Programa Marielle Franco: esforços, resultados e impactos produzidos pelo edital

Experiência de três organizações selecionadas no edital,  lançado em 2019, mostra a eficiência do Programa e sua influência em seus territórios de atuação 

Por  Wagner Prado

Para o mercado, a eficácia de um projeto pode ser dimensionada de várias formas: grandiosidade, lucratividade, alcance, número de envolvidos (beneficiários diretos e indiretos). Nos projetos e programas criados pelo Fundo Baobá para Equidade Racial a análise é feita a partir de fatores que estão muito além da frieza de planilhas, de números enormes, as vezes sem vida e sem história. O fato de os projetos e programas do Baobá serem voltados para o desenvolvimento e a justiça social torna o olho no olho, a relação pessoal, as pequenas e as grandes mudanças individuais, e tantos outros  aspectos, em algo muito mais que relevante. 

O Programa de Aceleração de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, lançado em setembro de 2019, em sua primeira edição, teve dois editais. O primeiro, voltado para o apoio de grupos, coletivos e organizações de mulheres negras. O segundo, de apoio individual a lideranças negras. Aqui, vamos focar nas 14 organizações escolhidas entre as 15 que foram selecionadas. Aqui vamos focar em 3 das 14 organizações que seguiram até o final do Programa (originalmente foram 15 organizações, grupos e coletivas selecionadas).

Mapa das Organizações, Grupos e Coletivas Apoiadas

O objetivo do edital é fazer com que as coletivas, organizações e grupos de mulheres negras sejam fortalecidas  em todas as suas capacidades, conheçam e desenvolvam ainda mais suas potencialidades, incrementando a liderança de mulheres negras. A partir disso,  mobilizar e engajar outras pessoas e instituições na busca por justiça, equidade racial e social. O Programa é uma parceria do Fundo Baobá com a Fundação Kellogg, Instituto Ibirapitanga, Fundação Ford e Open Society Foundations.  

Para exemplificarmos as transformações ocorridas com as organizações que participaram do Programa, convidamos  três delas para o diálogo: Abayomi – Coletiva de Mulheres Negras na Paraíba;  Movimento de Mulheres do Subúrbio Ginga (Salvador, Bahia) e Rede de Mulheres Negras de Pernambuco.  

A Abayomi/PB atua na proteção e promoção dos Direitos das Mulheres. incluindo enfrentamento à violência. O Ginga/BA e a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco estão alinhadas à mesma área temática. A variação está no projeto que cada uma apresentou. 

A coletiva paraibana Abayomi inscreveu-se com o projeto Obirim Dudu: Movimentando as Estruturas Contra o Racismo. Ele consiste na produção e difusão de informações sobre as condições das mulheres negras da Paraíba, com o objetivo de contribuir para o combate das questões raciais, garantindo suporte intelectual e, por consequência, material, e fortalecendo o institucional das organizações. O Ginga trouxe o projeto Mulheres Negras, Elaborando Estratégias, Fortalecendo Saberes, que procurou instrumentalizar as entidades para concorrer, de modo mais equânime, à captação de recursos através de editais. O objetivo geral foi capacitar mulheres atuantes em movimentos sociais e lideranças de entidades em prol de outras mulheres, especialmente as negras, na captação de recursos, através da formação em elaboração de projetos de intervenção social em Salvador e região metropolitana. Já a  Rede de Mulheres Negras de Pernambuco implementou o Olori: Mulheres Negras e Periféricas Produzindo Liderança, cujo foco foi promover um processo de formação política para várias mulheres visando a construção de um projeto coletivo no futuro. O primeiro passo foi o fortalecimento institucional de três organizações que já funcionavam em parceria para que ganhassem condições de oferecer esses cursos de formação política e formação técnica para as militantes, que serão futuras lideranças. 

Transformação

Aplicar-se em um edital do Fundo Baobá não é simplesmente conseguir a classificação e  receber a dotação financeira. A organização sabe, desde o primeiro momento, que vai passar por um intenso processo de transformação.  No caso do Programa de Aceleração de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, o objetivo ao final de cinco anos, tempo previsto para duração do Programa, é ter um leque de organizações, coletivos e grupos de mulheres negras fortalecidos em suas mais diversas funcionalidades, o que vai potencializar e gerar maior  protagonismo das entidades comandadas por mulheres negras.  

Com o objetivo de potencializar ação destas organizações e fomentar a ação em rede, foram implementadas atividades formativas. A Ong Criola e o Instituto Amma Psique e Negritude foram facilitadores dessa implementação.  Com a Criola foram 14 encontros, com duração de 3 horas cada, de abril a novembro de 2020, e que versaram sobre racismo, sexismo, lesbo e transfobia, políticas públicas e controle social, liderança feminina negra, segurança ativista. Cada um desses encontros teve público médio de 90 pessoas. Já o Amma trabalhou a questão do enfrentamento ao racismo e seus efeitos psicossociais. Foram 5 encontros, também com duração de 3 horas cada, com público médio de 20 pessoas por turma em cada um deles. Foram disponibilizadas três turmas. 

Para as lideranças do edital de apoio individual foram oferecidas  sessões de coach para dar suporte e garantir a implementação de seus projetos de desenvolvimento individual, além das atividades formativas anteriormente citadas. 

O Fundo Baobá ainda programou e realizou reuniões virtuais (individuais e em grupo) para atendimento visando despertar e fortalecer potenciais. De março a dezembro de 2021 foram 190 atendimentos individualizados e outros 700, por mensagem e telefone, dirimindo as dúvidas, derrubando inseguranças e esclarecendo as incertezas surgidas principalmente no contexto da pandemia. As reuniões e atendimentos contribuíram para que elas pudessem criar condições favoráveis para alcançar seus objetivos individuais e coletivos. 

Parcerias

Alcançar excelência requer esforço, foco, resiliência e união.  Para que as barreiras que surjam em jornadas de transformação sejam suplantadas, atuar de forma isolada não é o melhor caminho. Firmar parcerias é algo de extrema importância. As lideranças apoiadas individual ou coletivamente pelo Programa de Aceleração de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco reiteraram que a busca de parceiros (ou o fortalecimento de parcerias já estabelecidas) é algo que pode viabilizar o alcance de resultados, dada às experiências que podem ser compartilhadas, responsabilidades que podem ser divididas, habilidades que podem ser complementadas, ligações externas que se pode alcançar, aporte financeiro que pode ser gerado, além de muitas outras variáveis. Entre as 14 organizações escolhidas, 43% reconheceram ter ampliado sua capacidade de mobilizar novos parceiros; 36% disseram que essa capacidade estava em franca construção e 7% foram unânimes no diagnóstico de que a capacidade de mobilizar novos parceiros era plena. 

Entre as lideranças femininas negras apoiadas individualmente, o estabelecimento de parcerias visando o alcance dos objetivos pretendidos foi total.  365 apoiadas firmaram parcerias com instituições; 187, com indivíduos e 85% declararam ter se juntado a outras também apoiadas. 

Olhando o futuro

Após  a jornada de aprendizado e transformação e cientes de suas novas potencialidades, fazer projeções futuras de crescimento e realizações passou a ser o objetivo dessas organizações. 

Abayomi: 

O apoio do Fundo Baobá nos projetou como uma organização capaz de executar projetos e nos evidenciou para outras apoiadoras. Sendo assim, pretendemos seguir nesse caminho de pleitear outros financiamentos para sustentar nossa ação política. Nossos planos para os próximos 12 meses são, a partir do projeto (aprovado) do FBDH (Fundo Brasil de Direitos Humanos), a continuidade das ações nos territórios, o fortalecimento institucional e a manutenção de articulações e mobilizações políticas em conjunto com as organizações e movimentos locais, regionais e nacionais. Em nosso planejamento consta o envio de propostas de projeto para a produção de conteúdos e informações e realização de cursos e capacitações. Pretendemos também incorporar a questão da violência contra as mulheres negras e saúde de população negra como prioritárias para os próximos dois anos“,  afirmou Durvalina Rodrigues Lima, representante da organização. 

Movimento de Mulheres do Subúrbio Ginga

“Com base no aprendizado adquirido com a execução desse projeto, iremos nos lançar em editais mais complexos, com maior segurança acerca da gestão. Essa experiência também nos proporcionou novas articulações e ações em rede, as quais pretendemos dar continuidade, como, por exemplo, a realização de lives mensais com representantes das entidades que compõem essa nova rede estabelecida, para o diálogo sobre temáticas alinhadas aos objetivos do nosso coletivo. Estamos iniciando o projeto da horta comunitária, com o apoio da Terra Vida Soluções Ecológicas, a partir do sistema de compostagem urbana, o qual poderá contribuir para que o nosso grupo possa se tornar um ponto de referência no território, como multiplicador de práticas sustentáveis”, diz Carine Lustosa, integrante do Ginga.  

Rede de Mulheres Negras de Pernambuco: 

“Cidadania Feminina – manter o diálogo com as mulheres que participaram das formações, para contribuir com o fortalecimento dessas lideranças nos seus territórios. Exercitar o aprendizado sobre planejamento organizacional nas atividades e ações da instituição. Buscar e concorrer a editais para apresentação de projetos. Espaço Mulher – buscar parcerias. Com a possibilidade do CNPJ vamos buscar editais para nossa sustentabilidade financeira. E vamos continuar o que já fazemos:  cuidar, acolher, apoiar e fortalecer as mulheres não só do grupo, mas também da comunidade de Passarinho “, afirma Rosita Maria Marques, da direção da Rede. 

Impactos

As ações promovidas pelas organizações Abayomi – Coletiva de Mulheres Negras na Paraíba;  Movimento de Mulheres do Subúrbio Ginga (Salvador) e Rede de Mulheres Negras de Pernambuco dão a ideia do impacto que elas e as demais 11 organizações têm provocado nas comunidades dos territórios em que atuam.  Os trabalhos executados por elas alcançaram 20.066 pessoas, sendo 17.056 mulheres (85%)  e 3.010 homens (15%). As ações de compartilhamento de saberes e aprendizados alcançaram 9.741 pessoas negras (mulheres e homens – 74%) e 3.370 não negras (26%). 

Beneficiários Indiretos – edital de apoio coletivo

Entre outras realizações, o Abayomi  conseguiu: a) maior circulação de informações sobre a população negra para subsidiar a luta contra o racismo; b) comunidades fortalecidas e a ampliação do debate sobre as condições das mulheres negras no contexto da pandemia; c) manteve a articulação com diferentes ativistas e organizações, entre eles o Minicurso Aya. 

O Ginga promoveu: a) capacitação de mulheres atuantes em movimentos sociais e lideranças de entidades em prol de mulheres, especialmente negras; b) formação em elaboração de projetos de intervenção social em Salvador e região metropolitana; c) o curso promovido pelo Ginga foi adaptado para o formato remoto, devido à pandemia da Covid-19, possibilitando alcançar entidades do interior do estado.

A Rede de Mulheres Negras de Pernambuco organizou: a) processos de formação políticas para qualificar cada vez sua própria atuação e apoiar o surgimento de outras lideranças e referências; b)processo de formação política junto a mulheres das entidades Espaço Mulher e Cidadania Feminina e executou um projeto coletivamente pela primeira vez; c) o despertar da liderança em suas líderes, que  superaram  o medo de trabalhar de maneira virtual, manuseando as plataformas digitais. 

20.505

Os projetos idealizados pelas organizações,grupos e coletivos de mulheres negras apoiados pelo Programa de Aceleração de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco beneficiaram indiretamente 20.505 pessoas, em diferentes fases do ciclo da vida, dentro e fora do país, residentes em zona urbana e rural, com ou sem acesso a educação formal. Essas, com certeza, terão o poder de influenciar outras tantas, a partir dos relacionamentos que foram estabelecidos e dos conhecimentos que conseguiram alcançar.  

Gratidão

Sulamita Rosa da Silva, licenciada em Pedagogia e Mestra em Educação pela Universidade Federal do Acre (Ufac) e doutoranda em Educação Pela Universidade de São Paulo, foi contemplada no edital de apoio individual do Programa de Aceleração de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. Líder da Rede Mulherações – Rede de Formações para Negras, Afro Indígenas e Indígenas do Acre,  demonstra sua gratidão pelo apoio recebido: “Compartilhei aprendizagens e saberes em forma de cursos, eventos, podcasts, publicações entre outros, contribuindo com a comunicação e memória de intelectuais negras, que tanto contribuíram para a compreensão da cultura brasileira de modo decolonial. Desenvolvi podcasts também como forma de popularização do conhecimento científico, além de começar a articular a escrita acadêmica com o pensamento feminista negro, visando uma educação emancipadora e autodefinida. Tive uma narrativa curta publicada no livro –  Carolinas: a nova geração de escritoras negras brasileiras, resultado este do processo formativo da Festa Literária da Periferia (Flup),  contando com 180 autoras negras de todo o Brasil”, disse. 

No edital que selecionou 63 mulheres e que, ao final, contou com 59 apoiadas, os estados do Nordeste (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraiba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe) concentraram o maior número de apoiadas: 26. As lideranças femininas negras apoiadas compartilharam aprendizados com mais de 500 mil pessoas em suas redes profissionais, de estudo e de militância. Entre as pessoas alcançadas estão pessoas não binárias, transgêneres e travestis, quilombolas, migrantes, refugiados, adultos, adolescentes, jovens e idosos. 

O Fundo Baobá para Equidade Racial fez um trabalho de análise e tabulação de dados  do Programa de Aceleração de Lideranças Femininas: Marielle Franco. Para obter mais detalhes, acesse este link.