Axé Zumbi Tutu

Baobá - Fundo para Equidade Racial

15 de março de 2022

Desmond Tutu, um dos responsáveis pela queda do apartheid na África do Sul, veio ao Brasil há 34 anos deixando seu legado de luta contra o racismo 

Por Wagner Prado

Há  quase três meses, exatamente em 26 de dezembro de 2021, o mundo perdia um de seus maiores ícones na luta contra o racismo. Acometido por inúmeras infecções originárias de um câncer de próstata, o arcebispo da igreja anglicana Desmond Mpilo Tutu morria aos 90 anos. Laureado com o Prêmio Nobel da Paz em 1984, Tutu foi um lutador incansável pela igualdade racial em seu país, a África do Sul, e viveu para espalhar pelo mundo o seu legado pela luta em favor da liberdade.para o povo negro.

O regime de Apartheid vigorou na África do Sul por 40 anos, de 1948 a 1988, quando foram iniciadas as negociações para seu banimento. Nele, a minoria branca detinha o poder do voto, o poder econômico e o poder político. A maioria negra tinha que se submeter às imposições da minoria. Os negros não podiam ser donos de terras e tinham que viver em zonas residenciais separadas, em total confinamento. Os casamentos entre homens negros e mulheres brancas ou mulheres negras e homens brancos eram proibidos por lei. O Apartheid é considerado uma das maiores atrocidades cometidas pelo Homem, pois separa, oprime, aprisiona, tortura e mata.   

Desmond Tutu esteve no Brasil pela primeira vez em maio de 1987, durante o governo presidente José Sarney. Três anos antes, em 1984, Tutu havia recebido do Comitê Norueguês do Prêmio Nobel, o Nobel da Paz. 

Desmond Tutu saiu da África do Sul e chegou ao Rio de Janeiro onde o Movimento Negro iniciava uma corrida em busca da igualdade racial. Se na África do Sul a segregação era algo institucionalizado, o Brasil da propalada democracia racial separava, oprimia, aprisionava e matava por baixo dos panos. O maior alvo, como demonstram as estatísticas até hoje: a gente preta. No Brasil, assim como na África do pré-apartheid, o Estado não reconhece, não protege, não efetiva e viola os direitos de pessoas negras, incluindo o direito à vida. 

Tutu foi recebido por personagens que têm o nome cravado na história da luta pela liberdade de raça, credo e cor no Brasil. Benedita da Silva, Abdias Nascimento, Januário Garcia (Janu), José (Zé) Miguel, Justo de Carvalho e Milton Gonçalves foram alguns dos que estiveram no Colégio Sion, no Cosme Velho, na recepção a Desmond Tutu. 

Vestindo calça cinza e camisa clerical vermelha, o então bispo anglicano mostrou-se encantado com o que via. Sua primeira palavra na saudação aos presentes no auditório do colégio foi “obrigado”, dito em português. Cada manifestação dele era sucedida de muitas palmas e gritos de protesto contra o racismo também existente no Brasil. Desmond Tutu começou sua fala dizendo: “Nunca imaginei que alguém tivesse que brigar para chegar perto de mim e me beijar. Venho aqui em nome de milhões de pessoas vítimas do sistema que é conhecido como o pior sistema depois do nazismo. Quero agradecer ao povo brasileiro pelo apoio que nos deu em nome da paz e da justiça”, disse. 

Abdias Nascimento, que ocupava a presidência da mesa em homenagem a Tutu foi enfático: “Estou altamente  honrado pela tarefa conferida a mim pelos meus companheiros do Movimento Negro do Rio de Janeiro, para saudá-lo e dar boas vindas nesse encontro. A comunidade afro-brasileira tem lutado arduamente por essa oportunidade de se encontrar com o irmão Tutu, pois para nós você simboliza uma luta que também é a nossa. Por essa razão, honrando a resistência afro-brasileira, que organizou os quilombos, culminando na República dos Palmares, permita-me batizá-lo hoje, Bispo Tutu,  com o maior título que os negros desse país poderiam outorgar: ‘Zumbi da África do Sul’. Não nos calaremos até que o mundo esteja livre do Apartheid. Axé Zumbi Tutu!”

O regime do Apartheid foi oficialmente banido da África do Sul em 1994, depois de negociações que foram iniciadas em 1988/1989, ainda com Nelson Mandela na prisão. Em 1990, Mandela foi libertado após cumprir 27 anos de prisão, em 1994 Mandela venceu as eleições e foi declarado presidente da África do Sul. Quem o conduziu para seu primeiro discurso após a posse foi o arcebispo Desmond Tutu. 

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