Abolicionismo Penal: Congresso em Salvador debate as desumanidades do cárcere

Por Mariane Euzebio

A pauta comum do antipunitivismo é a crítica ao sistema penal que possui como foco principal castigar culpados. Louk Hulsman, uma das principais referências no debate abolicionista, aponta que a privação de liberdade é utilizada como uma forma de provocar sofrimento e segregar socialmente. Ainda que pouco utilizada, uma tendência que vem sendo estudada é a de alternativas em práticas e abordagens para lidar com os diversos conflitos sociais presentes na sociedade brasileira.


Caroline Bispo, advogada criminóloga, especialista em direito penal e criminologia, mestranda em segurança pública, pós-graduanda de políticas públicas e gênero, e fundadora da Associação Elas Existem, criou a instituição a partir do primeiro relatório nacional do Infopen Mulheres – baseado nos dados do último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), em 2015, que abordava a situação das mulheres encarceradas nos últimos 14 anos. Após análise, foi constatado um aumento de 567% de mulheres encarceradas. Com isso, o Brasil ocupa o 4º lugar no ranking que mais encarcera mulheres no mundo.

Diante disso, a Associação Elas Existem se propôs a perpetuar práticas e atuar na diminuição das desigualdades de raça e gênero dentro do sistema penitenciário do Acre, já com intenção de estar presente em outras regiões do País, como Centro Oeste e Nordeste. Dado esse passo para outras regiões, foi realizado o segundo congresso internacional sobre encarceramento feminino, com o tema “Abolicionismo Penal – Destruindo por dentro”. O objetivo foi criar um espaço de troca, debates e discussões pautadas em como reduzir os números apresentados no Infopen Mulheres, partindo do princípio que o encarceramento é feito de tortura física, mental e espiritual.

 

A organização atua na defesa e promoção de direitos de mulheres e adolescentes cis, trans e travestis que compõem o sistema penitenciário e socioeducativo, lutando pelo desencarceramento, pela redução do sofrimento e pela garantia de direitos dessas pessoas. Atualmente, existem cerca de 1.599 mulheres trans e travestis encarceradas no Brasil, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), em 2022. Há 660 adolescentes meninas em privação de liberdade, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022. E 42.355 mulheres cis encarceradas, de acordo com dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen Mulheres). 

O Baobá – Fundo para Equidade Racial pôde viabilizar essa iniciativa por meio do Edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça, que tem como objetivo apoiar organizações que desenvolvam ações práticas para o enfrentamento ao racismo, à violência sistêmica e às injustiças criminais com perfilamento racial no Brasil. 

 

 

O Brasil é desigual. Da mesma maneira, o sistema carcerário é desproporcional em relação ao seu atendimento a homens e mulheres. As mulheres apresentam demandas e necessidades diferenciadas e, por isso, é urgente o reconhecimento da importância da análise do encarceramento feminino enquanto uma categoria única e particular. Somente confiar no sistema de justiça atual não é suficiente para proteger a vida dessas mulheres quando pensamos nos altos índices de feminicídio, violência, e no tratamento às encarceradas e egressas. Segundo Caroline Bispo, mais urgente do que pensar novas políticas públicas, é implementar as políticas públicas existentes para mulheres que passaram pelo sistema prisional, além de exercitar o papel de escuta ativa para com elas. 

Ao ser selecionada no Edital, a organização conseguiu viabilizar recursos necessários para realizar atividades contínuas como fortalecimento da agenda contra o encarceramento em massa de adultos e jovens negros, produção e disseminação de conhecimento sobre população negra, apoio psicológico e jurídico a pessoas privadas de liberdade e seus familiares, além de práticas educativas, artístico-culturais, de saúde e outras nos sistemas prisional e socioeducativo;

Tainá Medeiros, Assistente de Projetos do Baobá, esteve presente no segundo congresso internacional, realizado em Salvador, e afirma que foi possível testemunhar a dimensão e a amplitude do projeto Elas Existem para o combate às desigualdades de raça e gênero no sistema penitenciário brasileiro. Além de observar a revolução que esse projeto ainda pode fazer sobre as práticas do sistema penitenciário no Brasil.

 

“Participar do Edital do Fundo Baobá foi muito importante, pois nos permitiu ter uma visibilidade do nosso trabalho nacionalmente. Abrimos a sede no Acre, fizemos nossas atividades e conseguimos expandir o mesmo olhar para outros estados brasileiros”, afirma Caroline Bispo.

O Projeto Elas Existem tem desempenhado um papel significativo na luta contra as desigualdades de raça e gênero no sistema penitenciário. Com o apoio do Baobá – Fundo para Equidade Racial, a organização expandiu suas atividades para o Acre, fortalecendo a agenda de combate ao encarceramento em massa, oferecendo apoio jurídico e psicológico, e promovendo práticas educativas e culturais nos sistemas prisional e socioeducativo no território.  

Saiba mais sobre o edital Vidas Negras aqui.

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