Recursos emergenciais do Edital Primeira Infância levaram bem-estar e autoestima ao povo negro na pandemia

O histórico de escravidão e de negação da relevância dos negros na construção da nossa sociedade, minam ao longo do tempo a sua identidade. Por isso, todas as iniciativas voltadas para o resgate da força e da autoestima da população negra são consideradas essenciais pelo Fundo Baobá de Equidade Racial. O edital Primeira Infância no Contexto da Covid-19, por exemplo, proposto em parceria com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, a Porticus América Latina e Imaginable Futures, caminhou nesse sentido.

A prática de observar-se, notar-se e conhecer-se deve ser estimulada entre todas as gerações, e foi o ponto de partida para o projeto da pedagoga Ayodele Floriano Silva, de 37 anos, um dos selecionados pelo Baobá. Ciente do descumprimento da Lei 10.639/03, que determina o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas públicas e privadas, ela quis levar esse conteúdo até a casa dos estudantes.

Projeto da Ayodele Floriano Silva – São Carlos (SP)

“Pela minha experiência com a formação de professoras de educação infantil percebo que muitas desconhecem livros com personagens negros, ou que tratam da história e da cultura africana e afro-brasileira. Então pensei: porque não levar esses livros para as crianças de 0 a 6 anos? Por que não circular esses livros, já que as escolas e bibliotecas fecharam por causa da pandemia? Por que não estimular as famílias a lerem para as crianças?”.

O edital permitiu que Ayodele, moradora de São Carlos, São Paulo, superasse cada “não”, reunisse colaboradores próximos e da cidade vizinha (Itirapina) para concretizar as propostas. A ONG Associação Meninos da Aracy, o programa Criança Feliz de Itirapina (do Governo Federal) e o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade Federal de São Carlos aceitaram o desafio.

Ela escalou três funcionários do Criança Feliz para atuarem como visitares. Antes participaram de reuniões presenciais e virtuais para adquirir mais conhecimento sobre temáticas como: literatura infantil e literatura infantil negra; a importância da leitura na primeira infância; a importância de personagens negros em narrativas infantis; e livros sobre as histórias e as culturas africanas, africanas na diáspora e afro-brasileiras.

Projeto da Ayodele Floriano Silva – São Carlos (SP)

“Pedi que cada visitador indicasse quatro famílias com crianças na primeira infância e eles passaram a visita-las, levando uma sacola de livros, contando as histórias e executando atividades artísticas a partir das leituras. E eles foram convidados a fazer o mesmo em seus lares”, conta Ayodele, ressaltando que o trio foi orientado a usar máscara no período das visitas; manter-se distante das crianças e realizar as leituras em áreas externas, como varandas e quintais. A cada visita também os livros e sacolas eram higienizados com álcool 70%.

Enquanto as visitas periódicas aconteciam, Ayodele foi convidada a falar sobre o projeto para 120 estudantes do curso de Licenciatura em pedagogia da UFSCar, ressaltando a importância da literatura infantil negra para a educação e para as relações étnico-raciais.

O projeto cumpriu sua missão, impactou diretamente 20 adultos e 30 crianças; outras 50 famílias receberam por aplicativo de mensagem histórias contadas em áudio e vídeo. E os posts acabaram sendo compartilhados, expandindo a proposta do projeto para um número bem maior de pessoas.

Projeto da Ayodele Floriano Silva – São Carlos (SP)

“As crianças vibraram com a histórias e os adultos também. Alguns afirmaram que nunca haviam ‘recebido a visita’ de livros que se parecem com eles. A lição que eu recebo que é preciso continuar a luta, seguir levando o que há de bom e bonito, como a arte da literatura infantil, para crianças, jovens, adultos e idosos. A prática antirracista está em várias frentes”.

O Edital Primeira Infância no Contexto da Covid-19 priorizou iniciativas de profissionais que se autodeclararam negros (as), indígenas, migrantes ou refugiados (as).

Confira abaixo algumas ações realizadas pelo projeto

Post 1

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Post 5

Post 6

“Eu me senti motivada a participar. Baseada no meu compromisso ancestral, profissional, ético, político e social, desenvolvi esse projeto para combater opressões que intensificam a vulnerabilidade dessas pessoas”, explica a psicóloga Caena Rodrigues Conceição, 30.

Determinada a fortalecer os vínculos familiares, promover a saúde e a autoestima da comunidade negra de Salvador, ela buscou a ajuda de educadores e lideranças locais; organizou um curso para tratar de paternidade e maternidade negras. Alcançou integrantes de 25 famílias da região do Centro Histórico. As aulas ocorreram em ambiente virtual, com temas variados: “Cuidado na família preta periférica”, “O que é ser mãe e pai preto periférica(o)?”, “Como é o autocuidado e a experiência de cuidado com os filhos e filhas”, “Alimentação, nutrição da família” e “Beleza Afro e Autoestima”.

Caena Rodrigues Conceição – Salvador (BA)

“Além do curso, todas as pessoas foram acompanhadas por um grupo do Whatsapp e individualmente, tirando dúvidas e recebendo os conteúdos de formação”, conta.

Outros três últimos encontros foram reservados para debate, envio de vales-fralda (R$ 50) e certificados de participação. Encorajando os adultos o projeto ainda zelou pelo desenvolvimento saudável das crianças na fase da primeira infância. Uma das participantes, Jaqueline Silva, 23 anos, mãe de uma menina de 1 ano e 4 meses, concluiu ações com a seguinte reflexão:

“Pra mim ser mãe periférica é ter uma preocupação redobrada, pois nós sabemos que temos um sistema que não nos ajuda que não está a nosso favor, principalmente quando se trata de pretos pobres periféricos. Pra mim ser mãe periférica é colocar a educação acima de tudo, para tentar mudar a realidade em que vivemos.”

** https://www.youtube.com/playlist?list=PLeB0cRuKE49vYHwDPEceSBxdOROhw-_gG

Na mesma Salvador, as iniciativas lançadas pela enfermeira Maria Carolina Ortiz Whitaker, 42, e selecionadas pelo Baobá, também se pautaram em questões afirmativas.

Em 2015 ela visitou comunidades quilombolas, durante projetos de extensão pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia. Desde então dedica-se a atividades que possam promover a igualdade racial no país.

Maria Carolina Ortiz Whitaker – Salvador (BA)

“O edital Baobá foi um sopro de esperança no meio da turbulência provocada pela Covid-19. Essa situação agravou a realidade de famílias que já experimentavam a violência e as desigualdades sociais no seu cotidiano. Assim, nosso projeto buscou em conjunto com mulheres quilombolas fortalecer a parentalidade e a promoção da cultura de paz”.

Maria Carolina e outros voluntários atuaram na comunidade quilombola de Praia Grande, uma das cinco existentes na Ilha da Maré, em Salvador, Bahia. Com a parceria de lideranças locais eles ouviram mães de crianças de até seis anos sobre os desafios da rotina durante a quarentena; entregaram materiais educativos para prevenção da Covid-19, ilustrado com representação étnico-racial; promoveram orgulho étnico, fortalecimento feminino e reflexões a respeito das relações parentais não-tóxicas

Maria Carolina Ortiz Whitaker – Salvador (BA)

O projeto abraçou cerda de 500 pessoas de até 80 famílias, após alguns desafios: antes de mais nada foi preciso adquirir um roteador e instalar um ponto de internet na comunidade, a fim de divulgar as atividades usando aplicativo de mensagens e redes sociais. Depois se fez necessário estimular o uso da internet como responsabilidade e obter o reconhecimento do trabalho comunitário como potência.

“A nossa convivência com os quilombolas renderam aprendizados de perseverança, luta e garra. Atividades devem ser continuadas apesar de muitas vezes querermos desistir, os resultados positivos chegam de onde menos se espera. Devemos acreditar sempre.”

Maria Carolina Ortiz Whitaker – Salvador (BA)

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