Equipe multidisciplinar inicia projeto sobre saúde mental quilombola na tríplice fronteira nos municípios de Baião, Oeiras do Pará e Mocajuba.
por Tayna Silva*
Com o intuito de promover saúde, em seu sentido mais amplo, nas comunidades quilombolas, a principal estratégia é a composição multidisciplinar da equipe de execução do projeto. Os principais eixos podem ser entendidos como: 1) saúde mental; e 2) comunicação popular. Entendendo que a nossa saúde mental é atravessada por ações coletivas e individuais, diretas e subjetivas, serão realizadas atividades de fortalecimento das estratégias de desenvolvimento comunitário e outras que interseccionam comunicação, prevenção de doenças e agravos, proteção dos direitos e cuidados em saúde integral da população.
O projeto Saúde Mental Quilombola: Direitos, Resistência e Resiliência, como conta Fernanda Lopes, diretora de programa do Fundo Baobá para Equidade Racial, “surge frente à necessidade de enfrentamento ao racismo estrutural e considerando os impactos da pandemia da COVID-19. A pandemia traz um efeito duradouro, agrega novos desafios às comunidades que já vivenciavam a ausência do Estado brasileiro”. A diretora reforça que o objetivo do projeto é, também, potencializar a compreensão de que as comunidades “têm uma fortaleza, os muitos desafios podem ser redimensionados e convertidos em experiências de transformação. Para mitigar os riscos e impactos psicossociais, as respostas da própria comunidade precisam ser consideradas”.
Bianca Santos, psicóloga clínica e social que integra a equipe do projeto, chama a atenção para a abordagem sobre saúde mental nessas comunidades e afirma que vai para o território com a expectativa de entender “o que significa saúde para eles, pois a saúde que a gente entende como saúde mental […] pode não fazer sentido, já que o significado de saúde é muito diverso. Saúde pode ser um rio, pode ser a floresta, pode ser tomar café na porta da casa dos vizinhos” e acrescenta que a psicologia tem o compromisso político e não colonizador de “não levar os preceitos que a gente entende e constrói na academia para o território. Afinal, o território possui suas próprias dinâmicas, seus próprios saberes e saúde é, necessariamente, considerar tudo isso”. A fala de Bianca afirma o compromisso coletivo de fazer com que o projeto seja, acima de tudo, um espaço de respeito à diversidade, às comunidades e saberes ancestrais que irão atravessar todos os espaços de execução.
É nesse sentido que Magno Nascimento, liderança quilombola do Quilombo África e coordenador de projetos da Malungu-PA, nos conta sobre a expectativa da ação em amparar a comunidade, mas também, e sobretudo, de chegar a outras camadas sociais, onde a expectativa é que “seja principalmente benéfico para a comunidade, uma vez que é um projeto que permite entender a realidade local e realizar controle social, e advogar por direitos”.
O projeto se volta para as 12 comunidades quilombolas que hoje fazem parte da ARQIB – Associação dos Remanescentes Quilombolas de Igarapé Preto e Baixinha, instituição com aproximadamente 2 mil associados, que integra comunidades quilombolas localizadas em 3 municípios do Pará: Baião, Oeiras do Pará e Mocajuba, o que alcança um entorno de 3 mil famílias, com sede em Igarapé Preto, onde acontecem as principais organizações e mobilizações entre as comunidades. A Associação é quem detém o título coletivo de posse que alcança as 12 comunidades em volta. É um espaço de integração fortalecido, sobretudo, durante o período pandêmico, onde casos alarmantes de restrição de acesso à saúde básica e mobilidade fizeram com que as comunidades registrassem números altos de mortalidade e sequelas da COVID-19, ao passo que se aproximaram e tiveram um amadurecimento de articulação interna, criando tecnologias de sobrevivência frente ao que estava acontecendo, como as barreiras estruturadas e fiscalizadas pelos próprios moradores, e que foram estratégia focal na proteção coletiva; ações que hoje impactam diretamente na saúde mental e bem viver dos moradores.
Em entrevistas com lideranças locais, foi possível compreender que, fruto da articulação direta com o território, o projeto tem expectativas positivas dada à boa receptividade na comunidade. Para Marinilva Martins, presidenta da ARQIB, o projeto chega em um momento importante para as comunidades e afirma: “trabalhar na organização desse projeto, junto com o Fundo Baobá, é muito importante para o nosso território e tenho certeza que isso vai ajudar muito a nos fortalecer como pessoa, como mulher, como liderança”. E em complemento da fala de Marinilva, Sandra Martins, parteira e quilombola ribeirinha da comunidade de Pampelonha e representante da ARQIB no seu território, também nos conta a expectativa diante do projeto e diz que é “ver algo no futuro melhorar, que a gente vai começar que nem um bebê, e a gente já começou a querer levantar com vocês trazendo o projeto aqui pra nós […] e a gente vai chegar lá, falando bonito do projeto que a gente começou. A expectativa é de dias melhores”.
E assim o projeto vem tecendo as primeiras construções, no intuito de promover educação em saúde mental e contribuir para estratégias de resiliência em comunidades que compõem a Associação dos Remanescentes de Quilombo de Igarapé Preto e Baixinha, região Tocantina, estado do Pará, fortalecendo lideranças comunitárias, ampliando canais de diálogo que fortaleçam a democratização do acesso à informação sobre direito à saúde e contribuam com estratégias de promoção da saúde mental e resiliência comunitária. Ressaltando que somente junto das comunidades que lutam, resistem e constroem diariamente seus territórios é que todo o processo de execução irá acontecer, fortalecendo nossos fazeres, mutuamente tecidos e compartilhados, afirmando que a garantia de saúde e vidas quilombolas é uma necessidade e dever coletivo que não podem ser negligenciados. É uma questão de justiça.