Na noite de 4 de agosto de 1996, em Atlanta, capital do estado da Georgia, nos Estados Unidos, acontecia a cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos. A mais de 7.000km de distância, em Aracaju, capital do estado do Sergipe, no nordeste brasileiro, Maria Patricia Santos, grávida, assistia ao lado da mãe, Maria Helena, o momento em que a cantora cubana naturalizada norte-americana Gloria Estefan cantava a música Reach (Alcançar), que era tema dos Jogos. A performance encantou Maria Helena que disse: “Se nascer uma menina, vai se chamar Gloria Estefan. Não deu outra. Mas, por obra do cartório, o Estefan se transformou em Stefany.
Glória Stefany, a menina que nasceu em 1996, hoje é uma mulher de 27 anos que carrega um sonho: tornar-se comissária de bordo. Para isso, ela vem enfrentando uma difícil batalha. Glória ficou desempregada durante a pandemia da Covid-19. A função de merendeira que exercia em uma escola foi descontinuada quando as aulas foram interrompidas. Casada com Leonardo, um atendente de farmácia que dá todo apoio e incentivo ao desejo profissional da mulher, ela não mede esforços e, entre outros trabalhos, tem feito faxinas.
A sergipana é uma das 298 pessoas classificadas pelo edital Carreiras em Movimento, lançado pelo Baobá – Fundo para Equidade Racial em setembro de 2023. Como parte do Programa Presente e Futuro em Movimento, o edital objetiva promover a ampliação de oportunidades no mercado de trabalho para pessoas negras em empresas privadas. Um recurso de R$ 5 mil a R$ 10 mil foi designado para cada um dos selecionados, que poderão usar esse valor para desenvolver suas carreiras com cursos, compra de equipamentos, intercâmbios e outros itens que possam contribuir para o desenvolvimento pessoal e profissional.
Acostumada a uma vida de luta, Glória cresceu em uma família de 10 irmãos, filhos de uma mãe solo. Aos 14 anos já trabalhava em uma feira livre e também estudava. Quando a família começou a enfrentar problemas financeiros, sua vida passou por uma mudança radical. “Precisei sair da escola. Parei de estudar e comecei a trabalhar como babá. Tive um convite para trabalhar em Navegantes, Santa Catarina, tomando conta de um bebê. Saí de Sergipe e fui para lá. Minha primeira viagem de avião”, diz.
A viagem foi o ponto de inflexão na vida dela. A movimentação nos aeroportos, o glamour das aeromoças e pilotos, a magia das aeronaves plantaram um desejo na cabeça da então jovem de 17 anos: ser uma comissária. “Aquela foi a experiência que mudou totalmente meu ponto de vista. Uma menina simples, para quem andar de ônibus não era uma coisa acessível, estava andando de avião. Fiquei admirada com tudo aquilo e me apaixonei pela aviação”, afirma.
A paixão virou quase uma obsessão. Ela passou a pesquisar tudo sobre aviação, principalmente os temas relativos à formação de uma comissária. Também sabia que para tentar alcançar seu objetivo teria que ter uma boa formação. Portanto, concluir o Ensino Fundamental e o Ensino Médio era obrigação. Para recuperar o tempo que ficou sem estudos, cursou o Ensino para Jovens e Adultos, o EJA, modalidade educacional voltada àqueles que não tiveram oportunidade de fazer o Ensino Fundamental e o Ensino Médio na idade prevista. Depois de concluir, Glória Stefany foi além: conseguiu a aprovação para o curso de Letras na Universidade Federal de Sergipe, onde está no sétimo período, restando dois para a conclusão do curso.
Os desafios nos estudos têm se mostrado superáveis. As considerações preconceituosas feitas pelas pessoas são tentativas frustradas de impor obstáculos. E as principais têm a ver com o cabelo de Stefany. “Mas eu nunca vi aeromoça de cabelo cacheado; “Será que você vai se adaptar ao uniforme?”; “Nordestina pode ser aeromoça?”; “Você já está com 27 anos. Aeromoça tem que ser jovem!”. Porém, como canta Gloria Estefan em Reach: “Alguns sonhos vivem para sempre no tempo (Some dreams live on time forever).” E o sonho da Glória brasileira está bem vivo.
Ela fala da importância do edital Carreiras em Movimento na busca pelo seu objetivo. “O edital me dá a possibilidade de eu não ficar só no sonho. Eu passei a ter a prática da coisa. Passei a ter um espaço maior para aprender. Aqui em Sergipe não tem escola para essa formação, o curso é semipresencial e os testes são feitos em São Paulo. Fiz meus testes em São Paulo, fiquei três dias por lá. O edital me proporciona poder pagar o curso com o recurso que recebi”, afirma.
Em tempo: A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), órgão que regula e fiscaliza as atividades da aviação civil no Brasil, publicou em seu site oficial que após os testes feitos em São Paulo, Glória está apta a voar, restando apenas conseguir certificações complementares. Glória Stefany acaba de decolar em direção ao seu sonho!