Estudantes que possuem apenas celular encontram dificuldades para estudar na pandemia

Sem acesso à computadores ou tablets, estudantes focam estudos nas pequenas telas do celular

Por Pedro Ribeiro, do Perifaconnection, em parceria com o Fundo Baobá pela Igualdade Racial

Com a pandemia, estudantes do estado de São Paulo se viram obrigados a aprender a estudar em casa. Sem as telas de computadores, notebooks ou tablets, esse aprendizado pode ser desconfortável.

No Brasil, apenas 39% dos domicílios possuem computador, como aponta a pesquisa TIC Domicílios de 2019. Ainda segundo o levantamento, 99% da população possui aparelho celular e 58% acessa a internet somente por ele (85% das pessoas de classe D e E).

A pesquisa mostra ainda que as pessoas da classe D e E que têm somente o aparelho móvel para se conectar têm cor. Indígenas, pretos e pardos lideram o recorte de raça quando o assunto é uso apenas do celular.

Dos que possuem computador (de mesa, notebook ou tablete), a classe social também revela uma discrepância na inclusão digital brasileira. Nas classes D e E, somente 14% dos domicílios possuem computador; na classe C, 44%; enquanto na classe B esse índice é de 85% e, na A, 95%.

Trabalho e maternidade

Laiza Catarine Ferreira Diniz tem 25 anos, é mãe e mora com os pais no bairro do Campo Limpo, na Zona Sul de São Paulo. Ela está em dúvida sobre cursar administração ou recursos humanos, mas gostaria de trabalhar como recrutadora de diversidade.

Para conquistar esse sonho, Laiza estuda em casa, usando apenas o celular. Ela diz que conversa com conhecidos para tirar dúvidas e usa um aplicativo que a ajuda nos estudos. A irmã dela possui um notebook, mas por estar trabalhando com ele em casa, Laiza não consegue usá-lo para estudar. Além disso, ela diz que consegue se concentrar nos estudos sem muitos problemas, mas muitas vezes o obstáculo é a falta de tempo que o trabalho, cuidados com a filha e a casa demandam.

Laiza Catarine Ferreira Diniz, 25 anos

A jovem chegou a iniciar a graduação no curso de hotelaria, mas trancou por questões financeiras e não conseguiu retomar os estudos. Hoje, ela entende que essa não era a melhor carreira para ela e por isso optou por uma área que a interessa mais.

“Às vezes a gente escolhe uma coisa, mas a vida vai levando a gente para outro lugar. Eu também era muito nova quando comecei nessa parte de hotelaria e de turismo. Aí eu acabei entrando nisso e me deixei levar”, explica a jovem que acumulou dívidas com o financiamento do antigo curso.

Por esses motivos, ela buscou a bolsa do Programa Já É, oferecida pelo Fundo Baobá. O objetivo dela é ser aprovada em uma universidade pública para não precisar se preocupar com as mensalidades. “Eu ainda tenho valores do Fies da outra faculdade para pagar, não tenho como arcar com uma nova”.

Muitos cursos, pouco tempo

Leandro Gomes de Oliveira, de 18 anos, sonha em se tornar cantor profissional e pretende se estabilizar na carreira de recursos humanos para bancar os estudos na música. Leandro mora com sua mãe adotiva no Jardim Guarani, na Zona Leste de São Paulo, e vai ser o primeiro entre os seus amigos a ingressar no ensino superior.

A lista de cursos que ele pretende fazer é bem longa. Leandro quer cursar primeiro Rh, depois administração ou produção musical e por fim psicologia. “Eu vou fazer Rh primeiro porque é a faculdade base para a gente entrar no mercado de trabalho. Em seguida, eu quero fazer música, mas eu acho que vou fazer administração primeiro. Se tiver como fazer as duas ao mesmo tempo, farei”, explica o jovem.

Leandro é ajudante de envidraçamento e passa boa parte do dia instalando placas de vidro em sacadas. Além do pouco tempo para os estudos, o jovem conta que concluiu o ensino médio em 2020, durante a pandemia. Estudante do período noturno, ele diz que teve pouquíssimo conteúdo e não precisou estudar para provas, o que prejudicou seu ingresso imediato no ensino superior.

Leandro Gomes de Oliveira, 18 anos

Juntos a esses problemas está a falta de estrutura para um aprendizado mais eficiente. O notebook que ele possui em casa está com defeito e ele tem somente o celular para estudar no pouco tempo que lhe sobra.

Celular virou rotina

Maria Eduarda da Silva Souza, de 20 anos, mora com os pais e a irmã no bairro do Jaraguá, na Zona Norte da cidade de São Paulo. Ela quer cursar relações públicas para ajudar ainda mais um coletivo pan-africanista do qual faz parte.

A ligação da jovem com o movimento é forte até mesmo na hora dos estudos. Maria Eduarda explica que o coletivo pan-africanista possui redes sociais e promove grupos de estudos frequentemente, por isso ela sempre está estudando matérias de ciências humanas como história e geografia. Tudo pelo celular.

“Meu notebook infelizmente queimou na pandemia. Eu estava utilizando o computador da empresa enquanto estava em home office, mas por enquanto é só o celular mesmo”, conta Maria.

Maria Eduarda da Silva Souza, 20 anos

Entretanto, o uso contínuo do celular fez com que ela se habituasse cada vez mais ao aparelho. “Tudo o que eu faço é pelo celular. Trabalho, coletivo, comunicação com as pessoas… Então eu sou bem tranquila em relação a isso. Só que eu pretendo arrumar o meu notebook, pois para estudo eu acho bem melhor”.

Por causa disso, a jovem tem grandes expectativas para a bolsa do Programa Já É, pois, além das aulas híbridas, ela terá mais acompanhamentos em matérias de ciências exatas, nas quais diz ter dificuldades.