A Resistência como prática diária

O 20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra – nos mostra que resistências se constroem de forma diária.

Para chegarmos nesse dia, milhões de negros e negras se insurgiram, quebraram correntes e fizeram de seus corpos e almas territórios de liberdade. Alguns são conhecidos, como Zumbi dos Palmares e sua companheira Dandara. Outros, não tiveram seus nomes escritos na história, mas como coletividade, deram suporte para que esses guerreiros e guerreiras conseguissem ganhar essa batalha e fossem lembrados no tempo presente.

A Militância e o ativismo de hoje estão sob ataque.
Mas sabemos que a vida é uma intensa e contínua luta para o povo negro, todos os dias. Angela Davis afirma que direitos são conquistas e precisamos lutar por eles. Nada está posto, e em especial a liberdade, direito conquistado às custas de muito sangue derramado.

A onda de conservadorismo que assola a sociedade brasileira também reverbera em países como  Estados Unidos, França, Alemanha e Itália, por exemplo, soa como uma resposta ao cansaço generalizado das denúncias de crimes de corrupção política que se arrastam por anos, sem uma penalidade aos corruptores, mas acima de tudo, é uma resposta de quem não quer abrir mãos de seus privilégios com o contínuo avanço das conquistas dos ditos grupos minoritários: negros, Lgbtqi+ e mulheres.

A tal resistência, que é necessária a cada dia mais, é construída por exemplos cotidianos como esses:

Absolvição de Babiy Quirino

A estudante e modelo negra Bárbara Querino, 20 anos, foi acusada de um suposto roubo, em setembro de 2017, sendo que ela foi  “reconhecida pelos cabelos” por uma das vítimas. No entanto, na data do crime, ela se encontrava a trabalho no Guarujá e tem como prova fotos e vídeos.
Bárbara Querino, conhecida como Babiy  foi absolvida de um dos processos pelo qual foi acusada. De acordo com a defesa, a Justiça inocentou a modelo de um suposto roubo de carro de luxo e objetos de valor.

Saiba mais sobre o caso aqui.

Conceição Evaristo como homenageada do Enem 2018

A escritora mineira Conceição Evaristo foi a homenageada no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2018. Trechos de sua obra foram selecionados e impressos nas provas do Enem. Uma das responsabilidades do participante no Enem é transcrever a frase apresentada na capa do Caderno de Questões para o Cartão-Resposta. Cada tipo de prova – são quatro cores diferentes, além das provas acessíveis – tem uma frase diferente. Uma das frases usadas na prova do Enem é: “E não há quem ponha um ponto final na história”.

Eloá e Maria das Graças e a importância da educação
A estudante Eloá Oliveira Rosa, 13 anos, participava de uma sarau literário com pais e alunos em sua escola, quando foi chamada para receber o certificado de destaque de desempenho escolar, emocionando assim sua mãe, Maria das Graças, que não esperava ver a filha entre os alunos selecionados para receber a honraria.

Leia mais sobre aqui.

A youtuber Nátaly Neri lança a série Negritudes Brasileiras

Negritudes Brasileiras, é um documentário de longa-metragem sobre identidades raciais brasileiras que estreou dia 12 de novembro no YouTube. A série foi idealizada por Nátaly Neri, produzido pela Gleba do Pêssego e conta com a participação da historiadora Giovana Xavier, da arquiteta Joice Berth e dos jornalistas Alê Santos e Aline Ramos.
“O ideário da democracia racial recusa o conflito”, afirma Nátaly

Escolinha Maria Felipa

A Escola Afro-Brasileira Maria Felipa surgiu da ideia de jovens negras e negros que, na busca por educarem suas filhas e filhos a partir de outros marcos civilizatórios, pensaram em uma escola que valorizasse as constituições ancestrais não apenas europeias, mas que reconhecesse a forte influência ameríndia e fundamentalmente africana na formação sociocultural brasileira. A escola possui educação infantil bilíngue e está localizada no bairro da Federação em Salvador, Bahia.

Conheça mais sobre a Escolinha aqui.

Selo Sueli Carneiro

Começou na semana passada a pré-venda do novo livro de Sueli Carneiro: Escritos de uma vida.
O livro tem apresentação de Djamila Ribeiro, prefácio de Conceição Evaristo e texto de orelha de Átila Roque, o livro reúne uma série de artigos publicados por Sueli ao longo de sua vida, com textos que abordam temáticas imprescindíveis para refletir sobre a sociedade e moldar o pensamento contemporâneo. A publicação é a primeira do selo que homenageia Sueli Carneiro levando o seu nome.

É preciso Esperançar.
E esses exemplos de lutas diárias feitas no presente, mostram que as conquistas e vitórias de outras pessoas negras, que fortalecem toda a coletividade, podem fazer com que enxerguemos para além das perdas cotidianas que incluem o campo da política.

É preciso manter o fio da esperança conectado às práticas diárias. Se conectar com outras pessoas que potencializam ações para o amanhã. É preciso fazer das margens o centro. Refletir e continuar lutando pelas conquistas de quem veio antes e não tirar os olhos do horizonte de possibilidades ao colocar a coletividade negra como fonte primeira das ações que nos afastam de um passado de precariedade e nos impulsionam para um presente de movimentos e um futuro de abundância.

Que esse 20 de novembro nos lembre disso.

Créditos:
Imagem destaque: dazzle jam/nappy

15 anos das Cotas

“O que nós conquistamos não foi porque a sociedade abriu a porta, mas porque forçamos a passagem”
Conceição Evaristo

O ano era 2001 e acontecia em Durban, na África do Sul, a III Conferência contra a Xenofobia e Discriminação. Os representantes dos Movimentos Negros Brasileiro, denunciavam ao mundo os efeitos nefastos do ‘racismo à brasileira’, que apesar de aparentemente silenciosos, estavam bastante presentes nos discursos e nas ações naturalizadas que sustentavam na condição de marginalidade e desigualdade de oportunidades entre negros e brancos, as pessoas negras desde o tempo da escravidão.

A denúncia trouxe a tona a falaciosa democracia racial, escancarando de vez que quando se trata de relações étnico-raciais, o País vive de aparências. Com isso foi impossível manter a ‘boa reputação internacional’ e a denúncia serviu como estopim para que houvesse um comprometimento formal no combate ao racismo e no desenvolvimento nacional de ações que visassem a reparação histórica nos dias atuais.

É nesse contexto que surgem as ações afirmativas, fruto da luta dos movimentos negros.

O Sistema de Cotas foi adotado pelo primeira vez na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), em 2001. A  Universidade de Brasília (UnB) foi a primeira Instituição Federal de Ensino Superior a adotar o Sistema de Cotas, em 2004.
A Lei Federal de número 12.711 só foi aprovada em 2012, tornando legal e obrigatório que as Universidades, Institutos e Centros Federais reservem 50% das suas vagas para estudantes oriundos de escolas públicas, dentre elas há reserva de percentual especial destinada a estudantes negros (auto identificados como pardo ou preto) e indígenas.

Como funciona a reserva de vagas, segundo o MEC

As Cotas são constitucionais e altamente relevantes, elas auxiliam na diminuição das desigualdades raciais remanescentes de fenômenos sociais que precisam ser enfrentados e atuam como alternativa para a busca de igualdade através da promoção de condições equânimes entre negros e brancos. Seus impactos são profundos, pois permitem o avanço da diversidade e da pluralidade nas diversas instituições brasileiras, a começar pelos espaços acadêmicos.

Embora atualmente ainda existam diversas pessoas e setores sociais que discordem da implementação das Cotas, elas já são uma realidade brasileira, portanto havendo consenso sobre a sua aceitação ou não, elas são garantidas por lei.

Depois de mais de 15 anos desde as primeiras experiências de ações afirmativas no ensino superior, o percentual de negros que concluíram a graduação cresceu de 2,2% em 2000, para 9,3% em 2017.

O Censo do Ensino Superior elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) também evidencia o aumento do número de matrículas de estudantes negros em cursos de graduação. Em 2011, do total de 8 milhões de matrículas, 11% foram feitas por alunos negros, em 2016, ano do último Censo, o percentual de negros matriculados subiu para 30%.

O professor Nelson Inocêncio, que integra o Núcleo de Estudos Afro Brasileiros (NEAB) da Universidade de Brasília (UnB) é categórico ao afirmar: “Antes de falar em igualdade racial, temos que pensar em equidade racial, que exige políticas diferenciadas. Se a política de cotas não for suficiente, ainda que diminua o abismo entre brancos e negros, a gente vai ter que ter outras políticas. Não é possível que o país continue, depois de 130 de abolição da escravatura, com essa imensa lacuna entre negros e brancos”.  

Para além da discussão pelo confronto dicotômico (pró vs contra) é necessário ampliar o debate acerca do desempenho acadêmico do estudante cotista e as ações de inclusão e permanência desse sujeito.

Contrariando as previsões estatísticas de que haveria um desnivelamento educacional entre estudantes cotistas e os não-cotistas e com isso uma queda na qualidade do ensino superior, estudos apontam que o desempenho médio do aluno cotista não é inferior ao do aluno não-cotista, sendo algumas vezes, inclusive, superior e qual não foi a surpresa ao analisar que a taxa de evasão escolar entre esses estudantes é menor também entre os estudantes cotistas, mesmo esse aluno tendo vários obstáculos contra si, tais quais: a questão financeira, a dupla jornada daqueles que trabalham e estudam, o transporte, moradia e aqueles vinculados a permanência.

Por permanência entende-se que não basta somente que o processo de inserção (vestibular) seja afetado pelas Cotas, mas também que os espaços acadêmicos ofereçam ações que ultrapassem a questão de ingressão: aulas de reforço, bolsas de auxílio, bolsa alimentação, fornecimento de moradias, o debate sobre a questões étnicos-raciais no espaço universitário.

Com a adoção do Sistema de Cotas os espaços acadêmicos estão cada vez mais plurais resultando assim em lugares com mais possibilidades criativas, em mudanças nas agendas de pesquisa e na produção de conhecimento acadêmico desfocado do olhar europeu/colonizador. Esses espaços estão se tornando cada vez mais descolonizados e com pessoas negras como pesquisadores e produtores de conhecimento e não mais somente como objetos de pesquisa.