Ato de doar humaniza as pessoas e mobiliza a sociedade por mudanças

As psicólogas canadenses Elizabeth Warren Dunn e Lara Beth Aknin, junto com o também psicólogo norte-americano Michael Irwin Norton, realizaram uma pesquisa que determinou que o sentimento de felicidade de algumas pessoas era maior quando elas destinavam parte do dinheiro que ganhavam na promoção do bem estar para terceiros. Ou seja: promover o bem para outras pessoas é tão ou mais compensador que fazer algo em causa própria. 

Quando se estimula o bem de alguma forma, regiões do cérebro que geram a sensação de prazer são ativadas, o que produz o sentimento de felicidade. A importância dessa pesquisa para quem atua no terceiro setor está diretamente ligada à ação de doar. O terceiro setor vive do que é ofertado por pessoas físicas e por pessoas jurídicas (empresas de grande, médio e pequeno porte).   

Os agentes que atuam no terceiro setor no Brasil têm uma preocupação em comum: como motivar muito mais gente a fazer doações que propiciem bem estar para um sem número de outras pessoas em situação de necessidade? Como chegar a esses potenciais doadores? Como falar com eles e elas? Como incentivar?

A recente pesquisa realizada pelo IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social), em 2022, determinou que entre os brasileiros com idade superior a 18 anos, 84% fizeram algum tipo de doação: dinheiro, tempo dedicado (trabalho voluntário) ou mesmo bens. As pessoas dentro dessas características tinham rendimento que ultrapassava um salário mínimo, atualmente em R$ 1.412,00 (vigente desde 1.º de janeiro de 2024).  

Ao serem perguntados sobre se as organizações do terceiro setor dependiam da colaboração das pessoas para funcionar, 58% responderam que sim. Ainda se aprofundando no mesmo tema, 44% reconheceram a importância do trabalho do terceiro setor na busca de solução para problemas sociais e ambientais no Brasil. Outro dado interessante é que o ato de doação direta para ONGs ou projetos socioambientais foi feito por 36% dos entrevistados na pesquisa do IDIS.   

O Baobá – Fundo para Equidade Racial, que se direciona, de forma exclusiva, à promoção da equidade racial para a população negra no Brasil, vem realizando seu trabalho de captação de recursos há 12 anos. Tem firmado importantes parcerias com empresas, fundações e institutos, parceiros que têm dado importante apoio  financeiro. O Baobá já investiu mais de R$ 20 milhões em 19 editais, 861 iniciativas e ações ao longo dessa jornada. Já são mais de 800 mil pessoas impactadas, com investimentos nas cinco regiões do país. 

O Fundo Baobá já conta com doações mensais de pessoas aliadas à nossa missão. Esse número, entretanto, precisa crescer. É necessário alcançar muito mais gente que acredite que o enfrentamento ao racismo é primordial para que o Brasil seja um país justo, de oportunidades igualitárias e que promova o acesso ao ensino, à saúde e ao trabalho. Portanto, divulgar e promover a filantropia para a equidade racial é fundamental.  

Confiança, conexão, empatia, desejo de igualdade e justiça são sentimentos que motivam alguém a se engajar em algo. Não há transformação social sem mobilização. 

Mercado de trabalho brasileiro ainda reproduz o racismo da nossa sociedade

Basta olhar as publicações e editorias especializadas em economia e negócios da imprensa brasileira para constatar que os dirigentes empresariais ainda são maciçamente brancos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) comprovam essa impressão. Embora correspondam a 56,1% da população em idade de trabalhar, os negros ocupam apenas 33,7% dos cargos de direção e gerência. De forma geral, a remuneração mensal de um profissional negro é 39,2% menor que a de uma pessoa não negra. Fora do mercado de trabalho, a situação é oposta: 65,1% das pessoas desocupadas são negras.

Esses números, referentes ao segundo trimestre de 2023, não trazem qualquer novidade em relação a levantamentos anteriores. O paradigma colonial, segundo o qual quem manda tem uma cor e quem obedece, outra, permanece presente no século 21, gerando uma incompatibilidade com a garantia de empregabilidade formal e autonomia financeira para a população negra.

A contradição acontece em várias camadas e talvez a constitucional seja a mais óbvia. Ao condenar o racismo, a Constituição Federal implicitamente sugere que ele precisa ser combatido – e uma das formas mais eficientes é justamente a presença de pessoas negras no mercado de trabalho. Esse, aliás, tem sido um dos pilares da atuação do Fundo Baobá desde sua criação, em 2011. A mais recente iniciativa nesse sentido foi o edital Carreiras em Movimento que visa apoiar pessoas negras que atuam no setor privado, auxiliando  no desenvolvimento e aperfeiçoamento de suas formações e nas mais diversas habilidades socioambientais existentes. No decorrer de 2024 será possível conhecer os selecionados e saber mais sobre suas experiências acompanhando as nossas redes sociais.

Nesse movimento, as empresas têm um papel estratégico, que começa pela seleção e contratação, mas que vai além. Vale ressaltar que quando uma empresa contrata ou promove um profissional, ela faz uma seleção dos melhores. Portanto os negros que fazem parte do mercado de trabalho superaram os inúmeros funis que deixaram milhares de outros jovens para trás. Esses funis começam no acesso à educação, que nem sempre está disponível e na própria qualidade do ensino, além de itens básicos como alimentação, material didático, computador e internet. O apoio do setor privado à educação com equidade pode contribuir muito para acelerar esse processo. Equidade racial no ambiente de trabalho formal começa antes, com o apoio para que a população negra consiga alcançar as vagas oferecidas, e deve ir além, criando condições internas de acolhimento aos profissionais negros. 

O mercado de trabalho passa por inúmeras mudanças e o que foi chamado de proletariado no século 19 agora constitui o precariado, no qual a remuneração permanece espremida, exigindo extensas horas de prestação de serviços. Um estudo feito pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) a pedido da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) constatou que mais de 60% dos profissionais que prestam serviço aos principais aplicativos de entregas e transporte no Brasil se autodeclaram negros e mais da metade não tem outra fonte de renda além do serviço que prestam a essas empresas. Esse novo modelo de relação de trabalho, fortemente dominado pelo avanço da tecnologia e que se sustenta com muita similaridade ao período escravocrata, está em total contradição com a promoção da dignidade humana preconizada pela Constituição. 

Seja no mercado formal ou pelo empreendedorismo, pessoas negras ainda enfrentam barreiras que reforçam séculos de exclusão, opressão e desigualdade. O enfrentamento deste desafio é responsabilidade de qualquer organização que esteja comprometida com a promoção de um mundo melhor, onde os negros possam protagonizar determinados espaços, contribuindo assim com toda a sua riqueza de conhecimento e suas experiências de vida. Não há como construir reparação e reputação das grandes empresas brasileiras sem um envolvimento ativo no combate às causas do racismo.

O conceito e a prática do desenvolvimento de pessoas negras promovidos pelo Fundo Baobá nos editais que fomentam essa forma de inserção econômica prevê o apoio para a formação de um mundo melhor, além de garantir a promoção da diversidade racial nas empresas.