Mais médicos e médicas pretos no Brasil poderiam  melhorar o atendimento de saúde da população negra 

Por Wagner Prado

A população preta brasileira seria melhor atendida em termos de saúde se os médicos e médicas fossem também pretos? A questão não é de fácil resposta. O Brasil é incipiente em termos de estudos ou pesquisas nesse sentido. A  existência da Lei 12.288, de 20 de julho de 2.010, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, garante à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos individuais e coletivos, além do combate ao racismo, à discriminação e às demais formas de intolerância correlatas. Portanto, a criação do Estatuto da Igualdade Racial é o reconhecimento de que o racismo e a discriminação advinda dele existem no Brasil. 

Nos Estados Unidos, um questionamento sobre um melhor atendimento médico à população preta foi obtido a partir da constatação ocorrida em uma pesquisa. A George Washington University, localizada na capital Washington, indicou ter encontrado disparidades na forma de tratamento dispensada ao 1,8 milhão de bebês nascidos no estado da Flórida. As chances de sobrevivência dos recém-nascidos sofrem variações significativas se comparados os atendimentos feitos por médicos e médicas brancos aos feitos por médicos e médicas pretos. Os Estados Unidos e o Reino Unido destacam-se no que se relaciona à produção científica sobre racismo e inequidades raciais no setor da saúde. 

De acordo com o relatório que acompanha a pesquisa da George Washington University, os recém-nascidos negros que foram cuidados por médicos e médicas também negros tiveram redução de 39% a 58% na taxa de mortalidade. No universo oposto, ou seja, os bebês negros cuidados por médicos e médicas brancos tiveram três vezes mais possibilidades de vir a óbito. O relatório sugere que médicos e médicas negros cuidam bem dos bebês que têm a sua etnia e, ao mesmo tempo, cuidam bem de recém-nascidos brancos.

Presença de médicos e médicas negras no Brasil

Jurema Werneck, médica e diretora da Anistia Internacional no Brasil, foi moradora de favela no Rio de Janeiro. Seu sonho era cursar algo voltado para o mundo das artes. Porém, uma quase imposição de seu pai, gerada pela indecisão de Jurema sobre o que cursar na faculdade, acabou levando-a à Medicina da Universidade Federal Fluminense. Sobre a presença de médicos e médicas negros, ela diz: “Ainda é pouco, mas para mim é uma riqueza que não se compara. Quando eu me formei médica e fui trabalhar na Prefeitura do Rio de Janeiro, escolhi trabalhar na favelaMas por que eu fui trabalhar na favela? Eu nasci na favela. Não fiz nada assim: ‘Ahhh, eu escolhi ser uma pessoa legal e vou trabalhar em favela’. Não, gente! Na favela moram meus amigos, meus parentes e um montão de gente que eu não conheço. Mas lá é o meu ambiente, eu conheço aquele lugar. Eu só voltei para casa”, disse ela ao portal Nós, Mulheres da Periferia.  

O Código de Ética Médica,  do Conselho Federal de Medicina, em seu capítulo IV Artigo 23, proíbe médicos de “tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma sob qualquer pretexto”. Mesmo assim, é evidente que casos de discriminação podem ocorrer. Difícil é chegar a eles. A maioria das denúncias são feitas diretamente nos sites do Conselho Federal de Medicina ou nos sites dos Conselhos Regionais de Medicina e arbitradas por um conselho interno. 

O Fundo Baobá tem como missão promover a equidade racial. Um dos seus  quatro eixos de atuação é o Viver com Dignidade. Nele, ações de promoção da saúde e qualidade de vida, a prevenção de doenças, bem como os seus agravos, são prioridades. Ter um atendimento de saúde digno é fundamental para o equilíbrio psicossocial de qualquer  ser humano. 

A falta de atendimento digno, porém, foi o que motivou pesquisa feita pelo Instituto AzMina em 2021. 100 mulheres foram ouvidas para relatar casos de racismo ocorridos  dentro de consultórios ou em unidades de saúde. O cenário é estarrecedor. Dentre as 100, 82% eram mulheres de pele escura: pretas – 60,6%; pardas – 19,2% e indígenas – 3%.  68% foram unânimes em afirmar que já haviam enfrentado racismo em seus atendimentos médicos. 16% disseram que talvez tivessem sofrido. As ocorrências aconteceram durante atendimentos ginecológicos (43), clínicos (40), dermatológicos (19) e obstétricos (10). 

O Brasil alcançou em 2020 a marca de 500 mil médicos. A Universidade de São Paulo (USP) realizou em 2019 um estudo batizado de Demografia Médica, que delineou como os médicos que estavam se formando naquele ano se declararam em relação a suas cor e raça, 67,1% se autodeclararam brancos; 24,3% disseram ser pardos; como negros, apenas 3,4% definiram-se. As políticas de ações afirmativas, a política de cotas, o maior acesso e permanência da população preta em cursos superiores, como medicina, poderão fazer com que os cenários mostrados aqui mudem. As escutas estão sendo feitas e as ações de transformação estão sendo implantadas e acontecendo na sociedade. Vai levar um tempo, mas a mudança está vindo. 

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