Vozes que transformam

Fazer ecoar as falas das mulheres negras e dar representatividade para elas no ambiente político e em toda a sociedade. Esse é o foco  destas duas iniciativas empreendidas por organizações apoiadas pelo Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, que é apoiado pelo Instituto Ibirapitanga, Fundação Ford, Open Society Foundations e Fundação Kellogg.

Por meio do Programa, o Fundo Baobá oferecerá apoio financeiro, técnico e institucional a organizações da sociedade civil, grupos e coletivos liderados por mulheres negras. Acompanhe essas trajetórias cheias de emoção.

Romper as fronteiras impostas 

O coletivo Mulheres Negras Decidem nasceu há quase dois anos, a partir do engajamento de cinco mulheres (Juliana Marques, Ana Carolina Lourenço, Diana Mendes, Lorena Pereira e Gabrieli Roza). A ideia era organizar um espaço em que pudessem expor suas ideias e construir um ambiente político menos hostil para a mulher negra. O passo inicial foi a participação no Programa Minas de Dados, realizado em 2018. A partir dessa experiência, perceberam qual deveria ser o real propósito do coletivo dali em diante: dar voz e representatividade política à mulher negra. 

O assassinato da vereadora Marielle Franco, em março do mesmo ano, reforçou esse objetivo. “Nossa missão é qualificar e promover a agenda política liderada por mulheres negras na política institucional”, afirma Juliana Marques. Com o seu trabalho, elas querem não apenas dar visibilidade, mas impulsionar a atuação no meio político – em que homens brancos ainda são a maioria esmagadora.

Mulheres Negras Decidem – Foto: Wendy Andrade

Foi a partir do amadurecimento do grupo e do desejo de expandir, que o coletivo se inscreveu no Programa Marielle Franco com a iniciativa: “Um novo projeto de democracia”. Quando começou, as articuladoras estavam concentradas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Agora, estão em mais 14 estados (AL, AM, BA, DF, ES, MA, MG, PB, PE, PI, PR, RO, SC e TO). 

Nestes 18 meses de existência, o coletivo já realizou ciclos de formação política, em 2018, nos quais foram discutidas regras do jogo eleitoral, e reconstruiu a participação de diversas mulheres negras na política, bem como os sistemas políticos que serviram de pano de fundo para as candidaturas. No ano passado, realizaram o Fórum Mulheres Negras Decidem para discutir a política brasileira sob um olhar antirracista e feminista.

“No contexto da pandemia, inspiradas pela intensa mobilização de mulheres negras para mitigar os impactos negativos em suas comunidades, realizamos também a pesquisa Para Onde Vamos?. Em parceria com o Instituto Marielle Franco, acessamos 245 mulheres negras de todo o território brasileiro e apresentamos um panorama do ativismo no Brasil”.  O apoio do Fundo Baobá permitiu ter condições materiais para fortalecer a capacidade de liderança com foco na governança e na sustentabilidade do coletivo. “Além disso, colaborou para nossa visibilidade dentro do movimento de mulheres negras e para a ampliação do alcance da nossa pauta.”

Espaços de troca, acolhimento e denúncia

O coletivo Marcha das Mulheres Negras de São Paulo foi criado a partir do processo de construção da Marcha Nacional das Mulheres Negras, que aconteceu em Brasília, em 18 de novembro de 2015. Desse processo, o núcleo que construiu a Marcha Nacional deu continuidade às ações e, em 2016, iniciou a Marcha em São Paulo. “Nosso objetivo é promover discussões sobre  a opressão e violência presentes nas estruturas políticas, sociais e econômicas do país  e, partir daí, traçar estratégias que, além de cobrar ações efetivas por parte do Estado, permitissem que a Marcha de Mulheres se consolidasse como canal de apoio a denúncias”, explica Andréia Alves.

A ideia é que, além de acolhidas, elas tenham formação política a partir de uma perspectiva negra, periférica e de mulheres. O coletivo faz questão de afirmar que o grupo é um espaço plural e diversificado, multirreligioso, não governamental e multipartidário, que articula, de forma descentralizada, e trabalha para o fortalecimento da democracia. “Buscamos, de forma permanente, estabelecer alianças e engajamento nas lutas sociais, fortalecendo a luta contra o racismo, o patriarcalismo, a lesbofobia, a bifobia, a transfobia, o classismo e todas as formas de preconceito e discriminação”, diz. O grupo é formado por mulheres negras  idosas, jovens, lésbicas, bissexuais, transexuais, com deficiência, das cidades e das periferias. “Mulheres múltiplas na existência e na resistência”, diz Andréia.

Marcha das Mulheres Negras de São Paulo

O coletivo viu no edital do Programa Marielle Franco a chance de capacitar essas militantes comunitárias, acadêmicas, independentes, estudantes e trabalhadoras de diversas áreas. “São mulheres brilhantes que, raramente, se enxergam como lideranças, embora sejam mais do que ninguém”, revela. A capacitação é o meio de romper com o racismo e o sexismo estruturais, que impedem a entrada e a permanência dessas mulheres em espaços de poder. “Quando detectamos a possibilidade de proporcionar formação política e técnica para mulheres negras, não perdemos tempo”, confirma.

O projeto inscrito –Aquilombar e Ampliar Universos – formação política para mulheres negras” – foi selecionado. Nestes seis meses iniciais de apoio, o grupo conseguiu não apenas a capacitar essas mulheres, mas estruturar a área de comunicação. Andréia destaca que o apoio do Fundo Baobá – da assessoria técnica qualificada ao suporte financeiro – permitiu colocar em prática ações planejadas, conhecer e criar redes com outros grupos, organizações e coletivos de mulheres negras em todo Brasil. Além disso, vai possibilitar colocar o site no ar e também criar conteúdos para  um canal no YouTube para divulgar, por exemplo, a primeira atividade de formação política.

Todos os anos, no dia 25 de Julho – Dia Internacional da Mulher Afro-latinoamericana e Caribenha e Dia Nacional de Teresa de Benguela – o grupo reúne milhares de pessoas nas ruas da capital paulista, em marcha contra o racismo, o machismo e a lesbotransfobia, entre outras formas de opressão. Este ano, por conta da pandemia, as atividades foram on-line, com ajuda das tecnologias digitais e da internet. “Nossa marcha on-line contou com uma programação ao vivo, além de transmissões de intervenções de rua, como faixas e videomap (projeção em edifícios). Os conteúdos gerados foram transmitidos em nossas redes sociais (youtube, facebook e instagram), em perfis de artistas e digital influencers que são parceiros”, relembra. Além de mais reportagens na mídia, aumentaram de 1700 para 4000 os seguidores no instagram.

Por ser on-line, a marcha teve a participação também de mulheres com deficiência. Segundo Andréia, elas contribuíram para melhorar a comunicação, incluindo as hashtags de acessibilidade  #paratodoslerem e #paracegoler e também a tradução em libras na maioria das lives. “Foi um processo ainda inicial, mas temos vontade e disposição para fazer e, mais do que isso, tomamos para nós a responsabilidade política de tornar a MNSP um espaço para todas as mulheres negras e suas especificidades”, afirma.

 

Vozes que transformam

Resgate da memória e o direito de ser quem você quiser: esse é o foco  destas duas iniciativas empreendidas por organizações apoiadas pelo Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco,  que é apoiado pelo Instituto Ibirapitanga, Fundação Ford, Open Society Foundations e Fundação Kellogg.

Por meio do Programa, o Fundo Baobá oferecerá apoio financeiro, técnico e institucional a organizações da sociedade civil, grupos e coletivos liderados por mulheres negras e lideranças femininas negras. 

Igualdade e respeito como princípios de vida

Grupo de Mulheres Lésbicas e Bissexuais Maria Quitéria (Paraíba) começou seu trabalho em novembro de 2002, com o objetivo de combater a violência e o preconceito contra essas mulheres. Ancoradas no movimento gay, sentiam que suas pautas eram silenciadas e, para agravar a situação, sofriam violência por conta do machismo e da lesbofobia praticados ali. “Precisávamos de iniciativas que nos representassem além do HIV/Aids, resgatassem nossa cidadania e promovessem a autoestima dessas mulheres”, explica Cryss Pereira. O resultado foi a formação do coletivo.

Em 2019, quando foi aberto o edital para o Programa Marielle Franco, do Fundo Baobá,  o coletivo percebeu que era uma ótima oportunidade para se organizar e começar a expandir discussões e formações. O projeto inscrito –  “Equidade sim! Racismo não!” – foi um dos selecionados e permitiu dar mais visibilidade a elas, além de impulsionar e fortalecer as lideranças internas, especialmente nestes meses de pandemia, em que as atividades se concentraram no mundo virtual.

Antes da Covid-19, entre as ações que já desenvolveram, as que citam como mais relevantes são “Goleando contra LGBTfobia”, um torneio de futsal feminino no qual fortalecem as jovens para enfrentar a violência e o preconceito, e “Eu também sou cidadã”, projeto voltado para o empoderamento das mulheres privadas de liberdade.

Grupo de Mulheres Lésbicas e Bissexuais Maria Quitéria (Paraíba)

Olhar para a questão da violência contra a mulher, aliás, é um tema urgente e sempre presente para elas – sobretudo em tempos de pandemia, com o aumento dos casos. “Mas visualizamos também um avanço na disseminação de informações on-line, um maior envolvimento quanto às denúncias e quanto à propagação de postagens encorajadoras e empoderadoras para as mulheres”, confirma Cryss Pereira.

Segundo ela, o apoio do Fundo Baobá permitiu aprofundar o conhecimento quanto à própria história dessas mulheres, além de dar condições de ocupar as mídias sociais de forma qualificada, garantindo espaços de discussão. “Ter a oportunidade de fortalecer ativistas financeiramente trouxe para o grupo duas designers gráficas, que estão encarregadas da produção das peças virtuais. Além disso, elas também são ativistas. Portanto, é um sonho ter pessoas qualificadas na nossa comunicação”, afirma. Foi justamente no meio virtual, com a profissionalização da comunicação institucional, que conseguiram seguir com as atividades. 

Uma das mais recentes foi a live-show da cantora Bia Ferreira, em comemoração ao 29 de agosto, Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. A artista possui forte atuação por meio da sua música contra o racismo e a favor dos direitos LGBT. O show,  uma construção coletiva, em parceria com a Secretaria da Mulher e Diversidade Humana e a Fundação Espaço Cultural (Funesc), ambas da Paraíba, foi ao ar no instagram do Maria Quitéria. 

Da moda para o jornalismo pela causa

O portal Blogueiras Negras se materializa a partir da Blogagem Coletiva Mulher Negra, em 2013. Na época, um grupo de mulheres negras organizadas em diferentes espaços on-line resolveu se reunir para escrever sobre a intersecção racismo e feminismo. “Compreendemos que era um território que esse grupo poderia explorar coletivamente”, relembra Larissa Santiago. A pergunta que deu início a esse processo foi: “onde estão as blogueiras negras de moda?”, publicada no blog Tempo Fashion. Provocadas, resolveram reunir demandas, temas e denúncias no endereço blogueirasnegras.wordpress.com e, mais tarde, no blogueirasnegras.org.  

O início foi difícil e elas quase desistiram, depois de ficar três meses fora do ar, em 2019. Mas foi aí que surgiu a possibilidade de fazer a inscrição no Programa Marielle Franco. “Foi um momento crucial. Resolvemos planejar como manter a memória. Assim, nos inscrevemos no edital na esperança de consolidar o sonho de gerir e manter a comunicação como o legado das mulheres negras”, revela Larissa Santiago.

O projeto inscrito – “Autonomia e Memória, consolidando o legado da comunicação no movimento de mulheres negras no Brasil” – foi selecionado e ajudou a fortalecer a capacidade interna de organização e sua gestão, consolidando o protagonismo do coletivo na comunicação do movimento de mulheres negras. Parte desse trabalho consiste na manutenção de uma plataforma com mais de 1300 textos, a maioria inédita e assinada por 400 autores. 

Da esquerda para a direita: Larissa Santiago, Charô Nunes (ao centro) e Viviane Gomes, na primeira vez em que se encontraram para dar início ao projeto Blogueiras Negras

Nesse processo e respondendo às demandas que surgiram, criaram um podcast para dar mais visibilidade aos efeitos da Covid-19 nas periferias. “Nossos posts sobre a infeliz morte de crianças negras aumentou significativamente nossa visibilidade.  Temos feito lives, inclusive internacionais, sobre cuidados digitais e outras áreas programáticas. Vale  acrescentar que reforçamos a comunicação com as profissionais de redes sociais com objetivo de  ampliar nossa presença e levar nossa experiência a um número maior de pessoas”, completa Charô Nunes, também do coletivo. 

Nestes anos de existência, o Blogueiras Negras desenvolveu várias trocas e aprendizados. Por conta disso, reconhecem que houve avanços para a mulher negra, mas ainda falta muito para equiparar condições de vida, empregos, saúde. “É notório perceber alguns avanços, apesar do contexto atual, mas esses números ainda são insuficientes. Precisamos de moradia, comida e estarmos nos espaços em que poderemos de fato tomar decisões para garantir, minimamente, o que está na constituição”, finaliza Viviane Gomes.

O apoio do Fundo Baobá permitiu dedicar tempo não apenas para pensar expansão, mas perceber potencialidades e desafios, além de incrementar áreas, como a comunicação nas redes sociais, o podcast e novas parcerias – especialmente em tempos de pandemia, em que, respeitando o distanciamento, elas tiveram que suspender as atividades presenciais. E, ainda assim, “propagar vozes das diferentes mulheres negras militantes”, como diz Charô Nunes.

Chamada para artigos, lançada pelo Fundo Baobá, tem como foco ações de filantropia pós-pandemia

O Fundo Baobá para Equidade Racial lançou, no início de agosto, uma chamada para artigos inéditos que contribuam para aprimorar a ação de filantropia para equidade racial no Brasil pós-pandemia da Covid-19. A iniciativa integra o projeto “Consolidando Capacidades e Ampliando Fronteiras”, em parceria com a Fundação Ford, e tem como objetivo orientar as doações que serão realizadas pelo Fundo Baobá para fortalecer a atuação de organizações e lideranças negras e, ao mesmo tempo, direcionar a captação de recursos.

As inscrições prosseguem até o dia 12 de outubro, às 23h59, aqui no site. O edital é aberto à comunidade acadêmica. O/a autor/a principal precisa ser especialista, ter título de mestrado ou doutorado com produção acadêmica concernentes às áreas priorizadas pela instituição. Serão selecionados até 20 artigos, que receberão apoio de R$ 2,5 mil cada, e farão parte de uma publicação bilíngue a ser lançada em 2021 ano em que o Fundo Baobá completa uma década de atuação.

Rebecca Reichmann Tavares, Presidente & CEO da Brazil Foundation e membro do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, explica que iniciativas assim são importantes porque vão ajudar a entender os efeitos da pandemia e, assim, apoiar as comunidades nessa nova fase ou no novo normal, como está sendo designada a fase posterior à emergência sanitária da Covid-19.

Além das mortes, que não foram poucas, a pandemia imprimiu nova ordem econômica e social. “Temos visto famílias  devastadas, sofrendo com a perda de vidas, desemprego e fome”, disse.  “Empresas que suspenderam atividades,  crianças sem oportunidades educacionais, e a exclusão racial e a discriminação agravando os impactos nesses locais.”

Rebecca Reichmann Tavares é presidente & CEO da Brazil Foundation e membro do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá

Ela explica que, diante desse quadro, quem atua na filantropia deve basear decisões em evidências. “Temos que entender que, além da estratificação socioeconômica, os negros, mesmo em níveis semelhantes de renda e educação com suas contrapartidas de pele mais clara, sofrem os piores efeitos da pandemia. Em parte, é porque cuidam dos outros, usam transporte público e mantêm a cadeia de produção”, afirma.

Como se não bastasse, a população negra, com mais frequência vive em espaços que estão superlotados e sem saneamento básico, o que não apenas fere a dignidade humana, mas prejudica sua segurança física em tempos de pandemia. “As evidências trazidas pelos artigos, as diferentes leituras sobre realidades, necessidades e possíveis soluções, aliadas à escuta ativa que temos realizado junto aos grupos, coletivos e organizações negras que apoiamos, serão cruciais para aprimorar nossa atuação no campo da filantropia por justiça social e também para iluminar o ecossistema filantrópico em geral. Queremos engajar outros atores, trazer mais gente para  apoiar com recursos, a causa da equidade racial para a população negra”, explica Fernanda Lopes, diretora de programa do Fundo Baobá para Equidade Racial.

Agosto negro e o cuidado com a saúde mental

No mês passado, foi celebrado o “Agosto Negro”. Sua origem foi a luta do movimento negro nos Estados Unidos, na década de 1970, após a prisão e morte de George Lester Jackson, em 21 de agosto de 1971, na prisão de San Quentin, na Califórnia.  Ele foi preso e condenado à prisão perpétua depois de ter roubado 70 dólares em um posto de gasolina. 

Durante o tempo em que permaneceu preso, estudou economia política e, ao mesmo tempo, se destacou como líder da resistência negra – o que levou ao seu assassinato por um agente penitenciário. Sua morte fez com que milhares de pessoas fossem às ruas, clamando pelo fim do racismo e do extermínio da população negra. Quatro décadas depois, o povo negro continua nas ruas, mesmo diante de uma pandemia mundial,  afirmando que vidas negras importam, sim!

A luta antirracista requer resistência, é verdade, mas também demanda da sociedade uma análise aprofundada dos impactos do racismo em todas as fases da vida de suas vítimas,  que sofrem com o preconceito, a discriminação e desenvolvem uma série de traumas. Discutir o racismo e as suas consequências, além de frisar a importância dos cuidados com a saúde mental, é de extrema importância para a promoção da equidade racial. Iniciativas como a da Articulação de Psicólogos Negros, que dedica um mês à saúde mental e à luta antirracista, são fundamentais.

Apoiado pelo Fundo Baobá para Equidade Racial no edital de doações emergenciais no combate ao Coronavírus, o psicanalista, doutorando da PUC-SP e membro do Coletivo Margens Clínicas, Kwame Yonatan Poli dos Santos, organizou a cartilha “Saúde mental, relações raciais e Covid-19”, em parceria com a psicanalista Laura Lanari. A cartilha contém cinco textos que pretende dialogar com a população negra sobre os problemas relacionados à vivência do racismo. Confira sua entrevista: 

De qual forma o racismo impacta a saúde mental das pessoas negras?
Os efeitos das práticas do racismo na subjetividade devem sempre ser escutados na sua singularidade ou podemos incorrer no erro de universalizar que toda população negra se afeta, e responde da mesma maneira, com as práticas de racismo. Nossa aposta deve ser a construção de saídas singulares, coletivas ou individuais. No entanto,  se entendermos que o racismo é um dado estruturante das relações,  compreenderemos que é um sistema que estrutura o laço social, assim sendo,  temos que pensar como esse sistema atua em nós e como respondemos a ele. Isso significa que algumas pessoas e grupos construirão saídas mais ou menos a reexistir, ou seja,  afirmar a sua existência na sua diferença diante dessa ferida colonial que sangra. É importante mencionar que o racismo estrutura o campo das relações. E subjetiva tanto as pessoas negras quanto as brancas, pois não é possível silenciar, discriminar, humilhar, violentar, matar sem se tornar monstruoso, isto é,  desumanizar-se também nesse processo. Por fim,  possuímos indicadores no âmbito da saúde mental de que o racismo produz um sofrimento psíquico intenso em uma grande parcela da população negra, produzindo efeitos no horizonte do desejo. Cito o exemplo  dos dados de 2016 do Ministério da Saúde que mostram uma prevalência do aumento do suicídio em jovens negros, isso nos mostra uma face do genocídio .

Kwame Yonatan Poli dos Santos

O racismo sofrido durante a infância e adolescência interfere na vida adulta e nas relações pessoais do negro?
Como disse anteriormente,  o racismo é um dado estruturante das relações e pode deixar marcas no campo do desejo de modo a violentar, desde muito, a infância a população negra. Portanto, escuto muitas mulheres negras  e homens negros na clínica relatarem vivências violentíssimas na escola  e até mesmo na família, que deixaram sequelas profundas na forma de se posicionar diante do mundo até a vida adulta, chegando a internalizar como mecanismo de sobrevivência,  por exemplo:  adaptar-se o tempo todo para  ser aceito e/ou reconhecido por pessoas brancas. Como diz a psicanalista Neusa Santos Sousa, autora da obra Tornar-se Negro (1983), ser negro é estar submetido a uma dupla injunção: de odiar sua negritude (cabelo, história etc) e almejar os ideais da branquitude. Logo, é  preciso ressignificar constantemente a vivência da negritude de maneira a produzir linhas de singularização, da experiência de enegre-ser produzindo outros sentidos para além da captura binária resistência/sofrimento.

Como é falar da importância da saúde mental, sem demagogia, considerando as desigualdades sociais, o genocídio dos jovens negros, o encarceramento em massa da população negra, entre outros problemas?
É preciso compreender o genocídio de maneira ampla, isto é, para além daquele policial que atira ou do que enfia a faca. Existem os amoladores de faca (ideia do professor da UFRJ Luís Antônio Baptista) – ‘antes do punhal ser cravado nas costas do mestre Moa do Katende (capoeirista, compositor, percussionista, artesão e educador, assassinado em outubro de 2018)  existiram aqueles que amolaram o punhal, prepararam o terreno, autorizando a morte, enfraquecendo a vítima antes do golpe mortal. Nessa perspectiva, antes de o jovem negro ser preso, assassinado ou morrer de frio na rua, existe uma série de pessoas e instituições que amolaram o punhal. Logo, o genocídio é uma trama de poder que mata aos poucos. O genocídio também se refere aquilo que nos mata aos poucos  ao sequestrar o futuro daqueles que ainda nem viraram adultos. Quando apontamos os dados sobre prevalência do suicídio dos jovens negros,  essa é a ponta do iceberg, a parte imersa conta processos de subjetivação coloniais que sequestram a potência,  aniquilam as perspectivas de sonhar um futuro. Uma das piores formas de miséria humana é a de não poder sonhar mais. O cuidado em saúde mental deve produzir sonhos, isto é, por meio dele deve-se investir em estratégias de produção de energia vital,  revitalizando esse sujeito para que possa protagonizar sua vida.

Em junho de 2020, com o apoio do edital de doações emergenciais do Fundo Baobá para Equidade Racial, e em parceria com o coletivo Margens Clínicas, você, ao lado da Laura Lanari, organizou a cartilha “Saúde Mental, Relações Raciais e Covid-19”, fale sobre esse trabalho.
A cartilha é fruto de muitas mãos. Ela nasce em 2016 com um convite para realizar oficinas de relações raciais e saúde mental em um Centro de Atenção Psicossocial (Caps) da zona sul de São Paulo. À medida que ia passando por outros Caps ia percebendo a dimensão racial como uma chave de análise da instituição. Então, por exemplo, lembro de uma equipe, majoritariamente branca, que não se sentia à vontade em fazer roda com os usuários e, consequentemente,  tinha várias dificuldades de se enxergar racializada. Com a pandemia temos a descaracterização dos serviços, mas também um ‘relançar dos dados’, a oportunidade dos Caps se reinventarem e fazerem a rede a partir da transversalização da temática racial. A cartilha traz a proposta do Aquilombamento da Rede Sul, em São Paulo (SP), que se reformulou com a pandemia para o formato on-line. Nessa perspectiva, o quilombo é um mundo sem os muros da colonialidade. Aquilombamento é a construção do comum que toca o plano singular, uma reorientação vital,  a partir da perspectiva  interseccional de uma analítica das relações de poder e seus efeitos no corpo. A cartilha tem cinco textos que versam sobre saúde mental, Covid-19, relações raciais,  psicanálise e saúde pública.

Cartilha Saúde Mental, Relações Raciais e Covid-19

Leia a cartilha “Saúde Mental, Relações Raciais e Covid-19” aqui

Fundo Baobá na imprensa em agosto

Durante o Agosto Negro, o Fundo Baobá para Equidade Racial divulgou dois editais na imprensa. O Já É: Educação para Equidade Racial foi destaque no Minuto Futura, do Canal Futura, em portais de mídia negra, como Mundo Negro, e também no site da Escola Aberta do Terceiro Setor.

O edital de chamada para artigos sobre promoção da equidade racial no Brasil no contexto pós-pandemia, lançado no dia 6 de agosto, foi citado na Revista Afirmativa, e nos sites de mídia negra Notícia Preta e Alma Preta.

A diretora de programa do Fundo Baobá, Fernanda Lopes, concedeu entrevista ao jornal O Globo, para uma reportagem intitulada “Filantropia negra se volta para a inclusão social contra o racismo persistente e estrutural”. Na ocasião, Fernanda relembrou o edital de doações emergenciais no combate ao coronavírus que, em apenas 12 dias, recebeu mais de mil propostas. “A pandemia trouxe uma vivência exacerbada das desigualdades históricas e do racismo estrutural. Atuar captando fundos contra o racismo, num país que tem dificuldade em reconhecê-lo como operante na definição de todo o tecido social, é desafiador. Mas a população negra é uma potência e preservar suas vidas é preservar um ativo de transformação”, disse.

No dia 18 de agosto, o Jornal Nacional exibiu reportagem na qual citava as dificuldades dos empreendedores negros durante a quarentena. Segundo dados do Sebrae, 46% estão com dívidas em atraso, enquanto 61% dos que buscaram empréstimo não conseguiram. Na mesma abordagem foi apresentado o trabalho da Coalizão Editodos que, em parceria com o Fundo Baobá, vai apoiar até 500 empreendedores no âmbito do programa Emergências Econômicas. 

Veja aqui

Fundo Baobá participa de lives sobre filantropia colaborativa, igualdade racial e fortalecimento do empreendedor negro 

Selma Moreira, diretora-executiva do Fundo Baobá, participou em 4 de agosto do segundo dia do “3º Fórum Negócios de Impacto da Periferia”, organizado pela Articuladora de Negócios de Impacto da Periferia (ANIP). 

Na companhia de Adriana Barbosa (fundadora da Feira Preta) e Jéssica Rios (Vox Capital), com a mediação de Fabiana Ivo (Articuladora de Negócios de Impacto da Periferia/ ANIP), Selma falou sobre como fortalecer investimentos e prover apoio ao empreendedor negro no campo de negócios de impacto, na perspectiva da equidade.

A diretora-executiva também foi uma das convidadas do ConCEJ 2020 (Congresso Catarinense de Empresários Juniores 2020), que ocorreu em 22 de agosto. Ela participou do debate “Combatendo Desigualdades”, que teve como cerne a igualdade racial, de gênero e para a comunidade LGBT QI+. A mesa virtual também contou com Yuri Trigo, vice-presidente de negócios da Brasil Júnior, e Letícia Medeiros, cofundadora da ONG Elas no Poder.

Por fim, no dia 27, aconteceu o 11º Congresso GIFE/Fronteiras da Ação Coletiva, com o tema Filantropia Colaborativa, e quem representou a organização foi o presidente do conselho deliberativo do Fundo Baobá, Giovanni Harvey. Participaram também Denis Minze (Diretor Executivo da Fundação Lemann) e Peggy Saïller (Diretora Executiva da NEF – Network of European Foundation). O evento foi transmitido via Zoom e aprofundou os diferentes formatos de filantropia colaborativa, além de discutir e apontar caminhos e desafios em busca de formas mais articuladas e colaborativas para a mobilização, gestão e alocação de recursos privados para fins públicos.

Confira todas as reportagens de agosto sobre o Fundo Baobá:

Escola Aberta do Terceiro Setor – 04/08

NGOSource – 05/08

Notícia Preta – 15/08

Revista Afirmativa – 15/08

Alma Preta – 17/08

CEERT – 18/08

Jornal Nacional – 18/08

Mundo Negro – 18/08

Canal Futura – 25/08

O Globo – 26/08

Prosas – Edital Chamada para Artigos 

Prosas – Edital Já É