No mês dedicado à consciência negra, a direção do Fundo Baobá para Equidade Racial participou de lives e webinarios falando sobre equidade racial, representatividade negra nos espaços públicos e de tomadas de decisões, a importância da educação como instrumento na redução das desigualdades sociais e raciais e o papel da mídia na cobertura da pandemia do novo coronavírus, doença que escancarou o racismo e acentuou ainda mais as desigualdades em nosso país.
A primeira live de novembro aconteceu no dia 5, dentro do projeto “Redes&Raízes” do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) no Brasil, em parceria com o Observatório da Juventude do UNFPA, e contou com a participação da diretora-executiva do Fundo Baobá, Selma Moreira, no treinamento “Captação de Recursos para Organizações”. Selma exemplificou para os jovens presentes o conceito de captação e como deve ser realizado: “Captação é igual negócio, você precisa investir para ter retorno. Tem que pensar quais são os recursos disponíveis para trazer o investimento. Isso não acontece magicamente”.
Durante o evento virtual, o participante do Observatório da Juventude da UNFPA, Hugo Sabino dos Santos, fez o seguinte comentário: “A apresentação da Selma me trouxe muitas reflexões sobre entender o lugar de quem está nessa posição de captador. Entendi o quão necessária é a minha formação sobre o conhecimento da instituição em que trabalho, porque, possivelmente, também eu esteja dentro dessas reuniões, desse discurso e dessa troca de captação”.
Diante dessa reflexão, Selma respondeu: “A gente tem uma equipe bem pequena no Fundo Baobá, mas todo mundo tem que ser captador, isso não significa que vai estar sempre à frente [da captação]. Se, às vezes, você vê uma oportunidade ou lê um edital, mas se não está conectado com a alma da organização, pode deixar passar”.
No dia 26, Selma Moreira retornou para outra formação do “Rede&Raízes” sobre captação de recursos, que teve a participação de 19 jovens representantes de coletivos, organizações e iniciativas para as juventudes negras. Selma apresentou passo a passo para que as entidades possam se afirmar, citando por exemplo, a criação de alinhamentos institucionais estratégicos. Além de construir um planejamento orçamentário, um plano de mobilização de recursos buscando pessoas e parceiros para dialogar e criar estratégias de captação. “O trabalho de captação pelos coletivos possuiu uma camada a mais, que é a camada da barreira jurídica. Existe o desafio do tempo presente, as organizações não estão preparadas para lidar com coletivos (grupos que não sejam formalmente constituídos como organizações da sociedade civil). É uma questão do nosso modelo jurídico, muitas vezes o projeto tem conexão, mas não tem institucionalidade – dado que o coletivo não tem CNPJ.”
Segundo a diretora-executiva do Fundo Baobá, o ambiente e a visão de empresas estão em transformação e as organizações da sociedade civil podem auxiliar neste processo: “Parte do nosso trabalho é construir caminhos e deixar nítido para as instituições que esses pontos não devem ser encarados de maneira superficial”.
A cobertura completa do evento, você pode acompanhar na matéria completa no site oficial da UNFPA
O curso virtual “Raça, Gênero, Democracia e Participação Política no Brasil”, uma iniciativa do Instituto Geledés da Mulher Negra, em parceria com a Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo, contou com nove aulas semanais, dos dias 22 de setembro a 17 de novembro. E no dia 10 de novembro, aconteceu a aula de número oito, com o tema Promoção da Equidade de Raça e Gênero, e teve a participação da diretora-executiva do Fundo Baobá, pós-graduada em Gestão Estratégica em Comunicação Organizacional e Relações Públicas, pela Escola de Comunicação e Artes da USP e MBA em Gestão e Empreendedorismo Social, pela FIA, Selma Moreira, ao lado do doutor em sociologia e pós doutor no departamento de estudos africanos e da diáspora africana pela universidade de Wisconsin, Sales Augusto dos Santos, com a mediação da professora e mestre Suelaine Carneiro.
Em sua fala, Selma apresentou o trabalho do Fundo Baobá e destacou: “Um dos desafios que nós temos é como conseguir constituir a pauta da equidade racial em uma conversa para todo o mundo. Hoje o movimento negro tem feito um esforço hercúleo para entrar em mentes e corações, e eu acho que a gente consegue sonhar quando a gente alcança esse espaço, nessa perspectiva do quanto é fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, mais equânime e mais inclusiva, conseguir entender as diferanças e, a partir delas, dar um passo para o nosso próximo momento como sociedade.”
Selma aproveitou para frisar a importância de se trabalhar com investimentos focados na promoção da equidade racial no país: “A gente vive um momento, em todo o mundo e, principalmente no Brasil, onde negar a existência do racismo, fazendo um discurso só com uma perspectiva de classe, não é mais suficiente, em função de todos os movimentos realizados, promovidos historicamente pelo movimento negro. A gente chegou em um momento que não se permite mais negar a necessidade de investimentos focados. As organizações como o Fundo Baobá, que fazem parte da Rede de Fundos para Justiça Social, tem promovido esse diálogo, na perspectiva de repensar os seus investimentos, mas também de pensar os seus times; trabalhar na perspectiva de inclusão; trabalhar as relações raciais, tanto no escopo programático, da forma como se investe e qual o diálogo é feito com o campo, mas também em um olhar interno. Eu diria que esse discurso, ele tem aberto espaço para dialogar com as empresas onde ainda há resistência e uma certa timidez”.
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Selma Moreira, também participou no dia 17 do evento internacional “Moving Forward: Rebuilding a More Just and Equitable Educational Future” (Seguindo em frente: reconstruindo um futuro educacional mais justo e equitativo), organizado pela WISE, que é uma plataforma internacional multissetorial para pensamento criativo, debate e ação proposital, promovendo a inovação e construindo o futuro da educação por meio da colaboração. Selma contextualizou o cenário educacional em nosso país, enfatizando as desigualdades raciais existentes no processo, apresentando dados alarmantes: “Um rápido olhar sobre a questão do racismo no Brasil e seu impacto na educação de jovens negros apresenta números que chocam, pois os negros correspondem a 56% da população brasileira, mas quase 10 a cada 100 negros com idade acima de 15 anos não sabem ler e escrever. A taxa de analfabetismo é 3 vezes maior em negros que em brancos. 76% dos jovens brancos entre 15 e 17 anos estão matriculados no ensino médio, entre negros, este número cai para 62%. 55,8% de brancos concluem o ciclo básico de educação, entre negros o número cai para 40,3%”. Selma também usou o espaço para falar sobre a atuação do Fundo Baobá na promoção da equidade racial no país: “Junto com Desenvolvimento Econômico, Viver com Dignidade, Comunicação e Memória, Educação é um dos eixos que definimos para a atuação do Baobá – que atualmente é o único fundo brasileiro que se dedica, exclusivamente, à promoção da equidade racial para a população negra. Tanto que este ano, mesmo em meio à pandemia do coronavírus, o Fundo Baobá lançou um edital, em parceria com a Fundação Citibank, para preparar jovens da periferia de São Paulo, a maior cidade do país, a alcançar o ensino superior”. O Programa Já É – Educação para Equidade Racial, citado por Selma, inclui o custeio dos estudos em cursinho preparatório para o vestibular e as despesas com transporte e alimentação ao longo do programa, que deve ter duração de 12 meses, além de atividades voltadas para o enfrentamento dos efeitos psicossociais do racismo e para a ampliação das habilidades socioemocionais e vocacionais, incluindo programa de mentoria.
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No dia 25 de novembro, o presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, Giovanni Harvey, mediou uma importante discussão: Onde estão os negros no Serviço Público. Segundo dados do IPEA (Instituto Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada), divulgados este ano, o número de funcionários públicos no Brasil é de 11,4 milhões nas esferas federal, estadual e municipal.
Embora o governo não torne público dados do número de funcionários por recorte de cor ou raça, estima-se que apenas 35% dos postos do serviço federal são ocupados por negros. A Prefeitura de São Paulo é a única no País a ter um recorte por raça e cor dos seus funcionários: 28,6% deles, ativos da Prefeitura de São Paulo são negros. E eles têm participação maior nos quadros de nível básico, em que representam 48%.
Foi para discutir caminhos para um maior acesso dessa população que o Instituto República chamou, Matilde Ribeiro, ex-ministra da Seppir (Secretaria de Políticas para Promoção da Igualdade Racial), Eloi Araujo, ex-ministro da Seppir (Secretaria de Políticas Públicas para Promoção da Igualdade Racial) e Paulo Paim, atual senador da República pelo estado do Rio Grande do Sul.
Giovanni Harvey que também já atuou em diferentes instâncias de governo, iniciou o debate com uma indagação sobre como é possível contribuir para uma diversidade de pessoas no serviço público.
Para Matilde Ribeiro “a gestão, no sentido do desenvolvimento, tem que ser democrática, participativa, visando o bem comum. Pessoas em diferentes posições no jogo, mas o jogo deve ser jogado por todos. Já as ações afirmativas, como forma de construção de Justiça diante de situações de desigualdade, passa pela ação por construção de diversidade, construção de inclusão, construção democrática de participação e construção do desenvolvimento igualitário. As duas coisas, portanto, têm total conexão”, afirmou.
O senador Paulo Paim, corroborando com o pensamento de Matilde Ribeiro, enalteceu em sua fala as importantes contribuições que as várias vertentes do movimento negro deram para a construção de políticas inclusivas dentro do funcionalismo público e em outros segmentos do trabalho. “A criação do Estatuto da Igualdade Racial é uma das grandes vitórias do movimento negro brasileiro. Foi por intermédio dele que, em 2014, foi estabelecida a Lei de Cotas no Serviço Federal, a Lei 12.990/14. Um benefício para muitos que estavam à margem desse processo de sequer poder aspirar a um cargo na esfera pública federal”, afirmou.
Embora exista uma Lei de Cotas, para o ex-ministro Eloi Araujo isso ainda não é o suficiente. A reivindicação tem que ser maior. “Quero pensar sobre como somos minoria na administração pública. Os números divulgados pelo IPEA dão conta da minoria absurda que é a comunidade negra na administração pública. Na diplomacia não somos 6% de negras e negros. Entre embaixadores não contamos 10 negros. e negras. Na auditoria da Receita Federal, não chegamos a 15% de negros e negras”, disse.
Para Araujo, é preciso maior avanço na presença negra no serviço público de uma forma geral. Para isso, ele pede uma mobilização. “Temos que avançar em algumas políticas públicas. Criar protocolos rigorosos no sentido de proteger a saúde, proteger a vida de negros e negras que são ofendidos nas favelas. Que são ofendidos pelo Estado brasileiro. Criar protocolos rigorosos para avançar nas políticas de ação afirmativas, notadamente nas políticas de cotas. Essa é a forma mais intensa de avançar com a perspectiva educacional, uma perspectiva de ingressar a juventude negra na universidade. Agora que o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) ganhou esse conceito constitucional, temos que estimular a juventude negra a ir para as universidades e prestar concursos públicos para todos os cargos da administração pública superior”, afirmou.
Acompanhe a live completa abaixo
No mesmo dia, a diretora de programa do Fundo Baobá, Fernanda Lopes, foi uma das convidadas da live “Um olhar para a mídia negra no ‘novo normal’: Potencialidades e desafios”, organizada pela Revista Afirmativa, em parceria com o Lab Afirmativa de Jornalismo, que marcou o lançamento do Ebook “Narrativas Afirmativas em Tempos de Pandemia”. O evento mediado pela jornalista Alane Reis contou também com Thales Vieira (Instituto Ibirapitanga), Lígia Batista (Open Society Foundation), Atila Roque (Fundação Ford), Rosana Fernandes (Cese), Taciana Gouveia (Fase), além da estudante de jornalismo, Andressa Franco, e da jornalista recém formada, Brenda Gomes, ambas contribuíram na produção do Ebook.
As estudantes de jornalismo, Andressa Franco e Luana Gama, escreveram a matéria “Emprego, renda e Covid-19: O impacto da pandemia na vida dos trabalhadores negros”, que narrou histórias de pessoas como o jovem Matheus Cardoso, que mora no bairro de Pernambués em Salvador (BA), e durante a pandemia passou a trabalhar como entregador de comidas por aplicativo, após ser dispensado do estágio em uma academia. Assim como também nos apresentou a vida de Darcilene de Jesus, moradora do bairro Engomadeira em Salvador (BA), que trabalha como diarista. Antes da pandemia, ela fazia faxina três vezes por semana na casa de uma senhora que morava com a filha. Após as medidas de isolamento social foi dispensada pela patroa, que faz parte do grupo de risco. Sem carteira assinada, sem benefício algum e com um filho de três anos, Darcilene passou a receber o auxílio emergencial.
Para Andressa Franco, escrever essa matéria e acompanhar esses relatos “foi muito mais do que contar histórias, foi a oportunidade de ter empatia com todas elas. Nós conseguimos construir novas perspectivas para o futuro”.
Brenda Gomes, por sua vez, ao lado da estudante de jornalismo, Thaís Vieira, assinou a matéria “Mirtes Souza e Danúbia Silva: Mães entre a saudade e a revolta”. O texto conta a história de “Duas maternidades que foram interrompidas durante a pandemia”, alerta Brenda. A história de Mirtes ficou conhecida no Brasil todo. A empregada doméstica de Pernambuco, que saiu para levar os cachorros dos patrões para passear e deixou o filho, Miguel, no apartamento junto com a patroa e primeira-dama da cidade de Tamandaré (PE), Sari Corte Real. A criança saiu do apartamento de Sari, no 5º andar, para procurar a mãe e foi até os elevadores do condomínio. A patroa acionou a tecla do elevador que dá acesso à cobertura. Miguel parou no 9º andar, escalou um vão e alcançou uma unidade condensadora de ar, se desequilibrou e caiu do prédio.
Brenda Gomes também contou a história da baiana Danúbia Santos, que perdeu o seu filho Marcus Vinícius, de 21 anos. Ele saiu de casa para comprar bolo para celebrar o aniversário de 1 mês do seu filho e foi atingido por tiros e chutes na costela, durante uma operação da polícia militar.
Mediando o bate-papo, Alane Reis ressaltou que histórias como as de Danúbia, Mirtes, Darcilene, Matheus e muitas outras registradas no Ebook só foram contadas porque a mídia negra cumpre essa função de contar a sua própria história: “Somos nós falando de nós para todo o mundo”. Alane ainda citou que há 65 mídias negras no Brasil e que esse trabalho pode se intensificar ainda mais se houver uma unidade: “Apesar da mídia negra ser tão forte, existe uma necessidade que a gente dialogue mais”.
Lígia Batista, da Open Foundation Society, também ressaltou a importância histórica da atuação das mídias negras em nosso país, principalmente em tempos de pandemia, onde se acentuaram ainda mais as desigualdades: “A mídia negra tem o papel de ressignificar a nossa história, acabando de uma vez por todas com o mito da democracia racial”.
“São as mídias negras que movem a estrutura narrativa, elas são as placas tectônicas narrativas”, diz Thales Vieira do Instituto Ibirapitanga: “Afinal de contas, as histórias estão sendo contadas o tempo todo, mas quem está contando as nossas histórias e como estão contando?” questiona.
O diretor-executivo da Fundação Ford para Brasil e América Latina, Atila Roque, fez questão de ressaltar a importância da produção do Ebook ter sido feita por 11 jovens negros, além de as equipes de editoração e diagramação também serem negras: “É impossível não olhar para essas carinhas e não ter uma explosão de esperança e um sopro de visão de futuro, Nós precisamos redimensionar as nossas possibilidades de reimaginar o Brasil.”
Fernanda Lopes, ressaltou que o direito à informação é um direito humano e que a mídia negra cumpre o papel de informar e fazer valer esse direito, ao construir novas narrativas: “É importante reiterar esse lugar do jornalismo de escrevivência, que retrata a sociedade brasileira nessas diferentes dinâmicas, sendo a forma de oferecer para a sociedade a oportunidade de mudar paradigmas, desnaturalizar estigmas, construir novas representações sociais e um novo imaginário coletivo sobre a população negra brasileira”. Por fim, a diretora de programa do Fundo Baobá afirmou: “O futuro é a transformação e o novo normal é a mudança”.
Para Taciana Gouveia, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), e grande parceira do Lab Afirmativa de Jornalismo desde 2016, não há nada de novo para as populações mais vulneráveis, no contexto da pandemia do novo coronavírus: “Não há nada de novo na forma como vivem as favelas, as populações vulneráveis e LGBT+, quem é privilegiado, continua sendo privilegiado. Não existe novo normal”.
Rosana Fernandes, da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese), também traz a sua visão crítica para o chamado “Novo Normal”: “O normal pra gente é isso que a gente vê todos os dias, é isso que está no Ebook, essa tragédia cotidiana, que nós mulheres, homens negros, particularmente, vivenciamos todos os dias, a juventude que é exterminada e a mulher que tem o seu filho morto por uma bala perdida, que na verdade é uma bala acertada”.
Leia gratuitamente o Ebook Narrativas Afirmativas em Tempos de Pandemia aqui. E acompanhe a live completa abaixo.