Estudantes do Programa que incentiva o acesso ao ensino superior, além das aulas contam com orientação de especialistas para alcançar o objetivo de chegar à universidade e permanecer nela
Por Wagner Prado
Quando é que surge em alguém o sentimento de pertencimento? A resposta é simples: quando a pessoa identifica a si mesma como parte de uma comunidade já estabelecida ou que está se estabelecendo. Apesar da simples resposta, a engrenagem que move sentimentos e sentidos e faz a pessoa alcançar a tal sensação de pertencimento é que é um tanto complicada. Mas não é intransponível.
Estudantes do Programa Já É, do Fundo Baobá para Equidade Racial, estão sendo orientados para alcançar a sensação de pertencimento. São jovens negras, negros e negres da cidade de São Paulo e da região metropolitana, moradores de bairros e/ou comunidades periféricas, do sexo masculino e feminino, cis (pessoa que se identifica com o gênero que foi atribuído a ela no nascimento), trans (pessoa que não se identifica com o gênero que foi atribuído a ela no nascimento) e não binários (pessoa designada como menino ou menina ao nascer, mas que não tem identificação com nenhum desses dois gêneros).
O Já É é um programa de acesso e permanência no ensino superior, de preferência em universidades públicas, para esses jovens negros . Ele procura ampliar as oportunidades de acesso ao ensino de nível superior em algumas das melhores instituições de ensino do país, quer sejam elas gratuitas ou pagas. Acontece que esse grupo de jovens, ao longo de suas trajetórias pessoais, não foi contemplado com o melhor ensino no nível básico. Portanto, carregam algumas defasagens que precisam e estão sendo superadas. O Programa Já É está em seu segundo ano de execução. Neste segundo ano é apoiado pela empresa MetLife, que fez aporte de R$ 1 milhão para o desenvolvimento dos e das estudantes.
Caminhos da superação
Mas como superar disparidades que colocam quem teve maior poder aquisitivo e pôde frequentar as melhores instituições particulares de ensino, desde a base, no caminho preferencial? O estabelecimento de políticas públicas não governamentais, que sejam afirmativas e gerem oportunidades de desenvolvimento de potencialidades.
O Fundo Baobá, na elaboração do projeto do Programa Já É, estabeleceu que os estudantes selecionados teriam mentorias de caráter coletivo e de caráter individual com foco na ampliação de suas potencialidades acadêmicas e também suas potencialidades socioemocionais.
Essa atividade de mentorias é metodologicamente voltada para pessoas pretas. Ela aborda, de forma sistêmica o processo de estudo que será empregado, considerando os efeitos psicossociais do racismo como algo de extrema singularidade na experiência educacional de cada pessoa. É uma jornada de autoconhecimento em busca de transformação, que reforça as positividades existentes e procura dirimir as negatividades. O resultado pode ser observado em aspectos como a importância de se organizar para a concretização de projetos pessoais, para reter as informações trazidas pelo estudo e também para a realização dos afazeres profissionais.
A primeira, das 12 sessões de mentoria coletiva foi presencial e aconteceu em 11 de junho. A equipe de mentoria é formada por Ellen Piedade (Gestora de Políticas Públicas pela Universidade Candido Mendes e bacharel em Ciências Políticas pela Universidade de Brasília); Juliana Lima (Pós-Graduada em Direito Empresarial pela Legale Educacional e graduada em Direito pelo Centro Universitário Cesmac, de Alagoas); Jussiara Leal (Graduada em Psicologia pela Universidade de Pernambuco) e Glauber Marinho (Pedagogo pela Universidade de Brasília).
Serão feitos outros 11 encontros até o final do segundo semestre, com periodicidade quinzenal e temas variados, como: Planejamento, autoconsciência, autogestão e plano de estudos na prática. Outros dois encontros presenciais estão agendados.
Ellen Piedade, que coordena o time de mentores, fala sobre o objetivo acompanhamento e mentoria para o Programa Já É. “Temos como propósito combater o racismo, por meio de capacitação de alta qualidade e estímulo ao desenvolvimento de habilidades socioemocionais em pessoas negras. Especificamente na mentoria para estudantes, atuamos a partir de uma metodologia afrocentrada, que oferece ferramentas para lidar com o desafio pré-universitário e universitário”, diz.
Fazer com que estudantes negros não represem suas potencialidade e deixem aflorar até as que não tinham conhecimento é fundamental. “A mentoria trabalha a partir de quatro pilares: intelectual, emocional, físico e espiritual. É uma proposta de olhar sistêmico para os recursos necessários para desenvolvimento de competências que impactam diretamente na vida profissional desses jovens. A mentoria trabalha desde métodos de estudo, os efeitos psicossociais do racismo, sustentabilidade e ecologia de projetos profissionais, quilombismo e consciência social. O foco é investir no protagonismo delas e deles como estudantes e profissionais”, afirma Ellen Piedade.
As variáveis que podem afetar um bom desempenho estudantil e, posteriormente, profissional, são levadas em conta e analisadas. “Além de revelar métodos de estudos que normalmente não foram ensinados de forma explícita para esses alunos, a mentoria tem uma abordagem que considera outras variáveis que afetam a adesão aos estudos: a sensação de pertencimento, as aspirações e o empoderamento dessas e desses jovens. É um olhar real do trajeto que é necessário percorrer para alcançar a universidade, se formar e entrar no mercado de trabalho”, declara Ellen.
Jovens negras, negros e negres lutando para alcançar um nível educacional que muitos em suas famílias e entre seus amigos não têm. Como lidar com as dificuldades que isso pode trazer? Ellen Piedade explica: “Na mentoria, o coaching é uma metodologia que ampara a organização do projeto profissional definido (entrada na universidade, a permanência nela e a colocação profissional). É necessário identificar onde se está e para onde se quer ir e, a partir desse diagnóstico, constroem-se os caminhos possíveis para a realização do objetivo, estimulando uma tomada de decisão coerente. Dessa forma, essa é uma metodologia orientada ao estímulo, ao protagonismo necessário e maior eficiência das ações que levam ao alcance do objetivo. Tudo isso em uma lógica sustentável e que considera a realidade de cada estudante, sem fórmulas mágicas absurdas e irreais”.