Futebol brasileiro continua sem dar chance a treinadores negros e fora do campo crescem os casos de racismo contra jogadores e torcedores 

No futebol feminino os casos de racismo também estão crescendo

Por Wagner Prado

Ao longo dos 128 anos (1894) em que foi introduzido e popularmente consolidado no Brasil, o futebol tornou-se um dos grandes produtos de exportação. Em 2021, segundo dados do relatório Raio X do Mercado, elaborado pela Diretoria de Registro, Transferência e Licenciamento da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), o volume de transferências de jogadores e jogadoras brasileiros para o exterior alcançou mais de um bilhão de reais. Exatamente: R$ 1.012.919.149,00. Somadas as transferências internas, a conta ultrapassa os R$ 2,2 bilhões. 

O sucesso do futebol dentro de campo -o país é o único a ostentar o título de cinco vezes campeão em Copas do Mundo- é que faz dele um sucesso comercial em termos de negociação de atletas. Mas esse sucesso não é refletido em termos de respeito à diversidade racial.

O Brasil gerou inúmeros e lendários craques negros. Ao mesmo tempo, o Brasil tem apenas um treinador negro orientando uma equipe da Série A, a principal do futebol no país. Jair Ventura é responsável pelo Goiás. As demais 19 equipes que disputam a competição nacional em 2022 não têm técnicos negros. Na Série B, também com 20 equipes, os únicos negros são Hélio dos Anjos, orientador da Ponte Preta, equipe de Campinas, e Roger Machado, do Grêmio, de Porto Alegre. 

O Brasil tem, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 56,2% de sua população formada por negros. Maioria absoluta. Mas a discussão sobre a não presença de treinadores de futebol de origem negra em suas principais equipes não é feita. O diretor  executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, Marcelo Carvalho, opina sobre o fato.  “O mais impressionante desses dados não é que não existam treinadores negros, mas que esse debate nem exista no futebol brasileiro. A sociedade brasileira não se surpreende por não ter negros nesses espaços, porque no Brasil não é comum ter negros nessas posições. O futebol acaba sendo uma repetição da sociedade racista”, disse ele em entrevista à AFP (Agência France Presse).

Seleção Brasileira

De 1930, quando disputou sua primeira Copa do Mundo, até 2022, a  Seleção Brasileira foi dirigida apenas por dois técnicos negros. O primeiro, Gentil Cardoso, em 1959. O segundo, Vanderlei Luxemburgo, de 1998 a 2000. Para o atual técnico da Seleção, Tite, isso se deve ao racismo. “Eu vou me posicionar. Luto e lutei minha vida toda contra minha ignorância. Procurei ler, aprender e estudar. E continuo. E contra a hipocrisia que é brincar de faz de conta, prefiro responder:  Há sim um preconceito. E ele é arraigado, estrutural, sim”, disse em entrevista coletiva em outubro de 2021, antes do jogo Brasil x Venezuela pelas Eliminatórias da Copa 2022. 

Um guerreiro

Roger Machado, atual técnico do Grêmio e que já treinou Bahia, Palmeiras,  Fluminense e Atlético Mineiro, tem se transformado em um dos mais atuantes agentes contra o racismo no futebol brasileiro. Ele é contundente ao falar sobre a questão dos técnicos negros. “O futebol revela o que somos como sociedade. A representatividade da população negra em outras áreas é muito parecida com a do futebol. Quando negros e brancos decidem ascender na pirâmide social, os filtros começam a aparecer. São os filtros da ideologia que criou o racismo e que atribui ao negro uma condição de menor inteligência, menor capacidade de liderança e gestão, justamente as competências de um treinador de futebol”, disse ao jornal Zero Hora.

Falando sobre sua trajetória no futebol e as coisas que teve de enfrentar, Roger Machado relata fatos do seu caminho para se firmar na profissão.  “O racismo velado, à brasileira, construiu falso mito de uma “democracia racial” na qual, em teoria, não havia racismo nem preconceitos no Brasil. A discriminação sistemática, estrutural, é outra, mais complexa. Nos meus primeiros trabalhos como treinador, muitas vezes, quando era demitido, questionavam a minha capacidade de gerir grupos, sendo que essa era uma das grandes capacidades que eu sempre tive como jogador, como liderança, como capitão”, afirmou Roger. . 

Futebol Feminino

O futebol feminino ainda está em fase de consolidação no Brasil. Já existe um Campeonato Brasileiro organizado, as transmissões na tevê estão se popularizando e as mazelas são quase as mesmas do futebol masculino, principalmente no que se refere ao desrespeito às jogadoras. As ofensas raciais e as de gênero são as mais frequentes. 

Um caso marcante ocorreu em novembro de 2021 durante jogo do Campeonato Brasiliense, conhecido como Candangão. O Cresspom (Clube Recreativo e Esportivo de Sub-Tenentes e Sargentos da Polícia Militar do Distrito Federal) enfrentava a Aruc (Associação Recreativa Unidos do Cruzeiro). No Cresspom joga Thamires da Conceição, a Buga. Ela sofreu ataque verbal racial por parte de um torcedor durante a partida e fez a denúncia policial. “Na hora do jogo, segurei a onda por ser profissional. Joguei, me dediquei ao clube, mas depois quando coloquei a cabeça no travesseiro foi um baque, chorei bastante. Doeu, rasgou a pele. De vez em quando me pego pensando no que aconteceu e me vem uma tristeza, mas a manifestação de apoio de várias pessoas me fez seguir para continuar meu trabalho e ir atrás de justiça”, disse Buga em entrevista ao Brasil De Fato. Entre 2014 e 2020 foram contabilizados 163 casos de ofensas raciais  no futebol feminino. Eles foram tipificados como casos de Injúria Racial. 

O caso envolvendo a jogadora Buga, do Cresspom, não é único. Ainda em 2021, durante jogo válido pela Taça Libertadores da América Feminina, o Corinthians enfrentou o Nacional, do Uruguai. A jogadora Adriana, do Corinthians, foi chamada de macaca por uma adversária. O Corinthians, à época, lançou uma nota de repúdio e o caso ficou apenas nisso. Não se tem notícia de qualquer punição à jogadora agressora. 

Impunidade em 2022

A disputa da Taça Libertadores da América começou em fevereiro. Em três meses de jogos, sete casos de racismo contra equipes brasileiras foram vistos. As torcidas e os jogadores de Bragantino, Corinthians, Flamengo, Fluminense, Fortaleza e Palmeiras foram xingados por torcedores na Argentina, Chile, Colômbia, Equador e Paraguai. Mas o grande absurdo  ocorreu em plena Neo Química Arena, estádio do Corinthians, quando o time da casa enfrentou o Boca Juniors, da Argentina. Leonardo Ponzo, torcedor do Boca, passou boa parte do jogo imitando o jeito de andar de um macaco.  Acabou detido pela Polícia Militar e enquadrado por crime de Injúria Racial. Ponzo pagou fiança de R$ 3 mil, foi solto e, ainda em território brasileiro, fez um post nas redes sociais dizendo: Aqui não aconteceu nada!

A tiração de sarro de Ponzo leva à constatação de que a Lei não vem sendo aplicada no Brasil. Racismo é crime. Quem o pratica é criminoso ou criminosa. Criminosos devem ser detidos e apenados. Afinal, é a Lei. 

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