Por Eliane de Santos
Em 2019, o Estado do Rio Grande do Norte tinha 1.329.000 pessoas – o equivalente a 38% da sua população -, vivendo abaixo da linha de pobreza, segundo a Síntese dos Indicadores Sociais 2020, divulgada pelo IBGE em novembro do ano passado. A mesma pesquisa apurou que um em cada quatro potiguares, com idades entre 15 e 29 anos, não estudava e nem trabalhava em 2019.
Pois no final do ano passado ao lançar o Edital Primeira Infância no Contexto da Covid-19, na companhia da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, da Porticus América Latina e Imaginable Futures, o Fundo Baobá teve uma grata surpresa recebendo propostas de jovens do Rio Grande do Norte.
Eles não se conheciam, entretanto compartilhavam da mesma sensação de incômodo quando paravam, olhavam ao redor e viam a fome e o sofrimento de vizinhos. Antenados, se inscreveram no edital, buscaram parcerias e fizeram diferença para centenas de pessoas.
Aline Pedro de Moura, de 28 anos, nem precisou olhar para muito longe. Moradora da comunidade quilombola de Capoeiras, em Macaíba, ela sentiu na pele e com força o abandono do estado quando a pandemia chegou.
“O que me levou a me inscrever no Edital Primeira Infância foi a falta de apoio educacional para a garotada do quilombo. As crianças na fase da primeira infância e os demais alunos estiveram nesse período totalmente abandonados, educacionalmente falando. Isto preocupa, porque é durante a primeira infância que as crianças constroem a base, o alicerce para vida”.
A interrupção das aulas na região não era o único problema: os adultos do quilombo perderam emprego e renda; faltou comida na mesa de muitas famílias. Aline pensava no bem-estar de todos e agiu, colocando em prática parte dos conhecimentos adquiridos em uma faculdade de Pedagogia, em cursos técnicos de Agropecuária e Informática.
Primeiro ela reuniu os interessados presencialmente, explicou o projeto e como gostaria de ajudá-los. Depois criou um grupo, num aplicativo de mensagens, para facilitar a comunicação e evitar aglomerações. Outros encontros presenciais foram necessários para a construção de quintais produtivos no quilombo: hortas caseiras que em breve poderão aliviar a fome das famílias.
“Os maiores desafios do projeto, aliás, ocorreram após o plantio. Muitos beneficiados tiveram os quintais invadidos pelas galinhas e foi preciso criar proteções. Além disso, a escassez de água para a rega impediu que alguns moradores participasse dessa ação”, lamenta a jovem, que mesmo assim contribuiu para que 200 adultos e 60 crianças se sentissem mais acolhidos nos dois meses de projeto.
“O quintal produtivo é muito importante para melhorar a qualidade da alimentação da minha família e dos meus filhos. Estou agradecida pelo projeto estar nos proporcionando isso”, relatou a participante Liliane Barbosa de Moura, 24, ainda durante as atividades.
Confira o Instagram do projeto Educar em Tempo de Pandemia
A menos de 200 quilômetros dali, no bairro Auto São Francisco, município de Assu, a jovem Itamara Luiza da Silva, 26, tem a convicção de que os jovens negros das periferias podem ser referência na construção de um Brasil mais igualitário e justo. Ela não apenas acredita, como contribuiu para que isso aconteça.
“Tenho uma filha pequena e, como mãe, sei que as crianças são sem dúvidas as mais prejudicadas com os agravos da pandemia. Meu sentimento maternal, de educadora e principalmente mulher me fez me inscrever neste projeto, que está sendo realizado 90% on-line devido a pandemia”, conta Itamara, que é formada em História.
“Tenho um grupo de voluntários que chega a 40 pessoas. Junto de outro jovem de Assu, que também está no edital, nós realizamos muitas coisas em parceria. Formamos um grupo de 50 mães, oferecendo cuidados no WhatsApp, compartilhando atividades e conteúdos”.