Diovanna Negeski, selecionada da 1º edição do Black STEM, compartilha sua jornada direto de Xangai

Diovanna Negeski, selecionada na primeira edição do Black Stem, fala de sua vida como estudante na China

Xangai, na China, uma das cidades mais populosas do mundo. Com quase 27 milhões de pessoas, é um poderoso centro financeiro, econômico, tecnológico e educacional. Por ser considerada uma esquina do mundo, assim como Nova York, Paris e Tóquio, foi lá que a New York University (NYU) decidiu, em 2011, ter um polo de educação fora dos Estados Unidos. Em 2019 iniciou a construção do seu moderno campus e o concluiu em 2022, objetivando receber 4 mil alunos vindos de todas as partes do mundo. 

Diovanna Negeski, jovem de pele clara e cabelos cacheados escuros, aparece sorrindo levemente, vestindo um look branco sem mangas e usando um crachá com a identidade visual do edital Black STEM. Ela está em pé, com o braço apoiado em uma superfície, em um ambiente interno iluminado. A foto foi registrada nos bastidores da cerimônia de assinatura da bolsa do programa Black STEM, momento que marca o início de sua jornada internacional acadêmica.
Diovanna Negeski nos bastidores da cerimônia de assinatura da bolsa do edital Black Stem. Crédito: Thalita Novais 

Um desses 4 mil alunos é Diovanna Negeski, uma brasileira negra que cresceu, como ela própria diz, no fundão da zona leste, no bairro de Itaquera, hoje conhecido em todo o Brasil por abrigar o estádio do Corinthians, também chamado de  Itaquerão.

Bairro de classe média baixa, composto por famílias de trabalhadores, ele é o palco da infância de Diovanna, que foi sendo cuidada por sua avó, já que seus pais tinham que trabalhar para dar uma vida mais confortável à filha. A avó também se virava como podia, fazendo serviços domésticos nas casas da região. 

Querendo que Diovanna  tivesse um futuro diferente dos demais da casa, a avó um dia disse a ela que a condição social da menina a estava fazendo perder a luta para a vida. Motivo: as pessoas mais abastadas tinham acesso a um estudo melhor e a cada dia ganhavam mais distância dela em termos escolares.

Aquilo despertou na itaquerense o desejo de brigar por espaço nos melhores bancos escolares. Esse desejo levou Diovanna a avançar nos estudos e, posteriormente, se inscrever no edital Black Stem, do Fundo Baobá, realizado em parceria com a B3 Social e a BRASA. Em 2024, ela foi selecionada na primeira edição do edital e  atualmente está morando e estudando em Xangai.  Fomos conferir como está sendo o dia a dia de transformações em sua vida. 

Como você soube  do edital Black Stem?  Que benefícios essa bolsa tem trazido para você? 

A bolsa do Black STEM foi para mim o alívio, o escape que eu precisava e foi o motivo de hoje eu estar estudando na NYU Xangai, estar inspirando outras pessoas e o motivo de  trazer a minha voz para esse lugar. Minha perspectiva, minha voz, minhas ideias,  porque sem essa bolsa, sem o benefício do Baobá eu não conseguiria viver aqui.  Xangai é uma cidade muito cara. A bolsa que eu recebi da universidade não cobria tudo, então eu tive que  ir atrás do que pudesse me ajudar. Foi quando o Baobá apareceu (fui parar nas inscrições por intermédio de um  amigo na África do Sul que viu). Eu conhecia o Baobá, mas por algum motivo eu não tinha visto as inscrições. Eu não tinha essa informação de que tinha inscrição para pessoas negras que queriam estudar no exterior. Ele, esse amigo querido, o Luís, de Recife, viu que eu tinha todo o perfil e disse que eu tinha que me aplicar para aquilo. Eu já conhecia o Fundo, toda a transparência e toda a cultura das coisas que eles estão fazendo para a comunidade negra. Eu me apliquei e passei e com muito orgulho estou trazendo a força da comunidade negra aqui para a Universidade de Nova York, na China. 

Quando, como e por que você decidiu pela NYU China? Por que um país tão distante e com cultura tão diferente da brasileira? 

É, para contar essa história eu acho que tenho que voltar um pouquinho no tempo. Sempre fui uma menina que nasceu na zona leste de São Paulo,  região de Itaquera,  onde fui criada. Estudei toda minha infância em escola pública do bairro. Mas já nessa época eu era muito inquieta, alguém que buscava muitos desafios e coisas novas. Comecei a me envolver com projetos sociais durante esse momento do ensino fundamental. Eu gostava muito de entender como a educação poderia ser uma chave de transformação na vida das pessoas. Com isso eu fui estudar no Instituto Federal de São Paulo. No Instituto Federal de São Paulo comecei a estudar tecnologia e me envolvi com diversas iniciativas interessantes. Mas essa inquietação,  esse desejo pelo novo, esse desejo por desafios e por algo que me tirasse dessa zona de conforto foi o fator decisivo quando estava pensando para onde eu iria estudar. Porque o maior sonho da minha vida era viajar para Nova York e  meu sonho era estudar na Universidade de Nova York. Consegui realizar esse sonho de conhecer Nova York antes de vir para a China. Porém, apesar de ser o meu maior sonho,  eu ainda sentia que não era exatamente esse lugar que queria morar. Apesar de não ser uma pessoa de fala nativa. uma estadunidense,  eu domino o inglês. Então,  eu achava que Nova York não seria tão desafiador. Aí,  quando eu vi a China, Xangai,  eu falei: esse é o lugar perfeito para mim.  É o lugar que vai me desafiar. O lugar que vai me tirar da zona de conforto todos os dias. Que vai me colocar para estar sempre atenta e sempre buscando novos desafios.  Estando no Brasil, você imagina que a  China tem uma cultura que é muito distante da nossa. Mas,  estando aqui hoje, eu posso falar pela perspectiva de alguém que está morando aqui há mais de 6 meses. Eu falo que a gente (Brasil e China) tem muita similaridade. Queria sair da zona de conforto. Todo dia aqui é um desafio novo. Eu  estou  aprendendo chinês, que é uma das línguas mais difíceis do mundo, mas eu acho que é nesses momentos que a gente consegue ser moldado como ser humano e é por isso que escolhi aqui. 

O estudo é puxado? Como é sua rotina de estudos? Qual a matéria que tem sido mais difícil?

É bastante puxado. Meu dia começa bem cedo, às 6 horas da manhã. Aí eu vou pra faculdade e tenho aula das 8h às 14h. Todas as semanas temos provas, provas e mais provas. E há outras atividades. Então, a agenda tem que ser muito organizada. Isso demanda ter que ser muito certinho. Como eu gosto, preciso e necessito estudar, mantenho tudo em ordem. Mas também gosto de cuidar do meu corpo, de fazer esportes. Então, vou  para a academia. Mas tudo é agendado. A matéria mais difícil para mim foi chinês. É uma língua muito difícil, tem caracteres. Fiz o milagre de aprender de uma forma muito rápida,  porque aqui a gente aprende de uma forma extremamente rápida. Em quatro meses eu aprendi o que uma pessoa aprende em  um ano. Está muito rápido o processo. 

Diovanna Negeski, participante do programa Black STEM, aparece entre colegas internacionais da New York University (NYU) Shanghai durante a celebração do Ano Novo Chinês. O grupo está sorridente, vestindo moletons roxos com o nome da universidade, e segura enfeites e cartazes vermelhos com mensagens de boas-vindas e prosperidade. A imagem foi registrada em um ambiente interno colorido e moderno, refletindo a diversidade e o espírito coletivo da turma de alunos na China.
Diovanna na China com a turma de alunos da New York University (NYU)

Você chegou em Xangai e logo já foi fazendo um “Perdida na China”, série de vídeos sobre seu dia a dia aí.  A ideia nasceu aqui no Brasil ou quando pisou em Xangai?

A questão do Perdida é muito interessante, porque está tendo um alcance muito bacana.  Então,  muitas pessoas estão conhecendo. Nos últimos vídeos que eu postei, tive mais de  380 mil visualizações. Então,  muita gente está conhecendo um pouco mais sobre a China. O intuito do Perdida na China é fazer um  quadro semanal de vídeos onde eu mostro a minha realidade. Quero informar as pessoas, porque vejo quanto a desinformação pode ser um fator perigoso. Como ela pode colocar as pessoas em lugares de ignorância. Então, pensei em como eu vou conectar as pessoas que estão lá no Brasil para que elas vejam que a China não é de outro mundo. A China é um país como qualquer outro,  com suas peculiaridades. É um país com diferenças e similaridades.  Então o Perdida é um espaço de afirmação para espalhar informação de qualidade,  informação de alguém que está vivendo aqui,  informação verdadeira sobre o que é a China. 

Por que o apelido de “Blogueira de Centavos”? 

É interessante porque eu coloco em todos os vídeos a legenda: Perdida na China, episódio “X”, que vai mostrar a saga dessa blogueira de centavos tentando conquistar seu diploma na NYU Xangai. Blogueira de Centavos  é uma brincadeira,  porque com certeza eu não sou uma blogueira. Não considero também que eu seja criadora de conteúdo. Mas é uma brincadeira que tem  na internet, pois quando você posta você está explorando esse mundo das mídias sociais, onde tudo é muito rápido. Então, Blogueira de Centavos sou eu tentando me adaptar a esse modelo mais instagramável, em que as pessoas gostam de coisas mais instantâneas, rápidas, mais miojo. 

Quando começou a crescer na cabeça daquela menina da Zona Leste o desejo de ir para outros países? Houve algum motivo ou alguém inspirador?

Essa pergunta é bem profunda. Eu gosto muito de falar de um lugar, que é o meu coração.  Gosto de falar das coisas que vêm do coração. Eu adoro falar de mim menina. Aquela criança que nasceu e cresceu na Zona Leste de São Paulo, no fundão de Itaquera. Sempre fui uma criança inquieta, sonhadora, obstinada e dedicada. Fui criada pela minha avó, porque os meus pais trabalhavam. Eu os via com mais frequência nos finais de semana. Meu avô é um imigrante russo, que veio para o Brasil para trabalhar nas fazendas. Já a minha bisavó por parte de mãe era uma pessoa que vivia em situação de escravidão. Já a minha avó fazia esses trabalhos informais para as pessoas como empregada doméstica.  Meus pais tinham que trabalhar muito para que eu tivesse uma vida razoável. Lembro certa vez que  minha avó estava arrumando meu cabelo e ela disse uma das frases que muitos jovens negros ouvem: “Você sabe que está perdendo a corrida da vida, não sabe?” Eu era uma menina de uns 8 anos de idade e falei:  “Como assim?” Ela disse: “ É porque as pessoas que estão recebendo uma educação de melhor qualidade, os ricos, estão à frente de você. Estão a passos largos, muito mais na frente!”  Quando ela disse isso, eu passei a ver minha vida com uma corrida mesmo,  em que as pessoas que estavam melhor instruídas,  que tinham melhor educação, recebiam acesso a lugares que possivelmente poderiam potencializá-las mais. Elas poderiam acessar coisas diferentes. Então, eu  comecei a correr muito mais, a fazer muito mais. Ela, minha avó, além da minha mãe, foi esse motivo tão inspirador para me fazer estar aqui. Minha família sempre me apoiou muito em tudo, apesar das dificuldades financeiras. Eu tenho uma família que acreditou mesmo quando os sonhos eram muito grandes. Quando eu dizia: eu quero ir para Nova York,  nunca ninguém da minha família tinha tido um passaporte. Eu fui a primeira da minha família a ter um passaporte. A primeira da minha família a aprender inglês e viajar para fora.   Minha família nem achava que inglês era necessário. Então, mesmo sem entender exatamente para que serviria aquilo, ela me apoiou. 

Descreva sua chegada na NYU China e, se possível, o impacto que isso te causou. 

A minha chegada na NYU Xangai foi surpreendente, mas muito tranquila. Antes de eu vir para a China, estava morando na África do Sul, por conta de um programa de voluntariado que eu estava fazendo lá. Então eu passei um mês apenas pelo Brasil e vim para a China. Quando vim para cá, eu já estava acostumada com essa questão de não ter uma casa  fixa,  já estava acostumada a dividir um apartamento, dividir o quarto e essas coisas. Então, foi uma chegada muito tranquila. Tem sido muito desafiador aprender chinês, apesar de eu gostar muito de aprender línguas. Mas a cidade é incrível,  maravilhosa. A faculdade é muito interessante também. Ajuda a gente a ir mais longe,  chegar e conquistar o que a gente quer. Mas efetivamente eu acho que o maior impacto é eu estar aqui não só por mim, mas pelas pessoas que estão comigo. As crianças da minha comunidade de jovens negros, jovens como eu que nasceram na zona leste,  na periferia e que me dão força. Os meus sonhos não são só meus,  mas deles também. 

Diovanna Negeski, participante do programa Black STEM, aparece sorrindo em destaque na frente de um grupo de colegas estudantes da New York University (NYU) Shanghai. Usando moletons roxos com a identidade da universidade, a turma posa de forma descontraída em um corredor interno, com sinais de paz e alegria. A diversidade cultural do grupo e o ambiente universitário reforçam a experiência internacional de Diovanna na China.
Diovanna com a turma de alunos na China

As aulas são em inglês, certo? Onde, como ou com quem você aprendeu a língua?

Sim, as aulas são em inglês. Mas eu tenho que aprender também o chinês, pois tenho aulas separadas que são só em chinês. Mas as referentes ao meu curso são todas em inglês. É  muito interessante como eu aprendi inglês, mas eu preciso dar também um contexto. Eu vim de uma família que nunca entendeu qual era o propósito de falar inglês, não entendia qual é o propósito de aprender uma língua. Eu tive que implorar,  que pedir para minha mãe muitas vezes para que ela me colocasse num curso de inglês. Mas ela não conseguia entender qual era o propósito daquilo.  Eu sei que em outras famílias,  em outros contextos sociais no Brasil, você não precisa implorar para que um pai,  uma mãe pague um curso de inglês. Mas é que minha mãe e meu pai  não entendiam por que isso era necessário. Para que isso era bom? Com muito custo eu consegui convencer minha mãe a pagar. Eu fiz um curso de inglês particular, que ela pagou durante anos e também não gostava de pagar. 

Você cursa Ciência da Computação. O curso é de quantos anos? A divisão é por semestres, como aqui no Brasil?

Sim, eu curso Ciência da Computação, que é um curso de 4 anos e a divisão é por semestres, como no Brasil. A cada semestre eu pego algumas matérias. Nesse primeiro ano geralmente a gente faz matérias que a faculdade chama de core  (matérias que são fundamentais para a formação acadêmica do estudante), pois precisamos ter  o nível x de matemática e o nível y de escrita. Então,  eu tenho que pegar algumas matérias específicas para cumprir primeiro esses requerimentos e aí depois eu consigo pegar as matérias de outro curso. Mas as matérias de ciência da computação são mais voltadas para software,  programação  e dados. 

Você sempre aparece nos vídeos com amigos brasileiros e uma garota negra norte-americana. Quem são eles e como nasceu essa integração entre vocês aí na China? Qual a importância deles na sua vida hoje?

Existe claramente aqui uma diferenciação de culturas, mas  além da diferenciação existe a diversidade cultural, que dá a oportunidade de  ver pessoas do mundo inteiro falando línguas das mais diversas,  mais especiais e diferentes. A gente sabe que a questão racial  no Brasil é estruturada de uma forma e estruturada por outra nos Estados Unidos.  Mas as questões raciais sempre estiveram atreladas, histórica e antropologicamente, às questões de ordem  financeira, ao capital. Estudar em uma das universidades mais caras dos Estados Unidos e a mais cara da China faz a gente não ter muitas referências negras aqui. As pessoas negras que tem aqui são pessoas negras que talvez não se sintam pertencentes, porque são negros, mas cresceram como pessoas brancas ricas nos Estados Unidos. Aí eu encontro essa minha amiga, a Fortune, uma garota negra, e a  primeira vez que eu a vi eu sabia que queria ser muito amiga dela. A gente cresceu em culturas diferentes,  em países completamente diferentes, mas as nossas realidades são muito parecidas. Ela também tem um nível de conquistas muito grande, também tem bolsas e, como eu, está lutando aqui para se afirmar nesse espaço. Ela é muito importante nesse processo de aquilombamento, onde nos juntamos para falar de nossas dúvidas, dores, dificuldades, mas também falar das nossas alegrias de estar aqui. De termos chegado. Então, tenho essa amiga, a Fortune, outros brasileiros, muitos internacionais, mas há uma brasileira, a Clara, que foi crucial para mim. Ela tornou a minha chegada aqui na China tranquila.  A gente se considera uma família,  mas uma família longe da minha família, por  exemplo. 

Que mensagem você deixa para outros estudantes brasileiros que têm também o sonho de estudar no exterior? 

Eu penso sempre na palavra acreditar. E acreditar é um movimento de acreditar em si. De  ser o seu primeiro apoiador. De ser o seu primeiro fã. Eu tive apoio de familiares, de  amigos, mas a pessoa que mais acreditou em mim fui eu. Apostei muito em mim,  acreditei no meu potencial,  acreditei que iria mudar o jogo de um modo que inspirasse outras pessoas,  que trouxesse transformação social, que trouxesse diferenças. Então é muito importante que os estudantes acreditem que podem, que é possível!  

Você tem até o dia 30 de abril para se inscrever na segunda edição do edital Black Stem. Para ter mais informações, acesse este link: https://bit.ly/BS-2edicao. 

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