Alunes do Já É participaram de ação que conta a história e contribuição negra na cidade de São Paulo
Por Ingrid Ferreira
O Programa Já É, uma iniciativa do Fundo Baobá para Equidade Racial, está em seu segundo ano de execução e, no dia 19 de março, um grupo de estudantes participou de uma ação de reconhecimento da história e presença negra em pontos da cidade de São Paulo, aos quais visitou.
A atividade fez parte do encerramento do ano um do Programa. Em sua primeira edição o Já É, contou com o apoio da Citi Foundation, Demarest Advogados e Amadi Technology; em que o programa foi dirigido a jovens de 17 a 25 anos que já tivessem concluído ou estivessem cursando o 3º ano do ensino médio em escolas públicas e que residissem no município de São Paulo e região metropolitana.
O responsável por guiar o grupo nesse percurso foi Allan da Rosa, que é escritor, poeta, dramaturgo, historiador e angoleiro (capoeirista). Allan também é mestre e doutor em Educação pela USP.
Autor de Pedagoginga, Autonomia e Mocambagem, sobre culturas negras e educação popular, Allan também coordenou seminários e publicações referentes às obras e trajetórias de Jorge Ben, Muniz Sodré, Itamar Assumpção, entre outros. Ainda, como editor, criou o clássico selo Edições Toró no princípio do Movimento de Literatura Periférica de SP.
Allan da Rosa também apresentou oficinas, conferências, recitais e cenas em todas as regiões do Brasil, universidades, bibliotecas e centros comunitários de Moçambique, Cuba, México, Estados Unidos, Colômbia, Argentina e Bolívia. Recentemente publicou a obra Águas de Homens Pretos (2021), que é o resultado de sua tese de doutorado.
O encontro de todes ocorreu no escritório do Fundo Baobá, localizado no centro histórico de São Paulo, e de lá deu-se início às descobertas pela cidade. Pontos pelos quais as pessoas sempre andaram, mas não conheciam a história contida por trás de cada uma das casas de comércio, ruas, monumentos, praças e prédios antigos com que se deparavam.
Durante todo o trajeto, iniciado na Praça da República, as associações entre os locais e seus elementos históricos foram feitas, enquanto o percurso se desenhava até o Largo do Arouche, onde se encontra a estátua de Luiz Gama; passando pela Igreja da Irmandade da Nossa Senhora dos Homens Pretos, no Largo do Paissandu e terminando no bairro da Liberdade, onde estão a Igreja Santa Cruz das Almas dos Enforcados e a Capela Nossa Senhora das Almas dos Aflitos.
Luiz Gama foi advogado, escritor e jornalista, ele nasceu em Salvador no dia 21 de junho de 1830, de uma mãe negra liberta e um pai fidalgo português, por quem foi vendido como escravo e levado para São Paulo; Gama, entre outros títulos, detém o de patrono da abolição da escravidão no Brasil.
A Igreja da Irmandade da Nossa Senhora dos Homens Pretos representa um ponto de encontro de resistência, pois as irmandades de homens pretos surgiram no período colonial escravocrata e era uma forma de socialização, resistência e cooperação entre escravizados, libertos e aliados, bem como de mobilização de recursos para compra de cartas de alforria, para realização de funerais dignos, casamentos, ou mesmo batizados.
Já o bairro da Liberdade, apesar de ser conhecido por ser um bairro japonês, carrega muito viva a presença negra em seu território, tanto que Allan explica que o local onde hoje ocorre a feirinha, era chamado de quadrilátero do terror no século XIX, pois a composição do cenário consistia na delegacia, local onde acontecia os espancamentos, a forca e o cemitério; não por acaso a Igreja Santa Cruz das Almas dos Enforcados encontra-se ali presente.
E a Capela Nossa Senhora das Almas dos Aflitos, era uma capela cemitério destinada às pessoas excluídas da sociedade, tudo que está construído em seu entorno, recobre corpos que ali foram enterrados. O cemitério é de 1774 e a capela de 1779.
A emoção foi tamanha que o aluno Victor dos Passos Moreira disse em seu relato: “Eu tinha conhecimento sobre a história da Liberdade, mas sobre Luiz Gama me chocou bastante, ao saber que ele foi um dos advogados mais importantes do país e ainda é. Eu não tinha ouvido falar de Luiz Gama no ensino fundamental, no ensino médio e tampouco no cursinho pré vestibular”.
A fala de Victor evidencia como o apagamento histórico acontece, apesar de as pessoas caminharem sempre pelos mesmos lugares, muitas vezes elas não sabem o que realmente se passou ali.
A aluna Caroline Cristina Santos ressaltou a importância da atividade para o processo de pertencimento: “Acho que ter esse tipo de informação interfere no ponto de vista que temos da cidade. Por exemplo, eu tinha vontade de ir conhecer a feirinha da Liberdade, um dos pontos mais visitados de São Paulo e eu nunca iria imaginar o que aconteceu lá. Isso me faz ter mais curiosidade e vontade de pesquisar e buscar cada vez mais informações”.
A aluna Karine Lopes dos Santos disse: “O encontro foi muito bom, eu já havia feito um parecido em 2018, mas o Allan citou coisas que passavam despercebidas por mim antes. Agora, tenho um novo olhar ao sair de casa. Além disso, eu gostaria de ouvir também sobre os bairros mais extremos e periféricos”.
Além de ser um momento muito especial de reconhecimento da cidade para as e os estudantes, foi a chance de se conhecerem pessoalmente, já que muites só haviam tido contato virtual, por estudarem em horários e unidades diferentes do cursinho pré-vestibular.
Allan da Rosa contou: “Realizo esse trabalho há vários anos, com turmas de contextos e proveniências diferentes. Atuamos pedagogicamente nas ruas, tanto as do Centro quanto das periferias. Trabalho com várias organizações e movimentos sociais profissionalmente, mas também faço “por conta”, ou seja, como militância e prática pedagógica, que ocorre sem recebimento financeiro”.
Trabalhos como o de Allan são fundamentais para que as pessoas possam construir um olhar crítico sobre suas realidades, conhecendo a história que as cerca a todo momento.