Por Eliane de Santos
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística a taxa de desemprego no Brasil chegou a 14,6% no terceiro trimestre de 2020, a maior da série histórica iniciada em 2012. O percentual correspondia na época a 14,1 milhões de pessoas.
A falta de uma renda formal contribuiu para outro dado alarmante, neste caso apurado por pesquisadores do Laboratório de Psiquiatria Molecular da UFRGS e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, divulgado em outubro do ano passado: 80% da população tornou-se mais ansiosa e 68% desenvolveu sintomas depressivos durante a pandemia.
Desemprego e estado de ansiedade eram justamente uma realidade para Jaqueline Barbosa dos Santos Heldt, de 34, quando ela decidiu se inscrever no Edital Primeira Infância do Fundo Baobá. Encontrou ali a motivação que precisava, além de um caminho para estimular outros brasileiros a manterem seus corpos e mentes saudáveis.
“Notei que as crianças, os responsáveis, as mulheres grávidas e puérperas sofriam muito com o distanciamento social. Percebi também que o poder público não desenvolveu ações para auxiliá-los nesse período. A instabilidade estava aumentando a ansiedade entre os pequenos e expondo os adultos à depressão, síndrome do pânico e outras doenças emocionais/psicológicas”, explica.
Jaqueline tem formação livre em vários estilos de dança (contemporânea, afro-brasileira, urbanas, jazz, sapateado e ballet clássico) e há 12 anos dá aulas em projetos sociais próximos na cidade de Pompeia, onde mora, e em outras duas cidades vizinhas: Queiroz e Oriente, no Centro-Oeste da capital paulista. Ela arregaçou as mangas e só precisou de um pouco de criatividade para mudar a forma de ensinar. Na verdade, a partir das medidas de distanciamento, muitas escolas e projetos fecharam e ela já vinha realizando aulas on-line, no Instagram.
Ao todos 30 pessoas se beneficiaram com as oficinas virtuais de ballet infantil (02 a 06 anos), alongamento para gestantes e puérperas, ballet e jazz para adultos que ela organizou. Gostaram tanto que indicaram para pessoas em outras cidades, que desejam saber se Jaqueline formará mais turmas remotas. Mesmo depois da pandemia.
“Algumas mães comentaram que as filhas ficaram menos ansiosas com as aulas de ballet infantil, e que perceberam melhora também na coordenação motora e na postura das meninas. Já algumas gestantes enviaram mensagens, reportando que as aulas de alongamento as ajudaram a dormir melhor”, comemora Jaqueline, hoje mais animada e certa da missão que tem com a dança.
‘Se a vida te der um limão, faça dele uma limonada’ é um ditado que vale para outros brasileiros que abraçaram o desafio do Fundo Baobá. A pedagoga Heloisa Ferreira da Silva, 42, já estava desempregada quando a Organização Mundial da Saúde anunciou a disseminação mundial do novo coronavírus, em março do ano passado. Com a notícia, ela perdeu duas chances profissionais:
“Eu havia sido aprovada em uma seleção pública e em uma instituição privada, para trabalhar como professora e coordenadora escolar. Mas veio a pandemia e não fui convocada por nenhuma das duas”, lembra.
Estava aberta no país mais uma temporada de demissões, porém outra de oportunidades. Atenta, Heloisa se candidatou ao edital do Baobá, desejando doar o seu tempo e os seus conhecimentos para o bem-estar de moradores do bairro do Engenho Velho de Brotas, em Salvador, Bahia.
Mas a limonada ainda não estava pronta. Surgiram dificuldades logo na etapa inicial, quando ela tentou obter autorização para trabalhar com famílias cadastradas no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) da região.
“Fui ao CRAS, expliquei as minhas intenções de prestar orientações pedagógicas para crianças de 0 a 6 anos e apoiar as mães que, como eu, estavam sem trabalhar, preocupadas com a educação dos filhos em casa. Fui orientada a não fazer o projeto”.
A saída foi percorrer a comunidade apresentando as propostas, colando cartazes e cadastrando os interessados.
“Mudei a estratégia de divulgação. Busquei parceiros no bairro e adjacências, como o Mídia informativa Nosso Engenho, o bloco afro Os Negões, a Associação Santa Luzia, o Terreiro Ilê Axé Aji Ati Oya e o portal A gente educa”.
Cinquenta famílias decidiram participar. Como nem todas tinham acesso às redes sociais, também foi preciso usar o boca a boca para se comunicar com elas e, por exemplo, anunciar a entrega de kits pedagógicos com caixa de lápis de cor, borracha, massinha de modelar e jogos de coordenação motora, entre outros itens que variavam de acordo com a faixa etária.
Heloisa abraçou aproximadamente 150 crianças com o projeto e foi estimulada pelos pais a repeti-lo. Enfim, o refresco esperado.
“Eu sempre senti a necessidade de apresentar para a sociedade uma educação que respeita as diversidades e atende com equidade. O Fundo Baobá abriu caminhos para eu iniciar a prática deste apoio comunitário e não vou parar!”
Pobreza, desemprego, solidão, ansiedade e violência. Todos esses fatores estressores se apresentaram na pesquisa que Priscila Costa, 36, realizou ainda no início da pandemia com 153 pais e mães de crianças com menos de 3 anos de idade, matriculadas em uma creche próxima à favela Alba, no bairro de Jabaquara, na Grande São Paulo.
Como docente da Escola Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo, há cinco anos ela desenvolve ali atividades de extensão voltadas à promoção do desenvolvimento infantil e de apoio à parentalidade. Priscila portanto, já conhecia a realidade dura daquelas famílias mas precisava saber como elas estavam vivendo no contexto da Covid-19.
“Pouco tempo depois eu tive conhecimento do edital e achei que ele se encaixava com o meu trabalho. Para me inscrever, eu também considerei a minha experiência como mãe de uma criança de 1 ano e cinco meses nessa pandemia. Ser mãe impulsiona o nosso olhar para ver diferente a situação de outros pais. Eu me senti sobrecarregada na fase de isolamento social. Tive momentos difíceis, sem uma rede de apoio. Imaginei como não estariam as famílias da creche, que além de tudo lidam com o desemprego, a fome e a falta de infraestrutura”, relata Priscila que também é mestre e doutora em Ciências da Saúde pela Universidade de São Paulo.
Ela desejava fortalecer as famílias, promovendo o desenvolvimento infantil em casa e gerenciando o estresse dos pais durante o surto de coronavírus. Para isso aplicou um programa da Universidade de Havard (EUA) que já pesquisava há um ano.
“O nome é ‘Cinco Básicos no dia-a-dia’ e tem origem no programa “The Basics”, desenvolvido no The Achievement Gap Initiative da Universidade de Harvard, sob coordenação do professor Ronald Ferguson. É uma intervenção de saúde pública. Consiste em cinco formas simples e divertidas de apoiar a parentalidade no crescimento dos filhos: dar muito amor e controlar o estresse; falar, cantar e apontar; contar, agrupar e comparar; explorar através do movimento e da brincadeira; ler e discutir histórias”, define.
“O professor Ferguson conferiu apoio irrestrito para disseminarmos o conteúdo em português”.
Na fase de planejamento Priscila convocou 33 educadores da creche de Jabaquara para uma reunião virtual, na qual foram apresentados os cinco princípios do ‘Cinco Básicos’ e discutidas maneiras de facilitar a comunicação com as famílias por meio do WhatsApp. Dali saíram algumas ideias iniciais: oferta de um brinde que as famílias poderiam retirar na creche, composto por um livro infantil, um batom gloss e um folheto dos Cinco Básicos; envio de mensagens de texto, áudio e vídeo para o engajamento das 153 famílias.
Foi preciso ainda traduzir 125 mensagens de texto sobre os Cinco Básicos, elaborar uma identidade visual do programa para as mensagens de texto, produzir uma logomarca em português, legendar e dublar um vídeo sobre o ‘Cinco Básicos’ e, finalmente, engajar as famílias via WhatsApp. Ao todo 35 participaram.
“Os principais desafios foram o curto período para execução das atividades, a complexidade de traduzir as mensagens de texto, do Inglês para o Português, fazendo uma adaptação cultural de seu conteúdo, e o engajamento das famílias utilizando apenas o WhatsApp como canal de comunicação. Aprendemos muito com isso e ossos planos para o futuro incluem ampliar a disseminação do Cinco Básicos, inclusive com ações presenciais, sites e redes sociais. Vamos seguir com o projeto.”