No mês da Consciência Negra, o Baobá – Fundo para Equidade Racial, aproveita para trazer à discussão temáticas pouco exploradas, mas extremamente relevantes para a sociedade brasileira, especialmente para a população negras.

Para contribuir com essas reflexões, especialistas respondem perguntas sobre diferentes temas.

Quem comenta sobre negrxs e empreendedorismo é Giovanni Harvey, executivo, empreendedor, consultor e ativista social com mais de 30 anos de experiência na iniciativa privada, na administração pública e no terceiro setor. Tem expertise em planejamento, formatação e gestão de projetos sociais, vivência na construção de programas estratégicos e sólida experiência na formulação de políticas públicas universais ou orientadas para a redução de assimetrias regionais, de gênero ou de etnia. Fundou a Incubadora Afro Brasileira, em 2004, e foi Secretário Executivo da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, de 2013 a 2015. Atualmente, dentre outras iniciativas, coordena o projeto “Conectora de Oportunidades” e preside o Conselho Deliberativo do Fundo Baobá.

Segundo pesquisa realizada pelo Sebrae em 2018, “Global Entrepreneurship Monitor”, o número de empreendedores negros equivale a 40,2% das micro e pequenas empresas no Brasil. De que forma esse dado se conecta com a vulnerabilidade social e econômica da população negra e também com sua autonomia financeira?

O conceito de empreendedorismo mudou ao longo das últimas décadas, mas é possível afirmar que a população negra empreende no Brasil desde que o primeiro contingente de africanos chegou ao país. Desde então, todas as iniciativas que embasaram a projeção da identidade negra na política, no campo associativo, na religião, na cultura, no esporte e na vida social têm, na capacidade da individualidade negra de empreender, uma das suas dimensões. Os Quilombos, as Irmandades Abolicionistas e os Clubes Sociais Negros são exemplos de empreendedorismo, de foco e de estratégia. Atualmente o conceito de empreendedorismo tem sido empregado de uma forma mais “restrita” e tem sido vinculado ao exercício de atividades empresariais convencionais. Esta concepção atende aos interesses das novas formas de organização do trabalho e aos interesses dos modelos de produção de riqueza alicerçados no uso intensivo da tecnologia digital. O ato de empreender foi e continua a ser uma alternativa, por oportunidade ou por necessidade, ao “teto de vidro” que ainda limita a ascensão funcional das pessoas negras na iniciativa privada e aos sucessivos processos de “reorganização” do mercado de trabalho que resultam em desemprego estrutural. Tendo em vista estes aspectos precisamos distinguir o ato de empreender, numa perspectiva histórica, do uso que tem sido feito do conceito de empreendedorismo como ferramenta para a disseminação de ilusões que tem como objetivo a manter o “status quo” através da substituição do “mito do pleno emprego” pelo “mito do pleno empreendedorismo”. O nosso desafio, mais do que o reconhecimento formal do percentual de pessoas negras que empreendem, é refletir em que medida nós poderemos construir estratégias que aumentem a perspectiva de sobrevivência e promovam a sustentabilidade financeira das pessoas negras que lideram negócios em ambientes cada vez mais complexos, suscetíveis a uma gama de variáveis sobre as quais o(a) empreendedor(a) não tem nenhuma governabilidade.

Que boas práticas podem fomentar o empreendedorismo negro no Brasil?

Eu ainda não enxergo no termo “empreendedorismo negro” conceitos e métodos capazes de resistir ao crivo de uma análise científica. “Empreendedorismo negro” é, até agora, um conceito político, com aspectos positivos e fragilidades. Por esta razão vou basear a minha recomendação sobre as boas práticas nos 30 anos de experiência na iniciativa privada e no conhecimento gerado, ao longo de 15 anos, pela Incubadora Afro Brasileira, pela Incubadora de Empreendimentos Populares e pela Conectora de Oportunidades. As três iniciativas apoiaram a construção de mais de 2.500 Planos de Negócios, além de oferecerem apoio logístico, assistência técnica e consultorias. Com base nestes elementos vou destacar 03 boas práticas:

  1. Analisar o mercado para além das vicissitudes inerentes à questão racial, sem deixar de ter em mente que o tratamento da questão racial será uma variável fundamental na definição da estratégia do negócio, ainda que de forma oculta.
  2. Fazer um Plano de Negócios capaz de dimensionar o real potencial de desenvolvimento, escala de produção, capacidade de comercialização e infraestrutura de distribuição dos seus produtos e dos serviços, considerando as características do mercado no qual o(a) empreendedor(a) atua ou pretende atuar.
  3. Incorporar o uso das tecnologias digitais, desde o início, ao modelo de negócio.

Como o empreendedorismo pode mudar a realidade de pequenxs empresárixs negrxs e do entorno onde atuam?

As pessoas negras que empreendem são, em qualquer circunstância, líderes com capacidade de influenciar a cadeia de valor dos seus negócios e exercem influência sobre o ambiente social no qual os mesmos estão inseridos. Partindo deste pressuposto, as pessoas negras que empreendem tem contribuído há séculos para mudar a realidade do nosso país, nas mais variadas dimensões da vida política, econômica, religiosa, social, esportiva e cultural. Esta contribuição não está associada ao tamanho dos seus negócios pois, diga-se de passagem, não existem “pequenos(as) empreendedores negros(as)”, existem empreendedores negros(as) que lideram negócios de pequeno porte. Com base nesta compreensão é possível afirmar que os empreendimentos liderados por pessoas negras geram resultados (objetivos e subjetivos) e impactos (mensuráveis e não mensuráveis) que já contribuem para mudar a realidade do entorno onde atuam.

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