Em uma manhã do final de fevereiro de 2023, uma moça de então 27 anos, mãe solo, faz uma revelação agradecida: “Sou preocupada com o meu futuro e com o da minha filha. Sei que o futuro dela será outro quando eu concluir um curso superior. Quero mostrar que é possível. Preciso estudar e trabalhar por mim e pela minha filha”, disse Thauany Aniceto de Souza, estudante de Enfermagem das Faculdades Metropolitanas Unidas, as FMU, em São Paulo. Na mesma manhã, Karina Leal de Souza comemorava a sua entrada no curso de Arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da Universidade de São Paulo (USP). Uma grande força veio da mentoria que Karina recebeu: “Minha mentora buscou um curso superior dez anos após ter concluído o Ensino Médio. Senti que tinha muito o que aprender com ela”, disse.
As trajetórias de vida de Thauany Aniceto e Karina Leal são semelhantes. Ambas alcançaram o objetivo de entrar em uma instituição de ensino superior. Além de sua dedicação, contaram com o apoio do Programa Já É. Entre 2021 e 2022, o Baobá – Fundo para Equidade Racial, com apoio da MetLife Foundation, implementou o Já É, um programa com o objetivo de ampliar oportunidades para jovens negros e negras de até 26 anos, moradores de São Paulo ou da Região Metropolitana. O programa financiou cursos preparatórios para o vestibular, além de vale alimentação, vale transporte, e um notebook com acesso à internet visando aulas online, dadas as necessidades impostas pela pandemia da Covid-19. A turma de 2021/2022 teve 85 estudantes inscritos. Ao final do período, 32 deles foram aprovados nos vestibulares, sendo que 12 em instituições públicas (USP, UNIFESP, UNESP e UFRJ) e 20 em privadas.
Os depoimentos de Thauany e Karina foram colhidos durante um encontro que juntou estudantes beneficiados pelo Já É e colaboradores da MetLife que fizeram trabalho de mentoria para eles. O Já É contou também com uma mentoria em formato de encontros virtuais. Cada sessão tinha duração de 1 hora e poderia ser quinzenal ou mensal, dependendo do acordo estabelecido entre mentores e mentorados. As conversas foram pautadas por temas como: ingresso no mercado de trabalho, habilidades socioemocionais e comportamentais, carreira e projeto de vida.
Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmam por que o apoio do Já É para o acesso da juventude negra ao ensino superior é necessário. Com relação ao ensino superior, as pessoas brancas com graduação completa equivalem a 6,5% da população brasileira entre 18 e 24 anos. Entre os pretos e pardos, apenas 2,9% da população entre 18 e 24 anos tem graduação completa. Já se o recorte for feito com base no Ensino Médio, são 9 milhões de brasileiros que não o completaram. Desses, 71,6% são pretos e pardos. Entre brancos, a porcentagem cai para 27,4%. A pesquisa também revelou que entre os 48,5 milhões de pessoas com idade entre 15 e 29 anos, 19,8% nem trabalham nem estudam. Pretos e pardos equivalem a 22,4% enquanto brancos são 15,8%. As discrepâncias são grandes e de alguma forma têm que ser eliminadas.
O Dia Internacional da Educação, 28 de abril, foi criado no ano 2000 durante o Fórum Mundial da Educação, no Senegal, em uma reunião de 180 países que discutiram sobre quais metas alcançar para seus povos em termos educacionais. A Educação tem como objetivo o crescimento das pessoas e a possibilidade de melhorar as suas vidas e a dos seus, porque além de trabalhar o desenvolvimento de suas competências, potencialidades e habilidades, contribui para ascensão de uma parte da população ainda invisibilizada. Ela é um direito de todos, independentemente de raça, cor, origem, gênero ou religião e acontece por meio da conexão ensino-aprendizagem e não necessariamente em espaços formais, como escolas.
Embora a Educação seja um direito de todos e um dever do Estado, na prática brasileira não é bem assim que isso acontece. E, por isso, ter acesso a ela é uma forma de ampliar o ideal democrático. A nação que investe na educação de seu povo está contribuindo para que ocorra crescimento econômico, redução da pobreza, maior oferta de trabalho e maior entendimento sobre o que são os direitos individuais. Ela permite que os indivíduos ampliem sua capacidade para modificar a realidade de suas comunidades.
Organizações do Terceiro Setor, como o Baobá, têm atuado e feito trabalho fundamental para que a desigualdade no que se refere ao acesso à Educação seja banida de nosso cotidiano. O Baobá priorizou a Educação como um de seus pilares para, e principalmente, promover o enfrentamento ao racismo institucional nos ambientes escolares; contribuir para a ampliação das capacidades socioemocionais de jovens e adolescentes; incrementar a entrada e contribuir para a permanência de negros e negras no ensino superior, além de incentivar a formação de novas lideranças negras nas ciências, na tecnologia e na inovação. Nos últimos quatro anos, além do Programa Já É, o Fundo lançou também o Educação em Tecnologia, o Educação e Identidades Negras e o BlackStem. Ao todo, foram investidos mais de R$ 2 milhões como dotação a esses programas.