Liderança negra e feminina se destaca por atuação frente às necessidades de mulheres negras após tragédia climática no RS

Saiba como uma liderança negra, do Coletivo Atinúké, enfrentando os desafios impostos por tragédias climáticas e promovendo igualdade racial e de gênero no RS.

Nina Fola é militante do movimento negro, socióloga, produtora cultural e doutoranda em sociologia. Atualmente é a liderança negra que coordena o Coletivo Atinúké – Pensamento de mulheres negras, um grupo de formação que apoia, estuda e fomenta a produção de conhecimento das mulheres negras desde 2016. O grupo surgiu a partir da iniciativa de três mulheres negras acadêmicas que identificaram que as necessidades da população negra e feminina do Rio Grande do Sul não eram consideradas.

Nina Fola é militante do movimento negro, socióloga, produtora cultural e doutoranda em sociologia. Atualmente é a liderança negra que coordena o Coletivo Atinúké. Ela é uma mulher negra de cabelo crespo com luzes loiras e na foto está de óculos de sol e camiseta amarela.
Nina Fola, liderança negra que coordena o Coletivo Atinúké

A atuação do Coletivo, um dos selecionados no edital Educação e Identidades Negras, do Baobá – Fundo para Equidade Racial, vem se destacando com maior incidência e suprindo cada vez mais as necessidades emergenciais da população negra e feminina após um dos maiores eventos climáticos extremos no Brasil, ocorrido em maio no RS. Elas vêm enfatizando o desfavorecimento em termos salariais, profissionais e acadêmicos da população negra que representa 21,19% dos habitantes do estado segundo o IBGE.

Anteriormente a uma das maiores catástrofes climáticas da história do estado do RS, o coletivo atuava principalmente na formação de mulheres negras a partir de leituras e discussões de produções escritas e artísticas de autoria  das mesmas. Atinúké, nome que significa, em Iorubá, “aquela que merece carinho desde o ventre”, faz um resgate ancestral da potencial intensidade do que é o amor, o carinho e a força transmitida no ventre de uma mulher negra. São forças oriundas da resistência ancestral que as fazem enfrentar desafios de uma sociedade patriarcal, racista e misógina.

No levantamento realizado pelo Observatório das Metrópoles de Porto Alegre, pode-se visualizar que um contingente expressivo da população pobre e preta foi afetado durante as fortes chuvas do mês de maio em bairros populosos da cidade, como o Sarandi, na região Norte, nas ilhas e na região metropolitana, a exemplo de Canoas, Cachoeirinha, Alvorada, Gravataí, Sapucaia do Sul e São Leopoldo. A água tomou conta também de praticamente toda a cidade de Eldorado do Sul e Guaíba. 

Nina explica que nos bairros mais afetados, onde o estado não opera prontamente nem os torna visíveis, são as comunidades de quilombo e terreiros que atuam para identificar e amenizar os impactos oriundos das chuvas que impossibilitam a população negra de viver com dignidade e respeito. São também os quilombos e os terreiros que estão na linha de frente acolhendo, monitorando e fornecendo alimentos básicos e moradia para parte dessa população, pois alguns têm medo de ir até os abrigos e serem vítimas de violências raciais e de gênero nesses locais.

Ao relembrar diversos desafios desse cotidiano, Nina afirma que as necessidades que vieram após o evento climático extremo são muito particulares e ao mesmo tempo muito similares às da pandemia de Covid-19, em 2020. Ela relata que a experiência que obteve participando do edital Educação e Identidades Negras a fez conduzir com maestria todas as adversidades impostas pelas fortes chuvas. Para ela, foi de extrema importância vislumbrar o Fundo Baobá, não só como financiador do recurso recebido, mas também pela base sólida de aprendizado e conhecimento que adquiriu com as várias palestras, assessorias e assistências necessárias nesse processo.

Coletivo Atinúké

Nina constatou que as dificuldades das mulheres negras e, consequentemente, da população negra no RS, ficaram muito mais evidentes e são desproporcionais em relação ao restante da população. Os desafios encontrados por esse grupo são maiores, especialmente as mulheres negras, que sofrem com a falta de acesso a abrigos seguros, cuidados médicos, medicamentos, alimentos adequados e a reestruturação de suas vidas, empregos e renda futuros, além de acesso às políticas públicas.

Diante desses fatos, ela questiona a dificuldade em acessar e identificar as políticas públicas necessárias para enfrentar esse momento caótico. Para suprir as necessidades básicas, é crucial ter dados sobre essa parte da população. Atualmente, o possível e viável é atuar nas questões mais urgentes, como fornecer alimentação e moradia para garantir a sobrevivência dessas pessoas.

“Se é interesse político atender a esse público, é fundamental que sejam implementadas medidas afirmativas de urgência, que mobilizem a sociedade civil, mas também a imediata criação de políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade racial e de gênero, visando a garantia de direitos fundamentais, financiamentos, oportunidades de emprego e renda, assim como justiça social para as mulheres negras no Rio Grande do Sul”, afirma Nina. Para ela, é essencial uma ação emergencial direcionada a estas mulheres que, ela acredita, vai ter um reflexo positivo para as pessoas. Quando atuam direcionadas, as mulheres negras modificam um contexto social e não somente uma mulher ou uma família.


“Se é interesse político atender a esse público, é fundamental que sejam implementadas medidas afirmativas de urgência, que mobilizem a sociedade civil, mas também a imediata criação de políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade racial e de gênero, visando a garantia de direitos fundamentais, financiamentos, oportunidades de emprego e renda, assim como justiça social para as mulheres negras no Rio Grande do Sul”, afirma Nina. Para ela, é essencial uma ação emergencial direcionada a estas mulheres que, ela acredita, vai ter um reflexo positivo para as pessoas. Quando atuam direcionadas, as mulheres negras modificam um contexto social e não somente uma mulher ou uma família.

Siga o Coletivo Atinúké para acompanhar o trabalho que elas realizam: https://www.instagram.com/coletivoatinuke/

Créditos: Arquivo Pessoal

Edital Carreiras em Movimento aproxima estudante de engenharia da profissional que a inspira

Descubra como o edital "Carreiras em Movimento" pode transformar sua trajetória profissional através do depoimento inspirador de Lívia Mello.

Conhecimento é poder e isso ninguém te tira, filha!

Com os olhos marejados, Livia contou a história da sua família, em especial de seu pai que, infelizmente, não vai ver essa potência brilhando dentro e fora de terras brasileiras. Sim, ele não está mais conosco, mas, assim como eu, ela recebeu de seus pais a semente da paixão pelo estudo, que desbrava caminhos, abre fronteiras e nos faz ver além do óbvio.

A futura engenheira contribui com suas ações para o desenvolvimento do setor de petróleo e gás, focando na transição energética justa e inclusiva e já coleciona vitórias, que vão desde a sua nomeação como Student Energy 2024 Fellow até sua emocionante ida para os Emirados Árabes como uma das poucas selecionadas a participar do importante fórum juvenil de energia, o Irena Youth Forum.

No nosso bate-papo eu vi uma moça cheia de sonhos e pronta para fazer diferença no mundo para sua geração e para as outras que virão e é disso que o mundo precisa, de diversas Livias, movimentando a roda que vai além do óbvio, que nos coloca como protagonistas de uma história que nem sempre foi de sucesso para nós mulheres e principalmente para nós mulheres negras e engenheiras. Que essa Livia inspire outras e outras e outras! Estamos esperando por vocês nesse mundo desafiador, mas extremamente gratificante! Parabéns, Livia. É uma honra poder fazer parte de um capítulo de sua história. Voe!”

O relato acima foi escrito pela engenheira Denise Santos, de 49 anos, que construiu sua carreira na Shell do Brasil. O texto surgiu após conhecer a estudante de Engenharia Livia Mello, 24 anos, de Fortaleza (CE). O primeiro encontro entre elas ocorreu por conta da inscrição de Livia no edital Carreiras em Movimento, do Baobá – Fundo para Equidade Racial. As duas têm histórias que passam por pontos em comum, como a origem humilde e a determinação para quebrar barreiras e alcançar um sonho aparentemente impossível. 

Livia Mello é estudante na Universidade Federal do Ceará. Está no sétimo semestre de Engenharia, o que equivale ao quarto ano de um curso com cinco anos de duração. Sua intenção é especializar-se no segmento de energias não renováveis, ligadas ao petróleo e ao gás natural. O curso é em período integral, o que representa  mais um obstáculo  em sua vida pessoal. A estudante mora com a mãe, Aurilia, e com a irmã, Lilian. As três têm uma vida difícil e Livia teria que contribuir para suprir os gastos da casa, mas o curso em período integral a impede de trabalhar. 

Aurilia tem formação em Gestão Ambiental, mas está desempregada. Lilian, a irmã, é formada em Ciências Sociais e atua como pesquisadora. “É bem difícil para mim, porque o meu curso é integral, tenho aula de manhã e à tarde e eu acabo não conseguindo pegar um trabalho. É difícil ver as contas chegando e eu não ter como ajudar no momento. Já pensei até em desistir da minha graduação. Estamos nos virando da forma que a gente consegue”, afirma. Livia e Lilian perderam o pai há 12 anos. Gilson era um homem da roça que acreditou no sonho e conseguiu alcançá-lo: “Ele teve que estudar muito, formou-se em Engenharia e chegou a engenheiro projetista na Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica). Meu pai e minha mãe são as duas figuras que me ensinaram que o caminho que eu teria que trilhar seria dentro da educação”, diz a futura engenheira. 

E é na educação que os caminhos de Livia Mello e Denise Santos se cruzam. Ao ser perguntada sobre a presença de mulheres na área de atuação que pretende seguir, Livia foi enfática: “São poucas mulheres. É difícil entrar e é mais difícil ainda ficar. Costumo fazer uma análise de quantas mulheres têm na sala de aula e quantos negros. Geralmente, sou a única mulher negra”, afirma. Com tão poucas mulheres, ela revelou em quem se inspirava no projeto de construção de sua carreira: “Eu me inspiro na Denise, que trabalha na Shell”. Livia passou a acompanhar Denise nas redes sociais a partir de entrevistas dadas pela engenheira, palestras e artigos escritos. 

Denise Santos é a atual gerente de suprimentos da Shell do Brasil. Ela é de Nova Iguaçu, município da Baixada Fluminense. Filha de uma empregada doméstica (Laura) e de um motorista (Manoel), Denise fez sua formação universitária no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckov da Fonseca, o CEFET, e acabou beneficiada pelo programa de intercâmbio que a entidade mantinha com universidades ao redor do mundo. 

Por seu bom desempenho, Denise foi aceita para fazer sua especialização em Engenharia de Automação (Robótica) na Universitè de Technologie de Compiègne, na França. O domínio do francês e a vida longe de Nova Iguaçu eram as principais barreiras a serem vencidas. Para se manter, Denise recebeu uma subvenção do CEFET para poder viajar, além de uma quantia na caderneta de poupança, arrecadada entre professores e alunos da instituição. No seu retorno ao Brasil, depois de um semestre de estudos e um estágio de seis meses na fábrica da Renault, iniciou sua carreira em outra montadora francesa, a Peugeot-Citroen, que se instalou no Brasil no início dos anos 1990. 

Assim como Denise Santos, Livia Mello sonhou e realizou o projeto de ir para o exterior. O principal problema era o domínio do inglês. Foi para tentar resolver a  pendência com a língua estrangeira que ela fez sua inscrição no edital Carreiras em Movimento, do Fundo Baobá, no qual 298 pessoas foram classificadas. Como parte do Programa Presente e Futuro em Movimento, o edital foi lançado em setembro de 2023, e objetiva promover a ampliação de oportunidades no mercado de trabalho para pessoas negras em empresas privadas. Um recurso que poderia variar entre R$5 mil e R$10 mil foi designado para cada um dos selecionados, que poderão usar esse valor para desenvolver suas carreiras com cursos, compra de equipamentos, intercâmbios e outros itens que possam contribuir para o desenvolvimento pessoal e profissional.  

O foco de Livia Mello foi a participação no Irena Youth Forum: The New Generation of Decision Makers (Irena Fórum  da Juventude: A Nova Geração de Tomadores de Decisão), que aconteceu no mês de abril em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, e discutiu a questão das energias renováveis com jovens representantes de várias partes do mundo. “Eu me inscrevi! Passei na primeira fase, que foi a análise curricular.  Achei que ia ser só isso, mas não foi. Teria a entrevista por vídeo. Foi terrível, porque foi em inglês. Deram 60 segundos para eu me apresentar e falar do projeto. Fiquei super nervosa”, disse.

Em 12 de março, alguns dias após os testes, Livia ficou sabendo de sua aprovação para estar em Abu Dhabi representando o Brasil. Mas o não domínio do inglês ainda era o seu principal obstáculo. A solução veio com o recurso doado pelo Fundo Baobá. Ela investiu parte do que recebeu em algumas aulas extras de inglês. “Fiquei seis dias em Abu Dhabi. No início, as pessoas perguntavam coisas em inglês e eu respondia em português. Depois, fui me adaptando. Foram 6 dias ótimos. Tive contato com gente de várias partes do mundo, como Jordânia e Índia. Ver as expectativas de cada um com relação aos processos energéticos em seus países foi transformador”, afirmou. 

Além de seguir nas aulas de inglês, Livia pretende fazer outros dois cursos para melhorar suas chances no mercado de trabalho: Excel e Power BI. Ela está se qualificando e sabe que este é o caminho para melhores oportunidades.

Quer saber mais sobre o edital que vai apoiar as carreiras de Livia e tantas outras pessoas? Conheça o Carreiras em Movimento.

Créditos: Arquivo Pessoal