Documentário relata o encerramento do edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça

Lançado em  maio de 2021 pelo Baobá – Fundo para Equidade Racial, com apoio do Google.org, o Edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça chega ao final do seu ciclo com a expectativa plenamente atingida no que diz respeito ao apoio a  instituições negras que enfrentam o racismo, a violência racial e as incorreções que ocorrem dentro do sistema de Justiça Criminal no Brasil. A importância do edital originou um minidocumentário com depoimentos de representantes de algumas das organizações beneficiadas. A realização é da Terra Preta Produções.

O Edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça beneficiou diretamente doze organizações negras, das quais 75% tinham a maior parte da coordenação composta por mulheres cis ou trans. Sete delas com mais de 10 anos de atuação. Sendo impactadas indiretamente 7210 pessoas privadas de liberdade, 67% mulheres cis e trans; 23% travestis e 15% homens cis e trans. Além das pessoas privadas de liberdade, 5.113 familiares também foram indiretamente impactados por ações realizadas com apoio do edital. No sistema socioeducativo, 3594 adolescentes e jovens em cumprimento de medidas foram beneficiados e 2.838 familiares. E com relação às vítimas em decorrência de violência policial, um total de 2.606 pessoas vitimadas, com viés racial beneficiadas indiretamente e 1.579 familiares de vítimas fatais ou sobreviventes de violência policial com viés racial.

“Há um entendimento de que o Estado brasileiro precisa ser responsabilizado por todas as injustiças cometidas contra o povo negro. Mas, para que isso se torne uma medida real e que seja realmente efetiva para todos, precisamos nos debruçar sobre esse tema com dados e produção de conhecimento. Só assim será possível reparar todos os danos sofridos nos territórios”, afirma a socióloga, diretora e co-fundadora da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, Nathalia Oliveira, uma das beneficiárias do Edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça. 

Além de Nathalia Oliveira, aparecem com importantes depoimentos no documentário, o historiador, Dudu Ribeiro, também fundador e diretor executivo da Iniciativa Negra;  Maria das Graças Nacort, da Amafavv (Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violência do estado do Espírito Santo); a assistente social, Lúcia Xavier, do Criola  e a advogada Carol Bispo, do Elas Existem – Mulheres Encarceradas . .  

, O que os dados mostram é que pessoas negras continuam sendo o principal grupo vitimado pela violência,  independentemente da ocorrência registrada, e chegam a 83,1% das vítimas de intervenções policiais. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, com dados de 2022, em relação ao perfil étnico-racial das vítimas, 76,5% dos mortos eram negros. Em relação ao Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), segundo Larissa Camerino, Mestre em Políticas Públicas em Saúde da Fiocruz Brasília, existe uma falta de atenção em saúde e os cuidados a adolescentes privados de liberdade. 

“A política socioeducativa ainda é permeada por estigmas, por desconhecimento de processos e por compreensões retrógradas, alicerçadas em uma concepção menorista e meramente punitiva, de que o(a) jovem autor(a)  de ato infracional se torna como que menos “digno/a” de direitos. Em um sistema em que as nossas internações têm cor, raça e gênero definidos muito antes do cometimento dos delitos, abordar sobre direitos desses jovens é, antes de mais nada, afirmá-los enquanto sujeitos de direitos e trazer à discussão as diversas omissões vivenciadas em paralelo”,  afirma Larissa em entrevista à Fiocruz Brasília, em julho de 2023.

Ainda que com a tarefa concluída, Giovanni Harvey, diretor executivo do Fundo Baobá, entende que é papel e responsabilidade do Estado Brasileiro garantir políticas públicas que retardem o nível de desigualdade racial e de gênero, refletido na Justiça criminal brasileira.

Para Nathalia Oliveira, co-fundadora e dretora executiva responsável pelo Projeto Iniciativa Negra por Direitos, Reparação e Justiça, apoiado pelo Baobá, a verdadeira reparação histórica para a população negra passa por construção de memória, justiça e verdade, criando uma comissão de verdade que investigue dados e a averiguação e responsabilização sobre casos específicos, como a participação de agentes do Estado em crimes contra a humanidade, e o paradeiro de pessoas desaparecidas em meio a esses conflitos. Além de anistia a pessoas envolvidas em conflitos, mudanças legislativas e institucionais para o fim de contendas,  e outras ações urgentes para reparar anos de injustiças criminais ao povo negro.

Pessoas negras são detentoras das suas próprias histórias, ainda que por muitos anos não tenham tido protagonismo dela. A história do povo preto não se resume somente ao período escravocrata, mas é mantida em condições desiguais até os dias atuais por interesses políticos e sociais. Tal imigração forçada de africanos, durante o tráfico transatlântico de pessoas escravizadas,  deixou para trás centenas de histórias, mas que ainda temos em nós a memória e a resistência do lugar de onde viemos. Tal memória perpassa pela luta em garantir dignidade e justiça para os nossos atuais, que é o que consumou o edital, através de um modelo de filantropia participativa utilizado pelo Baobá, que vem permitindo que as organizações tenham autonomia e identifiquem soluções para se reinventar perante desafios tortuosos que as desigualdades sociais os impõem.

Fundo Baobá consegue alcançar as cinco regiões do Brasil

Após doze anos de atuação, Baobá segue sendo pioneiro em promover a transformação social pelos quatro cantos do País

Uma grande missão foi posta para o movimento negro brasileiro com esta frase: “Baobá, a árvore símbolo da sustentabilidade da causa da equidade racial. Cultive e regue essa ideia”. Ela foi dita por Magno Cruz, uma das grandes referências de liderança negra no Nordeste brasileiro, lá em 2009, aos futuros membros do que viria a se tornar o primeiro e maior fundo patrimonial no Brasil dedicado exclusivamente à promoção da equidade racial para a população negra.

Ao longo dos anos, o Brasil testemunhou projetos políticos que mantiveram pessoas negras em situações precárias e marginalizadas, perpetuando assim uma estrutura de opressão e exclusão social. Isso contribuiu para uma população muito invisibilizada, no que tange à construção e à prática de políticas públicas existentes para a redução de desigualdades sociais e opressões vividas até hoje pela população negra. 

“Dar a conhecer sobre a nossa forma de atuação, seleção e realização das doações é garantir que nosso trabalho chegue em territórios onde o poder público ou mesmo o investimento social privado não chega. É isso é um dos nossos grandes desafios”, afirma Fernanda Lopes, Diretora de Programa do Fundo Baobá.

É preciso olhar para o passado para seguir em frente, assim nos ensina a filosofia Africana Sankofa. E é exatamente o que faz o Baobá – Fundo para Equidade Racial no decorrer desses 12 anos de existência, atuando prioritariamente em territórios desassistidos, com o objetivo principal de fomentar a justiça social apoiando iniciativas negras de Norte ao Sul do Brasil. Ao exercitar esse olhar, atualmente mais de 800 iniciativas apoiadas já foram beneficiadas pelo Fundo patrimonial. E nesses anos de atuação do Fundo Baobá, a estratégia principal para contribuir com o avanço socioeconômico da população negra do País, se destaca por um amplo processo de escuta ativa envolvendo, prioritariamente,  lideranças e organizações, com atuação prioritária nos eixos Viver com Dignidade, Educação, Desenvolvimento Econômico e Comunicação e Memória. O que resulta em mais de 16 milhões de reais investidos em projetos de transformação social por todo o País, sendo mais de setecentos mil na região Norte, sete milhões na região Nordeste, seiscentos mil na região Centro-Oeste, seis milhões na região Sudeste e setecentos mil na região Sul.

“É com muita alegria que conseguimos finalizar o Projeto Olori: mulheres negras e periféricas construindo lideranças, com a ajuda do Baobá que além de trazer muita alegria nos desafiou a trabalhar coletivamente. Nós somos 3 organizações de mulheres negras de periferia de Recife, que hoje afirma que o que fica de legado é a aproximação de mulheres da comunidade que não nos conheciam e agora desejam participar de uma das 3 organizações”, afirma Rosa Marques, realizadora de um dos projetos apoiados na 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco.

Identificar, reconhecer e reproduzir o modus operandi de filantropia negra, através do histórico de atuação das irmandades também é uma das ferramentas essenciais para entender a história da população negra e como elas operavam desde dos primórdios para garantir desde cartas de alforria até velórios dignos para os negros. A estratégia de grupos engajados na luta contra o racismo estrutural, potencializa as tecnologias sociais concebidas e implementadas nas comunidades, fortalecendo assim o ecossistema empreendedor, em especial investindo em nano e micro negócios. Isso resulta em mobilizar ativos produtivos locais, apoiando estudantes, profissionais e pesquisadores que atuam em diversas áreas do conhecimento na ampliação de suas habilidades técnicas e socioemocionais.

“Quando falamos de filantropia pode parecer que falamos apenas de dinheiro, mas filantropia também pode ser usar nossa liderança e influência para trazer outras pessoas que talvez não se sentissem poderosas o suficiente para falar sobre a cura racial e sobre progresso racial. A influência da filantropia pode mudar mentalidades sociais e perspectivas tanto quanto programas financiados”, afirma Hélio Santos, professor, consultor e ativista da causa racial no Brasil.

A governança do Baobá tem reiterado a necessidade e urgência de continuar atuando com uniformidade em todas as cinco regiões do Brasil, tanto na mobilização e articulação de investidores sociais privados quanto no desempenho e promoção de equidade racial em todas as regiões do país.