Coluna Ubuntu: Projeto “Saúde da População Negra em foco”

Baobá - Fundo para Equidade Racial

26 de julho de 2016

O Fundo Baobá já apoiou mais de 30 projetos ao longo de sua existência e, para mostrar os resultados, perspectivas e dificuldades que cada organização enfrentou para que seu projeto fosse concretizado, decidiu criar a coluna “Ubuntu” realizando entrevistas com coordenadores/idealizadores das iniciativas para entender um pouco melhor sobre cada instituição e suas atividades.

A entrevista a seguir foi realizada com uma das coordenadoras da Associação Cultural de Mulheres Negras – ACMUN, Simone Cruz, que desenvolve um trabalho de conscientização da população negra porto-alegrense sobre um direito que pouquíssimos conhecem e utilizam: a Política de Saúde da População Negra em Porto Alegre.

A seguir, leia a entrevista completa que o Fundo Baobá fez com a ACMUN.

Fundo Baobá (FB): O que é a Associação Cultural de Mulheres Negras? Como ela surgiu?

Simone Cruz (SC): A Associação Cultural de Mulheres Negras – ACMUN foi fundada no dia 05 de junho de 1994, por um grupo de mulheres negras na Vila Maria da Conceição, periferia de Porto Alegre, vinculadas as Agentes Pastorais Negras (APNs) com a missão de desenvolver ações para o fim da discriminação de gênero, raça e etnia a partir da valorização e promoção da população negra, em especial das mulheres negras.

FB: Por que o foco da ACMUN são mulheres? Qual foi a necessidade de envolver esse público específico neste projeto?

SC: A ACMUN foi criada por mulheres negras, à qual sempre houve o entendimento de que essa população necessitava de um olhar especifico sobre suas questões devido ao fato de vivenciar inúmeras formas de discriminações por ser mulher e negra. Por fazerem parte dos dois grupos, somente as mulheres negras são capazes de saber e sentir o que é viver com o racismo e machismo simultaneamente.

FB: Quais são as principais atividades realizadas pelo projeto da ACMUN?

SC: Durante o desenvolvimento do projeto, as principais ações realizadas foram a aplicação de enquetes junto à comunidade negra e usuárixs do SUS, a fim de saber dessxs pessoas se elxs tinham conhecimento sobre a existência da Política de Saúde da População Negra em Porto Alegre e qual a avaliação sobre a mesma. Também realizamos entrevistas no centro da cidade com a população negra para elaboração de um vídeo que foi postado no Facebook (clique aqui para assistir), assim como uma publicação online com os dados coletados das enquetes, e um seminário de lançamento tanto do vídeo quanto da publicação.

FB: Quais foram as principais dificuldades que a Associação encontrou/encontra?

SC: Durante o desenvolvimento do projeto não tivemos grandes dificuldades para sua execução. A não ser o fato de que, inicialmente, havíamos definido trabalhar com usuários e trabalhadores da saúde, entretanto estes últimos foram excluídos da proposta devido a burocracia para a realização das entrevistas no seu ambiente de trabalho. O mais importante foi o fato de que, priorizando o projeto com os usuários, não perdemos o principal objetivo do projeto que foi contribuir com a implementação da Política de Saúde da População Negra em Porto Alegre.

FB: Quais foram/foi a(s) maior(es) surpresa(s) que o projeto trouxe para a Associação?

SC: Talvez não foram exatamente surpresas, mas verificamos que durante as enquetes realizadas com a população negra nas oito regiões de saúde de Porto Alegre, 75% das pessoas entrevistadas foram mulheres, o que confirmou que são as mulheres que mais utilizam o serviço de saúde público. Também o fato de que 79% das pessoas entrevistadas nunca tinham escutado falar sobre a política – isso já era previsto –, mas 86% avaliaram que a existência dessa política como “boa” ou “ótima”.

FB: Como vocês souberam do Fundo Baobá e do parceiro TIDES?

SC: Ficamos sabendo do Fundo Baobá através de outras entidades do movimento negro, mais especificamente quando foi criado. Foi uma noticia muito importante para todas as organizações negras! Já o parceiro TIDES, a ACMUN teve conhecimento pelo Fundo Baobá, a partir deste apoio.

FB: De onde surgiu a necessidade de apresentar um projeto como o da ACMUN para o Fundo Baobá?

SC: A não implementação da Política de Saúde da População Negra sempre foi uma questão que os movimentos sociais negros lutam desde a criação da Política. No entanto, uma vez que os governos realizam ações que entendem e implementam a Política, mas, de fato, não atingem a população negra usuária do SUS, foco desta política. Os dados não modificam (não baixam), o que significa que a Política, ao entendimento da ACMUN, apesar de ter sido criada há exatamente 10 anos atrás, não tem sido implementada efetivamente, pois ainda há uma grande parte da população que desconhece o benefício. Por isso, nossa proposta foi comprovar esse desconhecimento e mostrar para a gestão da saúde que são necessárias estratégias de implementação que atuem diretamente com xs usuárixs.

FB: Por que é importante levar a informação da Política de Saúde da População Negra para usuários do SUS?

SC: Porque entendemos que a população, por ser beneficiária direta desta Política, tem o direito de saber de sua existência para que possa exigir seus direitos. Nossa estratégia com essa proposta é só o inicio para levar o conhecimento desta Política à população. Precisamos que a gestão crie estratégias para que de fato a política faça diferença positiva na vida e na saúde da população negra.

FB: O que dificulta o acesso à essas informações?

SC: Acreditamos que seja o fato da própria existência do racismo em nossa sociedade. Ainda é muito difícil o reconhecimento da população de que exista racismo no SUS, fato que determinou a criação da Política. É complicado porque uma parte da população nega a existência do racismo, mas o pratica e isso não é diferente no âmbito da saúde. A mesma prática é utilizada pelos trabalhadores de saúde (médicxs, enfermeirxs, técnicxs e todos os demais trabalhadorxs envolvidos no atendimento).

FB: Qual era o cenário da comunidade antes da doação e da implementação do projeto e qual é o cenário atual?

SC: Este projeto realizou intervenções e abordagens com a população negra, residente de Porto Alegre e de todas as regiões de saúde da capital. Pelo fato de ter sido executado com 400 pessoas, em média, não temos como medir ainda o impacto que ele teve. Mas temos um dado que para nós é importante sobre o alcance da informação que levamos sobre a existência da Política: ao verificarmos no Facebook o vídeo que postamos a respeito da Política – no qual são entrevistadas pessoas nas ruas dizendo se a conhecem ou não –, verificamos que já tivemos um alcance de mais de 7 mil pessoas alcançadas.

FB: Como você vê o futuro das pessoas envolvidas nesse projeto a médio/longo prazo?

SC: Apesar de entendermos que esta tenha sido uma ação com resultados a longo prazo e que necessita de várias outras ações, um prognóstico positivo de que as pessoas, população negra, usuária do SUS, passarão a questionar mais a execução da política na sua prática diária, sobretudo a partir da qualidade do atendimento.

FB: Qual a sua expectativa para esse projeto?

SC: O projeto já foi finalizado e esperamos que ele alcance cada vez mais a população negra de forma direta, na qualidade do atendimento da saúde pública.

FB: Quais são os próximos passos?

SC: Recebemos apoio adicional para execução de mais seis meses do projeto, na qual criaremos pequenos vídeos de 5 a 7 minutos explicado sobre doenças que afetam de maneira diferente a população negra. Os vídeos serão temáticos sobre Diabetes e Hipertensão; Tuberculose; HIV/AIDS; e Doença Falciforme.

FB: Existem novos projetos já em planejamento ou até mesmo em andamento?

SC: Os vídeos citados acima estão sendo elaborados e serão divulgados até o final de 2016, mais especificamente no mês de outubro, uma vez que o dia 27 é marcado pela Mobilização Nacional da Saúde da População Negra, e no mês de novembro, pois dia 20 é comemorado o da Consciência Negra.

FB: Qual a importância de um Fundo como o Baobá para a equidade racial para a sociedade?

SC: A criação do Fundo Baobá é importante para toda a sociedade brasileira uma vez que, por termos um fundo que apoia especificamente organizações negras, existe o reconhecimento por parte de financiadores e apoiadores tanto do racismo como da necessidade de garantir o apoio para instituições negras se consolidarem institucionalmente e, consequentemente, o fortalecimento da população como um todo.

Coluna Ubuntu: é uma palavra de origem africana e exprime a ideia de que o ser humano está ligado à sua humanidade, e, portanto, deve buscar uma sociedade igualitária. Para isso, deve colocar os ideais de respeito, cortesia, compartilhamento, comunidade, generosidade, confiança e desprendimento. O Fundo Baobá, por meio de apoio a projetos, busca praticar o Ubuntu para alcançar uma sociedade mais justa com iguais oportunidades a todas e todos.

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