Conheça alguns dos selecionados do programa Já É que se dedicam, por meio do estudo, ao enfrentamento da invisibilização dos artistas negros nos meios artísticos

Por Eduarda Nunes, do Perifaconnection, em parceria com o Fundo Baobá para Equidade Racial

Em um país que esconde a cor de Machado de Assis, um dos escritores mais notáveis da Literatura, estimular e visibilizar artistas negros é essencial. Eles demonstram e denunciam cotidianamente o racismo e sexismo ainda presentes na área através de muito Artivismo, movimento que, segundo a pesquisadora Wynne Borges Carneiro, foi iniciado pelos artistas visuais.

A possibilidade de assistir atores e atrizes negras nos filmes, novelas e teatros, fazendo outros papéis que não os de servidão, é uma reivindicação externa às estruturas hegemônicas que legitimam o que é Arte. Ainda nesse sentido, se hoje é possível entender que ser artista não está ligado aos estudos formais e acadêmicos, mas à capacidade de reflexão e criação, essa também é uma conquista dos artivistas. Dentre os selecionados do Programa Já É contamos com alguns jovens artistas que buscam dar continuidade às suas criações a partir do conhecimento que a universidade tem a lhes oferecer.

Luiz Oliveira, de 18 anos, é artista e costureiro, mantém sozinho um atêlie com produções que aquecem a arte Drag de Mogi das Cruzes. Ele vê na iniciativa do Fundo Baobá uma oportunidade de acessar o conhecimento teórico disponível no ensino superior para profissionalizar ainda mais a sua arte. “Por eu já ter essa identificação dentro da arte e por grande parte da minha família fazer um trabalho com arte afrodescendente, eu acho que Artes Visuais seria um engajamento pra tudo”, conta o jovem artista.

Crescido em meio à cultura afro-brasileira fervente, cultivada por seus familiares, a arte Drag chegou à vida do jovem ao entender-se homossexual. Suas principais referências são seu pai e homens gays negros da cena Drag Queen, como Márcia Pantera e Jorge Lafond.

Luiz Benedito Ferreira de Oliveira, 18 anos

A arte que já vivia presente no seu dia a dia, o ajudou a lidar com a depressão e a consolidar seu lugar no meio artístico. Como desde sempre lidou com culturas que são socialmente marginalizadas pelo Estado e pelas pessoas, Luiz sente que é preciso ainda mais união do povo negro para que as manifestações culturais afrobrasileiras continuem vivas e contando as histórias de quem até hoje reinvindica reparaçõa histórica.

Flávia Martins tem 25 anos e é violinista. Ela conta que a rigidez da cena musical erudita impossibilita a inserção de pessoas negras nessa arte. Os entraves desse meio impedem que ela se torne a violonista concertista que gostaria de ser.

“Eles colocam limites em tudo para que você não consiga entrar se não for do jeito deles. Que criança negra tem a oportunidade de tocar violino antes dos 10 anos? Isso não é o tipo de coisa que as crianças geralmente falam para os seus pais. Independente de serem brancas, negras ou indígenas”, comenta. Flávia trabalha para que sua o universo violinista não seja tão “engessado” com regras e preconceitos. Atualmente a jovem trabalha numa organização filantrópica dando aula de violino para pessoas com deficiência.

Flávia Martins de Santana, 25 anos

Flávia também comenta sobre os preconceitos no ramo. “No meio erudito eles não tem medo de serem racistas. As pessoas têm o racismo velado nos espaços, mas no meio erudito, não. Um cara vira pra você e fala ‘uma macaca não vai tocar na minha orquestra’  e pronto. O racismo é liberado nessa área. A misoginia é liberada. Tudo isso é estruturado há muitos anos”, conta ela.

Outra participante do Já É, que tem sua carreira artística iniciada na área da dramaturgia é a Jakeline Souza, de 21 anos. Atriz há quase 3 anos, Jake, como gosta de ser chamada, deseja se formar em Artes Cênicas, no entanto, os anos de experiência na área não impedem que ela sofra com as incertezas que permeiam a escolha da profissão. “Por mais que eu trabalhe na área, ainda é uma coisa muito insegura. É difícil se imaginar bem-sucedida trabalhando com arte na periferia. Não parece que vai ser uma coisa que vai me dar uma estabilidade [financeira]”, confessa.

Por mais que já esteja se preparando para ingressar neste curso na universidade, a jovem vê Artes Cênicas como um campo muito cruel para as pessoas negras. Segundo Jake, o que entra em jogo não é só a capacidade técnica e desenvolvimento de atuação, mas também a estética. Mesmo assim, ela não abandona o sonho de ser uma atriz negra e periférica reconhecida, assim como as suas referências Naruna Costa e Gal Costa, diretoras da Companhia Sansacroma.

Jakeline Souza Lima, 21 anos

“Você precisa ter muito suporte psicológico para estar ali, porque desde o momento que você pisa num teste só pra ser avaliada já é uma questão muito grande. São olhares de pessoas que têm uma realidade totalmente diferente da sua. Pessoas que fazem arte e que estão nesse meio desde criança”, conta a atriz.

Jake, Flávia e Luiz são jovens artistas que nem entraram na faculdade e já abordam diversos pontos sobre a presença e permanência de pessoas negras no mundo das artes. A invisibilidade e imposição de dificuldades sempre aconteceu, mas tem muita gente como eles fazendo os enfrentamentos necessários para que essa deixe de ser uma realidade.

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