Edital Vidas Negras e a potencialização da dignidade e justiça

Por Vinícius Vieira

No dia 9 de setembro, o Fundo Baobá para Equidade Racial divulgou a lista das organizações selecionadas no edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça, iniciativa lançada no dia 5 de maio, com apoio do Google.Org, braço filantrópico do Google, e que tem a premissa de apoiar entidades negras que atuam no enfrentamento do racismo e incorreções que ocorrem dentro do sistema de Justiça Criminal no Brasil.

Ao todo foram selecionadas 12 iniciativas, divididas pelos seguintes eixos: 

I – Enfrentamento à violência racial sistêmica
II – Proteção comunitária e promoção da equidade racial
III – Enfrentamento ao encarceramento em massa entre adultos e jovens negros e redução da idade penal para adolescentes
IV – Reparação para vítimas e sobreviventes de injustiças criminais com viés racial

Entre as organizações selecionadas temos organizações de mulheres negras e que atuam no enfrentamento à violência racial contra as mulheres, aquelas que atuam no enfrentamento ao racismo religioso, outras que dão visibilidade à situação de encarceramento de mulheres negras, organizações quilombolas que atuam na defesa dos direitos quilombolas, sobretudo o direito à terra. Organizações antiproibicionistas, outras que atuam na defesa do direito à moradia  para famílias sem teto de baixa; aquelas que congregam familiares e vítimas de violência do Estado e outras que prestam assistência biopsicossocial e jurídica a familiares de pessoas privadas de liberdade.

As organizações selecionadas estão localizadas nas regiões Sudeste, Norte e Nordeste do país, oriundas dos estados de Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Amapá, Pernambuco e Ceará.

O edital contou com três etapas de seleção sendo que, na última fase, as organizações  participaram de um painel de entrevistas conduzido por especialistas e membros da governança do Fundo Baobá. As entrevistas foram realizadas considerando o eixo temático escolhido pela organização no momento da inscrição e cada eixo contava com 2 ou 3 entrevistadores(as).

Para a graduanda em direito, monitora das disciplinas de Sociologia Geral e Assessoria Jurídica Popular na FND/UFRJ, também monitora no curso de extensão Promotoras Legais Populares e liderança comunitária na Baixada Fluminense, Thuane Nascimento, ter atuado no comitê de seleção entrevistando as e os representantes de organizações que inscreveram seus projetos no eixo III Proteção Comunitária e Promoção da Equidade Racial, dialoga perfeitamente com a sua área de atuação, desde quando ela entrou na universidade: “Essa lógica da proteção comunitária junto com a promoção da equidade racial tem tudo a ver com o trabalho que eu desenvolvo. Nós sabemos que quando um território está seguro, a pessoa que mora lá se sente segura naquele território. Entendemos que é a comunidade que consegue dar uma segurança e um aporte para a pessoa que está morando ali”.

Segundo Thuane, essa proteção que a comunidade oferece aos seus moradores, de maioria negra e pobre, faz parte do senso coletivo que está enraizado desde a construção desse local: “As favelas, os assentamentos e as ocupações são construídos numa lógica de coletividade. Isso é muito importante, porque na coletividade as pessoas aprendem a respeitar um ao outro e aprendem a proteger um ao outro”.

Thuane Nascimento, graduanda em direito, monitora das disciplinas de Sociologia Geral e Assessoria Jurídica Popular na FND/UFRJ, também monitora no curso de extensão Promotoras Legais Populares e liderança comunitária na Baixada Fluminense

Thuane atuou em um projeto chamado Circuito Favela por Direito, onde ela pôde vivenciar de perto o senso de coletividade existente nas comunidades do Rio de Janeiro: “Em muitas comunidades existe um grupo de WhatsApp para poder falar onde estava acontecendo um tiroteio, para avisar qual lugar que estava perigoso, além dos grupos de WhatsApp entre as mães. Proteção comunitária tem tudo a ver com o território”, afirma.

Quem também atuou no comitê de seleção do edital Vidas Negras, em diálogo com organizações que apresentaram suas propostas no eixo IV: Reparação para vítimas e sobreviventes de injustiças criminais com viés racial, foi a doutora e mestra em Direito Constitucional e Teoria do Estado; Professora do Departamento de Direito da PUC-Rio; Coordenadora Geral do NIREMA – Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente – e professora visitante Jr. no African Gender Institute, University of Cape Town, Thula Pires, que também vê ligação entre a sua área de atuação e o eixo em que realizou entrevistas: “O eixo de Reparação é aquele que mais evidencia a necessidade do Estado se responsabilizar pelas violências que (re)produz e, nesse sentido, dialoga muito intrinsecamente com o campo do Direito Constitucional e da Teoria do Estado”.

No eixo IV foram selecionadas três organizações, todas da região Sudeste. Thula analisou e traçou o perfil característico de cada uma: “As organizações selecionadas no eixo IV nos oferecem a possibilidade de incidir em diferentes dimensões na reparação às vítimas de injustiças raciais. Do direito à moradia, em toda sua complexidade, aos desafios da política de drogas e da política prisional, passando pelo racismo religioso, temos distintas e estratégicas áreas de enfrentamento às violências promovidas, sobretudo, pelo Estado brasileiro”.

Thula Pires, doutora e mestra em Direito Constitucional e Teoria do Estado; Professora do Departamento de Direito da PUC-Rio; Coordenadora Geral do NIREMA – Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente – e professora visitante Jr. no African Gender Institute, University of Cape Town

Ao relembrar a sua atuação no eixo II, Thuane fala dos diferentes perfis das quatro organizações selecionadas que, segundo a própria, deixou a escolha dos projetos ainda mais interessante. Entretanto, ela fez questão de destacar um dos projetos selecionados: “Uma organização da Região Norte que está situada em uma  comunidade quilombola e eles queriam expandir o trabalho para dezenas de comunidades, em um lugar que o principal meio de transporte é o fluvial. Eu fico imaginando a dificuldade: já trabalhavam com algumas comunidades e querem expandir ainda mais o trabalho. Isso é de uma importância imensa”. No caso, Thuane se refere à organização selecionada Associação de Jovens Moradores e Produtores Rurais de Santa Luzia do Maranum I (Ajomprom), localizada em Macapá, no Amapá.

Ao lembrar dessa organização, Thuane Nascimento fala sobre as potencialidades dos projetos e das organizações selecionadas;  as expectativas em relação às mudanças que poderão ser geradas na sociedade, além da importância da realização do edital Vidas Negras: “Se as organizações conseguem fazer um trabalho tão bom e chegar até aqui, mesmo sem tanto apoio financeiro e sem um apoio de rede, imagina onde que elas vão conseguir chegar com esse apoio do Fundo Baobá? Eu acredito que teremos muitas mudanças, talvez não seja uma mudança como a gente pensa, que vai abranger a todos, porque nem é essa a proposta, mas vai mudar a comunidade local, vai avançar no sentido dela se sentir protegida, se sentir conscientizada e conseguir avançar nas pautas e demandas que elas precisam para poder se manter e produzir em seu território”.

Para Thula Pires, os projetos selecionados têm a potencialidade de produzir impactos importantes na sociedade brasileira: “Não apenas na redefinição e monitoramento de políticas já existentes, como também na possibilidade de ampliarmos as ações de organizações negras em comunidades e grupos historicamente negligenciados pelas políticas públicas. Em tempos de acirramento da violência e da produção da morte em escala, medidas de enfrentamento às injustiças raciais são não apenas bem-vindas, mas efetivamente necessárias”. Ela também faz questão de ressaltar a importância da realização do edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça: “através deste edital, o Fundo Baobá cumpre um papel fundamental na viabilização de ações promovidas por pessoas negras no enfrentamento concreto às injustiças raciais. O apoio financeiro para o desenvolvimento das ações, ao ser acompanhado pelo suporte técnico para o fortalecimento institucional, é capaz de preparar as organizações para intervenções futuras e para ampliar o acesso a outros editais e programas. Nesse sentido, atua tanto no fortalecimento das comunidades, vítimas e sobreviventes das injustiças raciais, como na ampliação da capacidade de incidência das organizações negras de promoção da justiça racial”, finaliza.

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