Desmond Tutu, um dos responsáveis pela queda do apartheid na África do Sul, veio ao Brasil há 34 anos deixando seu legado de luta contra o racismo 

Por Wagner Prado

Há  quase três meses, exatamente em 26 de dezembro de 2021, o mundo perdia um de seus maiores ícones na luta contra o racismo. Acometido por inúmeras infecções originárias de um câncer de próstata, o arcebispo da igreja anglicana Desmond Mpilo Tutu morria aos 90 anos. Laureado com o Prêmio Nobel da Paz em 1984, Tutu foi um lutador incansável pela igualdade racial em seu país, a África do Sul, e viveu para espalhar pelo mundo o seu legado pela luta em favor da liberdade.para o povo negro.

O regime de Apartheid vigorou na África do Sul por 40 anos, de 1948 a 1988, quando foram iniciadas as negociações para seu banimento. Nele, a minoria branca detinha o poder do voto, o poder econômico e o poder político. A maioria negra tinha que se submeter às imposições da minoria. Os negros não podiam ser donos de terras e tinham que viver em zonas residenciais separadas, em total confinamento. Os casamentos entre homens negros e mulheres brancas ou mulheres negras e homens brancos eram proibidos por lei. O Apartheid é considerado uma das maiores atrocidades cometidas pelo Homem, pois separa, oprime, aprisiona, tortura e mata.   

Desmond Tutu esteve no Brasil pela primeira vez em maio de 1987, durante o governo presidente José Sarney. Três anos antes, em 1984, Tutu havia recebido do Comitê Norueguês do Prêmio Nobel, o Nobel da Paz. 

Desmond Tutu saiu da África do Sul e chegou ao Rio de Janeiro onde o Movimento Negro iniciava uma corrida em busca da igualdade racial. Se na África do Sul a segregação era algo institucionalizado, o Brasil da propalada democracia racial separava, oprimia, aprisionava e matava por baixo dos panos. O maior alvo, como demonstram as estatísticas até hoje: a gente preta. No Brasil, assim como na África do pré-apartheid, o Estado não reconhece, não protege, não efetiva e viola os direitos de pessoas negras, incluindo o direito à vida. 

Tutu foi recebido por personagens que têm o nome cravado na história da luta pela liberdade de raça, credo e cor no Brasil. Benedita da Silva, Abdias Nascimento, Januário Garcia (Janu), José (Zé) Miguel, Justo de Carvalho e Milton Gonçalves foram alguns dos que estiveram no Colégio Sion, no Cosme Velho, na recepção a Desmond Tutu. 

Vestindo calça cinza e camisa clerical vermelha, o então bispo anglicano mostrou-se encantado com o que via. Sua primeira palavra na saudação aos presentes no auditório do colégio foi “obrigado”, dito em português. Cada manifestação dele era sucedida de muitas palmas e gritos de protesto contra o racismo também existente no Brasil. Desmond Tutu começou sua fala dizendo: “Nunca imaginei que alguém tivesse que brigar para chegar perto de mim e me beijar. Venho aqui em nome de milhões de pessoas vítimas do sistema que é conhecido como o pior sistema depois do nazismo. Quero agradecer ao povo brasileiro pelo apoio que nos deu em nome da paz e da justiça”, disse. 

Abdias Nascimento, que ocupava a presidência da mesa em homenagem a Tutu foi enfático: “Estou altamente  honrado pela tarefa conferida a mim pelos meus companheiros do Movimento Negro do Rio de Janeiro, para saudá-lo e dar boas vindas nesse encontro. A comunidade afro-brasileira tem lutado arduamente por essa oportunidade de se encontrar com o irmão Tutu, pois para nós você simboliza uma luta que também é a nossa. Por essa razão, honrando a resistência afro-brasileira, que organizou os quilombos, culminando na República dos Palmares, permita-me batizá-lo hoje, Bispo Tutu,  com o maior título que os negros desse país poderiam outorgar: ‘Zumbi da África do Sul’. Não nos calaremos até que o mundo esteja livre do Apartheid. Axé Zumbi Tutu!”

O regime do Apartheid foi oficialmente banido da África do Sul em 1994, depois de negociações que foram iniciadas em 1988/1989, ainda com Nelson Mandela na prisão. Em 1990, Mandela foi libertado após cumprir 27 anos de prisão, em 1994 Mandela venceu as eleições e foi declarado presidente da África do Sul. Quem o conduziu para seu primeiro discurso após a posse foi o arcebispo Desmond Tutu. 

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