Diretor Executivo do Fundo Baobá refletiu sobre as diferentes funções sociais que o ato de doar pode adquirir, inclusive na reprodução do “status quo”
Por Wagner Prado
Com apoio do Fundo Baobá para Equidade Racial e do Instituto Unibanco, patrocínios de Aegea Saneamento, Instituto Aegea e realização do The Wise Fund e Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) foi aberta no dia 4 de agosto uma série de mesas de discussão sobre o Mês da Filantropia Negra ou Black Philanthropy Monty 2022. No primeiro dia, participantes desse segmento do terceiro setor estiveram reunidos na sede do Instituto Unibanco. O foco foi lançar um olhar analítico sobre motivos, estratégias e resultados que vêm orientando a filantropia negra no Brasil.
A mesa de debates foi moderada por Luana Génot, diretora executiva do Instituto Identidades do Brasil e reuniu, como expositoras/expositor Selma Dealdina, secretária administrativa da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Helena Theodoro, presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Elas+ e Giovanni Harvey, diretor executivo do Fundo Baobá.
A conversa teve início com um dado importante apresentado pela moderadora: de 2011 a 2019, US$ 185 milhões foram doados para causas de equidade racial nos Estados Unidos. Em 2020, quando do assassinato de George Floyd pelo policial branco Derek Chauvin e os consequentes protestos por todo país, esse número cresceu para US$ 3,3 bilhões.
A preocupação com o semelhante permeia a história da comunidade negra brasileira. No período da escravidão, os negros se organizaram em irmandades que exerciam a solidariedade no sentido de comprar cartas de alforria, fornecer suporte jurídico e dar acesso a assistência médica e ajuda para funerais e enterros. Isso feito por gente que permanecia solidário mesmo na precariedade de suas vidas. .
Giovanni Harvey, diretor executivo do Fundo Baobá, afirmou no evento que assim como na sociedade norte-americana, há no Brasil uma tendência para que as doações relacionadas à agenda da equidade racial também cresçam. Ele analisou as relações que são estabelecidas entre doadores e donatários e chamou a atenção para um aspecto que considera crítico “O ato de doar também pode ser uma ferramenta de manutenção do status quo. Porque nem toda doação tem o objetivo de criar condições para a superação de desigualdades. Ela (a doação) também pode ser um instrumento de amortecimento de tensões sociais”, disse. Harvey reiterou o papel do Fundo Baobá em relação ao combate ao racismo. “O Baobá não faz filantropia para amortecer tensões sociais. Fazemos filantropia para gerar visibilidade para demandas sociais legítimas, invisibilizadas historicamente”, completou.
Selma Dealdina, da Conaq, reforça a vocação solidária negra usando o trabalho feito por um ícone histórico. “Tereza de Benguela mostra para nós, hoje, que as mulheres negras sempre souberam gerir recursos. O quilombo de Quariterê (Mato Grosso, fronteira com a Boívia, onde Tereza era líder junto com seu marido, José Piolho) produzia grãos, sementes e mandioca que sustentavam outras províncias”, falou. Por conta disso, Selma pediu uma reflexão: “A filantropia negra tem que ter o recorte do campo. Porque as pessoas falam em filantropia, mas muito no contexto urbano e esquecem que existem negros no campo, nas águas e nas florestas. Se a gente não unificar esse discurso, para além da cidade, e incluir os negros que não estão nos centros urbanos, fica difícil falar em filantropia ou em qualquer outra dinâmica”, afirmou.
A fala de Helena Theodoro, do Fundo Elas+, corrobora a de Selma Dealdina. “Ao criar uma filantropia negra, a gente tem que pensar no aquilombamento negro, no sentido de trocar e ouvir as experiências do outro. Fomos nós (negros) que construímos esse país. Plantamos, asfaltamos as ruas, construímos as casas, demos o ciclo da borracha, ouro, diamantes, plantamos arroz e cuidamos do gado. Essa nação brasileira só vai ser uma grande nação se levar o povo negro em consideração”, disse.
O Mês da Filantropia Negra tem como um dos seus conceitos o protagonismo negro das ações. O Fundo Baobá trabalha com esse conceito, de acordo com o seu diretor executivo, Giovanni Harvey. “O Baobá tem o objetivo de fazer crescer o seu endowment. Queremos chegar em 2026 com R$ 250 milhões. Isso vai propiciar fazer o exercício de ter um colegiado majoritariamente composto por pessoas negras decidindo o que se pode fazer com o dinheiro. Temos que parar com esse ‘me engana que eu gosto’, porque as organizações do movimento negro estão comprando o discurso de que as organizações dirigidas pelas pessoas brancas estão, de fato, comprometidas todas elas com o combate às desigualdades. Temos que parar com esse jogo e discutir abertamente, ter a iniciativa de fazer acordos e saber o que vamos fazer para os próximos cinco ou dez anos e as instituições têm que dizer o que elas pretendem fazer. Mas nós precisamos saber”, disse.