Semeando mudanças

Promovido em conjunto pelo Baobá – Fundo para Equidade Racial, Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e Coordenação Estadual das Associações de Comunidades Remanescentes de Quilombo (Malungu/Estado do Pará), Associação das Comunidades Remanescente de Quilombo de Igarapé Preto a Baixinha (ARQIB), o projeto “Saúde Mental Quilombola: Direitos, Resistência e Resiliência”, iniciado em dezembro de 2022  com apoio da Johnson & Johnson, buscou dialogar com lideranças comunitárias, trabalhadores da saúde, juventude, homens e mulheres, em uma espécie de coligação na criação de estratégias para o resgate da autoestima de pertencer a um quilombo.  

De oficinas de saúde mental para profissionais da saúde e da educação, à criação de redes de apoio, o projeto desencadeou transformações. A saúde mental deixou de ser um tabu e se tornou um tema aberto para discussão, promovendo o bem-estar individual e coletivo.

As parcerias com profissionais de saúde, comunicação e lideranças quilombolas, fortaleceram a iniciativa, permitindo a identificação de problemas e ações conjuntas, gerando uma abordagem de cuidado integral.

Os relatos a seguir ilustram como as ações concretas do projeto moldaram uma nova realidade, desencadeando ondas de transformação coletiva e convidando a um olhar mais profundo sobre os impactos alcançados.

Ampliando horizontes dos profissionais da saúde e educação

A estratégia de implementação se deu pelo fortalecimento das bases da comunidade, capacitando profissionais de saúde e educação, com técnicas de acolhimento, identificação e encaminhamento adequado para os casos de saúde mental. Essas pessoas se tornaram multiplicadores da informação, trazendo cuidado e conhecimento às comunidades quilombolas atendidas. “As atividades de formação foram voltadas ao desenvolvimento de competências técnicas pelos participantes”, revelou Álvaro Palha, psicólogo e líder da equipe multidisciplinar responsável pelas oficinas sobre saúde mental. 

A partir das oficinas, que abordaram desde saúde mental até doenças crônicas, os profissionais de saúde se fortaleceram como pilares de uma rede de apoio capaz de identificar e cuidar das necessidades da comunidade. Essas atividades abriram portas para uma abordagem integral da saúde.

“Eu aprendi a enxergar a saúde de uma forma diferente, mais ampla.” – Maria do Ó, Agente Comunitária de Saúde.

Da mesma forma, profissionais da educação experimentaram uma transformação significativa por meio do projeto, adquirindo uma compreensão aprimorada dos desafios e necessidades que permeiam as comunidades. As oficinas proporcionaram a eles a habilidade de identificar sinais de alerta relacionados à saúde mental em seus alunos, facilitando uma abordagem mais atenciosa. O processo educativo, visto como principal meio de transmissão de conhecimentos, evoluiu para uma poderosa ferramenta de empoderamento, abrangendo não apenas o aspecto acadêmico, mas também o emocional e cultural dos alunos e alunas.

Comunicação para o bem viver

“As oficinas de vídeo me deram coragem para compartilhar nosso modo de vida.” – Sinalva Vieira Martins

Ao entrarmos nas comunidades quilombolas, entender os modos de comunicação e educação já estabelecidos é fundamental pensar na comunicação participativa, envolvendo as pessoas da comunidade, não só como receptores, mas como protagonistas dos conteúdos produzidos. Nas oficinas, foram trabalhados temas como comunicação não violenta e o fortalecimento dos vínculos entre lideranças e moradores, valorizando a riqueza dos saberes locais e suas formas de repasse. A partir de seus celulares, foi possível roteirizar, captar e editar imagens. “A oficina de audiovisual foi muito importante para gente por conta do conteúdo que nós aprendemos e entendemos. O celular é uma ferramenta que nos ajuda a divulgar pequenas coisas, ele é usado também para fazer algumas denúncias, que também ajudam muitas pessoas. E sobre as nossas atividades, fizemos um minicurso de como gravar, tirar fotos, fazer colagem, cortes e muitas coisas legais, a gente se divertiu muito com tudo isso”, relata Gilberto Ribeiro, morador da Comunidade de Baixinha.

“Conseguimos registrar e entender como a comunidade cada vez mais se comunica, se fortalece, se potencializa, se movimenta e funciona. O objetivo foi mostrar como usar essa ferramenta, o vídeo, em prol da transformação, de educação e de arte”, conta Tamara Mesquita, do Negritar.

Um novo olhar

“Agora, quando meu filho fica triste, eu entendo que pode ser algo mais profundo.” – Morador Anônimo

O projeto teve um impacto profundo nas comunidades, transformando a forma como os moradores encaram a saúde mental. Antes, a tristeza ou o isolamento eram muitas vezes minimizados, mas agora os moradores reconhecem os sinais sutis de questões emocionais e se sentem mais à vontade para procurar apoio e orientação.

As mulheres nas comunidades sentiram uma mudança significativa, passando de uma posição onde suas necessidades de saúde eram negligenciadas para serem ouvidas e respeitadas. Além disso, os profissionais de saúde também notaram uma mudança em sua abordagem, trabalhando em conjunto com as comunidades para promover a saúde mental.

Maria do Ó, uma Agente Comunitária de Saúde, destacou como o projeto aprimorou sua capacidade de identificar problemas de saúde mental e encaminhá-los adequadamente. Além disso, Sinalva Vieira Martins, outra agente comunitária de saúde, enfatizou a confiança que desenvolveu para lidar com questões emocionais e uma grande mudança em sua forma de comunicação e na compreensão das necessidades dos moradores.

O que nos reserva o futuro?

O impacto deixado pelo projeto Saúde Mental Quilombola é profundo e ressoa nas vozes dos moradores e profissionais que estiveram envolvidos. Marinilva, presidente da ARQIB, compartilha a importância do conhecimento adquirido: “Este projeto nos brindou com conhecimento e voz. Essa é uma herança que transmitiremos adiante.”

Por meio da educação, capacitação e empoderamento, o projeto pavimentou o caminho para uma compreensão mais ampla e inclusiva da saúde mental, resultando em uma comunidade mais unida, informada e resiliente.

O compartilhamento de saberes se tornou um fator importante para todas as pessoas. As atividades de conscientização não somente informaram, mas também fortaleceram os moradores, incentivando-os a participar ativamente na defesa de seus direitos e bem-estar, além de estreitar significativamente os laços de confiança e colaboração entre profissionais e comunidades.

Álvaro Palha observou a mudança na dinâmica entre profissionais e a comunidade: “Os profissionais evoluíram de meros prestadores de serviços para parceiros de cuidado.” 

Direitos quilombolas, saúde mental, saúde da mulher e doenças crônicas deixaram de ser questões distantes e inacessíveis. “Antes, eu tinha pouco conhecimento sobre nossos direitos. Agora, posso defendê-los”, declara Cleonice, uma moradora cujo sustento provém da agricultura e venda de bolos.

Por fim, falar dos direitos básicos à terra e a sua própria identidade é reforçar o protagonismo de cada quilombola e fornecer subsídios para sua recuperação. Aquilombar é um processo de resistência, é um mecanismo de defesa na luta pelo direito à vida e à liberdade.

 

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