Quilombolas em Defesa: Em busca de seus direitos, organizações compartilham o saber

Baobá - Fundo para Equidade Racial

30 de maio de 2022

        Por Wagner Prado 

Eu tenho uma casinha lá na Marambaia

Fica na beira da praia, só vendo que beleza

Tem uma trepadeira, que na primavera

Fica toda florescida de brincos de princesa

Quando chega o verão eu sento na varanda

Pego o meu violão e começo a cantar

E o meu moreno que tá sempre bem disposto

Senta ao meu lado e começa a cantar

Casinha na Marambaia / autores: Henricão e Rubens Campos

Os versos da canção Casinha na Marambaia, ilha do litoral fluminense, levam a mente a imaginar um lugar bucólico (e isso é mesmo!), de vida acontecendo de forma lenta e quase sem  esforço. A realidade não está muito longe do que a letra da música diz. Mas deve ser acrescentado a isso muito trabalho, busca pelo desenvolvimento e luta pelos direitos da comunidade quilombola do local. Eles descendem de africanos escravizados, levados de forma forçada àquele local para trabalhar no plantio e colheita de café, atividade agrícola que lá era desenvolvida no Século 19. Hoje, a Marambaia está sob posse das Forças Armadas do Brasil, mais precisamente da Marinha Brasileira, com quem os moradores travam briga jurídica secular, uma vez que reivindicam a posse coletiva do território da   Marambaia, que é deles por direito.

Na Marambaia está a Associação da Comunidade dos Remanescentes de Quilombo da Ilha de Marambaia (Arqimar), que tem em Jaqueline Alves uma de suas lideranças. A comunidade sobrevive da agricultura e da pesca. Com apoio do Baobá pretende alcançar um melhor desenvolvimento de sua produção agrícola, e  um  incremento de seus produtos de pesca visando geração de renda  e autossustentabilidade. 

Jaqueline Alves -Associação da Comunidade dos Remanescentes de Quilombo da Ilha de Marambaia – RJ

A vida é semelhante para a Associação dos Remanescentes de Quilombos de Alto Alegre, a Arqua, da cidade de Horizonte, no Ceará. A luta dos quilombolas da Arqua, liderada por Cícero Luiz da Silva, é praticamente a mesma: salvaguardar os direitos da comunidade sobre suas terras, proteger seu modo de vida e costumes da predação cultural. 

A necessidade de buscar o conhecimento, o desenvolvimento e a manutenção de suas existências levou as duas associações a inscreverem-se no edital Quilombolas em Defesa: Vidas, Direitos e Justiça, do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas). O edital conta com financiamento da IAF (Inter American Foundation) e beneficia 35 organizações formadas e dirigidas por quilombolas. Cada uma recebe R$ 30 mil.  

A Associação da Comunidade dos Remanescentes de Quilombo da Ilha de Marambaia e a Associação dos Remanescentes de Quilombos de Alto Alegre (Arqua) estão em pleno exercício do aprendizado de novas habilidades para pôr em curso suas estratégias de sobrevivência. Desse aprendizado fazem parte treinamentos sobre como desenvolver uma proposta de projeto, elaboração de um plano de ação, cronograma de atividades, planejamento financeiro, letramento digital (uso das ferramentas digitais em prol do aprendizado), entre outros conhecimentos. 

Para Cícero Luiz da Silva, da Arqua, o objetivo que buscam é “promover a igualdade racial em direitos para a população quilombola de Alto Alegre, buscando fortalecer,  juntamente com as comunidades do estado do Ceará, a luta pela titulação dos territórios, elaborar e sugerir políticas, inclusive de ações afirmativas, promover trabalhos e estabelecer estratégias para proporcionar desenvolvimento sócio econômico, educacional e cultural, além de proteção ao meio ambiente e aos saberes e fazeres quilombola desta comunidade, além do combate às ações racistas e discriminatórias”, revela.

Cícero Luis da Silva – Associação de Remanescentes de Quilombos de Alto Alegre – CE

Quase na mesma linha, Jaqueline Alves, da Associação da Comunidade dos Remanescentes de Quilombo da Ilha de Marambaia, dá seu depoimento: “Nossa luta é  por melhores condições para a comunidade. Promover o desenvolvimento sustentável do povo quilombola e da atividade pesqueira. A produção social e econômica dos pescadores artesanais e de maricultura da Ilha da Marambaia. Defender juridicamente a comunidade, instituir e executar programas de salvaguarda dos saberes ancestrais, promovendo a preservação do meio ambiente e recursos naturais”, diz. 

Atividades Implementadas

As atividades de aprendizado para que as associações fortaleçam a sua resistência institucional já estão sendo implantadas. A Arqimar realizou no mês de maio uma Oficina sobre Direitos Quilombolas. Já no mês de junho o tema será Políticas Públicas. Em setembro, dando continuidade ao aprendizado sobre Políticas Públicas, os participantes da Oficina vão fazer uma visita ao MPF (Ministério Público Federal) do Rio de Janeiro. A área Ambiental e a Cultural também vão ter uma agenda de eventos e atividades formativas. 

A Arqua também já está em pleno exercício do plano de ação proposto e revisado  depois dos encontros  realizados pelo Fundo Baobá. Vai utilizar rodas de conversa para difundir saberes e fortalecer a memória quilombola com fatos históricos. Também utilizará as rodas para incutir nos jovens a importância sobre o que é estar no território do Alto Alegre,  além de já ter estabelecido três oficinas: Café com Manjeiroba – Sabores e Saberes Ancestrais; Miolo de Pote – Miolando os Saberes das Mulheres e Educação Escolar – Caminhos Percorridos para implementar a Educação Quilombola na Comunidade de Alto Alegre.  As duas primeiras aconteceram no mês de maio. A terceira, acontece em junho. 

Saberes têm que ser compartilhados e a luta em defesa de direitos reforçada. 

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