O último domingo, 13 de maio de 2018, foi lembrado como a data de 130 anos de abolição da escravatura, quando foi assinada a Lei Áurea.
O que pouca gente sabe é que quando a lei foi assinada – por pressão econômica internacional inglesa (e que, como solução o governo monárquico criou a Lei Eusébio de Queirós, em 1850, que extinguiu definitivamente o tráfico negreiro) e não por benevolência – a quantidade de pessoas negras mantida escravizadas eram menor do que se apregoava, pois apesar da data ser conhecida como uma marco – na ocasião – as revoltas organizadas por pessoas negras que estavam libertas, já tinham garantido a liberdade de muitas outras.
Em 1871, foi decretada a Lei do Ventre Livre, que estabelecia que todos os filhos de escravizados a partir daquele ano seriam considerados livres. Com as leis de extinção do tráfico negreiro e a abolição gradual através da lei do Ventre Livre, o trabalho cativo estava fadado a acabar.
Isso pra dizer que não. Não foi concessão, não foi canetada de uma pessoa branca salvadora, mas sim luta e várias micro revoluções de um povo que nunca se deixou abater ou deixou de lutar, através da recusa ao trabalho, de rebeliões, fugas em massa, formação de Quilombos e das lutas abolicionistas.
De acordo com o Censo de 1872 a população total de estrangeiros no Brasil era de 382.132, separando os brancos por origem: 125.876 portugueses, 40.056 alemães e 8.222 italianos, entre outras nacionalidades. Os negros eram considerados todos do mesmo grupo: africanos, esses eram 176.057 vivendo no país, porém, divididos apenas entre escravizados:138.358 e alforriados: 37.699.
A política de embranquecimento se faz mais notável nesse período com a chegada dos primeiros grupos de imigrantes europeus, já que em 350 anos de tráfico negreiro, foram trazidos à força, através de sequestro e cárcere, cerca de 4 milhões de africanos e entre os anos de 1870 e 1930 vieram morar no país praticamente 4 milhões de imigrantes europeus.
O jornalista e escritor negro José do Patrocínio, dedicou sua vida à causa abolicionista, não se limitando a lutar por escrito contra a escravidão, mas realizando conferências públicas, ajudando na fuga de muitas pessoas escravizadas e organizando núcleos abolicionistas, militando ativamente até o triunfo da causa, em 13 de maio de 1888.
O engenheiro negro André Rebouças, se juntou a José do Patrocínio e ajudou a criar a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, participando também da Confederação Abolicionista e redigindo os estatutos da Associação Central Emancipadora.
O advogado negro Luís Gama, conseguiu libertar mais de 500 pessoas escravizadas, desenvolvendo intensa atividade abolicionista no jornalismo.
O Brasil, no entanto carrega o fardo histórico de ter sido um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão, perdendo somente para a Mauritânia, que fica no noroeste do Continente Africano e aboliu o sistema escravocrata em 1981.
De acordo com o levantamento feito pelo site slavevoyages.org, entre os séculos XVI e XIX, cerca de 4,8 milhões de escravizados foram trazidos à força para o Brasil e investigadores brasileiros descobriram alguns nomes dados aos navios, que desvelaram a natureza cínica e perversa dos escravocratas. Segundo Daniel Domingues da Silva, um dos historiadores responsáveis, os nomes dos navios eram escolhidos pelos donos dos barcos que “pensavam que estavam ajudando a resgatar a alma dos africanos para o reino de Deus, ou seja, trazendo os escravos de uma terra onde o paganismo imperava para a cristandade”.
O historiador listou oito dos barcos descobertos:
1. Amável Donzela (1788 a 1806)
Travessias realizadas: 11
Escravizados transportados: 3.838
Escravizados mortos durante a viagem: 298
2. Boa Intenção (1798 a 1802)
Travessias realizadas: 02
Escravizados transportados: 845
Escravizados mortos durante a viagem: 76
3. Brinquedo dos Meninos (1800 a 1826)
Travessias realizadas: 11
Escravizados transportados: 3.179
Escravizados mortos durante a viagem: 220
4. Caridade (1799 a 1836)
Travessias realizadas: 20
Escravizados transportados: 6.263
Escravizados mortos durante a viagem: 392
5. Feliz Destino (1818 a 1821)
Travessias realizadas: 03
Escravizados transportados: 1.139
Escravizados mortos durante a viagem: 104
6. Feliz Dias a Pobrezinhos (1882)
Travessias realizadas: 01
Escravizados transportados: 355
Escravizados mortos durante a viagem:120
7. Graciosa Vingativa (1840 a 1845)
Travessias realizadas: 10
Escravizados transportados: 1.257
Escravizados mortos durante a viagem: 125
8. Regeneradora (1823 a 1825)
Travessias realizadas: 07
Escravizados transportados: 1.959
Escravizados mortos durante a viagem: 159
Os impactos de 14 de maio continuam presentes na sociedade brasileira – a contínua desassistência por parte do Estado – pois não foram implementadas medidas de ajustes sociais e econômicos de inserção da população negra, como por exemplo, viabilidade ao acesso a terra e à moradia, políticas de saúde, educação e trabalho.
O que se vive (ainda) hoje é uma reconstrução do racismo estrutural, é a continuidade de uma dívida que tem se mostrado histórica.
É lembrar para não esquecer, mas não celebrar.
Fontes: Palmares.gov.br; Uol educação; slavevoyages.org;.
Ilustração Angola Janga – Marcelo D’Salete.