Danúbia Santos, 34 anos, líder negra apoiada pelo Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco (relembre o programa aqui), executiva social da Central Única das Favelas (CUFA-Bahia) e coordenadora do Coletivo Negritude Sussuarana, é incansável. Desde a adolescência, participa de atividades ligadas ao teatro e à dança, dedicando parte do seu tempo a projetos culturais. Nesse processo, não esquece da necessidade de conscientizar os jovens das comunidades para as questões de etnia, cidadania, educação, identidade, sexualidades, drogas e diversidade religiosa, realizando, por meio da arte, seu trabalho de desenvolvimento político e social. Confira sua experiência nas comunidades em tempos de Covid-19:
Boletim – Em que consiste o seu trabalho na CUFA/BA? Como começou a sua trajetória nessa área?
Danúbia Santos – A CUFA (Central Única das Favelas) é uma rede com foco em empreendedorismo social que atua em 27 estados e mais 22 países. Na CUFA Bahia eu sou executiva social e coordenadora do núcleo Sussuarana. Comecei no movimento social há uns 20 anos, em uma ONG, a CRIA (Centro de Referência Integral de Adolescentes). Aos 14 anos, já era uma jovem dinamizadora e movimentava diversas ações em minha favela (Sussuarana) e em Salvador por meio de atividades artísticas e culturais que liderava, do Movimento HIP HOP e ações voltadas para equidade racial. Não parei mais. Conheci a CUFA em 2010 e fiquei encantada, pois tive a oportunidade de conhecer meu ídolo MV Bill e o visionário Celso Athayde. Já lia muito sobre eles nas revistas de RAP e, apesar de não haver uma formação forte da CUFA na Bahia, fazíamos sempre parcerias para promover várias ações na minha comunidade.
Boletim – Para você, que convive diariamente com a realidade dessas famílias, quais os principais desafios, no contexto da pandemia, do isolamento e do distanciamento social?
Danúbia – Acho que o principal desafio neste momento são as pessoas que moram em favelas se manterem em casa. A favela não parou, pois muitos precisaram permanecer trabalhando para garantir o sustento de suas famílias. São padeiros, trabalhadores de supermercados, ambulantes, garis… Sem essas pessoas, a sociedade, de modo geral, não poderia inclusive garantir seu próprio sustento mesmo tendo recursos. O distanciamento é praticamente impossível, pois muitas vezes estamos falando de famílias numerosas, que moram em pequenos cômodos. Por isso,nas ações de apoio emergencial, além da alimentação, focamos também na distribuição de álcool 70%, máscaras e produtos de higiene para, ao menos, reduzir os impactos da Covid na vida dessas pessoas. Além disso, a CUFA criou o programa “criança da favela”, por meio do qual recebemos doação de brinquedos para distribuir para crianças que neste momento ficam em casa ociosas e também têm direito de brincar.
Boletim – Você que está em contato direto com a realidade dessas famílias e de seus filhos, o que destaca como essencial nesse momento?
Danúbia – A situação é muito complexa. Vejo que muitas mães precisam retornar ao trabalho, mas as aulas não voltaram. Então, elas ficam sem opção. Também por isso os auxílios não podem parar ainda porque muitas famílias necessitam, já que perderam seus trabalhos ou não podem sair de casa por conviverem com moradores de grupos de risco ou crianças que não podem ficar sozinhas. Neste momento, é essencial também ter a sensibilidade de perceber as necessidades de cada público. Em Sussuarana, por exemplo, além de ações específicas com ambulantes e recicladores, fizemos a distribuição de cestas para o publico LGBTQIA+.
Boletim – De que forma a pandemia realmente impactou essas famílias? Que perspectivas enxergam?
Danúbia – Muitas famílias de fato tiveram seus recursos reduzidos neste momento de pandemia – seja por não poderem sair para trabalhar ou por terem perdido seus empregos. O que percebo hoje é que muitas pessoas estão meio que ‘jogando pra cima’. Aqui em Salvador já houve a abertura de diversos espaços. Querem limitar os locais de lazer, mas o transporte público permanece reduzido, obrigando as pessoas a pegarem ônibus lotados e ficarem muito próximas. É um problema estrutural, pois, por mais que as pessoas queiram se prevenir, são obrigadas a ficar coladas.
Boletim – O que é mais gratificante no seu trabalho e o que é mais desafiador?
Danúbia – É muito gratificante poder contribuir com as pessoas de alguma forma, principalmente mulheres negras que ficaram sem perspectiva neste momento e viram uma pequena contribuição chegar em suas casas para, pelo menos, amenizar a situação. Temos consciência que as pessoas querem mesmo é trabalhar e ter seu poder aquisitivo. Desejam pegar seu dinheiro e comprar o que quiserem. É isso que traz dignidade. Porém, neste momento de pandemia, está sendo mais do que necessário fazer as doações para levar o alimento à mesa das famílias. Isso nos faz acreditar em um futuro mais humano. O maior desafio é fazer com que as pessoas compreendam a importância da prevenção. Na verdade, nossa morte é banalizada há muito tempo. Então, é difícil fazer as pessoas acreditarem que vale a pena proteger a sua vida e a dos outros.
Boletim – Em que consiste o seu projeto de desenvolvimento individual apoiado pelo Programa Marielle Franco? E de que forma complementa sua atuação?
Danúbia – Meu projeto visa ao meu desenvolvimento pessoal, social e profissional. Passar no edital foi e vem sendo de extrema importância, primeiro porque eu tenho a oportunidade de fazer investimentos em minha formação acadêmica e também por transmitir os conhecimentos adquiridos para outras pessoas. Desde que ingressei no Programa, me sinto muito fortalecida e capaz de realizar coisas antes inimagináveis. Consigo desenvolver habilidades e sair da minha zona de conforto, trazendo bons resultados também na CUFA. Fico muito feliz e lisonjeada em ver minha favela ser pautada em âmbito nacional e internacional.