Como a aprovação do projeto de lei de “Homeschooling” pode impactar crianças e jovens negros

 Gabi Coelho

O Projeto de Lei 1338/2022 foi aprovado na Câmara dos Deputados no dia 19 de maio de 2022 como PL 3179/2012 devido ao fato de substituir o projeto anterior – proposto pelo deputado Lincoln Portela (PL-MG) – enquanto uma nova proposta idealizada pela deputada Luisa Canziani (PSD-PR). Esse projeto pauta a prática da Educação Domiciliar no Brasil. A palavra “homeschooling” designa um método cujo objetivo seria que o jovem ou criança aprendesse em casa ao invés de frequentar a escola de maneira regular e os encarregados do ensino seriam seus pais ou responsáveis.

CONTEXTUALIZANDO A HISTÓRIA

Quando falamos sobre Educação Domiciliar, precisamos enfatizar os principais aspectos relacionados à realidade brasileira que irão se fundir à nova realidade que poderá ser estabelecida pelo projeto caso ele seja aprovado. O Brasil, por se tratar do último país independente nas Américas a abolir a escravidão, as desigualdades acabaram se tornando um “carimbo” na realidade de pretos e pobres. Esse grupo de pessoas seguiu sua trajetória de maneira desfavorecida e marginalizada. As oportunidades eram quase nulas e a cidadania não lhes era atribuída. No instante em que tiveram acesso à Educação pública – o que definitivamente não aconteceu logo após a expulsão dos jesuítas e as mudanças realizadas por Marquês de Pombal, visto que para essa enorme parcela da população até o que consideramos hoje como um direito básico, o acesso à Educação, era algo difícil (ou até mesmo impossível) de se ter acesso -, tais pessoas passaram a enfrentar novas dificuldades, como a precarização desse serviço público, o que diretamente colocava os jovens negros e pobres em condições educacionais extremamente desiguais em relação aos jovens brancos que possuíam melhor condição financeira e consequentemente acesso a um ensino de melhor qualidade.

A REALIDADE ATUAL

Depois dessa contextualização, podemos “mover” esse cenário para a atualidade: jovens negros e pobres cujo acesso ao ensino é precarizado justamente por se tratar de um serviço público que, por muitas vezes, sofre com o descaso de representantes eleitos que são inaptos para lidar com a pauta educacional. Ainda que esse projeto de lei possua determinadas regras para que seja possível que os responsáveis insiram o jovem/criança nessa prática, quem poderá nos garantir o cumprimento de tais normas se nem mesmo conseguimos ter a garantia de um ensino público de qualidade?

Outra questão importante é que, a partir do momento em que o projeto for aprovado, estarão sendo estabelecidos precedentes para que as verbas públicas destinadas à Educação sejam drasticamente diminuídas utilizando-se do argumento de que seria possível ensinar em casa e por isso reduzir os investimentos nas escolas, além de um outro precedente muito perigoso: a possibilidade de se implementar a obrigatoriedade desse tipo de ensino. O que seriam das nossas escolas? O que seriam dos nossos professores? O que seria da qualidade de ensino se esses jovens fossem todos submetidos ao ensino domiciliar de maneira a “(…) garantir o desenvolvimento pleno das nossas crianças”, como afirmou a autora do projeto durante a sessão em que o PL foi aprovado?

O RACISMO ESTRUTURAL E A ESCOLA

Existem dois outros tópicos que precisamos analisar em relação a essa prática: o racismo e a qualidade do ensino. A escola, enquanto um dos responsáveis pela construção da visão de mundo dos jovens e crianças que a frequentam, estaria sendo diretamente golpeada em uma de suas principais funções. Como essas crianças terão acesso às pautas antirracistas e aos temas que debatem negritude e ancestralidade se os adeptos do homeschooling representam o lado político cuja prática frequente é a descredibilização de abordagens progressistas e a propagação do ideal meritocrático? 

Quando falamos sobre melhor a qualidade da vida em sociedade de jovens, principalmente jovens negros, não podemos cair na armadilha de crer que tudo se trata de mérito, que a meritocracia seria a principal  responsável pela melhora da realidade dos indivíduos. Crer que somente trabalhar duro torna possível alcançar todos os próprios objetivos é algo que soa muito bem para pessoas que têm acesso às oportunidades de maneira quase que instantânea, sem necessitar de esforço, como é o caso de jovens brancos brasileiros que nascem em famílias cuja condição financeira possibilitará frequentar boas escolas, realizar diversos cursos e consequentemente se preparar melhor para o mercado de trabalho. 

Essa discussão não pode e nem deve ser baseada em esforço ou em mérito somente, é necessário falar sobre investimento e suporte para que os menos favorecidos possuam maiores oportunidades. Sem a chance de mostrar o próprio potencial e ocupar novos espaços, não há meritocracia que resolva as desigualdades socioeconômicas que assolam a juventude negra no Brasil.

De acordo com a mostra Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) Contínua Educação 2019 realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), pessoas negras apresentam um nível de analfabetismo três vezes maior do que pessoas brancas. Segundo esses dados, em 2019 8,9% das pessoas pretas e pardas com 15 anos ou mais eram analfabetas, contra 3,6% de pessoas brancas. O Brasil precisa de tempo, mais recursos e melhor administração para se recuperar dos prejuízos que a pandemia nos trouxe. Caso esses jovens negros sejam inseridos numa realidade de  ensino domiciliar, o que será da qualidade de aprendizado e do futuro dessas pessoas?

Evidentemente a pandemia afetou diretamente o acesso ao ensino e dificultou o processo de ensino-aprendizagem. Um estudo divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) no último dia 19 de janeiro mostrou que, entre as crianças com idade de 5 a 9 anos, a evasão escolar aumentou em 197,8% entre 2019 e 2020. Um outro ponto que pode ser visto como, no mínimo, curioso, é o fato de poucas pesquisas estarem focadas em retratar como crianças e jovens negros foram impactados pela pandemia e pelas dificuldades de ter acesso à internet para estudar e mias especificamente retratar as diversas questões que podem ter os levado a abandonar a escola.

A realidade do ensino remoto envolveu problemas que vão desde a dificuldade de acesso a aparelhos eletrônicos e à internet até a necessidade de ajudar nos afazeres de casa e no orçamento familiar. É imprescindível que uma maior quantidade de pesquisas abordem esses aspectos da vida de jovens negros no Brasil, como a evasão escolar, o trabalho infantil e o decaimento da qualidade do ensino devido ao cenário pandêmico.

Em entrevista para o Monitor Mercantil, o psicólogo Filipe Colombini falou sobre a importância da escola: “O ambiente escolar é fundamental para a socialização. A escola vai muito além das provas e avaliações. É neste lugar que, já na primeira infância, a criança vai ter um modelo social, estranho a sua família, onde ela terá de aprender a lidar com seus impulsos e que é fundamental para o seu desenvolvimento”. Colombini também falou sobre a vida em sociedade: “(…) “viver em sociedade é difícil, porém, a escola é um recorte disso, e fugir da escola é também fugir da sociedade.”.

O FUNDO BAOBÁ E O INVESTIMENTO EM EDUCAÇÃO

Com o objetivo de contribuir para o acesso de jovens negros à Educação, o Fundo Baobá apoia iniciativas como oPrograma Já É: Educação e Equidade racial. Trata-se de um projeto cujo objetivo principal é auxiliar jovens negros a entrarem na universidade, prioritariamente universidades públicas, através dos seguintes benefícios: “Bolsa de estudos em cursinho preparatório para o vestibular, Mentorias coletivas e individuais para ampliar habilidades socioemocionais e acadêmicas​, Laptop e acesso à internet e Pagamento de despesas de transporte e alimentação”, de acordo o portal do Fundo Baobá.

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