no dia 6 de agosto, o Baobá – Fundo para Equidade Racial e a B3 Social apresentaram os primeiros estudantes selecionados pelo edital Black STEM, voltado para jovens negros e negras brasileiros que alcançaram o objetivo de cursar uma graduação no exterior.  

O Black STEM é uma iniciativa que apoia a presença e permanência de pessoas negras nas áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM) em universidades internacionais. No Brasil, pessoas negras (pretos e pardos) constituem 56% da população, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas representaram apenas 36% dos formados em cursos superiores em 2020 e 32% dos formados em STEM. Essas áreas têm uma ligação histórica com a população negra, responsável por importantes desenvolvimentos científicos e tecnológicos. E o programa faz com que essa ligação histórica se perpetue, pois promove formação acadêmica para esses estudantes e contribui para a produção de conhecimento negro dentro da academia global.  

A apresentação de cinco estudantes selecionados pelo programa Black STEM foi feita no auditório da B3 (região central de São Paulo), apoiadora do programa criado pelo Fundo Baobá – Fundo para Equidade Racial, que teve como parceiro a BRASA (Brazilian Student Association). O processo seletivo, composto por quatro etapas, contou com especialistas das áreas de STEM, Psicologia e Educação com diferentes conhecimentos e experiências sobre graduação no exterior. Cada um dos selecionados receberá o equivalente a R$35 mil anuais para cobrir despesas de moradia, alimentação, transporte, entre outros, com a possibilidade de essas bolsas serem renovadas anualmente até a conclusão do curso. 

Celebração do dia 6 de agosto, em que o Baobá – Fundo para Equidade Racial e a B3 Social apresentaram os primeiros estudantes selecionados pelo edital Black STEM


Os selecionados pelo Black STEM foram:  

  • Camila Ribeiro Martins (Vitória, ES): Pilotagem na Escola Superior Náutica Infante Dom Henrique, Portugal. 
  • Diovanna Stelmam Negeski de Aguiar (São Paulo, SP): Ciência da Computação, na New York University (NYU), na China. 
  • Eric Souza Costa Ribeiro (Caieiras, SP): Engenharia Aeroespacial na University of Notre Dame, EUA. 
  • Melissa Simplicio Silva (Rio de Janeiro, RJ): Ciência da Computação na New York University (NYU), EUA. 
  • Rilary Oliveira Torres (Diadema, SP): Medicina na Universidad Nacional de Rosario (Argentina)

“O Black STEM é um programa de incentivo financeiro e educacional para adolescentes e jovens negros que desejam estudar ciências exatas fora do Brasil. Esta iniciativa não é um projeto de curto prazo, mas um programa duradouro desenvolvido pelo Fundo Baobá e pela B3 Social. Os resultados do primeiro processo seletivo mostram que estamos no caminho certo. Por isso, continuaremos a investir e a trabalhar para ampliar as perspectivas e horizontes dos alunos de escolas públicas e privadas que promovem a diversidade étnica por meio de ações afirmativas”, celebra Giovanni Harvey, Diretor Executivo do Fundo Baobá. 

A jornalista Adriana Couto fez a condução da cerimônia, transmitindo muita emoção para todos os presentes. Familiares e amigos dos estudantes tiveram a oportunidade de presenciar uma cerimônia recheada de alegria e comemorações. 

As histórias pessoais dos estudantes encantaram os presentes. Camila Ribeiro Martins, por exemplo, decidiu cursar Pilotagem depois de servir por dois anos à Marinha brasileira. “Servi como técnica no Rio de Janeiro e trabalhei em uma ilha. Tive muito contato com embarcações. O sonho de pilotar nasceu ali. Existe uma escola aqui no Brasil. Mas é escola militar e tem limite de idade. Então, as oportunidades existem, mas por vários motivos elas nos são negadas”, disse.     

Diovanna Aguiar se destaca desde a infância. “Amo ler. Aos 11 anos cheguei à marca de 300 livros lidos. Um dia, porém, minha avó me alertou para o fato de eu estar perdendo a corrida da vida. Ela se referia ao fato de eu não estar em uma boa escola. Eu sou de Itaquera e passei a querer estar nas melhores escolas. Entrei na Federal de São Paulo, uma das melhores instituições de ensino que temos. Nem que seja à força, temos que ocupar esses espaços”, afirmou Diovanna.  

Eric Souza começou a demonstrar ser uma criança fora da curva logo cedo. A mola propulsora de sua ida para a Notre Dame University é sua mãe. “Minha mãe, com a cara de pau dela, passou a ir às escolas particulares de Caieiras pedindo uma vaga para mim, sem ter nenhum dinheiro para pagar. Ela conseguiu. Passei a pensar em ser astronauta. Em 2021, fui o primeiro negro a representar o Brasil na Olimpíada Internacional de Ciência”, festejou.  

Melissa Simplicio Silva já está em Nova York e participou do encontro pela internet. Ela afirmou que a experiência como estudante no exterior faz com que enxergue melhor o Brasil: “Quando colocamos o pé para fora, a gente aprende a dar muito mais valor ao nosso país”, revelou.  

Rilary Torres é uma futura médica brasileira com formação na Argentina. O desejo pela medicina veio de uma previsão quando ainda era um bebê. “Segundo minha mãe, quando eu nasci, uma enfermeira ou a médica disse: ‘Essa vai ser doutora.’ Eu cresci com isso na cabeça e decidi virar médica. Descobri a universidade na Argentina, fui aprovada e estou lá”, concluiu.  

Os familiares estavam extremamente emotivos e a fala de Andressa Martins, mãe da estudante Camila, traduziu o pensamento de todos: “Não se trata só do dinheiro para eles permanecerem nesses países. Agradeço muito a isso, mas agradeço muito mais ao suporte. Isso é muito importante e vocês, Fundo Baobá e B3 Social,  estão dando”, concluiu.   

Fabiana Prianti, Head da B3 Social, enalteceu o fato de os estudantes estarem efetuando um resgate. “Vocês estão realizando os sonhos de seus familiares. Precisamos desses talentos negros. Portanto, voltem para o Brasil e assumam seus lugares de liderança”, disse. A fala de Fabiana reforça o que foi dito por Alexandre Moysés Nascimento, diretor de Governança da B3: “Esse é um dia histórico para nós. Celebramos aqui nossas vitórias e honramos os nossos ancestrais. Temos capacidade e competência, o que nos falta são oportunidades. É isso que a B3 quer proporcionar”, falou Alexandre.  

Outro momento de grande emoção foi com as participações do Professor Hélio Santos, membro da Assembleia Geral do Fundo Baobá e Presidente do Conselho da OXFAM, e André Lázaro, membro do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá. Santos exaltou a perseverança dos estudantes: “O maior delito da elite brasileira foi impedir a juventude de sonhar. Não há investimento maior do que investir na juventude. Por isso, ousem! Ousar nada tem a ver com irresponsabilidade. Ousem! Duas mulheres negras deram duas medalhas de ouro ao Brasil nas Olimpíadas de Paris. Então, ousem, porque não queremos apontar apenas os riscos que a população jovem negra sofre. Queremos mostrar as oportunidades que eles têm também”.  

O também professor André Lázaro encerrou o evento dizendo: “Estar aqui hoje é ver mais uma oportunidade. O Fundo Baobá está olhando para as pessoas e para o compromisso que tem com elas. Esse encontro revela compromissos transformadores. O Movimento Negro civilizou o Brasil. Ter a  B3 comprometida com a equidade é um grande passo que a nossa sociedade também tem para dar”, disse. Para os estudantes, Lázaro deixou o seguinte recado: “Não levem com vocês o peso da responsabilidade. Aceitem o direito de errar”, alertou.