Midiã Noelle
Iniciativa investiu em recursos e no fortalecimento de capacidades de quatorze negócios em Recife e Região Metropolitana
Em um cenário de desafios econômicos agravados pela pandemia da Covid-19, três investidores sociais privados – Baobá – Fundo para Equidade Racial, General Mills e Verizon – lançaram no final de 2021 o Edital Negros Negócios Alimentação. Parte do Programa de Recuperação Econômica e Empreendedores(as) Negros(as), a iniciativa buscou direcionar recursos e suporte específico para aqueles que enfrentam desafios sociais e econômicos e se apresentou como uma importante alternativa para fortalecer e elevar a resiliência de 14 negócios empresas de empreendedores e empreendedoras negros(as) de Recife e Região Metropolitana.
Por que investir no ramo alimentício em Pernambuco?
Por ser um dos mais vitais em momentos adversos, o setor alimentício foi selecionado como foco do edital, em meio à resiliência de nano, micro e pequenos negócios liderados pela população negra de Pernambuco, um dos estados mais diversos e culturalmente ricos do Brasil. O aumento da demanda por serviços de entrega e a oferta de bens essenciais tornaram o ramo uma opção de destaque para empreendedores e empreendedoras que procuram se adaptar às novas circunstâncias.
O cenário do setor alimentício no país tem um impacto notável em todos os estados do país e em Pernambuco esse impacto é evidente. Com um total de 18.960 empresas na área de alimentação, o setor representa 3,5% do total de empresas do estado, ligeiramente acima da média nacional de 3%. A maioria desses empreendimentos (90,35%) é de Microempreendedores Individuais (MEIs) e de Microempresas (ME, 6,63%), porcentagens semelhantes às nacionais (86,33% de MEIs e 10,18% de MEs). Esse crescimento é destaque também em estudos do Sebrae, que apontam a abertura de 3.032 novos MEIs em Pernambuco entre março e abril de 2020, em várias áreas do segmento alimentício, seguindo uma tendência nacional.
Estrategicamente, o edital selecionou a Região Metropolitana de Recife, que abrange 14 cidades, incluindo a capital, devido à concentração significativa de empresas – 56% dos negócios formalizados até maio de 2020. Dentre essas cidades, apenas seis concentram 90% dos empreendimentos de alimentação, com Recife concentrando 48% dessas empresas. Notavelmente, 37% dos negócios da região se enquadram na categoria de serviços ambulantes de alimentação, demonstrando a diversidade de empreendimentos nesse setor dinâmico.
Como parte do processo de avaliação de seus investimentos, tendo como foco a aprendizagem e a melhoria dos apoios oferecidos, o Fundo Baobá contou com o suporte de uma consultoria externa, a Janela 8. A metodologia de avaliação incluiu análise de documentos, pesquisa online, entrevistas e grupos focais, permitindo uma análise holística dos resultados, que estão sistematizados neste Resumo Executivo.
O edital representou um investimento significativo na capacitação e fortalecimento das 14 empresas apoiadas em Recife e sua região metropolitana, bem como apresentou um conjunto de benefícios para as pessoas selecionadas. Além do capital-semente de até R$ 30 mil, o apoio incluiu assessoria do Fa.vela (um núcleo de educação e aprendizagem empreendedora, inovadora, digital e inclusiva), que fez o diagnóstico e elaborou planos de melhorias personalizados, ofereceu assessoria técnica constante, formações e mentorias online, e organizou encontros presenciais para networking e compartilhamento de experiências.
Os perfis de pessoas e empresas apoiadas
A diversidade do setor alimentício se refletiu nos perfis dos negócios apoiados, abrangendo desde bufês para festas até serviços de comida por encomenda ou entrega, food trucks e restaurantes. O grupo apoiado foi composto majoritariamente por mulheres, mas também contemplou diferentes identidades de gênero: 11 mulheres cis, uma travesti, um homem cis e um homem trans, com idades entre 18 e 64 anos. Em relação à formação educacional, a maior parte (65%) dos empreendedores concluiu o ensino superior.
Observa-se, também, que 86% dos projetos apoiados (12 deles) estão em área urbana, majoritariamente em regiões periféricas (71% ou dez empresas). No início da execução dos projetos, a maioria dos(as) empreendedores(as) tinha uma renda familiar mensal de até R$ 3.135.
Isamara Costa é uma das pessoas apoiadas pelo edital. Responsável pelo Acarajé da Tia Joana, ao lado da mãe, Lucivânia, especializou-se em venda de acarajés, bebidas e sobremesas. Sua empresa opera num quiosque e via entregas em domicílio. Ela diz que a inspiração veio da matriarca. “Mulher negra, recém-separada de um baiano e com dois filhos para criar”, relata. “Começou vendendo na Praça da Várzea e ficou lá cerca de cinco anos. Depois foi convidada para vender na Madalena, onde vendemos até hoje. Em 2018 eu entrei e lá estou.” Isamara explica que concorreu ao edital para realizar o sonho de estruturar o Acarajé da Tia Joana com o rosto da mãe como marca de apresentação.
Impactos nas vidas e nas comunidades
O enfoque no setor alimentício em um território específico permitiu investimentos direcionados e mais trocas entre empreendedores que passam por desafios similares. A maioria (71%) dos que foram apoiados tem seu negócio como a principal fonte de renda familiar, enquanto para 29% é apenas uma fonte de renda complementar. Nesse sentido, os resultados vão para além do impacto na vida dos empreendedores e alcançam suas famílias.
No âmbito do fortalecimento dos negócios, as principais mudanças referem-se a melhorias generalizadas na gestão, incluindo organização financeira e aumento de produtividade. Além disso, as empresas registraram aumento no faturamento e no número de clientes. Essas mudanças foram percebidas não apenas ao longo e após o término dos investimentos realizados, mas mantêm-se até hoje, mais de um ano depois da iniciativa.
Uma das empreendedoras avaliou como o edital melhorou a situação de seu negócio e contribuiu para melhorar sua qualidade de vida: “Na minha vida pessoal consegui ter um salário, consegui tirar uma semana de férias depois de anos sem parar e agora estamos no planejamento para abrir o nosso ponto físico em 2024 e, assim, expandir e atingir mais clientes. Sem perder o foco no fato de ser um negócio liderado por negros e com toda raiz periférica, atendendo as periferias da Zona Norte do Recife com a maior excelência”.
Consciência racial e fortalecimento das identidades negras
O edital também se destacou pela abordagem inclusiva e sensível. O fato de ser uma iniciativa desenvolvida por pessoas negras, com foco na população negra, é um diferencial importante. Com 64% dos empreendedores/as relatando um aumento na autoestima e 82% indicando uma ampliação de sua consciência racial, ficou evidente que o edital desempenhou um papel crucial não apenas nos negócios, mas também na construção de uma comunidade mais fortalecida para os debates sobre raça e enfrentamento ao racismo.
De maneira geral, o Edital Negros Negócios Alimentação foi uma iniciativa de sucesso tanto pelo desenho do apoio oferecido quanto por sua execução. Destaca-se por focar em empreendedores/as negros/as do setor de alimentação e por oferecer um suporte abrangente, incluindo recursos financeiros, formação e trocas entre pares.
Funcionou como alavanca, ou seja, mudanças que levariam muito mais tempo para acontecer foram potencializadas pela intervenção. São transformações que até poderiam ter acontecido, mas a passos muito mais lentos e com resultados parciais para a maioria dos negócios.
As lições aprendidas com o Edital Negros Negócios Alimentação e os impactos dessas ações repercutem não apenas nos negócios, mas também nas comunidades, na autoestima e no empoderamento da população negra em Pernambuco e, por extensão, em todo o país.