Construindo caminhos para o bem-viver por meio da educação, comunicação e tecnologia

Por Anna Suav* e Tamara Mesquita*

Comunicar-se é uma prática ancestral da espécie humana e no decorrer da mudança das eras, alguns modelos, formatos e dispositivos foram e continuam a ser aprimorados visando o repasse de mensagens, avisos e conhecimentos de curto a longo prazo, pensando e desenvolvendo a comunicação para que consigamos conviver melhor e registrar nossa história. A partir da contemporaneidade, com um mundo cada vez mais ‘online’, as mídias têm se destacado na operacionalização deste processo, contribuindo na construção da cultura, educação, e do conceito de educomunicação. 

Para SOARES (2011) por Educomunicação entende-se um conjunto articulado de iniciativas voltadas a facilitar o diálogo social, por meio do uso consciente de tecnologias da informação. O desenvolvimento de ecossistemas comunicativos permitiria a educação para a Educomunicação propondo estratégias para melhorar as relações de comunicação entre os indivíduos, em direção a uma educação de melhor qualidade e mais próxima das aspirações dos jovens de hoje. A Educomunicação surge como uma nova forma de ensino que consiste na adoção de técnicas utilizadas pelos meios de comunicação e tecnologia, encontradas principalmente nas mídias (Rádio, TV, internet) juntamente com a área da Educação (2011 p.47). 

Ao entrarmos nas comunidades quilombolas, entender os modos de comunicação e educação já estabelecidos é fundamental, o uso do termo comunitário referindo-se à comunicação participativa, envolvendo as pessoas da comunidade, não só como receptores, mas como protagonistas dos conteúdos produzidos. Diante deste contexto, é que a equipe interdisciplinar do  projeto ‘Saúde Mental Quilombola: Direitos, Resistência e Resiliência’, promovido pelo Baobá – Fundo para Equidade Racial com apoio da Johnson & Johnson, adotou esse formato de formação, valorizando a riqueza dos saberes locais e suas formas de repasse. 

Historicamente, a comunicação comunitária tem como uma das suas principais bases as rádios comunitárias, que surgiram na década de 70 e que ainda hoje são uma das maiores resistências dentro das periferias e comunidades tradicionais da Amazônia, hackeando as ondas sonoras a fim de gerar conexão, informação e subvertendo as lógicas de isolamento que assolam as comunidades que vivem longe dos centros urbanos. 

No município de Baião não é diferente, os métodos comunicativos estão presentes, dentre eles a tradicional Rádio Liberdade FM, que comunica na perspectiva de fortalecer, incentivar e informar dentro do território. Djalma Ramalho, radialista e morador da comunidade quilombola de Igarapezinho, nos conta que a rádio tem a intenção de contar o cotidiano e as notícias locais, “A ideia é falar com a comunidade sobre sua cultura e história, além de ouvir uma boa música”, e com as novas tecnologias esse acesso se amplia cada vez mais, atualmente tudo que é veiculado na Rádio é disparado no aplicativo do Whatsapp, alcançando até pessoas fora do território. Hoje, esse espaço da Rádio também é de incidência política, pois são práticas comunicacionais como essa que contribuem na emancipação dos indivíduos. 

Diante dessas práticas já existentes na comunidade a equipe de comunicação do projeto também busca desenvolver suas atividades, aliando a técnica com os saberes locais e a prática do cuidado com a saúde mental. “Utilizar essa ferramenta hoje para falar sobre saúde mental é muito importante para ressignificar estas estratégias e agora aplicá-las de forma que vão beneficiar a comunicação em grupo”, diz Mayara Coelho, roteirista e educadora. Comunicar é ter responsabilidade, é pensar e cuidar para que o outro receba uma mensagem clara e objetiva, já que na atualidade a quantidade de informação é muito mais acelerada o que impacta diretamente como essa mensagem chega. “Nas nossas oficinas, trabalhamos muito em cima da comunicação não violenta, colocando o respeito na base, nós a aplicamos durante o projeto e tivemos resultados benéficos visíveis no diálogo entre a comunidade e as lideranças. A comunicação serve não somente para facilitar as conversas, como também para levar lazer e alívio, e isso é muito importante no processo de fortalecimento da saúde mental”, afirma Mayara Coelho.

Contar nossas próprias narrativas é fundamental, entendendo que quem tem o poder de contar nossas histórias e quem escolhe contar, na sua grande maioria, está dentro do que chamamos comunicação hegemônica, o que nos lembra  Chimamanda Ngozi Adichie (2009), “é assim que se cria uma única história: mostre um povo como uma coisa, como somente uma coisa, repetidamente, e será o que eles se tornarão”. E a partir disso se criam os estereótipos de um povo, afetando o bem viver, e consequentemente a saúde mental, porque o direito a uma vida digna também é ter suas histórias contadas de forma correta, valorizando os saberes locais, entendendo que morar longe de aglomerados urbanos não dá direito o de violar o acessos básicos como comunicar-se.

Como forma de contra-narrativa a essa “história única”, é que nas oficinas de educomunicação, também foram utilizadas ferramentas do audiovisual para que as pessoas da comunidade pudessem usar seus celulares, dispositivo que a maioria possui, como um instrumento de denúncia e potência, contando sobre suas ancestralidades, dores e alegrias via registro em vídeo. A oficina de audiovisual foi muito importante pra gente por conta do conteúdo  que nós aprendemos e entendemos. O celular é uma ferramenta que nos ajuda a divulgar pequenas coisas, ele é usado também pra fazer algumas denúncias, que também ajudam muitas pessoas. E sobre as nossas atividades ,fizemos um mini-curso de como gravar, tirar fotos, fazer colagem, cortes e muitas coisas legais,a gente se divertiu muito com tudo isso e estamos  agradecidos”, relata Gilberto Ribeiro, morador da Comunidade de Baixinha. 

“Nesse espaço, a comunidade toma algo pra ela, que é o protagonismo de estar na

 frente das câmeras, de escrever suas histórias, de captar momentos e divulgar o que foi produzido”, compartilha Tamara Mesquita, jornalista e produtora que compõe a equipe técnica do projeto. Cicilia Peruzzo diz: “Os  movimentos  sociais  populares  representam  estruturas  novas  que  podem contribuir na formação de um duplo poder. São criações da sociedade civil que vão  democratizando,  exercendo  um  papel  do  qual  os  canais  tradicionais  de representação não estavam dando conta”. (Peruzzo, 1998, p.69). Nesse movimento cria-se redes e se fortalece a ancestralidade. 

O projeto ‘Saúde Mental’ entende como fundamental a mostra e o compartilhamento das possibilidades de informar e registrar a história e o presente por meio da comunicação e dos seus modos de operação, tradicionais ou contemporâneos, a fim de que isso promova mais acessos e a estruturação de um bem-viver nas comunidades quilombolas da Amazônia. 

¹ Anna Suav é MC, poeta, jornalista, produtora cultural e audiovisual. Hoje integra a equipe da Negritar Filmes e Produções, na função de coordenadora de comunicação. 
² Tamara Mesquita é jornalista, produtora audiovisual, educadora e comunicadora popular. Hoje integra a equipe da Negritar Filmes e Produções, na função de coordenadora de produção.

Negritar Filmes e Produções é uma produtora de impacto social, composta por pessoas negras.

QUER IMPULSIONAR A CULTURA DE DOAÇÃO?

Doe para o Fundo Baobá para Equidade Racial
Junte-se a nós.
DOE AGORA