O olhar de economistas sempre é muito importante para uma análise sobre como vai a saúde financeira do país e o que poderá advir dela. Evidentemente, a economia determina hábitos e costumes. Por outro lado, ela os restringe também. Dois economistas que fazem parte da governança do Fundo Baobá para Equidade Racial falam como o trabalho da instituição vem sendo realizado e quais são as diretrizes que o Brasil deve seguir para alcançar a tão almejada equidade racial, algo que passa por questões políticas, educacionais, culturais, sociais e até religiosas.
Ana Toni tem graduação em Economia e Estudos Sociais pela Swansea University, no Reino Unido, é mestra em Política Econômica pela London School of Economics and Political Sciences, além de doutorado em Ciências Políticas pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Atualmente, atua como diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS). Silvio Humberto é graduado em Economia pela Universidade Católica de Salvador, mestre em Economia pela Universidade Federal da Bahia e doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), É professor na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e, atualmente, cumpre seu terceiro mandato como vereador. Silvio Humberto é fundador do Instituto Cultural Steve Biko.
A primeira questão comentada por ela e ele é o fato de a economia brasileira ter crescido em 1,2% no primeiro trimestre de 2021 e se isso seria benéfico para o trabalho de filantropia no país. Para Ana Toni, o mar da economia, revolto ou calmo, tem pouca relação com o desenvolvimento da filantropia. “Vejo pouca relação entre crescimento econômico e crescimento ou não crescimento da filantropia brasileira. Filantropia é muito mais uma questão de cultura e política pública. É uma questão de experiência: quanto mais a gente a exercita, melhor e mais ampla ela fica. Então, mesmo que o crescimento econômico brasileiro esteja para cima ou para baixo, penso que o dilema aqui é como a gente nutre essa cultura filantrópica, que eu vejo que está se fortalecendo no Brasil”, conclui.
Para Silvio Humberto, a questão da doação filantrópica perpassa a questão dos índices econômicos. “Diria que o principal desafio para a filantropia no Brasil é fazer com que os brasileiros que detém recursos, os que são ricos, os que concentram a riqueza, doem. Porque nós sabemos que o Brasil não perde uma copa do mundo das desigualdades. Então, é preciso um esforço conjunto. Sobretudo da sociedade brasileira. Daqueles que de fato podem doar e são capazes de doar para fora. Mas aqui dentro eu acho que falta empatia. As elites brasileiras sempre encararam o país como um grande negócio.”, comenta o professor de Economia na Universidade Estadual de Feira de Santana (BA).
Mas para promover a filantropia, principalmente quando ela busca promover a equidade racial, é necessário quebrar alguns paradigmas. “É preciso entender a filantropia. A filantropia não como um evento, mas sim como um processo. Processo que precisa ser estimulado. A sociedade como um todo tem que entender que, se nós queremos que o Brasil avance, temos que combater e enfrentar as desigualdades. Não as desigualdades vistas de forma monocromática, mas entender também a desigualdade de gênero, racial, geracional. Então, entender o caráter multidimensional da pobreza é muito importante nesse processo”, afirma Silvio Humberto.
Ana Toni destaca a necessidade de mudanças na legislação. Isso daria incentivo para que pessoas físicas e jurídicas fossem levadas a doar. O caminho dos incentivos fiscais não pode ser esquecido. “Acho que a gente está dando, nesses últimos anos, alguns passos mais largos do que, pelo menos historicamente, já foi feito. Mas tenho certeza que se não mudar alguma coisa de legislação, para incentivar doadores a fazer essa doação, a gente não vai jamais conseguir. As igrejas têm incentivos, as entidades privadas não têm. Isso já faz um diferencial imenso para os doadores. Então, sem mudar uma legislação vai ser também muito difícil mudar essa cultura”, afirma.
Fatos lamentáveis ocorridos no mundo e no Brasil, como os assassinatos de George Floyd e Breonna Taylor, além do assassinato do brasileiro João Alberto, em Porto Alegre, contribuíram para uma retomada de consciência das pessoas e também das empresas. Inclusive o mercado financeiro balançou. Grandes instituições bancárias dos Estados Unidos aconselharam seus investidores a não apostar na estabilidade do dólar no momento em que o país estava convulsionado por manifestações populares. “Esses fatos mais que motivam as pessoas a se engajar como doadores para a filantropia de equidade racial. Acho que é um dever, hoje em dia, de qualquer organização lidar com o tema do racismo. Não dá mais para essas organizações, que estão vendo essa brutalidade há séculos e séculos, considerarem que isso não está mexendo com elas. Esses fatos mostram a necessidade de todos agirem como doadores: os brancos de bem, os brancos progressistas, todos”, diz.
Silvio Humberto segue a mesma fala de Ana Toni e acrescenta: “Esses casos motivam mais as pessoas a se envolverem nas questões raciais. Sobretudo o que o caso George Floyd fez foi envolver as pessoas brancas. Elas não saíam às ruas. A questão racial era vista como uma questão negra e dos grupos minorizados. Com relação ao caso do Carrefour, temos que ter cuidado para que isso não vire monetização da questão racial. Tudo se resume com a empresa pagando uma indenização. Não podemos cair na armadilha do ouro de tolo. As vidas não têm preço”, conclui.
Os dois economistas analisam como muito importante o trabalho que o Fundo Baobá vem fazendo para que a filantropia para a equidade racial tenha apoio e visibilidade no Brasil. “O Baobá simboliza a modernidade da filantropia para equidade racial. Os negros e o movimento negro já tinham organizações filantrópicas na sua história. Mas o Baobá tem feito isso com a governança que o mundo moderno exige e quer. O tema da filantropia para equidade racial é difícil. As pessoas não sabem como lidar. O Baobá tem influenciado muito o setor filantrópico e mostrado não só como fazer mas também a vantagem de se fazer filantropia para a equidade racial”, afirma Ana Toni. Silvio Humberto compara o trabalho do Baobá à missão de um orixá guerreiro. “O Baobá tem uma missão oguniana (de Ogum, orixá descrito como forte perseguidor de seus objetivos), que é abrir caminhos nunca d´antes navegados. Ele é um divisor de águas nessa relação com essa filantropia que, antes, pouquissimas organizações do movimento negro tinham acesso. Os projetos sociais que são apoiados têm que estar cada vez mais vinculados ao fortalecimento das organizações negras, das nossas organizações”, define.