Cuidados para a saúde física e mental das populações vulneráveis

Determinantes para mitigar o avanço da pandemia do novo coronavírus, as políticas de distanciamento social e as recomendações básicas de higiene soaram um alerta para a parcela da população que vive em favelas, periferias e rincões do país, em situação de extrema pobreza e sem infraestrutura. De acordo com o Instituto Trata Brasil são quase 35 milhões de brasileiros que sequer têm acesso ao abastecimento de água e mais de 100 milhões sem a cobertura da coleta de esgoto.

Pensando justamente nesse grupo, longe de espaços de acolhimento adequados, a assistente social Claudia Arantes da Silva Mathias, de 51 anos, se inscreveu no edital do Fundo Baobá.

“Atuo há 22 anos no Centro de São Paulo e acompanho as demandas dessas pessoas – especialmente mulheres e jovens gestantes. Muitas delas, na sua grande maioria negras, relataram situações de violência e empobrecimento, agravadas pela epidemia que interrompeu ou reduziu muitos serviços”, explica.

Projeto de Claudia Arantes da Silva Mathias, São Paulo (SP)

Claudia considerou ainda o cuidado integral das crianças na primeira infância:

“Vivendo nos cortiços e ocupações, em ambientes insalubres e sem espaços de convivência e lazer, os pequenos são os que mais sofrem com as situações de violência doméstica. Creches e escolas fecharam e eles não ganharam opções lúdicas e educativas.”

Moradora da Zona Oeste, Claudia usou carro e transporte público para realizar visitas domiciliares na favela do Moinho e em cortiços das regiões da Luz, Canindé, Bom Retiro e Consolação; distribuiu 60 cestas básicas e 60 kits de higiene e limpeza. As demais ações ocorreram no ambiente virtual: atividades lúdico-pedagógicas para crianças de 0 a 6 anos; entrevistas individuais de acolhimento e reuniões com adolescentes e jovens mães, para o enfrentamento de violência doméstica.

Projeto de Claudia Arantes da Silva Mathias, São Paulo (SP)

“Em quatro desses casos de violência nós orientamos as mulheres sobre as medidas legais possíveis, e contei com a ajuda da A.A.Criança para realizar o atendimento biopsicossocial das famílias”.

Ao todo 114 pessoas foram beneficiadas, entre elas a jovem mãe Kelly, 17, que deixou o seguinte relato:

“Nesse momento em que a gente não tinha a quem recorrer, a senhora foi um porto seguro. Ter alguém pra falar dos nossos problemas, e nos ensinar o que é bom pra fazer nessa hora de tanta dificuldade, não tem preço”.

Projeto de Claudia Arantes da Silva Mathias, São Paulo (SP)

Da mesma forma a enfermeira Dóris Faustino, 33, voltou o seu olhar para comunidades periféricas de Belo Horizonte, capital mineira, e Betim, quinto município mais populoso do estado.

“A minha motivação para participar do edital do Fundo Baobá veio do desejo de colaborar com as meninas mães egressas do projeto socioeducativo do coletivo Teia de Anansi, onde trabalho há três anos. Confiantes no nosso trabalho, as jovens não hesitaram em nos contar que enfrentavam dificuldades para comprar materiais básicos para seus bebês em decorrência da pandemia”, relata.

Projeto de Dóris Faustino do coletivo Teia de Anansi – Belo Horizonte e Betim (MG)

Com ênfase na prevenção da doença e nos cuidados necessários para as adolescentes e seus bebês, Dóris definiu as seguintes estratégias: elaboração e entrega de cartilhas ilustrativas com esclarecimentos sobre o SARS-CoV-2 (Covid-19); distribuição de álcool em gel e máscaras de proteção; conversas por telefone para falar sobre a saúde das mães e dos bebês.

Projeto de Dóris Faustino do coletivo Teia de Anansi – Belo Horizonte e Betim (MG)

Conseguimos atingir oito adolescentes diretamente e seus bebês, totalizando nove crianças em Belo Horizonte e Betim, mais os seus familiares. Para algumas adolescentes mães egressas do socioeducativo que estão nos interiores de Minas Gerais, nós enviamos a cartilha e conversamos via aplicativos de mensagem e redes sociais. Elas agradeceram muito.”

Projeto de Dóris Faustino do coletivo Teia de Anansi – Belo Horizonte e Betim (MG)

A fim de contribuir com a primeira infância no contexto da pandemia, a psicóloga Aline Cardoso Côrtes, 29, moradora de Taguatinga, no Distrito Federal, mobilizou pelo menos seis agentes populares de saúde nos cuidados de famílias da comunidade Quintas do Amanhecer e do Assentamento Pequeno William, em Planaltina. Ao longo do projeto, eles tinham a tarefa de convidá-las para as ações e acompanhá-las.

“O cenário de pandemia, isolamento social e crise econômica desencadeou, sobretudo para as famílias e comunidades de baixa renda, uma condição de medo constante e situações de estresse vivenciadas pela falta de apoio e cuidado aos indivíduos. O projeto representou uma oportunidade de viabilizar condições concretas para salvar vidas e promover saúde às crianças e seus cuidadores. Uma etapa inicial muito importante foi a de mobilização e formação com a temática saúde mental no contexto de crise econômica e isolamento social para os agentes.”

Após o mapeamento das famílias, Aline dedicou-se a elaboração de videoaulas com diversas temáticas: de orientações para o fortalecimento da relação crianças e seus pais ou cuidadores, a oficinas de ioga e meditação, dança e instruções sobre alimentação saudável. Ela conta que surgiram algumas dificuldades, essencialmente pelas limitações do formato virtual. O convite às famílias era feito através de ligações e mensagens, o que criou um certo distanciamento e até ausência de respostas.

“Em condições normais, realizar essa mobilização de forma presencial é mais sensível e com maiores chances de cativação. Mas nos adaptando, inclusive utilizando ao máximo a ferramenta do WhatsApp”, comenta.

Projeto de Aline Cardoso Côrtes, na comunidade Quintas do Amanhecer e no Assentamento Pequeno William, em Taguatinga e Planaltina (DF)

Mas comemora, porque a recepção ao projeto foi muito positiva:

“Os relatos de uma mãe solo, por exemplo, confirmam que a pandemia fez com que a dinâmica familiar sofresse várias alterações, há uma sobrecarga de tarefas, as crianças estão mais agitadas, fazendo-se necessário meios de reinventar o cuidado. Deste modo, percebemos como muito assertivo essa proposta que incide diretamente em alternativas para a melhoria da qualidade de vida, tanto das crianças, quanto dos seus pais, que se encontram mais vulneráveis nesta conjuntura. No geral, buscamos nos fortalecer a partir de uma solidariedade coletiva, promovendo ações com foco na educação em saúde no aspecto da promoção da qualidade de vida”.